Como as mudanças climáticas colocam em risco a rota comercial mais importante da Europa


Rio Reno é utilizado para escoar parte da produção industrial alemã, mas nível da água tem caído frequentemente de forma a impedir o transporte

Por Petra Sorge, Wilfried Eckl-Dorna e Carolynn Look

Bloomberg - O rio Reno tem sido durante séculos uma rota de navegação confiável, ajudando a criar gigantes industriais ao longo de suas margens. Mas esses dias estão chegando ao fim, e a disputa se torna ainda mais urgente à medida que o governo da Alemanha não consegue acompanhar o ritmo das mudanças.

Com a água diminuindo regularmente a níveis que impedem o transporte fluvial do final do verão até o outono, as empresas de toda a rota comercial mais importante da Europa estão correndo para se adaptar, mostrando como a crise climática está atingindo até as economias industriais avançadas.

A Basf está redirecionando sua logística para trens e caminhões. A fabricante de plásticos Covestro tem planos de contingência que incluem transferir parte da produção para a Bélgica. Os fabricantes estão estocando suprimentos, os serviços públicos estão armazenando combustível extra e os operadores de carga começaram a reformar as frotas com barcaças capazes de navegar em águas rasas.

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Baixos níveis de água vistos no Rio Reno, na cidade de Bonn, na Alemanha Foto: Benjamin Westhoff / Reuters

As soluções alternativas, caras e complicadas, visam a evitar paralisações generalizadas devido a interrupções na artéria crítica de transporte - um dilema que está se tornando mais frequente à medida que os invernos mais quentes significam menos neve para manter os níveis durante os meses secos do verão.

Depois que ondas brutais de calor devastaram o sul da Europa, o rio Kaub, um importante ponto de passagem a oeste de Frankfurt, atingiu níveis neste verão que significam que alguns navios podem transportar apenas cerca de metade da capacidade normal. Embora as chuvas recentes tenham aliviado o problema, mesmo pequenas mudanças podem ter um grande impacto. Uma queda de 10 centímetros significa que cerca de 100 toneladas a menos podem ser transportadas por navio, de acordo com Florian Röthlingshöfer, diretor da Swiss Rhine Ports.

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“O que podemos experimentar hoje como exceção se tornará a norma no futuro”, disse Christoph Heinzelmann, diretor do Instituto Federal de Engenharia e Pesquisa de Hidrovias da Alemanha. “Com isso, mais limitações surgirão.”

A reforma da frota de 8,9 mil navios do Reno para águas rasas pode totalizar cerca de € 90 bilhões (R$ 483,6 bilhões). E isso é apenas parte dos custos para manter o comércio fluindo. Há estoques extras e espaço para armazená-los, bem como planos do governo para reestruturar o rio, que demoram a chegar.

As iniciativas estão em andamento há anos e incluem sistemas de alerta precoce e dragagem de um trecho complicado de 50 quilômetros que vai do palácio barroco Biebrich, perto de Mainz, até logo após Kaub e os lendários penhascos de Lorelei - um projeto que o governo alemão estima que custará € 180 milhões (R$ 987 milhões).

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Disputas internas e burocracia

Após a seca do ano passado, o governo do chanceler Olaf Scholz procurou acelerar os esforços, mas agora está paralisado por conta de disputas internas e inércia burocrática, aumentando os desafios enfrentados pela maior economia da Europa.

O Reno serpenteia por cerca de 1,3 mil quilômetros dos Alpes suíços pelo coração industrial da Alemanha antes de desaguar no Mar do Norte, no porto holandês de Roterdã. Ele transporta mais de 10% do comércio suíço e cerca de duas toneladas para cada habitante alemão todos os anos. Isso agora está sob ameaça.

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Eventos extremos causados pelas mudanças climáticas prejudicam a navegação no Reno; secas e chuvas intensas demais prejudicam logística com alta no preço do transporte Foto: Wolfgang Rattay / Reuters

No final do verão, o derretimento da neve não desempenha mais um papel importante para o Reno, e esse suprimento de água se esgotou ainda no início deste ano, de acordo com Dennis Meissner, meteorologista do Instituto Federal Alemão de Hidrologia. “Portanto, as altas temperaturas são principalmente um fator para o baixo fluxo”, disse ele.

O rio é praticamente insubstituível para locais como as extensas instalações da Basf em Ludwigshafen. A maior fábrica de produtos químicos do mundo - ocupando 10 quilômetros quadrados ao longo do rio - carrega e descarrega cerca de 15 barcaças por dia, respondendo por cerca de 40% do seu volume de transporte. A Basf usa um sistema de alerta antecipado que prevê problemas com seis semaanas de antecedência. Está cada vez mais procurando mudar o transporte para o ferroviário e está adicionando pontos de carga para ser mais flexível.

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A maior siderúrgica da Alemanha está ainda mais exposta. Localizada em Duisburg, na confluência dos rios Reno e Ruhr, a instalação da ThyssenKrupp requer 60 mil toneladas de matérias-primas por dia. Parar as barcaças exigiria 2 mil caminhões, e abandonar totalmente o Reno não é viável, de acordo com uma porta-voz da empresa. As barcaças fluviais continuam sendo “o modo de transporte mais eficiente, econômico e ecológico”, disse ela.

As fábricas da Covestro no Estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália obtêm a maior parte de suas matérias-primas e transportam cerca de um terço de seus produtos acabados via Reno. A empresa tem uma força-tarefa que entra em ação quando os níveis de água ficam críticos. As medidas incluem alugar mais navios para permitir cargas mais leves e transferir a produção para outros locais na Alemanha e na Bélgica.

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As empresas têm pouca escolha a não ser investir para garantir as operações. A principal estratégia é acumular suprimentos e criar o máximo possível de redundância nas operações logísticas. As companhias de frete estão encomendando barcaças redesenhadas como a Stolt Ludwigshafen. O navio de 135 metros de comprimento, que foi batizado em nome da Basf em maio, é mais largo do que as versões convencionais e, portanto, pode navegar em águas baixas com mais segurança.

Mas, custando pelo menos € 10 milhões (R$ 53 milhões) cada, é uma troca cara. E a transição está apenas começando. A operadora de carga HGK, em Colônia, opera 350 barcaças no Reno e em outros rios europeus, mas apenas quatro são embarcações de águas rasas, com mais três em construção.

Também há capacidade limitada. A construtora naval holandesa De Gerlien van Tiem, que construiu dois navios para a Covestro, disse que suas carteiras de pedidos estão cheias até o final do ano que vem.

Disputas entre os três partidos da coalizão governista de Olaf Scholz atrapalham avanço dos projetos  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

O apoio político não é provável em breve. Os planos para facilitar o transporte do Reno foram apanhados em disputas entre os três partidos da coalizão governista de Scholz.

As hidrovias ainda não foram totalmente incluídas em uma lei destinada a acelerar a aprovação de projetos cruciais de infraestrutura porque os Verdes reagiram contra os Democratas Livres, pró-negócios, pelas preocupações sobre o impacto ambiental da dragagem. Sem a legislação que alivia os gargalos, a dragagem do principal trecho do meio do Reno não acontecerá antes de 2030, no mínimo, de acordo com a Associação de Navegação Interior da Alemanha, a BDB.

Dragagem lenta

O aprofundamento dos canais de navegação em torno do rio Kaub continua sendo um dos projetos de transporte mais importantes da Alemanha e a iniciativa ainda se beneficia dos esforços do governo para estabelecer um limite de quatro anos para certos processos de aprovação, disse um porta-voz do Ministério dos Transportes em resposta a perguntas da Bloomberg.

Embora a Alemanha tenha prometido aumentar o transporte fluvial interno junto com a malha ferroviária para limpar seu setor de transporte, não está apoiando isso. De acordo com o plano de gastos de longo prazo do governo, espera-se investir € 270 bilhões (R$ 1,45 trilhão) em infraestrutura de transporte até 2030 - quase a metade destinada a rodovias e menos de 10% a hidrovias.

Em novembro do ano passado - depois que o Reno foi novamente afetado pela seca -, o Ministério dos Transportes convocou uma “comissão de aceleração” composta por representantes dos governos federal e estadual, fabricantes do Reno e grupos ambientalistas. As propostas deveriam ser apresentadas até meados de 2023, mas agora são esperadas para setembro.

Em contraste com a abordagem lenta da Alemanha, a Suíça já realizou uma operação de dragagem para facilitar o acesso aos seus portos do Reno. O plano foi ancorado em um relatório climático de 2014, com aprovação concedida em 2017 e projeto concluído em fevereiro de 2019.

Embora a coalizão de Scholz diga que quer assumir a liderança na política climática, ela não está seguindo rápido o suficiente, de acordo com Claudia Kemfert, professora de economia de energia no instituto de pesquisa DIW em Berlim.

“No momento, nenhum Estado age com a urgência necessária - infelizmente, nem mesmo a Alemanha”, disse ela. “Temos uma enorme obrigação porque somos tão intensivos em emissões e não estamos cumprindo nossa responsabilidade de reconhecer esta emergência climática como real.”

Bloomberg - O rio Reno tem sido durante séculos uma rota de navegação confiável, ajudando a criar gigantes industriais ao longo de suas margens. Mas esses dias estão chegando ao fim, e a disputa se torna ainda mais urgente à medida que o governo da Alemanha não consegue acompanhar o ritmo das mudanças.

Com a água diminuindo regularmente a níveis que impedem o transporte fluvial do final do verão até o outono, as empresas de toda a rota comercial mais importante da Europa estão correndo para se adaptar, mostrando como a crise climática está atingindo até as economias industriais avançadas.

A Basf está redirecionando sua logística para trens e caminhões. A fabricante de plásticos Covestro tem planos de contingência que incluem transferir parte da produção para a Bélgica. Os fabricantes estão estocando suprimentos, os serviços públicos estão armazenando combustível extra e os operadores de carga começaram a reformar as frotas com barcaças capazes de navegar em águas rasas.

Baixos níveis de água vistos no Rio Reno, na cidade de Bonn, na Alemanha Foto: Benjamin Westhoff / Reuters

As soluções alternativas, caras e complicadas, visam a evitar paralisações generalizadas devido a interrupções na artéria crítica de transporte - um dilema que está se tornando mais frequente à medida que os invernos mais quentes significam menos neve para manter os níveis durante os meses secos do verão.

Depois que ondas brutais de calor devastaram o sul da Europa, o rio Kaub, um importante ponto de passagem a oeste de Frankfurt, atingiu níveis neste verão que significam que alguns navios podem transportar apenas cerca de metade da capacidade normal. Embora as chuvas recentes tenham aliviado o problema, mesmo pequenas mudanças podem ter um grande impacto. Uma queda de 10 centímetros significa que cerca de 100 toneladas a menos podem ser transportadas por navio, de acordo com Florian Röthlingshöfer, diretor da Swiss Rhine Ports.

“O que podemos experimentar hoje como exceção se tornará a norma no futuro”, disse Christoph Heinzelmann, diretor do Instituto Federal de Engenharia e Pesquisa de Hidrovias da Alemanha. “Com isso, mais limitações surgirão.”

A reforma da frota de 8,9 mil navios do Reno para águas rasas pode totalizar cerca de € 90 bilhões (R$ 483,6 bilhões). E isso é apenas parte dos custos para manter o comércio fluindo. Há estoques extras e espaço para armazená-los, bem como planos do governo para reestruturar o rio, que demoram a chegar.

As iniciativas estão em andamento há anos e incluem sistemas de alerta precoce e dragagem de um trecho complicado de 50 quilômetros que vai do palácio barroco Biebrich, perto de Mainz, até logo após Kaub e os lendários penhascos de Lorelei - um projeto que o governo alemão estima que custará € 180 milhões (R$ 987 milhões).

Disputas internas e burocracia

Após a seca do ano passado, o governo do chanceler Olaf Scholz procurou acelerar os esforços, mas agora está paralisado por conta de disputas internas e inércia burocrática, aumentando os desafios enfrentados pela maior economia da Europa.

O Reno serpenteia por cerca de 1,3 mil quilômetros dos Alpes suíços pelo coração industrial da Alemanha antes de desaguar no Mar do Norte, no porto holandês de Roterdã. Ele transporta mais de 10% do comércio suíço e cerca de duas toneladas para cada habitante alemão todos os anos. Isso agora está sob ameaça.

Eventos extremos causados pelas mudanças climáticas prejudicam a navegação no Reno; secas e chuvas intensas demais prejudicam logística com alta no preço do transporte Foto: Wolfgang Rattay / Reuters

No final do verão, o derretimento da neve não desempenha mais um papel importante para o Reno, e esse suprimento de água se esgotou ainda no início deste ano, de acordo com Dennis Meissner, meteorologista do Instituto Federal Alemão de Hidrologia. “Portanto, as altas temperaturas são principalmente um fator para o baixo fluxo”, disse ele.

O rio é praticamente insubstituível para locais como as extensas instalações da Basf em Ludwigshafen. A maior fábrica de produtos químicos do mundo - ocupando 10 quilômetros quadrados ao longo do rio - carrega e descarrega cerca de 15 barcaças por dia, respondendo por cerca de 40% do seu volume de transporte. A Basf usa um sistema de alerta antecipado que prevê problemas com seis semaanas de antecedência. Está cada vez mais procurando mudar o transporte para o ferroviário e está adicionando pontos de carga para ser mais flexível.

A maior siderúrgica da Alemanha está ainda mais exposta. Localizada em Duisburg, na confluência dos rios Reno e Ruhr, a instalação da ThyssenKrupp requer 60 mil toneladas de matérias-primas por dia. Parar as barcaças exigiria 2 mil caminhões, e abandonar totalmente o Reno não é viável, de acordo com uma porta-voz da empresa. As barcaças fluviais continuam sendo “o modo de transporte mais eficiente, econômico e ecológico”, disse ela.

As fábricas da Covestro no Estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália obtêm a maior parte de suas matérias-primas e transportam cerca de um terço de seus produtos acabados via Reno. A empresa tem uma força-tarefa que entra em ação quando os níveis de água ficam críticos. As medidas incluem alugar mais navios para permitir cargas mais leves e transferir a produção para outros locais na Alemanha e na Bélgica.

As empresas têm pouca escolha a não ser investir para garantir as operações. A principal estratégia é acumular suprimentos e criar o máximo possível de redundância nas operações logísticas. As companhias de frete estão encomendando barcaças redesenhadas como a Stolt Ludwigshafen. O navio de 135 metros de comprimento, que foi batizado em nome da Basf em maio, é mais largo do que as versões convencionais e, portanto, pode navegar em águas baixas com mais segurança.

Mas, custando pelo menos € 10 milhões (R$ 53 milhões) cada, é uma troca cara. E a transição está apenas começando. A operadora de carga HGK, em Colônia, opera 350 barcaças no Reno e em outros rios europeus, mas apenas quatro são embarcações de águas rasas, com mais três em construção.

Também há capacidade limitada. A construtora naval holandesa De Gerlien van Tiem, que construiu dois navios para a Covestro, disse que suas carteiras de pedidos estão cheias até o final do ano que vem.

Disputas entre os três partidos da coalizão governista de Olaf Scholz atrapalham avanço dos projetos  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

O apoio político não é provável em breve. Os planos para facilitar o transporte do Reno foram apanhados em disputas entre os três partidos da coalizão governista de Scholz.

As hidrovias ainda não foram totalmente incluídas em uma lei destinada a acelerar a aprovação de projetos cruciais de infraestrutura porque os Verdes reagiram contra os Democratas Livres, pró-negócios, pelas preocupações sobre o impacto ambiental da dragagem. Sem a legislação que alivia os gargalos, a dragagem do principal trecho do meio do Reno não acontecerá antes de 2030, no mínimo, de acordo com a Associação de Navegação Interior da Alemanha, a BDB.

Dragagem lenta

O aprofundamento dos canais de navegação em torno do rio Kaub continua sendo um dos projetos de transporte mais importantes da Alemanha e a iniciativa ainda se beneficia dos esforços do governo para estabelecer um limite de quatro anos para certos processos de aprovação, disse um porta-voz do Ministério dos Transportes em resposta a perguntas da Bloomberg.

Embora a Alemanha tenha prometido aumentar o transporte fluvial interno junto com a malha ferroviária para limpar seu setor de transporte, não está apoiando isso. De acordo com o plano de gastos de longo prazo do governo, espera-se investir € 270 bilhões (R$ 1,45 trilhão) em infraestrutura de transporte até 2030 - quase a metade destinada a rodovias e menos de 10% a hidrovias.

Em novembro do ano passado - depois que o Reno foi novamente afetado pela seca -, o Ministério dos Transportes convocou uma “comissão de aceleração” composta por representantes dos governos federal e estadual, fabricantes do Reno e grupos ambientalistas. As propostas deveriam ser apresentadas até meados de 2023, mas agora são esperadas para setembro.

Em contraste com a abordagem lenta da Alemanha, a Suíça já realizou uma operação de dragagem para facilitar o acesso aos seus portos do Reno. O plano foi ancorado em um relatório climático de 2014, com aprovação concedida em 2017 e projeto concluído em fevereiro de 2019.

Embora a coalizão de Scholz diga que quer assumir a liderança na política climática, ela não está seguindo rápido o suficiente, de acordo com Claudia Kemfert, professora de economia de energia no instituto de pesquisa DIW em Berlim.

“No momento, nenhum Estado age com a urgência necessária - infelizmente, nem mesmo a Alemanha”, disse ela. “Temos uma enorme obrigação porque somos tão intensivos em emissões e não estamos cumprindo nossa responsabilidade de reconhecer esta emergência climática como real.”

Bloomberg - O rio Reno tem sido durante séculos uma rota de navegação confiável, ajudando a criar gigantes industriais ao longo de suas margens. Mas esses dias estão chegando ao fim, e a disputa se torna ainda mais urgente à medida que o governo da Alemanha não consegue acompanhar o ritmo das mudanças.

Com a água diminuindo regularmente a níveis que impedem o transporte fluvial do final do verão até o outono, as empresas de toda a rota comercial mais importante da Europa estão correndo para se adaptar, mostrando como a crise climática está atingindo até as economias industriais avançadas.

A Basf está redirecionando sua logística para trens e caminhões. A fabricante de plásticos Covestro tem planos de contingência que incluem transferir parte da produção para a Bélgica. Os fabricantes estão estocando suprimentos, os serviços públicos estão armazenando combustível extra e os operadores de carga começaram a reformar as frotas com barcaças capazes de navegar em águas rasas.

Baixos níveis de água vistos no Rio Reno, na cidade de Bonn, na Alemanha Foto: Benjamin Westhoff / Reuters

As soluções alternativas, caras e complicadas, visam a evitar paralisações generalizadas devido a interrupções na artéria crítica de transporte - um dilema que está se tornando mais frequente à medida que os invernos mais quentes significam menos neve para manter os níveis durante os meses secos do verão.

Depois que ondas brutais de calor devastaram o sul da Europa, o rio Kaub, um importante ponto de passagem a oeste de Frankfurt, atingiu níveis neste verão que significam que alguns navios podem transportar apenas cerca de metade da capacidade normal. Embora as chuvas recentes tenham aliviado o problema, mesmo pequenas mudanças podem ter um grande impacto. Uma queda de 10 centímetros significa que cerca de 100 toneladas a menos podem ser transportadas por navio, de acordo com Florian Röthlingshöfer, diretor da Swiss Rhine Ports.

“O que podemos experimentar hoje como exceção se tornará a norma no futuro”, disse Christoph Heinzelmann, diretor do Instituto Federal de Engenharia e Pesquisa de Hidrovias da Alemanha. “Com isso, mais limitações surgirão.”

A reforma da frota de 8,9 mil navios do Reno para águas rasas pode totalizar cerca de € 90 bilhões (R$ 483,6 bilhões). E isso é apenas parte dos custos para manter o comércio fluindo. Há estoques extras e espaço para armazená-los, bem como planos do governo para reestruturar o rio, que demoram a chegar.

As iniciativas estão em andamento há anos e incluem sistemas de alerta precoce e dragagem de um trecho complicado de 50 quilômetros que vai do palácio barroco Biebrich, perto de Mainz, até logo após Kaub e os lendários penhascos de Lorelei - um projeto que o governo alemão estima que custará € 180 milhões (R$ 987 milhões).

Disputas internas e burocracia

Após a seca do ano passado, o governo do chanceler Olaf Scholz procurou acelerar os esforços, mas agora está paralisado por conta de disputas internas e inércia burocrática, aumentando os desafios enfrentados pela maior economia da Europa.

O Reno serpenteia por cerca de 1,3 mil quilômetros dos Alpes suíços pelo coração industrial da Alemanha antes de desaguar no Mar do Norte, no porto holandês de Roterdã. Ele transporta mais de 10% do comércio suíço e cerca de duas toneladas para cada habitante alemão todos os anos. Isso agora está sob ameaça.

Eventos extremos causados pelas mudanças climáticas prejudicam a navegação no Reno; secas e chuvas intensas demais prejudicam logística com alta no preço do transporte Foto: Wolfgang Rattay / Reuters

No final do verão, o derretimento da neve não desempenha mais um papel importante para o Reno, e esse suprimento de água se esgotou ainda no início deste ano, de acordo com Dennis Meissner, meteorologista do Instituto Federal Alemão de Hidrologia. “Portanto, as altas temperaturas são principalmente um fator para o baixo fluxo”, disse ele.

O rio é praticamente insubstituível para locais como as extensas instalações da Basf em Ludwigshafen. A maior fábrica de produtos químicos do mundo - ocupando 10 quilômetros quadrados ao longo do rio - carrega e descarrega cerca de 15 barcaças por dia, respondendo por cerca de 40% do seu volume de transporte. A Basf usa um sistema de alerta antecipado que prevê problemas com seis semaanas de antecedência. Está cada vez mais procurando mudar o transporte para o ferroviário e está adicionando pontos de carga para ser mais flexível.

A maior siderúrgica da Alemanha está ainda mais exposta. Localizada em Duisburg, na confluência dos rios Reno e Ruhr, a instalação da ThyssenKrupp requer 60 mil toneladas de matérias-primas por dia. Parar as barcaças exigiria 2 mil caminhões, e abandonar totalmente o Reno não é viável, de acordo com uma porta-voz da empresa. As barcaças fluviais continuam sendo “o modo de transporte mais eficiente, econômico e ecológico”, disse ela.

As fábricas da Covestro no Estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália obtêm a maior parte de suas matérias-primas e transportam cerca de um terço de seus produtos acabados via Reno. A empresa tem uma força-tarefa que entra em ação quando os níveis de água ficam críticos. As medidas incluem alugar mais navios para permitir cargas mais leves e transferir a produção para outros locais na Alemanha e na Bélgica.

As empresas têm pouca escolha a não ser investir para garantir as operações. A principal estratégia é acumular suprimentos e criar o máximo possível de redundância nas operações logísticas. As companhias de frete estão encomendando barcaças redesenhadas como a Stolt Ludwigshafen. O navio de 135 metros de comprimento, que foi batizado em nome da Basf em maio, é mais largo do que as versões convencionais e, portanto, pode navegar em águas baixas com mais segurança.

Mas, custando pelo menos € 10 milhões (R$ 53 milhões) cada, é uma troca cara. E a transição está apenas começando. A operadora de carga HGK, em Colônia, opera 350 barcaças no Reno e em outros rios europeus, mas apenas quatro são embarcações de águas rasas, com mais três em construção.

Também há capacidade limitada. A construtora naval holandesa De Gerlien van Tiem, que construiu dois navios para a Covestro, disse que suas carteiras de pedidos estão cheias até o final do ano que vem.

Disputas entre os três partidos da coalizão governista de Olaf Scholz atrapalham avanço dos projetos  Foto: Geert Vanden Wijngaert/AP

O apoio político não é provável em breve. Os planos para facilitar o transporte do Reno foram apanhados em disputas entre os três partidos da coalizão governista de Scholz.

As hidrovias ainda não foram totalmente incluídas em uma lei destinada a acelerar a aprovação de projetos cruciais de infraestrutura porque os Verdes reagiram contra os Democratas Livres, pró-negócios, pelas preocupações sobre o impacto ambiental da dragagem. Sem a legislação que alivia os gargalos, a dragagem do principal trecho do meio do Reno não acontecerá antes de 2030, no mínimo, de acordo com a Associação de Navegação Interior da Alemanha, a BDB.

Dragagem lenta

O aprofundamento dos canais de navegação em torno do rio Kaub continua sendo um dos projetos de transporte mais importantes da Alemanha e a iniciativa ainda se beneficia dos esforços do governo para estabelecer um limite de quatro anos para certos processos de aprovação, disse um porta-voz do Ministério dos Transportes em resposta a perguntas da Bloomberg.

Embora a Alemanha tenha prometido aumentar o transporte fluvial interno junto com a malha ferroviária para limpar seu setor de transporte, não está apoiando isso. De acordo com o plano de gastos de longo prazo do governo, espera-se investir € 270 bilhões (R$ 1,45 trilhão) em infraestrutura de transporte até 2030 - quase a metade destinada a rodovias e menos de 10% a hidrovias.

Em novembro do ano passado - depois que o Reno foi novamente afetado pela seca -, o Ministério dos Transportes convocou uma “comissão de aceleração” composta por representantes dos governos federal e estadual, fabricantes do Reno e grupos ambientalistas. As propostas deveriam ser apresentadas até meados de 2023, mas agora são esperadas para setembro.

Em contraste com a abordagem lenta da Alemanha, a Suíça já realizou uma operação de dragagem para facilitar o acesso aos seus portos do Reno. O plano foi ancorado em um relatório climático de 2014, com aprovação concedida em 2017 e projeto concluído em fevereiro de 2019.

Embora a coalizão de Scholz diga que quer assumir a liderança na política climática, ela não está seguindo rápido o suficiente, de acordo com Claudia Kemfert, professora de economia de energia no instituto de pesquisa DIW em Berlim.

“No momento, nenhum Estado age com a urgência necessária - infelizmente, nem mesmo a Alemanha”, disse ela. “Temos uma enorme obrigação porque somos tão intensivos em emissões e não estamos cumprindo nossa responsabilidade de reconhecer esta emergência climática como real.”

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