BRASÍLIA – O setor agropecuário negocia com o Ministério da Fazenda a antecipação de uma fatia do Plano Safra para refinanciar, com juros subsidiados, dívidas ligadas principalmente a investimentos. A equipe econômica avalia o pleito e ainda não bateu o martelo. O temor é de que a antecipação desfalque o plano e acabe gerando um problema futuro.
Ciente de que os agricultores, após essa eventual antecipação, farão pleitos por recomposição, a Fazenda vem alertando que não terá como “criar Orçamento” depois. E que, como o cobertor é curto, não adianta cobrir agora e descobrir mais para frente. Fontes ouvidas pelo Estadão afirmam que a cifra que está sendo considerada para a antecipação não deve chegar a R$ 500 milhões, mas destacam que o valor ainda está em negociação.
Segundo interlocutores, o impacto disso no volume de renegociação de dívidas dependerá do destino da verba. Isso porque há linhas no crédito rural que são mais agressivas, em termos de subsídios, como é o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Já outras têm custo mais marginal.
Se confirmada a antecipação dos valores, eles serão usados para fazer a chamada equalização dos juros, garantindo taxas mais baixas aos agricultores.
O setor também está na expectativa do anúncio de uma linha emergencial de crédito em dólar para revendas e produtores, com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O objetivo é fornecer capital de giro, com um período de carência e prazos mais alongados para amortização.
A percepção dentro do governo, porém, é de que o Ministério da Agricultura se antecipou na divulgação da linha, dando detalhes sobre um produto que ainda não estava redondo – o que azedou o clima e postergou o lançamento. Procurado sobre o tema, o BNDES afirmou que “não comenta produtos não analisados pela diretoria do banco”.
Produtores endividados
Nos últimos anos, em meio à disparada no preço das commodities, o setor agropecuário elevou o nível de endividamento para realizar investimentos. Agora, com o recuo nas cotações, parte do segmento enfrenta uma conjuntura desafiadora, com insumos ainda caros e eventos climáticos adversos, que afetam a colheita. Por isso, vem pleiteando um socorro do governo.
Milho, soja e algodão estão entre as culturas que concentram as maiores preocupações. No caso da soja, por exemplo, o setor convive com um cenário de quebra de safra no Brasil sendo mais do que compensado pelo crescimento da produção na Argentina, o que faz com que os preços não subam.
Ou seja, o segmento está produzindo menos e vendendo a preços mais baixos, o que impacta o fluxo de caixa dos produtores – sobretudo dos mais alavancados.
“A gente está com um problema de quebra de safra que pode chegar a 20%, 30%, com uma queda de valor. Eu, por exemplo, plantei soja a R$ 140 (a saca) e vou vender a R$ 90. Isso não cobre custo”, afirmou ao Estadão o deputado Pedro Lupion (PP-PR), que preside a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
“A minha região foi uma das que menos sofreu, mas, mesmo assim, tem uma queda vertiginosa no valor das commodities. Então, não é apenas que o produtor vai colher menos. Ele vai colher menos e vai vender por muito mais barato, então não fecha a conta”, diz Lupion.
Além da queda no preço da soja, ele cita desafios nas cadeias da carne, do leite e do trigo, bem como gargalos na logística e no armazenamento dos grãos. “São problemas sérios. Aquela lua de mel do agro, que foram quatro anos de bonança, acabou. Voltamos à realidade. E é um impacto para a economia como um todo: se tira 20 milhões de toneladas de safra do País, são 20 milhões a menos circulando, na logística, na geração de emprego e na rentabilidade”, afirma.
Nesse cenário, a lista de pleitos é longa. “A gente vai precisar de seguro, de melhoria no acesso ao Plano Safra, de equalização de juro maior e, quiçá, um adimplemento de dívida lá para frente. Temos que ver qual vai ser o tamanho do estrago”, destaca Lupion.
Uma das demandas é aumentar os recursos de seguro rural para R$ 2,5 bilhões, sendo que o valor reservado no Orçamento de 2024 é de R$ 964,5 milhões.
Especialistas ouvidos pelo Estadão, no entanto, refutam o cenário de crise generalizada no segmento. “Não há crise universal e generalizada, há problemas específicos e concentrados em algumas regiões no caso dos produtores. Percebemos isso nos dados de crédito”, afirmou o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
O coordenador do Insper e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Marcos Jank, afirmou ao Agro Estadão que a crise existe, mas é localizada. “Não é generalizada de forma alguma. As commodities são uma montanha-russa – sempre foi e sempre será, você tem anos bons e anos ruins. É uma crise localizada e, por isso, tem ganhadores e perdedores”, avaliou.