As incertezas em torno da mudança da atual âncora fiscal e as discussões para tirar o Auxílio Brasil do teto de gastos realimentaram no mercado a discussão sobre o risco de uma política monetária mais apertada no próximo governo – com a postergação de cortes ou mesmo novas altas das taxas de juros.
A avaliação é de que uma expansão fiscal de até R$ 175 bilhões para garantir o cumprimento de parte das promessas eleitorais do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderia ter impacto nos índices de inflação, tornando ainda mais difícil a tarefa do Banco Central de levar o indicador para próximo da meta. Nas projeções do mercado, o aumento de gastos públicos também poderia impedir a estabilização da dívida bruta, mesmo que esse crescimento seja limitado pela inflação nos anos subsequentes.
Para o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, as sinalizações do novo governo para a política fiscal mostram que uma retomada do ciclo de aperto monetário não está descartada. O economista diz que, agora, a autarquia deve se debruçar sobre as informações acerca de dois pontos centrais: a magnitude do aumento dos gastos em 2023 e as garantias para os próximos anos.
“Se for mesmo alguma coisa próxima de R$ 200 bilhões de gasto adicional, você tem em primeiro lugar um impacto sobre a demanda, que hoje o BC não está considerando nas projeções. E o segundo aspecto depende do tipo de coisa que o governo precisa mostrar para sugerir que essa exceção não vai se repetir nos próximos anos”, afirma Schwartsman.
A atenção do mercado estará focada também nas informações sobre como o governo pretende financiar essas despesas, o que pode determinar a magnitude da reação dos mercados, diz Schwartsman, citando o paralelo com o Reino Unido. “Se isso aconteceu em um país desenvolvido, imagine o que pode acontecer aqui”, alerta o economista. No Reino Unido, um pacote de expansão fiscal promovido pela ex-primeira ministra Liz Truss derrubou o mercado e levou a política a renunciar o cargo.
Nas contas da XP, uma “licença” de R$ 175 bilhões levaria a um aumento da dívida pública de 76% do PIB, previstos em 2022, para 88,3% em 2030. Em um cenário de manutenção do teto dos gastos, a dívida poderia cair a 74,1% do PIB até o fim da década. Caso o governo inclua uma política de aumento real do salário mínimo de 2% ao longo dos anos, a dívida avançaria a 97,5% até 2030.
“Nosso cenário base prevê espaço para a autoridade monetária reduzir juros em 2023, com base na desinflação global e no ajuste monetário já implementado. No entanto, como sempre ressalvamos em nossos relatórios, ‘se a política fiscal se tornar mais expansionista, comprometendo a trajetória esperada para a ociosidade da economia e para as expectativas de inflação, a taxa Selic poderá ser elevada novamente’”, escreve o economista-chefe da XP, Caio Megale, em relatório.
Megale alerta que, nesse caso de nova alta da Selic, a tendência é que as projeções de PIB para 2023 e 2024 recuem, mesmo com a expansão fiscal de curto prazo.
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Segundo o economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flávio Serrano, a curva de juros futuros já precificaria dois novos aumentos da Selic, de15 a 20 pontos-base, em dezembro e janeiro. O início do ciclo de cortes seria em junho de 2023, com os juros chegando a 13,25% no fim do ano que vem (ante os 13,75% atuais). Em declarações recentes, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem ressaltado que é preciso esperar para ver qual será realmente o plano do novo governo.
A expectativa é de que a equipe de transição de Lula apresente hoje o texto final da chamada PEC da Transição, que vai abrir espaço no Orçamento de 2023 para novos gastos fora do teto. Até agora, a negociação com o Congresso só envolveu a chamada “ala política” do novo governo, sem a participação do grupo técnico de economia da transição