ENVIADA ESPECIAL A CHICAGO (EUA) - A agenda de inovação do Banco Central (BC) no Brasil pode servir de motor para uma nova onda de investimentos em startups do setor financeiro. Depois de pagamentos, crédito e seguros, agora o foco está em empresas responsáveis pelo chamado “financial plumbing”, ou seja, o “encanamento do mercado”, em tradução literal.
A expectativa é que esses negócios, acostumados a atuar nos bastidores do setor, ganhem evidência com o avanço do open finance, sistema que permite o compartilhamento das informações financeiras dos clientes, e o lançamento do real digital, o Drex, que, no futuro, conectará com o Pix.
Na última semana, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, participou de uma série de eventos, encontros com investidores e reuniões com empresas nos Estados Unidos. A agenda de inovação brasileira esteve no centro dos debates, que aconteceram em Nova York e Chicago, em meio a um cenário global desafiador tanto na geopolítica, com a guerra no Oriente Médio, como na macroeconomia, diante dos juros altos no mundo, fora o debate sobre a mudança da meta fiscal no Brasil.
“Essa inovação é um trem que já partiu e não volta mais”, disse Campos Neto, em evento da MBA Brasil, em Chicago, na última sexta-feira, 10. “Vão ter investimentos em empresas do segmento, novos tipos de serviço e barateamento de custo, porque serão inseridos processos digitais em sistemas bancários que são legado, ainda antigos”, acrescentou.
De acordo com ele, foi implementada apenas uma “parcela pequena” do que foi planejado na agenda de inovação do BC, que deve continuar, mesmo após o fim do seu mandato. Para Campos Neto, ainda há uma “ineficiência” do sistema em termos de monetização de dados e é necessário um trabalho para torná-los homogêneos e inseri-los em uma estrutura que seja positiva para os usuários.
Carteira digital
No futuro, a expectativa é que haja uma carteira digital de dados e que será construída por superapp agregador, que vão captar todas as movimentações dos usuários, conforme o presidente do BC. “Daqui a um ano e meio, dois anos, você não vai ter mais um app do Itaú, do Bradesco ou do Santander”, projetou Campos Neto. “Você vai ter um app que a gente chama de agregador. E aquele app vai, através do open finance, integrar todas as suas contas”, explicou.
A expectativa em torno da agenda de inovação do BC tem impulsionado a caça de oportunidades por fundos de venture capital, que procuram empresas nascentes e aportam cheques menores, preparando o terreno para investidores maiores. Depois de um período de investimentos contidos em meio ao cenário de juros altos, há a expectativa de novas rodadas de captações em 2024, conforme gestores ouvidos pelo Estadão/Broadcast.
Do lado macro, a consolidação do programa nas mãos da autoridade monetária que atua em conjunto com o setor privado atrai interesse local e externo. Já no micro, o recente inverno das startups, que acabou com a farra de capital barato e valuations nas alturas, ajuda a costurar negócios mais vantajosos para os fundos.
“O poder de barganha voltando um pouco mais para os investidores trouxe uma racionalidade muito boa”, admitiu o vice-presidente da gestora General Atlantic, Mark Traiman.
‘Berçário de oportunidades’
Para o sócio da Valor Capital Group, Michael Nicklas, os próximos dois anos serão um “berçário de oportunidades” no Brasil. Com US$ 1,6 bilhão sob gestão, o fundo tem investido entre 30% e 40% dos recursos que capta em empresas novatas do setor financeiro no Brasil.
No portfólio, estão 120 negócios que incluem nomes como a Central de Recebíveis (Cerc), Cloudwalk, Coinbase, Conta Simples. A gestora geralmente faz um investimento inicial de R$ 5 milhões a R$ 30 milhões, conforme o sócio da Valor Capital, Carlos Costa.
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Uma das áreas de interesse do fundo é exatamente o “financial plumbing”. “O que a gente chama de fintech emergente, que é o blockchain, com trilhos no sistema financeiro, é uma das grandes teses dessa próxima etapa tanto de crescimento quanto de venture capital”, afirmou Nicklas.
De olho nesse crescimento, a Valor Capital trouxe recentemente Bruno Batavia, que atuava há 13 anos com inovação no BC e atuou no projeto do Drex. “A agenda de inovação vai ser um pouco mais prolongada. Você começa a trocar o encanamento do mercado financeiro e do mercado de capitais. E depois você começa a pintar a casa, colocar os móveis. O potencial de transformação é imenso”, disse.
Para o ex-ministro da Fazenda e diretor de estratégia econômica e relações com mercados do Safra, Joaquim Levy, o avanço da tecnologia no sistema financeiro do Brasil é “muito transformador”. Nesse sentido, o banco tem investido em uma “série de startups” para agregar serviços aos clientes, que, na sua visão, não são ameaça, mas complementam.
“Você aumenta a produtividade da economia, diversifica a capacidade”, disse ele, ao Estadão/Broadcast, ponderando a prudência na concessão de crédito, cuja expertise está com os bancos e não é substituída pela tecnologia.