Brasília - A disputa bilionária por bens da família Maggi, dona de um império da soja no Brasil, levou a filha fora do relacionamento do patriarca André Antônio Maggi a contestar assinaturas do pai em alterações contratuais de duas empresas do grupo Amaggi, às vésperas da morte dele, em 2001.
Uma perícia particular contratada pela defesa de Carina Maggi Martins, de 42 anos, concluiu que as assinaturas dele em contratos das empresas Sementes Maggi e Agropecuária Maggi seriam “falsas” e teriam “dualidade de origem”, ou seja, poderiam ter sido feitas sido feitas por pessoas diferentes.
Como mostrou o Estadão, Carina alega ter sido “enganada” pelos cinco irmãos e pela viúva do pai num acordo de partilha de bens formalizado há cerca de 20 anos. A principal suspeita levantada por ela agora recai sobre procedimentos supostamente fraudulentos para blindar o patrimônio de seu pai da divisão com ela.
Fundador da Amaggi nos anos 1970, André Antônio Maggi se tornaria nos anos 1990 o mais influente empresário do setor, superando outros nomes que ostentaram antes o título de “rei da soja”. Ele morreu em 2001, e logo depois disso exames de DNA atestaram que Carina Maggi Martins era sua filha fora do casamento.
O espólio de André Maggi levado à Justiça para formalização de um acordo foi de R$ 23,9 milhões, em valores da época. Carina recebeu o equivalente a R$ 1,9 milhão (o equivalente hoje a cerca de R$ 10 milhões), e assinou um acordo em que aceitava ceder seus direitos e ficar excluída da condição de herdeira, o que na prática a retiraria de futuras divisões de bens. Mas afirma que veio a descobrir depois que o pai tinha muito mais antes de morrer (leia mais aqui).
Ela já tentou anular o acordo, mas perdeu a causa em 2015, em definitivo. Agora, procurou a Justiça novamente porque seus advogados afirmam terem descoberto fatos novos e querem levar a uma nova discussão, em paralelo à primeira. Por enquanto, as tentativas de Carina também foram rejeitadas na primeira instância de Justiça do Mato Grosso.
Contestação
O argumento principal dos advogados de Carina tem como base o fato de André Maggi ter deixado, num intervalo de cerca de 30 dias antes de morrer, de ser sócio de empresas, repassando cotas milionárias em favor de sua então esposa, Lúcia Maggi. Pelas regras de herança, os bens do rei da soja deveria ser divididos igualmente, na proporção de 50% para cada lado, entre a mulher e os filhos.
Ao se retirar da sociedade da Sementes Maggi e da Agropecuária Maggi, essas empresas deixaram legalmente de ser do patriarca e, portanto, não precisariam entrar na partilha de bens que envolveu Carina e os irmãos por parte de pai, entre eles o ex-ministro da Agricultura, ex-senador e ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi.
Segundo Carina, o pai sofria de Mal de Parkinson antes de morrer e isso despertou a suspeita. Ela relatou ao Estadão que o pai já não pagava uma ajuda informal por meio de cheques assinados, mas teria assinado as alterações contratuais, respectivamente, 25 dias e 11 dias antes de seu falecimento.
Com a rejeição de uma produção antecipada de provas perante a Justiça do Mato Grosso, os advogados de Carina contrataram, então, um laudo pericial particular. As assinaturas de André Antônio Maggi na saída das empresas Sementes Maggi e Agropecuária Maggi foram comparadas tecnicamente entre si e com ao menos mais seis assinaturas do patriarca, em alterações contratuais anteriores das mesmas empresas, realizadas de 1985 a 1995, um período de dez anos.
As conclusões da perícia grafotécnica afirmam que as assinaturas feitas dias antes da morte de André Maggi para retirada dele das duas empresas e doação de cotas à mulher “não se identificam graficamente entre si, sendo, portanto de natureza espúria”.
O documento de comparação entre as duas relata “expressivas divergências gráficas”, por exemplo, “a qualidade do traçado, os elementos de ordem geral da escrita e os elementos de natureza genética, evidenciando a dualidade de origem”.
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O parecer técnico é assinado pela perita Nanci Garcia de Souza, encomendado pelo advogado do Carina Maggi, Josmeyr Oliveira, que pretende discutir na Justiça se o pai dela estava lúcido e tinha condições motoras de assinar a documentação.
Em outro comparativo, com as seis assinaturas anteriores apostas por André Antônio Maggi em documentos registrados na Junta Comercial entre 1985 e 1995, a perita afirma que as assinaturas “não se identificam graficamente com os contratos de alterações paradigmas, sendo, portanto falsas”.
Nessa segunda comparação, ela afirma ter observado “expressivas divergências gráficas” ao confrontar os documentos apresentados como uma espécie de padrão.
“Foram observadas entre as assinaturas contestadas e o material paradigma características divergentes, quer em relação à qualidade do tração, quer no que diz respeito aos elementos de ordem geral da escrita, quer no que tange aos elementos de natureza genética, evidenciando dualidade de punho escritor, destacando-se os seguintes elementos: valores angulares e curvilíneos, calibre da escrita, relação de proporcionalidade gráfica, trêmulos gráficos, inclinação gráfica, morfogênese das maiúsculas iniciais A, ataque e desenvolvimento da letra M e articulação das letras “dre” e “gg” e remate da letra “i”.
Procurada, a família Maggi se recusou a comentar o caso e afirmou que vai tratar do processo movido por Carina Maggi Martins apenas em âmbito judicial.
No processo, ela pede ainda quebras de sigilo de 12 empresas, tentativa de localizar bens no exterior, até mesmo dos irmãos e da viúva de seu pai, por um período de até 11 anos, entre 1995 e 2006.