A maior percepção de risco de calote no recebimento de aluguel deve trazer à tona mais casos de indisposição entre os donos de imóveis comerciais e os inquilinos, principalmente as empresas varejistas. Gestores de fundos imobiliários, analistas e advogados preveem que haverá um endurecimento das cobranças de valores atrasados daqui para frente, incluindo até mesmo “processos relâmpagos de despejo” - em que o proprietário exige a desocupação imediata do imóvel por causa de um pequeno atraso no pagamento do aluguel.
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O clima mais pesado foi sentido na terça-feira, 14, quando o fundo imobiliário Vinci Logística entrou com uma ação de despejo contra a Tok&Stok após a varejista deixar de pagar o aluguel vencido no começo deste mês. Ou seja, há cerca de duas semanas apenas. As preocupações aumentaram após o rombo contábil das Americanas e a multiplicação de casos de empresas que têm convocado credores para renegociar o pagamento de dívidas, como Marisa e Tok&Stok. “O episódio Americanas acabou precipitando ações preventivas no mercado”, disse um gestor de fundos imobiliários que preferiu não se identificar.
O pedido de despejo movido pela Vinci, por exemplo, teve esse tom. Há uma preocupação de que a Tok&Stok siga para uma eventual recuperação judicial. Quando esse tipo de situação ocorre, as dívidas são congeladas e o despejo é impedido até que a empresa apresente um plano de pagamento, deixando os donos de imóveis e outros credores em compasso de espera.
Vale lembrar que, há poucos dias, a Americanas avisou aos donos de shoppings que não iria mais pagar os aluguéis atrasados porque teve o pedido de recuperação judicial deferido.
“Na minha opinião, esse movimento foi uma precaução do fundo antevendo uma possível recuperação judicial. Não é normal ingressar com pedido de despejo no mesmo mês do não pagamento, inclusive porque o mês nem acabou ainda. Me pareceu uma medida conservadora e protetiva”, avaliou um segundo gestor de fundos imobiliários, que também falou sob a condição de não ter seu nome revelado.
Marisa
Outra situação de atrito no mercado veio à tona nesta sexta-feira, 17, com o fundo de investimento imobiliário Brasil Varejo comunicando que não recebeu o aluguel da Loja Marisa que vence neste mês. A Rio Bravo, administradora do fundo, informou que está buscando “todas as medidas cabíveis para cobrança”.
“O número crescente de grandes varejistas entrando em estresse financeiro levanta uma bandeira amarela para as empresas presentes nesse ecossistema”, afirmaram os analistas de mercado imobiliário Bruno Mendonça e Pedro Lobato, em relatório do Bradesco BBI.
Eles observaram que o risco é maior para empresas do segmento de galpões logísticos, muito utilizados como centros de armazenagem e distribuição de mercadoria. Neste ramo, é comum haver imóveis ocupados por apenas um locatário, o que gera um risco mais concentrado para seus proprietários. No caso da Vinci, por exemplo, a Tok&stok representa aproximadamente 14% das receitas totais do fundo. Já no fundo da Rio Bravo, o impacto é gritante, pois a Marisa tem um peso de 81,5% na receita.
Já no setor de shoppings, o risco é mais diluído. Basta pensar que cada centro de compras abrange de 100 a 200 lojas, portanto, espalhando o recebimento de aluguéis entre várias locatárias, ponderaram os analistas. Outro ponto de equilíbrio é que as redes de shoppings também dependem das grandes varejistas para atrair os consumidores, o que inibe processos de despejo imediatos. O mais comum é negociar antes de chegar ao extremo.
Despejo em menos de um mês da inadimplência
Juridicamente, não há barreiras para entrada de ações relâmpago de despejo. “Com um dia de atraso no pagamento do aluguel ou das contas previstas em contrato de locação, como condomínio, IPTU, luz, água e gás, o proprietário já pode pedir o despejo”, explicou o advogado Carlos Ferrari, sócio do escritório NFA, com atuação na área imobiliária. O mais comum é esse tipo de processo ser movido depois de ao menos um mês de inadimplência e tentativa de negociação. Já quando se acelera essas ações é porque há o sentimento de que o inquilino não vai ser capaz de honrar com os pagamentos, acrescentou Ferrari.
Para o advogado Olivar Vitale, sócio do escritório VBD e consultor do Secovi-SP, novos atritos devem surgir nas próximas semanas. “O caso Americanas tornou os credores e locadores menos pacientes”, disse. Ele ponderou, entretanto, que o processo de despejo por inadimplência não precisa ser o fim da linha para o contrato de locação. “Basta o inquilino, em juízo, pagar o que deve e obstar o despejo porque não há, em principio, um inadimplemento absoluto, sem volta”.