Serviços sofisticados e novas tecnologias: quais os caminhos para acelerar a economia de São Paulo


Atrair investimentos para áreas nas quais a cidade já mostrou vocação é o desafio das futuras gestões

Por Wesley Gonsalves

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

A cidade de São Paulo é, de longe, a maior potência econômica brasileira. Sozinha, é responsável pela geração de quase 10% do produto interno bruto (PIB) nacional. Apenas como comparação, se fosse um Estado, ficaria atrás somente do próprio Estado de São Paulo, do Rio e de Minas Gerais.

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Essa participação no PIB até caiu um pouco - era de 11,5% em 2010, e ficou em 9,2% em 2021, segundo um levantamento feito pela Tendências Consultoria. Mas, segundo João Pedro Leme, responsável pelo estudo, isso não significa uma perda de importância nem chega a ser algo preocupante - tem mais a ver com a própria dinâmica da economia brasileira, com o crescimento de municípios menores, principalmente.

Mas a economia paulistana está em mutação. A cidade já foi um grande centro industrial, e deixou de ser - principalmente por questões de custo de terrenos e logística complicada. Nas últimas décadas, tornou-se cada vez mais um polo de serviços, sejam eles financeiros, de saúde, gastronômicos ou culturais. O turismo de negócios e de eventos se transformou numa das principais fontes de receita da cidade.

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Para o pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, Nelson Marconi, a manutenção desse protagonismo econômico de São Paulo demandará das próximas gestões uma visão estratégica, de longo prazo, em relação ao perfil do desenvolvimento econômico da capital. Esse deve ser o principal desafio econômico de uma cidade que praticamente caminha sozinha nessa área.

GP de Interlagos, da Fórmula Um, é um dos eventos que mais trazem turistas à capital paulista Foto: Werther/Estadão

Segundo ele, é necessário trazer à mesa o debate sobre quais setores guiarão a economia paulistana nas próximas décadas, o que o especialista vê como a “vocação” da cidade. “São Paulo tem vocação para muitos negócios, para a área de serviços, por exemplo. Muitas empresas (brasileiras e multinacionais) têm suas sedes aqui, nós já temos uma estrutura de serviços montada em torno disso.”

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A cidade como ‘hub de tecnologia’

Para Marconi, há uma oportunidade, por exemplo, de transformar a cidade em um grande “hub de tecnologia”. “Não como São José dos Campos (onde está a fábrica da Embraer e todos os seus fornecedores), mas tecnologia de serviços. Qualquer cidade que queira se desenvolver precisa se orientar nesse sentido”, afirma. “A pergunta mais importante é: o que São Paulo quer ser no futuro? Como será desenvolvida a economia da cidade?”

São Paulo já é atualmente o grande polo das startups no Brasil. De acordo com um levantamento da plataforma Cortex, a cidade concentra 3.693 das 12.040 startups brasileiras.

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Seguindo essa vocação, a avaliação é que a capital tem a possibilidade de se destacar em novos segmentos que estão surgindo, como os ligados às tecnologias mais refinadas (inteligência artificial, por exemplo) e serviços mais sofisticados (como na área de saúde). Os serviços ligados à nova fronteira da economia verde, ou bioeconomia, são apontados como uma área que poderia ser bem explorada.

Nessa linha, Álvaro Martins, professor da pós-graduação em Tecnologia da Informação da Eaesp/FGV, lembra que processo de sofisticação da oferta de serviços e da infraestrutura digital no município pode ser um diferencial para atrair novos negócios e alavancar o crescimento econômico local.

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Cubo, do Itaú, é um exemplo de espaço que reúne startups e empresas de inovação em São Paulo Foto: Helvio Romero/Estadão

Ele avalia que o município precisa principalmente investir em educação especializada e criar um plano estratégico para transformar São Paulo em um polo de formação de mão de obra para áreas como tecnologia da informação, inteligência artificial, cibersegurança e outras disciplinas em que o principal gargalo da expansão é a falta de profissionais.

“Há um ‘apagão’ de mão de obra em tecnologia, falta profissional no mercado”, diz. “Se a tecnologia conseguir ser mais presente no município para o cidadão e para as empresas, isso vai nos favorecer como cidade e como ponto de atração de investimentos.” Segundo Martins, a criação de centros de formação desses profissionais seria um primeiro passo, que já no curto prazo traria retorno econômico à cidade.

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Que experiência internacional poderia ser seguida?

Martins lembra que algo nessa linha, do investimento em formação de mão de obra como indutor de investimentos, foi realizado na cidade de Bangalore, na Índia. Em meados dos anos 2000, após o início da internet comercial, o município fez uma aposta na formação de profissionais para essas áreas, e com isso conseguiu criar um “cinturão tecnológico”, o que transformou a região em um expoente desse setor.

Esse tipo de investimento tornou Bangalore a maior cidade da Índia (e uma das principais de toda a Ásia) em alta tecnologia e comunicações. A cidade também é considerada uma das mais empreendedoras do mundo.

Turismo de negócios e gastronomia na pauta

Entre essas vocações econômicas de São Paulo, o turismo de negócios - feiras e eventos - aparece como uma vertente de grande potencial de crescimento. Dados da SPTuris apontam que, em 2023, a cidade recebeu mais de 6,6 milhões de turistas desse tipo, com um impacto econômico de R$ 9,3 bilhões.

Dentro desse segmento, uma outra área que também chama atenção pelas possibilidades é o turismo gastronômico. No ranking dos 100 melhores restaurantes da América Latina, da consultoria William Reed, 11 estão em São Paulo. Fundadora do Bar da Dona Onça e do restaurante Casa do Porco (o 4.° melhor da América Latina nesse ranking), Janaína Torres é uma das entusiastas do setor em São Paulo, em especial na região central da capital. A empresária, que foi eleita a melhor chef mulher do mundo, vê na união das pautas sobre o setor de bares e restaurantes com a agenda de turismo uma forma de fomentar a economia local.

Janaína Torres foi eleita a melhor chef mulher do mundo Foto: Alex Silva/Estadão

Segundo Janaína, o município precisa debater o papel da gastronomia dentro do turismo, como ocorre em outros países cuja culinária é um importante vetor de atração, a exemplo da Argentina, Peru ou Itália. “Tem mais gente indo aos restaurantes de São Paulo do que aos museus”, diz ela. “Eu já conheci mais de 15 secretários de turismo de São Paulo e nunca tive nenhuma proposta sobre ter algo pelo turismo gastronômico do centro da cidade.”

Quais os bons exemplos no exterior?

A questão do turismo gastronômico, no exterior, passa mais por uma ação global dos governos, mas há exemplos que poderiam ser plicados nos municípios. Na Argentina, o programa Visit Argentina, ligado à pasta de turismo, é responsável por organizar um roteiro focado nas atrações gastronômicas em cidades como Buenos Aires, levando os turistas aos restaurantes premiados pelo Guia Michelin. Acabou se tornando uma fonte de renda importante para a cidade.

No Peru, o turismo gastronômico se tornou questão de Estado, e Lima passou a ser reconhecida mundo afora por sua comida. O país foi eleito no ano passado, pela décima vez, o melhor destino gastronômico do mundo pela World Travel Award. É um trabalho de muitos anos da agência oficial PromPerú, que faz um trabalho importante para vender o país como uma potência culinária global. Lima tem hoje 10 entre os 100 melhores restaurantes da América Latina.

O desafio da gestão das contas públicas

Para os especialistas, qualquer que seja a aposta para o desenvolvimento econômico de São Paulo, isso passará obviamente pela boa gestão das contas públicas - um desafio que assombra todo mundo. O principal ponto de atenção, nesse caso, é a eficiência da máquina administrativa.

No caso de São Paulo, segundo levantamento da Tendências, a parte mais positiva é a redução do endividamento conseguida nos últimos anos, o que tirou parte da pressão sobre os prefeitos. A capital paulista tinha um endividamento de aproximadamente 110,37% da sua receita em 2016 - quando a dívida consolidada girava em torno de R$ 47 bilhões e a receita corrente líquida era de R$ 42 bilhões.

Esse quadro mudou a partir de 2015, quando o então prefeito Fernando Haddad renegociou o indexador das dívidas do município com a União reduzindo drasticamente o volume do débito. No ano passado, a dívida correspondia a 26,82% da receita - a dívida consolidada bruta era de R$ 22 bilhões, enquanto a receita corrente líquida atingiu R$ 83 bilhões.

Ao mesmo tempo, uma reforma recente na Previdência municipal também permitiu que os gastos com pessoal caíssem de 48,57% em 2016 para 43,81% no ano passado. Mas, para os especialistas, essa não é uma área que se possa descuidar. “Em relação à questão previdenciária em São Paulo, nós já tivemos uma reforma, mas isso sempre será um problema, e o governo sempre terá de olhar para essa questão”, diz Marconi, da FGV.

O que os candidatos propõem em relação ao desenvolvimento econômico (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

Para o candidato do PSOL, é preciso retomar a vocação de São Paulo de ser uma cidade inovadora. “Vamos articular incentivos municipais e parcerias com universidades para promover atividades no complexo econômico e industrial, através de polos tecnológicos. Paralelamente, criaremos políticas municipais para atração de serviços industriais de maior sofisticação, tais como saúde, tecnologia da informação e processamento de dados industriais, buscando adaptar a economia paulistana às novas configurações produtivas”, disse.

O candidato disse também que pretende fortalecer o Conselho Municipal de Turismo, transformando-o em um órgão proativo e com representantes de todas as áreas do turismo. “A prioridade será a elaboração de um novo Plano Municipal de Turismo, incorporando políticas públicas e buscando parcerias com o Ministério do Turismo. Criaremos ações para fortalecer os variados segmentos da vocação turística paulistana: negócios, lazer e cultura, megaeventos e gastronomia.”

Ele informou ainda que nas regiões onde a oferta de educação, emprego e renda é menor, a ideia é criar equipamentos destinados aos jovens e adultos a partir dos 15 anos, voltados à formação profissional para a nova economia e suporte ao empreendedorismo. “Os Centros de Oportunidades terão wi-fi livre, estúdios de audiovisual e cursos dirigidos à economia criativa e digital, tais como Programação, Design, Tecnologia da Informação, Tecnologia Ambiental, Moda, Turismo, Idiomas e Gastronomia. A proposta é conectar a formação profissional com a economia de serviços e a tecnologia que caracterizam a São Paulo do século 21.”

José Luiz Datena

De acordo com o candidato do PSDB, o mais importante para alcançar os objetivos de desenvolvimento econômico em São Paulo é ter segurança jurídica e responsabilidade fiscal. A prefeitura tem papel decisivo nisso, afastando suspeitas de irregularidades e tratando com seriedade o dinheiro dos contribuintes, disse.

Entre os planos de Datena está a criação dos “Territórios do Emprego”. A ideia é “cortar imposto para incentivar empresas que se instalarem na periferia, com obrigação de contratar pelo menos 20% de mão de obra local; fazer escolas técnicas; habitações populares; equipamentos públicos; boa iluminação; segurança; e reforma urbana”.

Segundo o candidato, São Paulo tem vantagens imbatíveis para ser um polo global de tecnologia, com centros de conhecimento e empresas de ponta. “Nesse sentido, parcerias com o governo estadual, por meio das escolas e faculdades de tecnologia, serão ampliadas.”

Ele disse ainda que o turismo de negócios já tem se mostrado um importante indutor da economia paulistana e gerador de empregos de qualidade, bem remunerados. Mas que ainda pode avançar muito mais, atraindo mais eventos de alcance global. “A reforma do Anhembi, planejada pelo prefeito Bruno Covas, vai ajudar muito neste sentido”, disse.

Marina Helena

A candidata do Novo afirma que, nas últimas duas décadas, a cidade deixou de oferecer um ambiente próspero a pessoas e empresas, o que tem se refletido em uma perda de investimentos. “Para reverter esse cenário, precisamos primeiro de uma completa transformação da cidade - segurança, ordem urbana, choque de qualidade nos serviços públicos, políticas sociais que funcionem”, disse. “Além disso, algumas ações específicas na área econômica irão acelerar essa retomada.” Entre elas, transformar a cidade na “economia mais livre do Brasil, promovendo um ambiente de negócios mais competitivo e desburocratizado”.

Segundo ela, será criado o ProEmp, a procuradoria de defesa do empreendedor, “para estar ao lado de quem produz na defesa dos seus direitos, principalmente contra excessos do próprio setor público”. A ideia também é construir parcerias público-privadas para a maioria dos serviços públicos. Uma outra ideia é criar o Trilhas do Futuro SP, para “atrair, reter e qualificar a população paulistana, principalmente jovens, com as habilidades necessárias para atender as demandas do mercado de trabalho dos próximos anos”.

Marina disse também que São Paulo será a “Startup City”. “Criaremos ambientes experimentais (”sandboxes”) com regras mais simples para empresas poderem nascer e se desenvolver. Eles serão voltados para o desenvolvimento de startups na iniciativa privada, permitindo que haja um ambiente de testes para modelos inovadores de negócio sem as restrições existentes da regulação.” A ideia é também fazer parcerias com grandes empresas, aceleradoras e incubadoras para a criação e administração de espaços públicos, onde se desenvolvam novos negócios, a exemplo do Porto Digital, de Recife.

Pablo Marçal

A resposta para alavancar o crescimento econômico de São Paulo, segundo o candidato do PRTB, é focar em políticas que promovam o desenvolvimento sustentável. “Investir em educação, tecnologia, infraestrutura e parcerias público-privadas pode impulsionar o crescimento. Além disso, a desburocratização e a simplificação das regras para negócios podem atrair mais investimentos e fomentar a criação de empregos, aumentando a produtividade.”

Para Marçal, o turismo de negócios é um ponto fundamental da economia da cidade e, para potencializar essa área, é necessário investir na melhoria da infraestrutura, como centros de convenções, hotéis e transporte público. “A desburocratização dos processos de licenciamento para eventos e a criação de um calendário anual de eventos de grande porte podem atrair mais turistas e organizadores. Além disso, parcerias com o setor privado para a modernização de espaços e a promoção de São Paulo como destino de eventos internacionais são estratégias eficazes para superar os gargalos existentes.”

Disse também que, para inserir São Paulo na nova fronteira tecnológica, é essencial investir em educação e capacitação profissional nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). A melhoria da infraestrutura tecnológica, como a expansão da rede de fibra óptica e a criação de hubs de inovação, pode atrair empresas de tecnologia e startups, segundo ele. “Parcerias com universidades e centros de pesquisa para fomentar a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias são cruciais.”

Ricardo Nunes

O candidato do MDB e atual prefeito disse que São Paulo é uma potência na atração de investimentos e na geração de empregos. “É a cidade brasileira com o maior número de empregos, com 6,7 milhões de pessoas ocupadas, e a mais alta média salarial, de 4,4 salários mínimos.” Segundo ele, também consolidou-se como principal destino de empreendimentos digitais do Brasil, com a redução da alíquota do ISS de 5% para 2% e a uniformização de alíquotas do setor, medidas tomadas na atual gestão. “Além disso, a cidade atrai o capital privado com o Programa de Desestatização mais bem-sucedido do País, com o maior potencial para desenvolver PPPs e concessões.”

Também lembrou que São Paulo é a primeira cidade no Brasil e terceira na América Latina em número de eventos de negócios, com público de mais de 6,6 milhões de pessoas em 2023. Entre as ideias para alavancar esse setor estão a criação das Semanas Temáticas de Promoção da Cidade, que ocorrerão antes de eventos estratégicos, com o objetivo de fortalecer o setor e divulgar a marca da cidade. “Outra estratégia importante é a ampliação do Programa Vai de Roteiro, que visa a criar roteiros turísticos temáticos.”

Na área de tecnologia, segundo Nunes, será criado um ecossistema de inovação, “com a implementação de 10 centros de inovação aberta em Smart City e Inteligência Artificial, priorizando áreas periféricas da nossa cidade”. Além disso, a ideia é organizar o Distrito de Inovação da Cidade SP, “fomentando o desenvolvimento tecnológico e a requalificação urbana, em parceria com o governo estadual”. Ele também prometeu ampliar o o WiFi Livre SP, “garantindo mais conectividade gratuita”.

Tabata Amaral

De acordo com a candidata do PSB, quando se olha para os rankings de melhores cidades para se investir, vê-se que São Paulo está muito abaixo do seu potencial em áreas estratégicas. “Precisamos priorizar as pequenas e médias empresas. Além da reforma tributária em Brasília, é hora de aumentar a simplificação em São Paulo”, disse. Uma das ideias é implementar o Portal do Licenciamento, para desburocratizar a obtenção de alvarás para obras e funcionamento de negócios. “Também vamos profissionalizar a SP Negócios e criar quatro Distritos de Desenvolvimento Econômico, que vão estimular o desenvolvimento local por meio de incentivos fiscais e melhoria de infraestrutura pública.”

Na área de turismo, um dos planos é criar o programa Descomplica Eventos, “que vai centralizar e desburocratizar a obtenção de licenças e autorizações para realizar grandes eventos na cidade. Além de reduzir os procedimentos necessários, o programa vai oferecer um ponto de contato único para atendimento aos organizadores”.

Segundo Tabata, a prefeitura precisa criar espaços e dar apoio para que as empresas invistam em inovação e vejam São Paulo como um hub tecnológico. “Temos todas as peças - investidores, capital humano na área e universidades públicas com pesquisa de ponta. Falta arregaçar as mangas e trabalhar duro. Além das propostas que temos para a cidade, vamos dialogar com o governo do Estado para tirar do papel o Parque Tecnológico Estadual do Jaguaré, ao lado da USP, e criar o Parque Tecnológico de São Paulo, na Zona Leste, que cumprirão um papel fundamental nesse processo.”

Veja quais são as outras reportagens da série:

  • Educação - 7/8
  • Mobilidade - 8/8
  • Meio ambiente - 10/8
  • Urbanismo - 11/8
  • Centro de SP - 12/8
  • Segurança - 13/8

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

A cidade de São Paulo é, de longe, a maior potência econômica brasileira. Sozinha, é responsável pela geração de quase 10% do produto interno bruto (PIB) nacional. Apenas como comparação, se fosse um Estado, ficaria atrás somente do próprio Estado de São Paulo, do Rio e de Minas Gerais.

Essa participação no PIB até caiu um pouco - era de 11,5% em 2010, e ficou em 9,2% em 2021, segundo um levantamento feito pela Tendências Consultoria. Mas, segundo João Pedro Leme, responsável pelo estudo, isso não significa uma perda de importância nem chega a ser algo preocupante - tem mais a ver com a própria dinâmica da economia brasileira, com o crescimento de municípios menores, principalmente.

Mas a economia paulistana está em mutação. A cidade já foi um grande centro industrial, e deixou de ser - principalmente por questões de custo de terrenos e logística complicada. Nas últimas décadas, tornou-se cada vez mais um polo de serviços, sejam eles financeiros, de saúde, gastronômicos ou culturais. O turismo de negócios e de eventos se transformou numa das principais fontes de receita da cidade.

Para o pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, Nelson Marconi, a manutenção desse protagonismo econômico de São Paulo demandará das próximas gestões uma visão estratégica, de longo prazo, em relação ao perfil do desenvolvimento econômico da capital. Esse deve ser o principal desafio econômico de uma cidade que praticamente caminha sozinha nessa área.

GP de Interlagos, da Fórmula Um, é um dos eventos que mais trazem turistas à capital paulista Foto: Werther/Estadão

Segundo ele, é necessário trazer à mesa o debate sobre quais setores guiarão a economia paulistana nas próximas décadas, o que o especialista vê como a “vocação” da cidade. “São Paulo tem vocação para muitos negócios, para a área de serviços, por exemplo. Muitas empresas (brasileiras e multinacionais) têm suas sedes aqui, nós já temos uma estrutura de serviços montada em torno disso.”

A cidade como ‘hub de tecnologia’

Para Marconi, há uma oportunidade, por exemplo, de transformar a cidade em um grande “hub de tecnologia”. “Não como São José dos Campos (onde está a fábrica da Embraer e todos os seus fornecedores), mas tecnologia de serviços. Qualquer cidade que queira se desenvolver precisa se orientar nesse sentido”, afirma. “A pergunta mais importante é: o que São Paulo quer ser no futuro? Como será desenvolvida a economia da cidade?”

São Paulo já é atualmente o grande polo das startups no Brasil. De acordo com um levantamento da plataforma Cortex, a cidade concentra 3.693 das 12.040 startups brasileiras.

Seguindo essa vocação, a avaliação é que a capital tem a possibilidade de se destacar em novos segmentos que estão surgindo, como os ligados às tecnologias mais refinadas (inteligência artificial, por exemplo) e serviços mais sofisticados (como na área de saúde). Os serviços ligados à nova fronteira da economia verde, ou bioeconomia, são apontados como uma área que poderia ser bem explorada.

Nessa linha, Álvaro Martins, professor da pós-graduação em Tecnologia da Informação da Eaesp/FGV, lembra que processo de sofisticação da oferta de serviços e da infraestrutura digital no município pode ser um diferencial para atrair novos negócios e alavancar o crescimento econômico local.

Cubo, do Itaú, é um exemplo de espaço que reúne startups e empresas de inovação em São Paulo Foto: Helvio Romero/Estadão

Ele avalia que o município precisa principalmente investir em educação especializada e criar um plano estratégico para transformar São Paulo em um polo de formação de mão de obra para áreas como tecnologia da informação, inteligência artificial, cibersegurança e outras disciplinas em que o principal gargalo da expansão é a falta de profissionais.

“Há um ‘apagão’ de mão de obra em tecnologia, falta profissional no mercado”, diz. “Se a tecnologia conseguir ser mais presente no município para o cidadão e para as empresas, isso vai nos favorecer como cidade e como ponto de atração de investimentos.” Segundo Martins, a criação de centros de formação desses profissionais seria um primeiro passo, que já no curto prazo traria retorno econômico à cidade.

Que experiência internacional poderia ser seguida?

Martins lembra que algo nessa linha, do investimento em formação de mão de obra como indutor de investimentos, foi realizado na cidade de Bangalore, na Índia. Em meados dos anos 2000, após o início da internet comercial, o município fez uma aposta na formação de profissionais para essas áreas, e com isso conseguiu criar um “cinturão tecnológico”, o que transformou a região em um expoente desse setor.

Esse tipo de investimento tornou Bangalore a maior cidade da Índia (e uma das principais de toda a Ásia) em alta tecnologia e comunicações. A cidade também é considerada uma das mais empreendedoras do mundo.

Turismo de negócios e gastronomia na pauta

Entre essas vocações econômicas de São Paulo, o turismo de negócios - feiras e eventos - aparece como uma vertente de grande potencial de crescimento. Dados da SPTuris apontam que, em 2023, a cidade recebeu mais de 6,6 milhões de turistas desse tipo, com um impacto econômico de R$ 9,3 bilhões.

Dentro desse segmento, uma outra área que também chama atenção pelas possibilidades é o turismo gastronômico. No ranking dos 100 melhores restaurantes da América Latina, da consultoria William Reed, 11 estão em São Paulo. Fundadora do Bar da Dona Onça e do restaurante Casa do Porco (o 4.° melhor da América Latina nesse ranking), Janaína Torres é uma das entusiastas do setor em São Paulo, em especial na região central da capital. A empresária, que foi eleita a melhor chef mulher do mundo, vê na união das pautas sobre o setor de bares e restaurantes com a agenda de turismo uma forma de fomentar a economia local.

Janaína Torres foi eleita a melhor chef mulher do mundo Foto: Alex Silva/Estadão

Segundo Janaína, o município precisa debater o papel da gastronomia dentro do turismo, como ocorre em outros países cuja culinária é um importante vetor de atração, a exemplo da Argentina, Peru ou Itália. “Tem mais gente indo aos restaurantes de São Paulo do que aos museus”, diz ela. “Eu já conheci mais de 15 secretários de turismo de São Paulo e nunca tive nenhuma proposta sobre ter algo pelo turismo gastronômico do centro da cidade.”

Quais os bons exemplos no exterior?

A questão do turismo gastronômico, no exterior, passa mais por uma ação global dos governos, mas há exemplos que poderiam ser plicados nos municípios. Na Argentina, o programa Visit Argentina, ligado à pasta de turismo, é responsável por organizar um roteiro focado nas atrações gastronômicas em cidades como Buenos Aires, levando os turistas aos restaurantes premiados pelo Guia Michelin. Acabou se tornando uma fonte de renda importante para a cidade.

No Peru, o turismo gastronômico se tornou questão de Estado, e Lima passou a ser reconhecida mundo afora por sua comida. O país foi eleito no ano passado, pela décima vez, o melhor destino gastronômico do mundo pela World Travel Award. É um trabalho de muitos anos da agência oficial PromPerú, que faz um trabalho importante para vender o país como uma potência culinária global. Lima tem hoje 10 entre os 100 melhores restaurantes da América Latina.

O desafio da gestão das contas públicas

Para os especialistas, qualquer que seja a aposta para o desenvolvimento econômico de São Paulo, isso passará obviamente pela boa gestão das contas públicas - um desafio que assombra todo mundo. O principal ponto de atenção, nesse caso, é a eficiência da máquina administrativa.

No caso de São Paulo, segundo levantamento da Tendências, a parte mais positiva é a redução do endividamento conseguida nos últimos anos, o que tirou parte da pressão sobre os prefeitos. A capital paulista tinha um endividamento de aproximadamente 110,37% da sua receita em 2016 - quando a dívida consolidada girava em torno de R$ 47 bilhões e a receita corrente líquida era de R$ 42 bilhões.

Esse quadro mudou a partir de 2015, quando o então prefeito Fernando Haddad renegociou o indexador das dívidas do município com a União reduzindo drasticamente o volume do débito. No ano passado, a dívida correspondia a 26,82% da receita - a dívida consolidada bruta era de R$ 22 bilhões, enquanto a receita corrente líquida atingiu R$ 83 bilhões.

Ao mesmo tempo, uma reforma recente na Previdência municipal também permitiu que os gastos com pessoal caíssem de 48,57% em 2016 para 43,81% no ano passado. Mas, para os especialistas, essa não é uma área que se possa descuidar. “Em relação à questão previdenciária em São Paulo, nós já tivemos uma reforma, mas isso sempre será um problema, e o governo sempre terá de olhar para essa questão”, diz Marconi, da FGV.

O que os candidatos propõem em relação ao desenvolvimento econômico (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

Para o candidato do PSOL, é preciso retomar a vocação de São Paulo de ser uma cidade inovadora. “Vamos articular incentivos municipais e parcerias com universidades para promover atividades no complexo econômico e industrial, através de polos tecnológicos. Paralelamente, criaremos políticas municipais para atração de serviços industriais de maior sofisticação, tais como saúde, tecnologia da informação e processamento de dados industriais, buscando adaptar a economia paulistana às novas configurações produtivas”, disse.

O candidato disse também que pretende fortalecer o Conselho Municipal de Turismo, transformando-o em um órgão proativo e com representantes de todas as áreas do turismo. “A prioridade será a elaboração de um novo Plano Municipal de Turismo, incorporando políticas públicas e buscando parcerias com o Ministério do Turismo. Criaremos ações para fortalecer os variados segmentos da vocação turística paulistana: negócios, lazer e cultura, megaeventos e gastronomia.”

Ele informou ainda que nas regiões onde a oferta de educação, emprego e renda é menor, a ideia é criar equipamentos destinados aos jovens e adultos a partir dos 15 anos, voltados à formação profissional para a nova economia e suporte ao empreendedorismo. “Os Centros de Oportunidades terão wi-fi livre, estúdios de audiovisual e cursos dirigidos à economia criativa e digital, tais como Programação, Design, Tecnologia da Informação, Tecnologia Ambiental, Moda, Turismo, Idiomas e Gastronomia. A proposta é conectar a formação profissional com a economia de serviços e a tecnologia que caracterizam a São Paulo do século 21.”

José Luiz Datena

De acordo com o candidato do PSDB, o mais importante para alcançar os objetivos de desenvolvimento econômico em São Paulo é ter segurança jurídica e responsabilidade fiscal. A prefeitura tem papel decisivo nisso, afastando suspeitas de irregularidades e tratando com seriedade o dinheiro dos contribuintes, disse.

Entre os planos de Datena está a criação dos “Territórios do Emprego”. A ideia é “cortar imposto para incentivar empresas que se instalarem na periferia, com obrigação de contratar pelo menos 20% de mão de obra local; fazer escolas técnicas; habitações populares; equipamentos públicos; boa iluminação; segurança; e reforma urbana”.

Segundo o candidato, São Paulo tem vantagens imbatíveis para ser um polo global de tecnologia, com centros de conhecimento e empresas de ponta. “Nesse sentido, parcerias com o governo estadual, por meio das escolas e faculdades de tecnologia, serão ampliadas.”

Ele disse ainda que o turismo de negócios já tem se mostrado um importante indutor da economia paulistana e gerador de empregos de qualidade, bem remunerados. Mas que ainda pode avançar muito mais, atraindo mais eventos de alcance global. “A reforma do Anhembi, planejada pelo prefeito Bruno Covas, vai ajudar muito neste sentido”, disse.

Marina Helena

A candidata do Novo afirma que, nas últimas duas décadas, a cidade deixou de oferecer um ambiente próspero a pessoas e empresas, o que tem se refletido em uma perda de investimentos. “Para reverter esse cenário, precisamos primeiro de uma completa transformação da cidade - segurança, ordem urbana, choque de qualidade nos serviços públicos, políticas sociais que funcionem”, disse. “Além disso, algumas ações específicas na área econômica irão acelerar essa retomada.” Entre elas, transformar a cidade na “economia mais livre do Brasil, promovendo um ambiente de negócios mais competitivo e desburocratizado”.

Segundo ela, será criado o ProEmp, a procuradoria de defesa do empreendedor, “para estar ao lado de quem produz na defesa dos seus direitos, principalmente contra excessos do próprio setor público”. A ideia também é construir parcerias público-privadas para a maioria dos serviços públicos. Uma outra ideia é criar o Trilhas do Futuro SP, para “atrair, reter e qualificar a população paulistana, principalmente jovens, com as habilidades necessárias para atender as demandas do mercado de trabalho dos próximos anos”.

Marina disse também que São Paulo será a “Startup City”. “Criaremos ambientes experimentais (”sandboxes”) com regras mais simples para empresas poderem nascer e se desenvolver. Eles serão voltados para o desenvolvimento de startups na iniciativa privada, permitindo que haja um ambiente de testes para modelos inovadores de negócio sem as restrições existentes da regulação.” A ideia é também fazer parcerias com grandes empresas, aceleradoras e incubadoras para a criação e administração de espaços públicos, onde se desenvolvam novos negócios, a exemplo do Porto Digital, de Recife.

Pablo Marçal

A resposta para alavancar o crescimento econômico de São Paulo, segundo o candidato do PRTB, é focar em políticas que promovam o desenvolvimento sustentável. “Investir em educação, tecnologia, infraestrutura e parcerias público-privadas pode impulsionar o crescimento. Além disso, a desburocratização e a simplificação das regras para negócios podem atrair mais investimentos e fomentar a criação de empregos, aumentando a produtividade.”

Para Marçal, o turismo de negócios é um ponto fundamental da economia da cidade e, para potencializar essa área, é necessário investir na melhoria da infraestrutura, como centros de convenções, hotéis e transporte público. “A desburocratização dos processos de licenciamento para eventos e a criação de um calendário anual de eventos de grande porte podem atrair mais turistas e organizadores. Além disso, parcerias com o setor privado para a modernização de espaços e a promoção de São Paulo como destino de eventos internacionais são estratégias eficazes para superar os gargalos existentes.”

Disse também que, para inserir São Paulo na nova fronteira tecnológica, é essencial investir em educação e capacitação profissional nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). A melhoria da infraestrutura tecnológica, como a expansão da rede de fibra óptica e a criação de hubs de inovação, pode atrair empresas de tecnologia e startups, segundo ele. “Parcerias com universidades e centros de pesquisa para fomentar a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias são cruciais.”

Ricardo Nunes

O candidato do MDB e atual prefeito disse que São Paulo é uma potência na atração de investimentos e na geração de empregos. “É a cidade brasileira com o maior número de empregos, com 6,7 milhões de pessoas ocupadas, e a mais alta média salarial, de 4,4 salários mínimos.” Segundo ele, também consolidou-se como principal destino de empreendimentos digitais do Brasil, com a redução da alíquota do ISS de 5% para 2% e a uniformização de alíquotas do setor, medidas tomadas na atual gestão. “Além disso, a cidade atrai o capital privado com o Programa de Desestatização mais bem-sucedido do País, com o maior potencial para desenvolver PPPs e concessões.”

Também lembrou que São Paulo é a primeira cidade no Brasil e terceira na América Latina em número de eventos de negócios, com público de mais de 6,6 milhões de pessoas em 2023. Entre as ideias para alavancar esse setor estão a criação das Semanas Temáticas de Promoção da Cidade, que ocorrerão antes de eventos estratégicos, com o objetivo de fortalecer o setor e divulgar a marca da cidade. “Outra estratégia importante é a ampliação do Programa Vai de Roteiro, que visa a criar roteiros turísticos temáticos.”

Na área de tecnologia, segundo Nunes, será criado um ecossistema de inovação, “com a implementação de 10 centros de inovação aberta em Smart City e Inteligência Artificial, priorizando áreas periféricas da nossa cidade”. Além disso, a ideia é organizar o Distrito de Inovação da Cidade SP, “fomentando o desenvolvimento tecnológico e a requalificação urbana, em parceria com o governo estadual”. Ele também prometeu ampliar o o WiFi Livre SP, “garantindo mais conectividade gratuita”.

Tabata Amaral

De acordo com a candidata do PSB, quando se olha para os rankings de melhores cidades para se investir, vê-se que São Paulo está muito abaixo do seu potencial em áreas estratégicas. “Precisamos priorizar as pequenas e médias empresas. Além da reforma tributária em Brasília, é hora de aumentar a simplificação em São Paulo”, disse. Uma das ideias é implementar o Portal do Licenciamento, para desburocratizar a obtenção de alvarás para obras e funcionamento de negócios. “Também vamos profissionalizar a SP Negócios e criar quatro Distritos de Desenvolvimento Econômico, que vão estimular o desenvolvimento local por meio de incentivos fiscais e melhoria de infraestrutura pública.”

Na área de turismo, um dos planos é criar o programa Descomplica Eventos, “que vai centralizar e desburocratizar a obtenção de licenças e autorizações para realizar grandes eventos na cidade. Além de reduzir os procedimentos necessários, o programa vai oferecer um ponto de contato único para atendimento aos organizadores”.

Segundo Tabata, a prefeitura precisa criar espaços e dar apoio para que as empresas invistam em inovação e vejam São Paulo como um hub tecnológico. “Temos todas as peças - investidores, capital humano na área e universidades públicas com pesquisa de ponta. Falta arregaçar as mangas e trabalhar duro. Além das propostas que temos para a cidade, vamos dialogar com o governo do Estado para tirar do papel o Parque Tecnológico Estadual do Jaguaré, ao lado da USP, e criar o Parque Tecnológico de São Paulo, na Zona Leste, que cumprirão um papel fundamental nesse processo.”

Veja quais são as outras reportagens da série:

  • Educação - 7/8
  • Mobilidade - 8/8
  • Meio ambiente - 10/8
  • Urbanismo - 11/8
  • Centro de SP - 12/8
  • Segurança - 13/8

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

A cidade de São Paulo é, de longe, a maior potência econômica brasileira. Sozinha, é responsável pela geração de quase 10% do produto interno bruto (PIB) nacional. Apenas como comparação, se fosse um Estado, ficaria atrás somente do próprio Estado de São Paulo, do Rio e de Minas Gerais.

Essa participação no PIB até caiu um pouco - era de 11,5% em 2010, e ficou em 9,2% em 2021, segundo um levantamento feito pela Tendências Consultoria. Mas, segundo João Pedro Leme, responsável pelo estudo, isso não significa uma perda de importância nem chega a ser algo preocupante - tem mais a ver com a própria dinâmica da economia brasileira, com o crescimento de municípios menores, principalmente.

Mas a economia paulistana está em mutação. A cidade já foi um grande centro industrial, e deixou de ser - principalmente por questões de custo de terrenos e logística complicada. Nas últimas décadas, tornou-se cada vez mais um polo de serviços, sejam eles financeiros, de saúde, gastronômicos ou culturais. O turismo de negócios e de eventos se transformou numa das principais fontes de receita da cidade.

Para o pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, Nelson Marconi, a manutenção desse protagonismo econômico de São Paulo demandará das próximas gestões uma visão estratégica, de longo prazo, em relação ao perfil do desenvolvimento econômico da capital. Esse deve ser o principal desafio econômico de uma cidade que praticamente caminha sozinha nessa área.

GP de Interlagos, da Fórmula Um, é um dos eventos que mais trazem turistas à capital paulista Foto: Werther/Estadão

Segundo ele, é necessário trazer à mesa o debate sobre quais setores guiarão a economia paulistana nas próximas décadas, o que o especialista vê como a “vocação” da cidade. “São Paulo tem vocação para muitos negócios, para a área de serviços, por exemplo. Muitas empresas (brasileiras e multinacionais) têm suas sedes aqui, nós já temos uma estrutura de serviços montada em torno disso.”

A cidade como ‘hub de tecnologia’

Para Marconi, há uma oportunidade, por exemplo, de transformar a cidade em um grande “hub de tecnologia”. “Não como São José dos Campos (onde está a fábrica da Embraer e todos os seus fornecedores), mas tecnologia de serviços. Qualquer cidade que queira se desenvolver precisa se orientar nesse sentido”, afirma. “A pergunta mais importante é: o que São Paulo quer ser no futuro? Como será desenvolvida a economia da cidade?”

São Paulo já é atualmente o grande polo das startups no Brasil. De acordo com um levantamento da plataforma Cortex, a cidade concentra 3.693 das 12.040 startups brasileiras.

Seguindo essa vocação, a avaliação é que a capital tem a possibilidade de se destacar em novos segmentos que estão surgindo, como os ligados às tecnologias mais refinadas (inteligência artificial, por exemplo) e serviços mais sofisticados (como na área de saúde). Os serviços ligados à nova fronteira da economia verde, ou bioeconomia, são apontados como uma área que poderia ser bem explorada.

Nessa linha, Álvaro Martins, professor da pós-graduação em Tecnologia da Informação da Eaesp/FGV, lembra que processo de sofisticação da oferta de serviços e da infraestrutura digital no município pode ser um diferencial para atrair novos negócios e alavancar o crescimento econômico local.

Cubo, do Itaú, é um exemplo de espaço que reúne startups e empresas de inovação em São Paulo Foto: Helvio Romero/Estadão

Ele avalia que o município precisa principalmente investir em educação especializada e criar um plano estratégico para transformar São Paulo em um polo de formação de mão de obra para áreas como tecnologia da informação, inteligência artificial, cibersegurança e outras disciplinas em que o principal gargalo da expansão é a falta de profissionais.

“Há um ‘apagão’ de mão de obra em tecnologia, falta profissional no mercado”, diz. “Se a tecnologia conseguir ser mais presente no município para o cidadão e para as empresas, isso vai nos favorecer como cidade e como ponto de atração de investimentos.” Segundo Martins, a criação de centros de formação desses profissionais seria um primeiro passo, que já no curto prazo traria retorno econômico à cidade.

Que experiência internacional poderia ser seguida?

Martins lembra que algo nessa linha, do investimento em formação de mão de obra como indutor de investimentos, foi realizado na cidade de Bangalore, na Índia. Em meados dos anos 2000, após o início da internet comercial, o município fez uma aposta na formação de profissionais para essas áreas, e com isso conseguiu criar um “cinturão tecnológico”, o que transformou a região em um expoente desse setor.

Esse tipo de investimento tornou Bangalore a maior cidade da Índia (e uma das principais de toda a Ásia) em alta tecnologia e comunicações. A cidade também é considerada uma das mais empreendedoras do mundo.

Turismo de negócios e gastronomia na pauta

Entre essas vocações econômicas de São Paulo, o turismo de negócios - feiras e eventos - aparece como uma vertente de grande potencial de crescimento. Dados da SPTuris apontam que, em 2023, a cidade recebeu mais de 6,6 milhões de turistas desse tipo, com um impacto econômico de R$ 9,3 bilhões.

Dentro desse segmento, uma outra área que também chama atenção pelas possibilidades é o turismo gastronômico. No ranking dos 100 melhores restaurantes da América Latina, da consultoria William Reed, 11 estão em São Paulo. Fundadora do Bar da Dona Onça e do restaurante Casa do Porco (o 4.° melhor da América Latina nesse ranking), Janaína Torres é uma das entusiastas do setor em São Paulo, em especial na região central da capital. A empresária, que foi eleita a melhor chef mulher do mundo, vê na união das pautas sobre o setor de bares e restaurantes com a agenda de turismo uma forma de fomentar a economia local.

Janaína Torres foi eleita a melhor chef mulher do mundo Foto: Alex Silva/Estadão

Segundo Janaína, o município precisa debater o papel da gastronomia dentro do turismo, como ocorre em outros países cuja culinária é um importante vetor de atração, a exemplo da Argentina, Peru ou Itália. “Tem mais gente indo aos restaurantes de São Paulo do que aos museus”, diz ela. “Eu já conheci mais de 15 secretários de turismo de São Paulo e nunca tive nenhuma proposta sobre ter algo pelo turismo gastronômico do centro da cidade.”

Quais os bons exemplos no exterior?

A questão do turismo gastronômico, no exterior, passa mais por uma ação global dos governos, mas há exemplos que poderiam ser plicados nos municípios. Na Argentina, o programa Visit Argentina, ligado à pasta de turismo, é responsável por organizar um roteiro focado nas atrações gastronômicas em cidades como Buenos Aires, levando os turistas aos restaurantes premiados pelo Guia Michelin. Acabou se tornando uma fonte de renda importante para a cidade.

No Peru, o turismo gastronômico se tornou questão de Estado, e Lima passou a ser reconhecida mundo afora por sua comida. O país foi eleito no ano passado, pela décima vez, o melhor destino gastronômico do mundo pela World Travel Award. É um trabalho de muitos anos da agência oficial PromPerú, que faz um trabalho importante para vender o país como uma potência culinária global. Lima tem hoje 10 entre os 100 melhores restaurantes da América Latina.

O desafio da gestão das contas públicas

Para os especialistas, qualquer que seja a aposta para o desenvolvimento econômico de São Paulo, isso passará obviamente pela boa gestão das contas públicas - um desafio que assombra todo mundo. O principal ponto de atenção, nesse caso, é a eficiência da máquina administrativa.

No caso de São Paulo, segundo levantamento da Tendências, a parte mais positiva é a redução do endividamento conseguida nos últimos anos, o que tirou parte da pressão sobre os prefeitos. A capital paulista tinha um endividamento de aproximadamente 110,37% da sua receita em 2016 - quando a dívida consolidada girava em torno de R$ 47 bilhões e a receita corrente líquida era de R$ 42 bilhões.

Esse quadro mudou a partir de 2015, quando o então prefeito Fernando Haddad renegociou o indexador das dívidas do município com a União reduzindo drasticamente o volume do débito. No ano passado, a dívida correspondia a 26,82% da receita - a dívida consolidada bruta era de R$ 22 bilhões, enquanto a receita corrente líquida atingiu R$ 83 bilhões.

Ao mesmo tempo, uma reforma recente na Previdência municipal também permitiu que os gastos com pessoal caíssem de 48,57% em 2016 para 43,81% no ano passado. Mas, para os especialistas, essa não é uma área que se possa descuidar. “Em relação à questão previdenciária em São Paulo, nós já tivemos uma reforma, mas isso sempre será um problema, e o governo sempre terá de olhar para essa questão”, diz Marconi, da FGV.

O que os candidatos propõem em relação ao desenvolvimento econômico (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

Para o candidato do PSOL, é preciso retomar a vocação de São Paulo de ser uma cidade inovadora. “Vamos articular incentivos municipais e parcerias com universidades para promover atividades no complexo econômico e industrial, através de polos tecnológicos. Paralelamente, criaremos políticas municipais para atração de serviços industriais de maior sofisticação, tais como saúde, tecnologia da informação e processamento de dados industriais, buscando adaptar a economia paulistana às novas configurações produtivas”, disse.

O candidato disse também que pretende fortalecer o Conselho Municipal de Turismo, transformando-o em um órgão proativo e com representantes de todas as áreas do turismo. “A prioridade será a elaboração de um novo Plano Municipal de Turismo, incorporando políticas públicas e buscando parcerias com o Ministério do Turismo. Criaremos ações para fortalecer os variados segmentos da vocação turística paulistana: negócios, lazer e cultura, megaeventos e gastronomia.”

Ele informou ainda que nas regiões onde a oferta de educação, emprego e renda é menor, a ideia é criar equipamentos destinados aos jovens e adultos a partir dos 15 anos, voltados à formação profissional para a nova economia e suporte ao empreendedorismo. “Os Centros de Oportunidades terão wi-fi livre, estúdios de audiovisual e cursos dirigidos à economia criativa e digital, tais como Programação, Design, Tecnologia da Informação, Tecnologia Ambiental, Moda, Turismo, Idiomas e Gastronomia. A proposta é conectar a formação profissional com a economia de serviços e a tecnologia que caracterizam a São Paulo do século 21.”

José Luiz Datena

De acordo com o candidato do PSDB, o mais importante para alcançar os objetivos de desenvolvimento econômico em São Paulo é ter segurança jurídica e responsabilidade fiscal. A prefeitura tem papel decisivo nisso, afastando suspeitas de irregularidades e tratando com seriedade o dinheiro dos contribuintes, disse.

Entre os planos de Datena está a criação dos “Territórios do Emprego”. A ideia é “cortar imposto para incentivar empresas que se instalarem na periferia, com obrigação de contratar pelo menos 20% de mão de obra local; fazer escolas técnicas; habitações populares; equipamentos públicos; boa iluminação; segurança; e reforma urbana”.

Segundo o candidato, São Paulo tem vantagens imbatíveis para ser um polo global de tecnologia, com centros de conhecimento e empresas de ponta. “Nesse sentido, parcerias com o governo estadual, por meio das escolas e faculdades de tecnologia, serão ampliadas.”

Ele disse ainda que o turismo de negócios já tem se mostrado um importante indutor da economia paulistana e gerador de empregos de qualidade, bem remunerados. Mas que ainda pode avançar muito mais, atraindo mais eventos de alcance global. “A reforma do Anhembi, planejada pelo prefeito Bruno Covas, vai ajudar muito neste sentido”, disse.

Marina Helena

A candidata do Novo afirma que, nas últimas duas décadas, a cidade deixou de oferecer um ambiente próspero a pessoas e empresas, o que tem se refletido em uma perda de investimentos. “Para reverter esse cenário, precisamos primeiro de uma completa transformação da cidade - segurança, ordem urbana, choque de qualidade nos serviços públicos, políticas sociais que funcionem”, disse. “Além disso, algumas ações específicas na área econômica irão acelerar essa retomada.” Entre elas, transformar a cidade na “economia mais livre do Brasil, promovendo um ambiente de negócios mais competitivo e desburocratizado”.

Segundo ela, será criado o ProEmp, a procuradoria de defesa do empreendedor, “para estar ao lado de quem produz na defesa dos seus direitos, principalmente contra excessos do próprio setor público”. A ideia também é construir parcerias público-privadas para a maioria dos serviços públicos. Uma outra ideia é criar o Trilhas do Futuro SP, para “atrair, reter e qualificar a população paulistana, principalmente jovens, com as habilidades necessárias para atender as demandas do mercado de trabalho dos próximos anos”.

Marina disse também que São Paulo será a “Startup City”. “Criaremos ambientes experimentais (”sandboxes”) com regras mais simples para empresas poderem nascer e se desenvolver. Eles serão voltados para o desenvolvimento de startups na iniciativa privada, permitindo que haja um ambiente de testes para modelos inovadores de negócio sem as restrições existentes da regulação.” A ideia é também fazer parcerias com grandes empresas, aceleradoras e incubadoras para a criação e administração de espaços públicos, onde se desenvolvam novos negócios, a exemplo do Porto Digital, de Recife.

Pablo Marçal

A resposta para alavancar o crescimento econômico de São Paulo, segundo o candidato do PRTB, é focar em políticas que promovam o desenvolvimento sustentável. “Investir em educação, tecnologia, infraestrutura e parcerias público-privadas pode impulsionar o crescimento. Além disso, a desburocratização e a simplificação das regras para negócios podem atrair mais investimentos e fomentar a criação de empregos, aumentando a produtividade.”

Para Marçal, o turismo de negócios é um ponto fundamental da economia da cidade e, para potencializar essa área, é necessário investir na melhoria da infraestrutura, como centros de convenções, hotéis e transporte público. “A desburocratização dos processos de licenciamento para eventos e a criação de um calendário anual de eventos de grande porte podem atrair mais turistas e organizadores. Além disso, parcerias com o setor privado para a modernização de espaços e a promoção de São Paulo como destino de eventos internacionais são estratégias eficazes para superar os gargalos existentes.”

Disse também que, para inserir São Paulo na nova fronteira tecnológica, é essencial investir em educação e capacitação profissional nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). A melhoria da infraestrutura tecnológica, como a expansão da rede de fibra óptica e a criação de hubs de inovação, pode atrair empresas de tecnologia e startups, segundo ele. “Parcerias com universidades e centros de pesquisa para fomentar a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias são cruciais.”

Ricardo Nunes

O candidato do MDB e atual prefeito disse que São Paulo é uma potência na atração de investimentos e na geração de empregos. “É a cidade brasileira com o maior número de empregos, com 6,7 milhões de pessoas ocupadas, e a mais alta média salarial, de 4,4 salários mínimos.” Segundo ele, também consolidou-se como principal destino de empreendimentos digitais do Brasil, com a redução da alíquota do ISS de 5% para 2% e a uniformização de alíquotas do setor, medidas tomadas na atual gestão. “Além disso, a cidade atrai o capital privado com o Programa de Desestatização mais bem-sucedido do País, com o maior potencial para desenvolver PPPs e concessões.”

Também lembrou que São Paulo é a primeira cidade no Brasil e terceira na América Latina em número de eventos de negócios, com público de mais de 6,6 milhões de pessoas em 2023. Entre as ideias para alavancar esse setor estão a criação das Semanas Temáticas de Promoção da Cidade, que ocorrerão antes de eventos estratégicos, com o objetivo de fortalecer o setor e divulgar a marca da cidade. “Outra estratégia importante é a ampliação do Programa Vai de Roteiro, que visa a criar roteiros turísticos temáticos.”

Na área de tecnologia, segundo Nunes, será criado um ecossistema de inovação, “com a implementação de 10 centros de inovação aberta em Smart City e Inteligência Artificial, priorizando áreas periféricas da nossa cidade”. Além disso, a ideia é organizar o Distrito de Inovação da Cidade SP, “fomentando o desenvolvimento tecnológico e a requalificação urbana, em parceria com o governo estadual”. Ele também prometeu ampliar o o WiFi Livre SP, “garantindo mais conectividade gratuita”.

Tabata Amaral

De acordo com a candidata do PSB, quando se olha para os rankings de melhores cidades para se investir, vê-se que São Paulo está muito abaixo do seu potencial em áreas estratégicas. “Precisamos priorizar as pequenas e médias empresas. Além da reforma tributária em Brasília, é hora de aumentar a simplificação em São Paulo”, disse. Uma das ideias é implementar o Portal do Licenciamento, para desburocratizar a obtenção de alvarás para obras e funcionamento de negócios. “Também vamos profissionalizar a SP Negócios e criar quatro Distritos de Desenvolvimento Econômico, que vão estimular o desenvolvimento local por meio de incentivos fiscais e melhoria de infraestrutura pública.”

Na área de turismo, um dos planos é criar o programa Descomplica Eventos, “que vai centralizar e desburocratizar a obtenção de licenças e autorizações para realizar grandes eventos na cidade. Além de reduzir os procedimentos necessários, o programa vai oferecer um ponto de contato único para atendimento aos organizadores”.

Segundo Tabata, a prefeitura precisa criar espaços e dar apoio para que as empresas invistam em inovação e vejam São Paulo como um hub tecnológico. “Temos todas as peças - investidores, capital humano na área e universidades públicas com pesquisa de ponta. Falta arregaçar as mangas e trabalhar duro. Além das propostas que temos para a cidade, vamos dialogar com o governo do Estado para tirar do papel o Parque Tecnológico Estadual do Jaguaré, ao lado da USP, e criar o Parque Tecnológico de São Paulo, na Zona Leste, que cumprirão um papel fundamental nesse processo.”

Veja quais são as outras reportagens da série:

  • Educação - 7/8
  • Mobilidade - 8/8
  • Meio ambiente - 10/8
  • Urbanismo - 11/8
  • Centro de SP - 12/8
  • Segurança - 13/8

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

A cidade de São Paulo é, de longe, a maior potência econômica brasileira. Sozinha, é responsável pela geração de quase 10% do produto interno bruto (PIB) nacional. Apenas como comparação, se fosse um Estado, ficaria atrás somente do próprio Estado de São Paulo, do Rio e de Minas Gerais.

Essa participação no PIB até caiu um pouco - era de 11,5% em 2010, e ficou em 9,2% em 2021, segundo um levantamento feito pela Tendências Consultoria. Mas, segundo João Pedro Leme, responsável pelo estudo, isso não significa uma perda de importância nem chega a ser algo preocupante - tem mais a ver com a própria dinâmica da economia brasileira, com o crescimento de municípios menores, principalmente.

Mas a economia paulistana está em mutação. A cidade já foi um grande centro industrial, e deixou de ser - principalmente por questões de custo de terrenos e logística complicada. Nas últimas décadas, tornou-se cada vez mais um polo de serviços, sejam eles financeiros, de saúde, gastronômicos ou culturais. O turismo de negócios e de eventos se transformou numa das principais fontes de receita da cidade.

Para o pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, Nelson Marconi, a manutenção desse protagonismo econômico de São Paulo demandará das próximas gestões uma visão estratégica, de longo prazo, em relação ao perfil do desenvolvimento econômico da capital. Esse deve ser o principal desafio econômico de uma cidade que praticamente caminha sozinha nessa área.

GP de Interlagos, da Fórmula Um, é um dos eventos que mais trazem turistas à capital paulista Foto: Werther/Estadão

Segundo ele, é necessário trazer à mesa o debate sobre quais setores guiarão a economia paulistana nas próximas décadas, o que o especialista vê como a “vocação” da cidade. “São Paulo tem vocação para muitos negócios, para a área de serviços, por exemplo. Muitas empresas (brasileiras e multinacionais) têm suas sedes aqui, nós já temos uma estrutura de serviços montada em torno disso.”

A cidade como ‘hub de tecnologia’

Para Marconi, há uma oportunidade, por exemplo, de transformar a cidade em um grande “hub de tecnologia”. “Não como São José dos Campos (onde está a fábrica da Embraer e todos os seus fornecedores), mas tecnologia de serviços. Qualquer cidade que queira se desenvolver precisa se orientar nesse sentido”, afirma. “A pergunta mais importante é: o que São Paulo quer ser no futuro? Como será desenvolvida a economia da cidade?”

São Paulo já é atualmente o grande polo das startups no Brasil. De acordo com um levantamento da plataforma Cortex, a cidade concentra 3.693 das 12.040 startups brasileiras.

Seguindo essa vocação, a avaliação é que a capital tem a possibilidade de se destacar em novos segmentos que estão surgindo, como os ligados às tecnologias mais refinadas (inteligência artificial, por exemplo) e serviços mais sofisticados (como na área de saúde). Os serviços ligados à nova fronteira da economia verde, ou bioeconomia, são apontados como uma área que poderia ser bem explorada.

Nessa linha, Álvaro Martins, professor da pós-graduação em Tecnologia da Informação da Eaesp/FGV, lembra que processo de sofisticação da oferta de serviços e da infraestrutura digital no município pode ser um diferencial para atrair novos negócios e alavancar o crescimento econômico local.

Cubo, do Itaú, é um exemplo de espaço que reúne startups e empresas de inovação em São Paulo Foto: Helvio Romero/Estadão

Ele avalia que o município precisa principalmente investir em educação especializada e criar um plano estratégico para transformar São Paulo em um polo de formação de mão de obra para áreas como tecnologia da informação, inteligência artificial, cibersegurança e outras disciplinas em que o principal gargalo da expansão é a falta de profissionais.

“Há um ‘apagão’ de mão de obra em tecnologia, falta profissional no mercado”, diz. “Se a tecnologia conseguir ser mais presente no município para o cidadão e para as empresas, isso vai nos favorecer como cidade e como ponto de atração de investimentos.” Segundo Martins, a criação de centros de formação desses profissionais seria um primeiro passo, que já no curto prazo traria retorno econômico à cidade.

Que experiência internacional poderia ser seguida?

Martins lembra que algo nessa linha, do investimento em formação de mão de obra como indutor de investimentos, foi realizado na cidade de Bangalore, na Índia. Em meados dos anos 2000, após o início da internet comercial, o município fez uma aposta na formação de profissionais para essas áreas, e com isso conseguiu criar um “cinturão tecnológico”, o que transformou a região em um expoente desse setor.

Esse tipo de investimento tornou Bangalore a maior cidade da Índia (e uma das principais de toda a Ásia) em alta tecnologia e comunicações. A cidade também é considerada uma das mais empreendedoras do mundo.

Turismo de negócios e gastronomia na pauta

Entre essas vocações econômicas de São Paulo, o turismo de negócios - feiras e eventos - aparece como uma vertente de grande potencial de crescimento. Dados da SPTuris apontam que, em 2023, a cidade recebeu mais de 6,6 milhões de turistas desse tipo, com um impacto econômico de R$ 9,3 bilhões.

Dentro desse segmento, uma outra área que também chama atenção pelas possibilidades é o turismo gastronômico. No ranking dos 100 melhores restaurantes da América Latina, da consultoria William Reed, 11 estão em São Paulo. Fundadora do Bar da Dona Onça e do restaurante Casa do Porco (o 4.° melhor da América Latina nesse ranking), Janaína Torres é uma das entusiastas do setor em São Paulo, em especial na região central da capital. A empresária, que foi eleita a melhor chef mulher do mundo, vê na união das pautas sobre o setor de bares e restaurantes com a agenda de turismo uma forma de fomentar a economia local.

Janaína Torres foi eleita a melhor chef mulher do mundo Foto: Alex Silva/Estadão

Segundo Janaína, o município precisa debater o papel da gastronomia dentro do turismo, como ocorre em outros países cuja culinária é um importante vetor de atração, a exemplo da Argentina, Peru ou Itália. “Tem mais gente indo aos restaurantes de São Paulo do que aos museus”, diz ela. “Eu já conheci mais de 15 secretários de turismo de São Paulo e nunca tive nenhuma proposta sobre ter algo pelo turismo gastronômico do centro da cidade.”

Quais os bons exemplos no exterior?

A questão do turismo gastronômico, no exterior, passa mais por uma ação global dos governos, mas há exemplos que poderiam ser plicados nos municípios. Na Argentina, o programa Visit Argentina, ligado à pasta de turismo, é responsável por organizar um roteiro focado nas atrações gastronômicas em cidades como Buenos Aires, levando os turistas aos restaurantes premiados pelo Guia Michelin. Acabou se tornando uma fonte de renda importante para a cidade.

No Peru, o turismo gastronômico se tornou questão de Estado, e Lima passou a ser reconhecida mundo afora por sua comida. O país foi eleito no ano passado, pela décima vez, o melhor destino gastronômico do mundo pela World Travel Award. É um trabalho de muitos anos da agência oficial PromPerú, que faz um trabalho importante para vender o país como uma potência culinária global. Lima tem hoje 10 entre os 100 melhores restaurantes da América Latina.

O desafio da gestão das contas públicas

Para os especialistas, qualquer que seja a aposta para o desenvolvimento econômico de São Paulo, isso passará obviamente pela boa gestão das contas públicas - um desafio que assombra todo mundo. O principal ponto de atenção, nesse caso, é a eficiência da máquina administrativa.

No caso de São Paulo, segundo levantamento da Tendências, a parte mais positiva é a redução do endividamento conseguida nos últimos anos, o que tirou parte da pressão sobre os prefeitos. A capital paulista tinha um endividamento de aproximadamente 110,37% da sua receita em 2016 - quando a dívida consolidada girava em torno de R$ 47 bilhões e a receita corrente líquida era de R$ 42 bilhões.

Esse quadro mudou a partir de 2015, quando o então prefeito Fernando Haddad renegociou o indexador das dívidas do município com a União reduzindo drasticamente o volume do débito. No ano passado, a dívida correspondia a 26,82% da receita - a dívida consolidada bruta era de R$ 22 bilhões, enquanto a receita corrente líquida atingiu R$ 83 bilhões.

Ao mesmo tempo, uma reforma recente na Previdência municipal também permitiu que os gastos com pessoal caíssem de 48,57% em 2016 para 43,81% no ano passado. Mas, para os especialistas, essa não é uma área que se possa descuidar. “Em relação à questão previdenciária em São Paulo, nós já tivemos uma reforma, mas isso sempre será um problema, e o governo sempre terá de olhar para essa questão”, diz Marconi, da FGV.

O que os candidatos propõem em relação ao desenvolvimento econômico (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

Para o candidato do PSOL, é preciso retomar a vocação de São Paulo de ser uma cidade inovadora. “Vamos articular incentivos municipais e parcerias com universidades para promover atividades no complexo econômico e industrial, através de polos tecnológicos. Paralelamente, criaremos políticas municipais para atração de serviços industriais de maior sofisticação, tais como saúde, tecnologia da informação e processamento de dados industriais, buscando adaptar a economia paulistana às novas configurações produtivas”, disse.

O candidato disse também que pretende fortalecer o Conselho Municipal de Turismo, transformando-o em um órgão proativo e com representantes de todas as áreas do turismo. “A prioridade será a elaboração de um novo Plano Municipal de Turismo, incorporando políticas públicas e buscando parcerias com o Ministério do Turismo. Criaremos ações para fortalecer os variados segmentos da vocação turística paulistana: negócios, lazer e cultura, megaeventos e gastronomia.”

Ele informou ainda que nas regiões onde a oferta de educação, emprego e renda é menor, a ideia é criar equipamentos destinados aos jovens e adultos a partir dos 15 anos, voltados à formação profissional para a nova economia e suporte ao empreendedorismo. “Os Centros de Oportunidades terão wi-fi livre, estúdios de audiovisual e cursos dirigidos à economia criativa e digital, tais como Programação, Design, Tecnologia da Informação, Tecnologia Ambiental, Moda, Turismo, Idiomas e Gastronomia. A proposta é conectar a formação profissional com a economia de serviços e a tecnologia que caracterizam a São Paulo do século 21.”

José Luiz Datena

De acordo com o candidato do PSDB, o mais importante para alcançar os objetivos de desenvolvimento econômico em São Paulo é ter segurança jurídica e responsabilidade fiscal. A prefeitura tem papel decisivo nisso, afastando suspeitas de irregularidades e tratando com seriedade o dinheiro dos contribuintes, disse.

Entre os planos de Datena está a criação dos “Territórios do Emprego”. A ideia é “cortar imposto para incentivar empresas que se instalarem na periferia, com obrigação de contratar pelo menos 20% de mão de obra local; fazer escolas técnicas; habitações populares; equipamentos públicos; boa iluminação; segurança; e reforma urbana”.

Segundo o candidato, São Paulo tem vantagens imbatíveis para ser um polo global de tecnologia, com centros de conhecimento e empresas de ponta. “Nesse sentido, parcerias com o governo estadual, por meio das escolas e faculdades de tecnologia, serão ampliadas.”

Ele disse ainda que o turismo de negócios já tem se mostrado um importante indutor da economia paulistana e gerador de empregos de qualidade, bem remunerados. Mas que ainda pode avançar muito mais, atraindo mais eventos de alcance global. “A reforma do Anhembi, planejada pelo prefeito Bruno Covas, vai ajudar muito neste sentido”, disse.

Marina Helena

A candidata do Novo afirma que, nas últimas duas décadas, a cidade deixou de oferecer um ambiente próspero a pessoas e empresas, o que tem se refletido em uma perda de investimentos. “Para reverter esse cenário, precisamos primeiro de uma completa transformação da cidade - segurança, ordem urbana, choque de qualidade nos serviços públicos, políticas sociais que funcionem”, disse. “Além disso, algumas ações específicas na área econômica irão acelerar essa retomada.” Entre elas, transformar a cidade na “economia mais livre do Brasil, promovendo um ambiente de negócios mais competitivo e desburocratizado”.

Segundo ela, será criado o ProEmp, a procuradoria de defesa do empreendedor, “para estar ao lado de quem produz na defesa dos seus direitos, principalmente contra excessos do próprio setor público”. A ideia também é construir parcerias público-privadas para a maioria dos serviços públicos. Uma outra ideia é criar o Trilhas do Futuro SP, para “atrair, reter e qualificar a população paulistana, principalmente jovens, com as habilidades necessárias para atender as demandas do mercado de trabalho dos próximos anos”.

Marina disse também que São Paulo será a “Startup City”. “Criaremos ambientes experimentais (”sandboxes”) com regras mais simples para empresas poderem nascer e se desenvolver. Eles serão voltados para o desenvolvimento de startups na iniciativa privada, permitindo que haja um ambiente de testes para modelos inovadores de negócio sem as restrições existentes da regulação.” A ideia é também fazer parcerias com grandes empresas, aceleradoras e incubadoras para a criação e administração de espaços públicos, onde se desenvolvam novos negócios, a exemplo do Porto Digital, de Recife.

Pablo Marçal

A resposta para alavancar o crescimento econômico de São Paulo, segundo o candidato do PRTB, é focar em políticas que promovam o desenvolvimento sustentável. “Investir em educação, tecnologia, infraestrutura e parcerias público-privadas pode impulsionar o crescimento. Além disso, a desburocratização e a simplificação das regras para negócios podem atrair mais investimentos e fomentar a criação de empregos, aumentando a produtividade.”

Para Marçal, o turismo de negócios é um ponto fundamental da economia da cidade e, para potencializar essa área, é necessário investir na melhoria da infraestrutura, como centros de convenções, hotéis e transporte público. “A desburocratização dos processos de licenciamento para eventos e a criação de um calendário anual de eventos de grande porte podem atrair mais turistas e organizadores. Além disso, parcerias com o setor privado para a modernização de espaços e a promoção de São Paulo como destino de eventos internacionais são estratégias eficazes para superar os gargalos existentes.”

Disse também que, para inserir São Paulo na nova fronteira tecnológica, é essencial investir em educação e capacitação profissional nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). A melhoria da infraestrutura tecnológica, como a expansão da rede de fibra óptica e a criação de hubs de inovação, pode atrair empresas de tecnologia e startups, segundo ele. “Parcerias com universidades e centros de pesquisa para fomentar a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias são cruciais.”

Ricardo Nunes

O candidato do MDB e atual prefeito disse que São Paulo é uma potência na atração de investimentos e na geração de empregos. “É a cidade brasileira com o maior número de empregos, com 6,7 milhões de pessoas ocupadas, e a mais alta média salarial, de 4,4 salários mínimos.” Segundo ele, também consolidou-se como principal destino de empreendimentos digitais do Brasil, com a redução da alíquota do ISS de 5% para 2% e a uniformização de alíquotas do setor, medidas tomadas na atual gestão. “Além disso, a cidade atrai o capital privado com o Programa de Desestatização mais bem-sucedido do País, com o maior potencial para desenvolver PPPs e concessões.”

Também lembrou que São Paulo é a primeira cidade no Brasil e terceira na América Latina em número de eventos de negócios, com público de mais de 6,6 milhões de pessoas em 2023. Entre as ideias para alavancar esse setor estão a criação das Semanas Temáticas de Promoção da Cidade, que ocorrerão antes de eventos estratégicos, com o objetivo de fortalecer o setor e divulgar a marca da cidade. “Outra estratégia importante é a ampliação do Programa Vai de Roteiro, que visa a criar roteiros turísticos temáticos.”

Na área de tecnologia, segundo Nunes, será criado um ecossistema de inovação, “com a implementação de 10 centros de inovação aberta em Smart City e Inteligência Artificial, priorizando áreas periféricas da nossa cidade”. Além disso, a ideia é organizar o Distrito de Inovação da Cidade SP, “fomentando o desenvolvimento tecnológico e a requalificação urbana, em parceria com o governo estadual”. Ele também prometeu ampliar o o WiFi Livre SP, “garantindo mais conectividade gratuita”.

Tabata Amaral

De acordo com a candidata do PSB, quando se olha para os rankings de melhores cidades para se investir, vê-se que São Paulo está muito abaixo do seu potencial em áreas estratégicas. “Precisamos priorizar as pequenas e médias empresas. Além da reforma tributária em Brasília, é hora de aumentar a simplificação em São Paulo”, disse. Uma das ideias é implementar o Portal do Licenciamento, para desburocratizar a obtenção de alvarás para obras e funcionamento de negócios. “Também vamos profissionalizar a SP Negócios e criar quatro Distritos de Desenvolvimento Econômico, que vão estimular o desenvolvimento local por meio de incentivos fiscais e melhoria de infraestrutura pública.”

Na área de turismo, um dos planos é criar o programa Descomplica Eventos, “que vai centralizar e desburocratizar a obtenção de licenças e autorizações para realizar grandes eventos na cidade. Além de reduzir os procedimentos necessários, o programa vai oferecer um ponto de contato único para atendimento aos organizadores”.

Segundo Tabata, a prefeitura precisa criar espaços e dar apoio para que as empresas invistam em inovação e vejam São Paulo como um hub tecnológico. “Temos todas as peças - investidores, capital humano na área e universidades públicas com pesquisa de ponta. Falta arregaçar as mangas e trabalhar duro. Além das propostas que temos para a cidade, vamos dialogar com o governo do Estado para tirar do papel o Parque Tecnológico Estadual do Jaguaré, ao lado da USP, e criar o Parque Tecnológico de São Paulo, na Zona Leste, que cumprirão um papel fundamental nesse processo.”

Veja quais são as outras reportagens da série:

  • Educação - 7/8
  • Mobilidade - 8/8
  • Meio ambiente - 10/8
  • Urbanismo - 11/8
  • Centro de SP - 12/8
  • Segurança - 13/8

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

A cidade de São Paulo é, de longe, a maior potência econômica brasileira. Sozinha, é responsável pela geração de quase 10% do produto interno bruto (PIB) nacional. Apenas como comparação, se fosse um Estado, ficaria atrás somente do próprio Estado de São Paulo, do Rio e de Minas Gerais.

Essa participação no PIB até caiu um pouco - era de 11,5% em 2010, e ficou em 9,2% em 2021, segundo um levantamento feito pela Tendências Consultoria. Mas, segundo João Pedro Leme, responsável pelo estudo, isso não significa uma perda de importância nem chega a ser algo preocupante - tem mais a ver com a própria dinâmica da economia brasileira, com o crescimento de municípios menores, principalmente.

Mas a economia paulistana está em mutação. A cidade já foi um grande centro industrial, e deixou de ser - principalmente por questões de custo de terrenos e logística complicada. Nas últimas décadas, tornou-se cada vez mais um polo de serviços, sejam eles financeiros, de saúde, gastronômicos ou culturais. O turismo de negócios e de eventos se transformou numa das principais fontes de receita da cidade.

Para o pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, Nelson Marconi, a manutenção desse protagonismo econômico de São Paulo demandará das próximas gestões uma visão estratégica, de longo prazo, em relação ao perfil do desenvolvimento econômico da capital. Esse deve ser o principal desafio econômico de uma cidade que praticamente caminha sozinha nessa área.

GP de Interlagos, da Fórmula Um, é um dos eventos que mais trazem turistas à capital paulista Foto: Werther/Estadão

Segundo ele, é necessário trazer à mesa o debate sobre quais setores guiarão a economia paulistana nas próximas décadas, o que o especialista vê como a “vocação” da cidade. “São Paulo tem vocação para muitos negócios, para a área de serviços, por exemplo. Muitas empresas (brasileiras e multinacionais) têm suas sedes aqui, nós já temos uma estrutura de serviços montada em torno disso.”

A cidade como ‘hub de tecnologia’

Para Marconi, há uma oportunidade, por exemplo, de transformar a cidade em um grande “hub de tecnologia”. “Não como São José dos Campos (onde está a fábrica da Embraer e todos os seus fornecedores), mas tecnologia de serviços. Qualquer cidade que queira se desenvolver precisa se orientar nesse sentido”, afirma. “A pergunta mais importante é: o que São Paulo quer ser no futuro? Como será desenvolvida a economia da cidade?”

São Paulo já é atualmente o grande polo das startups no Brasil. De acordo com um levantamento da plataforma Cortex, a cidade concentra 3.693 das 12.040 startups brasileiras.

Seguindo essa vocação, a avaliação é que a capital tem a possibilidade de se destacar em novos segmentos que estão surgindo, como os ligados às tecnologias mais refinadas (inteligência artificial, por exemplo) e serviços mais sofisticados (como na área de saúde). Os serviços ligados à nova fronteira da economia verde, ou bioeconomia, são apontados como uma área que poderia ser bem explorada.

Nessa linha, Álvaro Martins, professor da pós-graduação em Tecnologia da Informação da Eaesp/FGV, lembra que processo de sofisticação da oferta de serviços e da infraestrutura digital no município pode ser um diferencial para atrair novos negócios e alavancar o crescimento econômico local.

Cubo, do Itaú, é um exemplo de espaço que reúne startups e empresas de inovação em São Paulo Foto: Helvio Romero/Estadão

Ele avalia que o município precisa principalmente investir em educação especializada e criar um plano estratégico para transformar São Paulo em um polo de formação de mão de obra para áreas como tecnologia da informação, inteligência artificial, cibersegurança e outras disciplinas em que o principal gargalo da expansão é a falta de profissionais.

“Há um ‘apagão’ de mão de obra em tecnologia, falta profissional no mercado”, diz. “Se a tecnologia conseguir ser mais presente no município para o cidadão e para as empresas, isso vai nos favorecer como cidade e como ponto de atração de investimentos.” Segundo Martins, a criação de centros de formação desses profissionais seria um primeiro passo, que já no curto prazo traria retorno econômico à cidade.

Que experiência internacional poderia ser seguida?

Martins lembra que algo nessa linha, do investimento em formação de mão de obra como indutor de investimentos, foi realizado na cidade de Bangalore, na Índia. Em meados dos anos 2000, após o início da internet comercial, o município fez uma aposta na formação de profissionais para essas áreas, e com isso conseguiu criar um “cinturão tecnológico”, o que transformou a região em um expoente desse setor.

Esse tipo de investimento tornou Bangalore a maior cidade da Índia (e uma das principais de toda a Ásia) em alta tecnologia e comunicações. A cidade também é considerada uma das mais empreendedoras do mundo.

Turismo de negócios e gastronomia na pauta

Entre essas vocações econômicas de São Paulo, o turismo de negócios - feiras e eventos - aparece como uma vertente de grande potencial de crescimento. Dados da SPTuris apontam que, em 2023, a cidade recebeu mais de 6,6 milhões de turistas desse tipo, com um impacto econômico de R$ 9,3 bilhões.

Dentro desse segmento, uma outra área que também chama atenção pelas possibilidades é o turismo gastronômico. No ranking dos 100 melhores restaurantes da América Latina, da consultoria William Reed, 11 estão em São Paulo. Fundadora do Bar da Dona Onça e do restaurante Casa do Porco (o 4.° melhor da América Latina nesse ranking), Janaína Torres é uma das entusiastas do setor em São Paulo, em especial na região central da capital. A empresária, que foi eleita a melhor chef mulher do mundo, vê na união das pautas sobre o setor de bares e restaurantes com a agenda de turismo uma forma de fomentar a economia local.

Janaína Torres foi eleita a melhor chef mulher do mundo Foto: Alex Silva/Estadão

Segundo Janaína, o município precisa debater o papel da gastronomia dentro do turismo, como ocorre em outros países cuja culinária é um importante vetor de atração, a exemplo da Argentina, Peru ou Itália. “Tem mais gente indo aos restaurantes de São Paulo do que aos museus”, diz ela. “Eu já conheci mais de 15 secretários de turismo de São Paulo e nunca tive nenhuma proposta sobre ter algo pelo turismo gastronômico do centro da cidade.”

Quais os bons exemplos no exterior?

A questão do turismo gastronômico, no exterior, passa mais por uma ação global dos governos, mas há exemplos que poderiam ser plicados nos municípios. Na Argentina, o programa Visit Argentina, ligado à pasta de turismo, é responsável por organizar um roteiro focado nas atrações gastronômicas em cidades como Buenos Aires, levando os turistas aos restaurantes premiados pelo Guia Michelin. Acabou se tornando uma fonte de renda importante para a cidade.

No Peru, o turismo gastronômico se tornou questão de Estado, e Lima passou a ser reconhecida mundo afora por sua comida. O país foi eleito no ano passado, pela décima vez, o melhor destino gastronômico do mundo pela World Travel Award. É um trabalho de muitos anos da agência oficial PromPerú, que faz um trabalho importante para vender o país como uma potência culinária global. Lima tem hoje 10 entre os 100 melhores restaurantes da América Latina.

O desafio da gestão das contas públicas

Para os especialistas, qualquer que seja a aposta para o desenvolvimento econômico de São Paulo, isso passará obviamente pela boa gestão das contas públicas - um desafio que assombra todo mundo. O principal ponto de atenção, nesse caso, é a eficiência da máquina administrativa.

No caso de São Paulo, segundo levantamento da Tendências, a parte mais positiva é a redução do endividamento conseguida nos últimos anos, o que tirou parte da pressão sobre os prefeitos. A capital paulista tinha um endividamento de aproximadamente 110,37% da sua receita em 2016 - quando a dívida consolidada girava em torno de R$ 47 bilhões e a receita corrente líquida era de R$ 42 bilhões.

Esse quadro mudou a partir de 2015, quando o então prefeito Fernando Haddad renegociou o indexador das dívidas do município com a União reduzindo drasticamente o volume do débito. No ano passado, a dívida correspondia a 26,82% da receita - a dívida consolidada bruta era de R$ 22 bilhões, enquanto a receita corrente líquida atingiu R$ 83 bilhões.

Ao mesmo tempo, uma reforma recente na Previdência municipal também permitiu que os gastos com pessoal caíssem de 48,57% em 2016 para 43,81% no ano passado. Mas, para os especialistas, essa não é uma área que se possa descuidar. “Em relação à questão previdenciária em São Paulo, nós já tivemos uma reforma, mas isso sempre será um problema, e o governo sempre terá de olhar para essa questão”, diz Marconi, da FGV.

O que os candidatos propõem em relação ao desenvolvimento econômico (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

Para o candidato do PSOL, é preciso retomar a vocação de São Paulo de ser uma cidade inovadora. “Vamos articular incentivos municipais e parcerias com universidades para promover atividades no complexo econômico e industrial, através de polos tecnológicos. Paralelamente, criaremos políticas municipais para atração de serviços industriais de maior sofisticação, tais como saúde, tecnologia da informação e processamento de dados industriais, buscando adaptar a economia paulistana às novas configurações produtivas”, disse.

O candidato disse também que pretende fortalecer o Conselho Municipal de Turismo, transformando-o em um órgão proativo e com representantes de todas as áreas do turismo. “A prioridade será a elaboração de um novo Plano Municipal de Turismo, incorporando políticas públicas e buscando parcerias com o Ministério do Turismo. Criaremos ações para fortalecer os variados segmentos da vocação turística paulistana: negócios, lazer e cultura, megaeventos e gastronomia.”

Ele informou ainda que nas regiões onde a oferta de educação, emprego e renda é menor, a ideia é criar equipamentos destinados aos jovens e adultos a partir dos 15 anos, voltados à formação profissional para a nova economia e suporte ao empreendedorismo. “Os Centros de Oportunidades terão wi-fi livre, estúdios de audiovisual e cursos dirigidos à economia criativa e digital, tais como Programação, Design, Tecnologia da Informação, Tecnologia Ambiental, Moda, Turismo, Idiomas e Gastronomia. A proposta é conectar a formação profissional com a economia de serviços e a tecnologia que caracterizam a São Paulo do século 21.”

José Luiz Datena

De acordo com o candidato do PSDB, o mais importante para alcançar os objetivos de desenvolvimento econômico em São Paulo é ter segurança jurídica e responsabilidade fiscal. A prefeitura tem papel decisivo nisso, afastando suspeitas de irregularidades e tratando com seriedade o dinheiro dos contribuintes, disse.

Entre os planos de Datena está a criação dos “Territórios do Emprego”. A ideia é “cortar imposto para incentivar empresas que se instalarem na periferia, com obrigação de contratar pelo menos 20% de mão de obra local; fazer escolas técnicas; habitações populares; equipamentos públicos; boa iluminação; segurança; e reforma urbana”.

Segundo o candidato, São Paulo tem vantagens imbatíveis para ser um polo global de tecnologia, com centros de conhecimento e empresas de ponta. “Nesse sentido, parcerias com o governo estadual, por meio das escolas e faculdades de tecnologia, serão ampliadas.”

Ele disse ainda que o turismo de negócios já tem se mostrado um importante indutor da economia paulistana e gerador de empregos de qualidade, bem remunerados. Mas que ainda pode avançar muito mais, atraindo mais eventos de alcance global. “A reforma do Anhembi, planejada pelo prefeito Bruno Covas, vai ajudar muito neste sentido”, disse.

Marina Helena

A candidata do Novo afirma que, nas últimas duas décadas, a cidade deixou de oferecer um ambiente próspero a pessoas e empresas, o que tem se refletido em uma perda de investimentos. “Para reverter esse cenário, precisamos primeiro de uma completa transformação da cidade - segurança, ordem urbana, choque de qualidade nos serviços públicos, políticas sociais que funcionem”, disse. “Além disso, algumas ações específicas na área econômica irão acelerar essa retomada.” Entre elas, transformar a cidade na “economia mais livre do Brasil, promovendo um ambiente de negócios mais competitivo e desburocratizado”.

Segundo ela, será criado o ProEmp, a procuradoria de defesa do empreendedor, “para estar ao lado de quem produz na defesa dos seus direitos, principalmente contra excessos do próprio setor público”. A ideia também é construir parcerias público-privadas para a maioria dos serviços públicos. Uma outra ideia é criar o Trilhas do Futuro SP, para “atrair, reter e qualificar a população paulistana, principalmente jovens, com as habilidades necessárias para atender as demandas do mercado de trabalho dos próximos anos”.

Marina disse também que São Paulo será a “Startup City”. “Criaremos ambientes experimentais (”sandboxes”) com regras mais simples para empresas poderem nascer e se desenvolver. Eles serão voltados para o desenvolvimento de startups na iniciativa privada, permitindo que haja um ambiente de testes para modelos inovadores de negócio sem as restrições existentes da regulação.” A ideia é também fazer parcerias com grandes empresas, aceleradoras e incubadoras para a criação e administração de espaços públicos, onde se desenvolvam novos negócios, a exemplo do Porto Digital, de Recife.

Pablo Marçal

A resposta para alavancar o crescimento econômico de São Paulo, segundo o candidato do PRTB, é focar em políticas que promovam o desenvolvimento sustentável. “Investir em educação, tecnologia, infraestrutura e parcerias público-privadas pode impulsionar o crescimento. Além disso, a desburocratização e a simplificação das regras para negócios podem atrair mais investimentos e fomentar a criação de empregos, aumentando a produtividade.”

Para Marçal, o turismo de negócios é um ponto fundamental da economia da cidade e, para potencializar essa área, é necessário investir na melhoria da infraestrutura, como centros de convenções, hotéis e transporte público. “A desburocratização dos processos de licenciamento para eventos e a criação de um calendário anual de eventos de grande porte podem atrair mais turistas e organizadores. Além disso, parcerias com o setor privado para a modernização de espaços e a promoção de São Paulo como destino de eventos internacionais são estratégias eficazes para superar os gargalos existentes.”

Disse também que, para inserir São Paulo na nova fronteira tecnológica, é essencial investir em educação e capacitação profissional nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). A melhoria da infraestrutura tecnológica, como a expansão da rede de fibra óptica e a criação de hubs de inovação, pode atrair empresas de tecnologia e startups, segundo ele. “Parcerias com universidades e centros de pesquisa para fomentar a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias são cruciais.”

Ricardo Nunes

O candidato do MDB e atual prefeito disse que São Paulo é uma potência na atração de investimentos e na geração de empregos. “É a cidade brasileira com o maior número de empregos, com 6,7 milhões de pessoas ocupadas, e a mais alta média salarial, de 4,4 salários mínimos.” Segundo ele, também consolidou-se como principal destino de empreendimentos digitais do Brasil, com a redução da alíquota do ISS de 5% para 2% e a uniformização de alíquotas do setor, medidas tomadas na atual gestão. “Além disso, a cidade atrai o capital privado com o Programa de Desestatização mais bem-sucedido do País, com o maior potencial para desenvolver PPPs e concessões.”

Também lembrou que São Paulo é a primeira cidade no Brasil e terceira na América Latina em número de eventos de negócios, com público de mais de 6,6 milhões de pessoas em 2023. Entre as ideias para alavancar esse setor estão a criação das Semanas Temáticas de Promoção da Cidade, que ocorrerão antes de eventos estratégicos, com o objetivo de fortalecer o setor e divulgar a marca da cidade. “Outra estratégia importante é a ampliação do Programa Vai de Roteiro, que visa a criar roteiros turísticos temáticos.”

Na área de tecnologia, segundo Nunes, será criado um ecossistema de inovação, “com a implementação de 10 centros de inovação aberta em Smart City e Inteligência Artificial, priorizando áreas periféricas da nossa cidade”. Além disso, a ideia é organizar o Distrito de Inovação da Cidade SP, “fomentando o desenvolvimento tecnológico e a requalificação urbana, em parceria com o governo estadual”. Ele também prometeu ampliar o o WiFi Livre SP, “garantindo mais conectividade gratuita”.

Tabata Amaral

De acordo com a candidata do PSB, quando se olha para os rankings de melhores cidades para se investir, vê-se que São Paulo está muito abaixo do seu potencial em áreas estratégicas. “Precisamos priorizar as pequenas e médias empresas. Além da reforma tributária em Brasília, é hora de aumentar a simplificação em São Paulo”, disse. Uma das ideias é implementar o Portal do Licenciamento, para desburocratizar a obtenção de alvarás para obras e funcionamento de negócios. “Também vamos profissionalizar a SP Negócios e criar quatro Distritos de Desenvolvimento Econômico, que vão estimular o desenvolvimento local por meio de incentivos fiscais e melhoria de infraestrutura pública.”

Na área de turismo, um dos planos é criar o programa Descomplica Eventos, “que vai centralizar e desburocratizar a obtenção de licenças e autorizações para realizar grandes eventos na cidade. Além de reduzir os procedimentos necessários, o programa vai oferecer um ponto de contato único para atendimento aos organizadores”.

Segundo Tabata, a prefeitura precisa criar espaços e dar apoio para que as empresas invistam em inovação e vejam São Paulo como um hub tecnológico. “Temos todas as peças - investidores, capital humano na área e universidades públicas com pesquisa de ponta. Falta arregaçar as mangas e trabalhar duro. Além das propostas que temos para a cidade, vamos dialogar com o governo do Estado para tirar do papel o Parque Tecnológico Estadual do Jaguaré, ao lado da USP, e criar o Parque Tecnológico de São Paulo, na Zona Leste, que cumprirão um papel fundamental nesse processo.”

Veja quais são as outras reportagens da série:

  • Educação - 7/8
  • Mobilidade - 8/8
  • Meio ambiente - 10/8
  • Urbanismo - 11/8
  • Centro de SP - 12/8
  • Segurança - 13/8

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