O alfaiate Odiney Pedroso, que completou 90 anos no sábado, 1, trabalha há mais de 70 anos fazendo camisas personalizadas em uma pequena loja na Vila Romana, zona oeste de São Paulo. E não esperava passar por nada parecido com a crise provocada pela pandemia da covid-19. Em quatro meses, vendeu apenas seis camisas.Tentou um empréstimo bancário de R$ 1,8 mil para pagar as dívidas, mas, por causa da idade, não conseguiu.
“Esses quatro meses não foram fáceis. Eu tenho uma boa clientela, mas as pessoas não vinham, e meu serviço caiu bastante. E eu gosto de fazer o que faço: atender pessoalmente, e não trabalhar afobado”, conta Pedroso.
referenceA salvação do negócio, para ele, veio de um ato inesperado: um vídeo gravado por Renato Dias, dono de um posto de gasolina próximo à alfaiataria e neto de um amigo de Pedroso. O vídeo, em que Pedroso se emociona ao contar que nunca passou por tamanha dificuldade, foi compartilhado no Instagram da empresa de Dias, que conta com 85 mil seguidores. Em três dias, o vídeo já tinha mais de 49 mil visualizações.
Depois do vídeo, o alfaiate já recebeu mais de 50 pedidos, e o neto teve de passar a ajudá-lo no atendimento. “Eu fiquei muito feliz, pois não imaginava que chegaria a tanta gente, e pude ajudar de alguma forma. O telefone do Seu Pedroso não para de tocar”, conta Dias.
“Eu não esperava isso na minha vida, fico até sem jeito”, afirma Seu Pedroso. “Eu estou muito feliz de ter tanto serviço. Só estou com medo, porque gosto de trabalhar bem, e preciso me organizar para atender a todos os pedidos, mas vamos levando. Não adianta querer levar o mundo e o fundo e não conseguir.”
A história também rendeu uma vaquinha virtual, organizada pelo internauta Wagner Pedro de Oliveira, que também se comoveu com a história do alfaiate. O objetivo era arrecadar os R$ 1,8 mil das dívidas que Seu Pedroso pediu ao banco, mas ultrapassou e chegou a quase R$ 28 mil, com a ajuda de pelo menos 430 pessoas.
Não foi o primeiro caso de um pequeno negócio tocado há décadas por uma pessoa salvo pelas redes sociais. A história de Nelson Simeão, de 83 anos, proprietário do viveiro de plantas Jardins Modelo, no Brooklin, zona sul de São Paulo, há mais de 50 anos é parecida. Até março, costumava atender cerca de 15 clientes por dia, mas praticamente não recebeu nada durante 70 dias de fechamento depois da pandemia. A empresa não tinha site, nem conta nas redes sociais.
Quando pôde reabrir as portas, Nelson colocou uma placa em que pedia ajuda para sair da falência. Ao ver isso na loja, uma especialista em marketing postou uma foto em suas redes sociais, e resolveu ajudar a família a criar um perfil no Instagram para vendas. Pediu para um fotógrafo conhecido tirar fotos das plantas e do espaço, e criou uma conta para o viveiro.
As postagens também repercutiram pela rede, e o perfil recém-criado já conta com 77 mil seguidores. O atendimento presencial também aumentou: segundo Simeão, há dias em que chega a ter mais de 50 clientes, e a média desde o mês passado tem sido de 30 por dia. Foi preciso até demarcar o chão do lado de fora para organizar a fila.
“Eu nunca imaginei que teria esse movimento. Tive de pedir para meus quatro netos e minha nora virem me ajudar. Isso é uma prova de que o povo é solidário, e ajudou bastante”, conta.
Apesar do sucesso, Simeão diz que ainda não sabe mexer nas redes sociais, e encarregou aosnetos o trabalho de cuidar do perfil. “Eu nunca mexi, e não entendo nada disso. Meu neto está me ajudando, enquanto eu continuo cuidando do atendimento dos clientes presencialmente”.
Adaptação tecnológica
Para especialistas, um dos principais problemas que os pequenos empreendedores têm atravessado na pandemia é exatamente a falta de adaptação ao ambiente tecnológico. No caso da alfaiataria de Odiney Pedroso, por exemplo, nem pagamento com cartão é aceito, apenas dinheiro.
Para Layla Vallias, cofundadora da consultoria de marketing especializada no consumidor maduro (com mais de 50 anos) Hype50+, apesar de esse público já usar a internet para lazer e comunicação, ainda não a usa como ferramenta de trabalho. O desafio é capacitar essas pessoas para que possam aprender a utilizar as plataformas digitais profissionalmente.
“É preciso pensar em capacitação digital com esse enfoque no trabalho. Existe muito conteúdo na internet, mas há pouco focado nisso. Também ajuda muito que pessoas mais jovens ensinem a mexer nessas ferramentas, e que ele comece com plataformas que já tem alguma familiaridade, como fazer uma venda pelo WhatsApp ou pelo Facebook”, afirma.
Atualmente, 39% das micro e pequenas empresas brasileiras ainda não retornaram ao funcionamento, já que o negócio funciona apenas presencialmente. É o que aponta a 4ª edição da pesquisa “Impacto da pandemia de coronavírus nos pequenos negócios”, realizada pelo Sebrae e pela FGV entre maio e junho. Ao mesmo tempo, 13% dos empresários afirmaram que estão atendendo, mas que não têm estrutura para utilizar tecnologias digitais.
“No Brasil, ainda temos uma distância muito grande no campo da inclusão digital, e a nossa meta é diminuir isso. O Sebrae possui muitos cursos gratuitos para que a pessoa possa aprender coisas básicas, mas que vão ajudar a manter esse negócio”, aponta Wilson Poit, diretor superintendente do Sebrae-SP. Um desses cursos é o de Marketing Digital para o Empreendedor, disponível no site do Sebrae.