BRASÍLIA - A área técnica do Ministério da Saúde alertou a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o corte de 60% no orçamento em programas como o Farmácia Popular tornaria “inviável” a manutenção das políticas públicas no ano que vem.
Em comunicados para o Ministério da Economia, a equipe falava em negociar para reverter ou reduzir os impactos da redução antes do envio do projeto de Orçamento do ano que vem ao Congresso.
Segundo apurou o Estadão, a preferência da área técnica do Ministério da Saúde era de que a redução fosse feita em ações de atenção primária e de média e alta complexidades. O Ministério da Economia, no entanto, optou por corte linear de 60% nas despesas que não são obrigatórias da pasta, chamadas tecnicamente de discricionárias.
A decisão levou a uma tesourada no programa Farmácia Popular, que o obriga a restringir o acesso gratuito de medicamentos contra hipertensão, asma e diabetes e à fralda geriátrica.
Para colocar mais recursos no orçamento secreto, esquema montado pelo governo para compra de voto no Congresso, o governo Bolsonaro preferiu cortar no programa elogiado pelos especialistas como importante política pública para desafogar o Sistema Único de Saúde (SUS).
Com a decisão, a verba para os medicamentos gratuitos caiu de R$ 2,04 bilhões no Orçamento de 2022 para R$ 804 milhões no projeto de 2023 enviado ao Congresso no final de agosto. Um corte de R$ 1,2 bilhão. Para o orçamento secreto, porém, foram reservados R$ 19,4 bilhões.
Conselho de saúde
Ao Estadão, Francisco Funcia, vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, disse que a secretaria executiva do Conselho Nacional de Saúde recebeu ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde que dizia que houve uma indicação para que houvesse um corte linear das despesas da pasta de forma a acomodar as emendas parlamentares (do orçamento secreto) de quase R$ 20 bilhões. Segundo Funcia, consultor da comissão de orçamento e financiamento do Conselho Nacional de Saúde, essas emendas entraram no orçamento do Ministério da Saúde como reserva de contingência. O ofício foi enviado a todas as áreas do ministério que tiveram cortes. Como o conselho é uma das áreas que recebem recursos, também recebeu o ofício.
“O ofício menciona que o Ministério da Saúde, os técnicos, tentaram reverter que o corte não fosse linear porque sabiam que haveria problemas”, contou. “Esse corte é evidência que o SUS já está passando por um processo de desfinanciamento”, afirmou.
Como mostrou o Estadão na semana passada, o corte para garantir os recursos para o orçamento secreto também atinge outros programas da pasta, como os voltados para saúde indígena, educação e formação em saúde e formação de profissionais para atenção primária. São aqueles médicos e profissionais dos programas Mais Médicos e Médicos pelo Brasil, que atendem nas unidades de saúde.
Manifestação de Queiroga
Em um evento em São Paulo, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro para tentar explicar os cortes e atribuiu a tesourada à obrigatoriedade de pagar o orçamento secreto, que segundo ele foi um esquema vetado pelo presidente, que teve o veto derrubado por deputados e senadores. A fala do ministro tem três imprecisões: 1) o orçamento secreto não é impositivo; 2) Bolsonaro não vetou o orçamento secreto, ele recuou do veto e recriou o esquema de toma lá, dá cá com o Congresso; 3) foi o próprio governo do presidente Bolsonaro que escolheu cortar os recursos justamente do programa que distribui remédios de graça.
Queiroga disse que o Congresso vai ter “sensibilidade” para rever o corte e até ampliar a Farmácia Popular. A votação do projeto de Orçamento de 2023, porém, só vai ser feita após as eleições. “O Congresso Nacional, dentro da proposta de Orçamento do ano de 2023, vai discutir este assunto. Temos parlamentares que vão trabalhar juntos para que nenhuma política pública seja interrompida, inclusive a Farmácia Popular”, afirmou o ministro Queiroga.