RIO - Já refletindo os primeiros impactos das enchentes do Rio Grande do Sul sobre alguns preços de alimentos, a inflação oficial no País acelerou a 0,46% em maio, ante uma alta de 0,38% em abril, segundo os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgados nesta terça-feira, 11, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O resultado ficou no teto das estimativas dos analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast, que previam um aumento entre 0,32% e 0,46%, com mediana positiva de 0,40%. Como consequência, a taxa acumulada pelo IPCA em 12 meses avançou, após uma sequência de sete meses consecutivos de arrefecimento: passando de 3,69% em abril para 3,93% em maio, ante uma meta de inflação de 3,0% perseguida pelo Banco Central em 2024 (com teto de tolerância de 4,50%).
Para 2024, a Tendências Consultoria Integrada espera uma inflação de 3,8%, seguida de elevação de preços de 3,9% em 2025, em um ambiente que inclui o real mais depreciado ante o dólar e o mercado de trabalho ainda aquecido.
“Embora as variações de curto prazo permaneçam moderadas, há possibilidade de pressões mais persistentes sobre os preços de alimentos e serviços, o que imporia risco altista para a projeção de 2024. Além disso, a desancoragem das expectativas de inflação, que têm se intensificado, aos sinais de aperto adicional do mercado de trabalho e os estímulos em curso à demanda ameaçam a convergência da inflação de serviços para patamares mais baixos”, avaliou Matheus Ferreira, analista da Tendências, em nota.
O C6 Bank prevê um IPCA de 4,7% neste ano, além de uma taxa básica de juros, a Selic, estável nos atuais 10,50% ao ano até o fim de 2024.
“A resiliência da inflação de serviços corrobora nossa visão de que não há mais espaço para o Banco Central cortar juros neste ano”, projetou a economista Claudia Moreno, do C6 Bank, em comentário. “Acreditamos que o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco central) interromperá o ciclo de cortes de juros na reunião da próxima semana”, completou ela, lembrando que houve tanto uma piora recente do câmbio quanto das expectativas para a inflação.
Em maio, houve pressão sobre a inflação dos aumentos de preços de alimentos, energia elétrica, passagem aérea, plano de saúde e combustíveis. As chuvas no Rio Grande do Sul já provocaram o encarecimento de alguns alimentos, mas ainda podem respingar também em produtos industriais, confirmou André Almeida, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE.
“A situação que está sendo vivida em Porto Alegre afetou cadeias produtivas, afetou a estrutura logística do estado, afetou a produção de alimentícios”, enumerou Almeida.
Mesmo a demanda por materiais e bens necessários à reconstrução da região afetada podem impactar a dinâmica inflacionária, lembrou. “Vamos ver essa dinâmica, temos que aguardar”, ponderou o pesquisador do IBGE.
No caso dos alimentos, os aumentos nos preços da batata-inglesa e do leite refletiram, em parte, a menor oferta decorrente da situação de calamidade em território gaúcho.
“É um dos fatores que podem contribuir para essa alta (de alimentos)”, ressaltou Almeida.
No total nacional, foram destaques as altas nos preços da batata-inglesa (20,61%), cebola (7,94%), leite longa vida (5,36%) e café moído (3,42%). Almeida cita que, além da oferta menor advinda do Rio Grande do Sul, a batata-inglesa entrou em período de entressafra, o que também influenciou o aumento de preço.
“O leite tem uma combinação de época de entressafra, de uma redução nas importações e até impacto do Rio Grande do Sul, que afetou um pouco a oferta do leite, e fez com que os preços subissem em maio”, acrescentou.
No caso do café moído, Almeida explica que o grão tem registrado valorização no mercado internacional.
Preços sobem em Porto Alegre
A região metropolitana de Porto Alegre responde por um peso de 8,61% na formação da taxa do IPCA, atrás apenas de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Em maio, Porto Alegre registrou a maior variação de preços entre as 16 regiões pesquisadas no IPCA, alta de 0,87%. O avanço foi impulsionado pelos aumentos locais da batata inglesa (23,94%), gás de botijão (7,39%) e gasolina (1,80%).
“A gente teve variação de preços de alimentos na região metropolitana de Porto Alegre acima das demais áreas. E teve o gás de botijão, que em Porto Alegre subiu mais de 7%. Com certeza Porto Alegre teve influência das enchentes, da situação de calamidade vivida na região, no índice de preços”, confirmou Almeida.
O desastre fez o IBGE intensificar a coleta de preços na modalidade remota na região, mantendo a coleta presencial apenas quando possível. Em Porto Alegre, a proporção de dados coletados remotamente (por telefone ou internet) aumentou dos habituais 20% para aproximadamente 65% em maio. Houve ainda imputação de dados para subitens que não tiveram os preços coletados, como algumas hortaliças e verduras, por exemplo. Segundo André Almeida, a imputação é recorrente, adotada sempre que há alguma ausência temporária de determinado produto em algum local pesquisado, por exemplo. Há casos em que a imputação é feita através de uma média dos preços coletados para o produto em questão ou até de uma repetição da informação anterior.
“A gente teve um porcentual maior, uma quantidade maior de uso desse recurso, desse procedimento de imputação, em virtude da impossibilidade de coleta em determinados locais da amostra”, disse ele, referindo-se especificamente à região metropolitana de Porto Alegre, afetada pelas enchentes.
Almeida não especificou a quantidade de subitens que precisaram de algum tipo de imputação de informações em maio, mas enumerou casos como os de alimentos cujos preços são coletados nas feiras livres; alguns prestadores de serviços, como conserto de geladeira, de bicicleta, de aparelho celular e reforma de estofado; e preços de pequenos estabelecimentos comerciais que não possuem site nem foi possível contato telefônico, como alguns mercados e farmácias locais que não pertencem a grandes redes.
O IBGE frisou ainda que as informações do IPCA e demais índices de preços usados como indexadores de contratos não passarão por revisões futuras.
“A Política de Revisão de Dados Divulgados das Operações Estatísticas do IBGE estabelece que os índices de preços utilizados como indexadores de inflação na correção monetária de contratos públicos e privados não são revisados, para garantir a segurança jurídica dos contratos”, concluiu.