BRASÍLIA - A maneira como a União Europeia desenvolveu sua lei antidesmatamento, criticada por representantes do governo e produtores brasileiros, não foi particularmente inclusiva e está criando um nível de “tensão desnecessária”. A avaliação é do secretário-geral da Câmara de Comércio Internacional (ICC), John Denton, que esteve no Brasil na última semana para participar das reuniões do B-20 - fórum de empresários dos países e regiões representados no G-20. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o australiano criticou a legislação europeia por ter sido processada de uma forma que não permite entender os “detalhes e as especificidades” de como os setores impactados operam no Brasil.
“O comércio e o clima não são contraditórios. Na verdade, eles devem se apoiar mutuamente. E isso é algo em que a ICC está muito focada. Mas essa questão, e não será apenas na Europa, se tornará uma característica da maneira como o mundo funcionará. Portanto, temos de criar ferramentas para permitir que países como o Brasil e, principalmente, as empresas no Brasil continuem participando do mercado”, afirmou Denton, que chama atenção para a necessidade de se resolver o problema que ronda a metodologia de rastreabilidade dos produtos que entram na União Europeia.
“A meu ver, qual é o sentido de oferecer acesso ao mercado quando, na verdade, você não fornece as ferramentas e a capacidade de entrar nesse mercado? É algo que vemos como um problema que precisa ser resolvido”, disse o secretário-geral da ICC. A entidade, sediada em Paris, é representante institucional de 45 milhões de empresas em mais de 170 países. No Brasil, tem 200 associados.
O risco de medidas protecionistas se espalharem pelo mundo sob a pauta da sustentabilidade é um dos assuntos que movem representantes brasileiros, tanto nas negociações do acordo Mercosul-UE quanto na presidência do G-20 neste ano. A trilha de Comércio e Investimentos do grupo divulgou na semana passada, em Brasília, um documento de princípios nesta área, mas com um nível de generalidade permitido por um consenso trabalhoso de alcançar.
Para o secretário-geral da ICC, a construção de “princípios gerais” é o máximo que os países do G-20 conseguirão conquistar, o que tem alcance limitado no mundo real. “Mas o que isso significa no mundo real, na linguagem do mundo real? Acho que é aí que entram grupos como o ICC. Estamos em 170 países. Portanto, se estabelecermos princípios, eles poderão ser úteis para ajudar a orientar os governos”, defendeu Denton, que também é membro do Conselho de Administração do Pacto Global das Nações Unidas e copresidente da força-tarefa de financiamento e infraestrutura do B-20.
Como participante das discussões que envolvem o G-20, o australiano observa que a presidência brasileira acontece num ano especialmente desafiador. Ele destacou que o mundo está afetado não só por crises militares, mas também pela série de rebaixamentos soberanos que impactam as classificações e o risco de crédito dos países - e, consequentemente, tornam o financiamento das empresas mais caro.
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A necessidade de mudar esse contexto é uma oportunidade para o G-20 sob a liderança do Brasil, avalia Denton. “Em última análise, o que queremos ver é o G-20 no Brasil apoiando não apenas o crescimento econômico, mas o crescimento econômico inclusivo”, disse. Apesar do cenário desafiador, o secretário-geral da ICC avalia que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido capaz de “navegar” e manter o fórum progredindo.
Denton também tem boas expectativas com a COP-30, do próximo ano, que será sediada no Brasil. A ICC é globalmente o ponto focal do setor privado para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. O secretário-geral da entidade disse esperar que o evento possa manter a “ambição alta” e continuar o debate sobre a implementação de mercados de carbono “eficazes e funcionais”. Outra área “muito importante” na avaliação de Denton é o acesso ao financiamento para apoiar o processo de transição, principalmente para as economias emergentes e em desenvolvimento.
“E, finalmente, é aqui que o Brasil deve mostrar liderança. Ficaremos surpresos se o Brasil não liderar a COP-30 com um compromisso muito substancial em relação às NDCs”, concluiu Denton, em referência aos compromissos climáticos firmados no âmbito do Acordo de Paris.