A Alemanha inaugura nesta quarta-feira, 24, uma linha ferroviária que funcionará inteiramente com hidrogênio, uma novidade mundial e um avanço para descarbonizar o transporte ferroviário, apesar da dificuldade de acesso a essa nova tecnologia.
Uma frota de 14 trens, vendida pelo grupo francês Alstom para a região da Baixa Saxônia, no norte do país, substituirá as atuais locomotivas a diesel para cobrir os 100 km da linha que conecta as cidades de Cuxhaven, Bremerhaven, Bremervörde e Buxtehud, nas proximidades de Hamburgo.
“Estamos muito orgulhosos de poder explorar comercialmente esta tecnologia, que é uma novidade mundial”, declarou o presidente da Alstom, Henri Poupart-Lafarge.
Os trens a hidrogênio são uma forma privilegiada de reduzir as emissões de CO2 e substituir o diesel, que segue alimentando 20% das viagens ferroviárias na Alemanha.
Os trens da Alstom combinam hidrogênio armazenado a bordo com o oxigênio presente no ar, graças a uma célula de combustível, que produz a eletricidade necessária para garantir a tração do comboio.
A nova frota, que custou 93 milhões de euros (US$ 92,3 milhões), evitará a geração de “4.400 toneladas de CO2 a cada ano”, segundo a LNVG, que opera a rede a nível regional.
Projetados na cidade francesa de Tarbes e montados em Salzgitter, no centro da Alemanha, esses trens são testados comercialmente desde 2018, com a circulação regular de dois deles.
A Alstom firmou quatro contratos para entregar dezenas de trens na Alemanha, na França e na Itália, e a demanda não para de aumentar.
Só na Alemanha, “entre 2.500 e 3.000 trens a diesel poderiam ser substituídos por trens a hidrogênio” declarou à AFP Stefan Scharank, chefe do projeto na Alstom.
“Em 2035, entre 15% e 20% do mercado europeu de viagens regionais poderá funcionar com hidrogênio”, confirmou à AFP Alexandre Charpentier, especialista em ferrovias da consultoria Roland Berger. Os concorrentes da Alstom também entraram nesse mercado. O grupo alemão Siemens apresentou em maio um modelo para a companhia ferroviária Deutsche Bahn, com vista ao comissionamento em 2024.
Mas, além das belas perspectivas, “há barreiras reais”, alerta o especialista. Não apenas os trens andam buscando o hidrogênio, mas todo o setor de transporte, rodoviário e aéreo, bem como a indústria pesada - siderúrgica e química - que contam com essa tecnologia para reduzir as emissões de CO2.
Com o seu anúncio em 2020 de um plano de investimento de 7 bilhões de euros, a Alemanha tem a ambição de liderar dentro de uma década a tecnologia do hidrogênio. No entanto, tanto no país como em toda a Europa falta a infraestrutura necessária para a produção ou para o transporte, que exigem investimentos colossais. “Por isso não vemos que 100% dos trens a diesel serão substituídos por trens a hidrogênio”, comenta Charpentier.
Por outro lado, o hidrogênio não é necessariamente livre de carbono. Somente o hidrogênio verde, fabricado a partir de energias renováveis, é considerado sustentável. Ao mesmo tempo, existem outros métodos de fabricação mais comuns, mas que emitem gases de efeito estufa, já que têm base em combustíveis fósseis.
Prova da escassez do produto é que a linha da Baixa Saxônia utilizará em um primeiro momento um hidrogênio resultante da atividade de outras indústrias, como a química.
O instituto de pesquisa francês IFP, especializado em questões energéticas, explica que atualmente o hidrogênio “vem 95% da transformação de combustíveis fósseis” e que quase metade vem da transformação de gás natural. Um problema duplo, pela poluição causada pelo uso do gás e pelas dificuldades de abastecimento desta matéria-prima fóssil na Europa, em grande parte dependente do gás russo, que se tornou uma arma política com a guerra na Ucrânia.
“As decisões políticas terão que priorizar para qual setor vai ou não vai a produção de hidrogênio”, diz Charpentier, da Roland Berger. Além disso, a Alemanha terá que comprar esse recurso no exterior para atender às suas necessidades. Na terça-feira, 23, Berlim assinou um acordo com Toronto para importar hidrogênio renovável produzido no Canadá a partir de 2025. / AFP