Americanas: dívida de quase R$ 1 bi coloca em risco operação de micros, pequenas e médias empresas


Estrago para as empresas de menor porte é maior por provocar enxugamento nas cadeias de produção, com corte de pessoal e busca de financiamentos em bancos

Por Lucas Agrela, Márcia De Chiara e Cleide Silva

O rombo bilionário que levou a Americanas à recuperação judicial afeta não só os bancos e os grandes fornecedores. A varejista deve pelo menos R$ 875 milhões, em cálculos preliminares, para mais de 6 mil micro, pequenas e médias empresas que eram fornecedoras de produtos ou serviços. Sem receber as dívidas e com o caixa desfalcado pela inadimplência, algumas já começam a reduzir produção e a fazer cortes no quadro de funcionários.

Os cálculos foram feitos pelo Estadão com base na lista de credores entregue à Justiça e incluem diversos setores, como de alimentos, indústrias, editoras de livros, prestadoras de serviços de TI e manutenção. Não foram considerados na conta passivos trabalhistas, bancos, grandes empresas, sindicatos e associações, fundos, aluguéis e empresas de luz e internet.

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Para as pequenas e micro empresas, que podem ter impacto mais forte do que as médias, a Americanas deve R$ 109,4 milhões. As dívidas nesse segmento, no documento da Americanas, variam entre R$ 10 e R$ 26 milhões. Do total de credores nessa categoria, 20 têm mais de R$ 1 milhão a receber e 102 aguardam pagamentos entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão. O maior número de credores entre os pequenos (441) têm entre R$ 1 mil e R$ 50 mil a receber. Para outros 73 fornecedores, a Americanas deve entre R$ 50 mil e R$ 100 mil, e 315 arcam com dívidas de até R$ 1 mil.

Americanas deve pelo menos R$ 875 milhões, em cálculos preliminares, para mais de 6 mil micro, pequenas e médias empresas que eram fornecedoras de produtos ou serviços. Foto: Taba Benedicto/Estadão 

A Ingram Micro Brasil, distribuidora americana de produtos e serviços de tecnologia da informação, é a maior credora entre as consideradas pequenas empresas listadas no documento oficial da Americanas – apesar de a dívida, de R$ 26,4 milhões, indicar uma empresa de porte maior. Procurada, a empresa, distribuidora de produtos da JBL, não quis comentar.

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Na lista entregue à Justiça, a reportagem encontrou fornecedores que já receberam parte dos valores, mas continuavam como credores, e também algumas empresas que não foram incluídas no montante — o que reforça “inconsistências contábeis” reportadas por Sergio Rial ao deixar a presidência da varejista.

Efeito dominó

Anunciado na primeira quinzena de janeiro, o rombo da Americanas já provoca um efeito dominó entre pequenos e médios fornecedores, que têm boa parte das receitas concentrada na varejista. Algumas estão reduzindo as operações, demitindo funcionários e buscando financiamento bancário para tentar compensar o desequilíbrio provocado pela suspensão dos pagamentos por causa do pedido de Recuperação Judicial.

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“É como se alguém tivesse entrado na minha empresa, tirado 35% do meu caixa e saísse andando pela porta da frente. É mais ou menos desta forma como eu me sinto”, diz ao Estadão o proprietário de uma indústria de material escolar, de porte médio, que preferiu não ser identificado. A dívida da Americanas com a empresa equivale a pouco mais de um terço do seu faturamento.

No início da pandemia, o empresário selecionou os melhores clientes para escapar do risco de inadimplência que aumentaria com a crise sanitária. Das cinco varejistas mais seguras, a Americanas era a única cuja possibilidade de inadimplência seria zero. O resultado levou em conta o fato de a companhia ser auditada por uma empresa de renome como a PwC, ser listada na B3 e ter como acionistas os homens mais ricos do País – Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.

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Quando veio à tona a crise da Americanas, ele diz que tomou uma “cacetada”. “Estamos tentando achar o rumo, é uma situação dramática da minha companhia e de todos os que acreditaram nessa empresa”. No momento, ele tenta reduzir tudo. “Linhas de produção, pessoal, o que der para sobreviver.” Sem revelar números, afirma que as demissões serão significativas. Paralelamente, tenta renegociar pagamentos com fornecedores e buscar crédito nos bancos.

“Fomos pegos de surpresa”, afirma outro empresário, de pequeno porte, que produz artigos de cama, mesa e banho e também pediu anonimato. No momento, ele reduziu o ritmo de produção e tenta redirecionar as mercadorias que venderia para a Americanas para outros clientes.

Por ora, ele não planeja demissões nem busca financiamentos bancários. A empresa vai tentar cobrir o rombo com recursos dos sócios. “Esse valor vai fazer falta, é muito dinheiro e não se sabe se vamos receber e quando”, afirma o empresário. Sozinha, a varejista respondeu no ano passado por 10% das vendas da fabricante de artigos de cama, mesa e banho.

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Há mais de 20 anos vendendo para a Americanas, ele conta que a cliente sempre foi importante pelo fato de comprar grandes volumes. “A Americanas dava poder de compra para o fornecedor.” O empresário diz que fazia parte da rotina da companhia pagar as dívidas com algum atraso, mas sempre quitava as pendências.

Carnaval salva faturamento

Fornecedora dos uniformes dos funcionários da Americanas em todo o País, a Porto Fabricação de Bandeiras e Serviços Ltda, do Rio de Janeiro, “foi salva pelo carnaval, do contrário o impacto na empresa teria sido grande”, disse Gilberto Porto, dono do negócio.

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A empresa tem R$ 684 mil a receber e, segundo Porto, “se descapitalizou um pouco”. Como produz também bandeiras e estampas para escolas de samba, conseguiu manter os 35 funcionários, pois as encomendas para esse segmento foram grande. A Porto aguardava uma nova encomenda de uniformes pela Americanas, mas o pedido está travado. “A Americanas sempre pagou direitinho mas, a partir de agora, vai ser só com pagamento à vista”, diz o empresário.

Porto acredita que, por ser microempresário está na lista prioritária de pagamentos. “Tenho certeza de que vou receber, nem que tenha de esperar um ano, a não ser que Americanas quebre de vez, mas eu acho isso muito difícil de acontecer.” Na lista de credores, o grupo aparece com outro crédito de R$ 1,38 milhão, mas o empresário diz já ter recebido esse valor antes da Recuperação Judicial.

Como varejista, Caito Maia, CEO e fundador da Chilli Beans, rede do setor de ótica, avalia que a crise da Americanas terá desdobramentos sobre a cadeia de fornecedores e o varejo como um todo. “Existe um dano muito grande e ele é pior para os menores”, afirma, frisando que não tem qualquer relação com a Americanas.

Maia acredita que o efeito econômico nos próximos meses será muito sério. “Fico muito preocupado com essa situação”, afirma. Ele argumenta que o impacto decorre da retirada de fluxo de dinheiro das cadeias de produção, especialmente dos inúmeros pequenos e médios fornecedores.

“A dívida da Americanas provoca estragos junto aos pequenos num cenário no qual está muito difícil captar dinheiro no mercado, e não serão todos que vão conseguir sobreviver”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra.

Na sua avaliação, o tamanho do impacto negativo que a varejista provoca nas cadeiras de produção dos fornecedores depende do funcionamento da companhia nas próximas semanas e nos próximos meses. A sua percepção é de que os fornecedores estão hoje em compasso de espera, tentando avaliar a melhor saída: reduzir o tamanho do negócio, demitir ou abrir uma negociação com a companhia para manter o fornecimento de produtos mediante pagamento à vista.

“Tudo indica que com a recente aprovação de um empréstimo de R$ 2 bilhões, a operação da Americanas não vai parar”, diz Terra. Ele acrescenta que muitos pequenos fornecedores podem também aproveitar para vender para outros varejistas que ocuparam parcela de mercado deixada pela Americanas.

O Estadão procurou várias empresas da lista de credores, mas a maioria preferiu não se pronunciar e aguardar o andamento do processo.

O rombo bilionário que levou a Americanas à recuperação judicial afeta não só os bancos e os grandes fornecedores. A varejista deve pelo menos R$ 875 milhões, em cálculos preliminares, para mais de 6 mil micro, pequenas e médias empresas que eram fornecedoras de produtos ou serviços. Sem receber as dívidas e com o caixa desfalcado pela inadimplência, algumas já começam a reduzir produção e a fazer cortes no quadro de funcionários.

Os cálculos foram feitos pelo Estadão com base na lista de credores entregue à Justiça e incluem diversos setores, como de alimentos, indústrias, editoras de livros, prestadoras de serviços de TI e manutenção. Não foram considerados na conta passivos trabalhistas, bancos, grandes empresas, sindicatos e associações, fundos, aluguéis e empresas de luz e internet.

Para as pequenas e micro empresas, que podem ter impacto mais forte do que as médias, a Americanas deve R$ 109,4 milhões. As dívidas nesse segmento, no documento da Americanas, variam entre R$ 10 e R$ 26 milhões. Do total de credores nessa categoria, 20 têm mais de R$ 1 milhão a receber e 102 aguardam pagamentos entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão. O maior número de credores entre os pequenos (441) têm entre R$ 1 mil e R$ 50 mil a receber. Para outros 73 fornecedores, a Americanas deve entre R$ 50 mil e R$ 100 mil, e 315 arcam com dívidas de até R$ 1 mil.

Americanas deve pelo menos R$ 875 milhões, em cálculos preliminares, para mais de 6 mil micro, pequenas e médias empresas que eram fornecedoras de produtos ou serviços. Foto: Taba Benedicto/Estadão 

A Ingram Micro Brasil, distribuidora americana de produtos e serviços de tecnologia da informação, é a maior credora entre as consideradas pequenas empresas listadas no documento oficial da Americanas – apesar de a dívida, de R$ 26,4 milhões, indicar uma empresa de porte maior. Procurada, a empresa, distribuidora de produtos da JBL, não quis comentar.

Na lista entregue à Justiça, a reportagem encontrou fornecedores que já receberam parte dos valores, mas continuavam como credores, e também algumas empresas que não foram incluídas no montante — o que reforça “inconsistências contábeis” reportadas por Sergio Rial ao deixar a presidência da varejista.

Efeito dominó

Anunciado na primeira quinzena de janeiro, o rombo da Americanas já provoca um efeito dominó entre pequenos e médios fornecedores, que têm boa parte das receitas concentrada na varejista. Algumas estão reduzindo as operações, demitindo funcionários e buscando financiamento bancário para tentar compensar o desequilíbrio provocado pela suspensão dos pagamentos por causa do pedido de Recuperação Judicial.

“É como se alguém tivesse entrado na minha empresa, tirado 35% do meu caixa e saísse andando pela porta da frente. É mais ou menos desta forma como eu me sinto”, diz ao Estadão o proprietário de uma indústria de material escolar, de porte médio, que preferiu não ser identificado. A dívida da Americanas com a empresa equivale a pouco mais de um terço do seu faturamento.

No início da pandemia, o empresário selecionou os melhores clientes para escapar do risco de inadimplência que aumentaria com a crise sanitária. Das cinco varejistas mais seguras, a Americanas era a única cuja possibilidade de inadimplência seria zero. O resultado levou em conta o fato de a companhia ser auditada por uma empresa de renome como a PwC, ser listada na B3 e ter como acionistas os homens mais ricos do País – Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.

Quando veio à tona a crise da Americanas, ele diz que tomou uma “cacetada”. “Estamos tentando achar o rumo, é uma situação dramática da minha companhia e de todos os que acreditaram nessa empresa”. No momento, ele tenta reduzir tudo. “Linhas de produção, pessoal, o que der para sobreviver.” Sem revelar números, afirma que as demissões serão significativas. Paralelamente, tenta renegociar pagamentos com fornecedores e buscar crédito nos bancos.

“Fomos pegos de surpresa”, afirma outro empresário, de pequeno porte, que produz artigos de cama, mesa e banho e também pediu anonimato. No momento, ele reduziu o ritmo de produção e tenta redirecionar as mercadorias que venderia para a Americanas para outros clientes.

Por ora, ele não planeja demissões nem busca financiamentos bancários. A empresa vai tentar cobrir o rombo com recursos dos sócios. “Esse valor vai fazer falta, é muito dinheiro e não se sabe se vamos receber e quando”, afirma o empresário. Sozinha, a varejista respondeu no ano passado por 10% das vendas da fabricante de artigos de cama, mesa e banho.

Há mais de 20 anos vendendo para a Americanas, ele conta que a cliente sempre foi importante pelo fato de comprar grandes volumes. “A Americanas dava poder de compra para o fornecedor.” O empresário diz que fazia parte da rotina da companhia pagar as dívidas com algum atraso, mas sempre quitava as pendências.

Carnaval salva faturamento

Fornecedora dos uniformes dos funcionários da Americanas em todo o País, a Porto Fabricação de Bandeiras e Serviços Ltda, do Rio de Janeiro, “foi salva pelo carnaval, do contrário o impacto na empresa teria sido grande”, disse Gilberto Porto, dono do negócio.

A empresa tem R$ 684 mil a receber e, segundo Porto, “se descapitalizou um pouco”. Como produz também bandeiras e estampas para escolas de samba, conseguiu manter os 35 funcionários, pois as encomendas para esse segmento foram grande. A Porto aguardava uma nova encomenda de uniformes pela Americanas, mas o pedido está travado. “A Americanas sempre pagou direitinho mas, a partir de agora, vai ser só com pagamento à vista”, diz o empresário.

Porto acredita que, por ser microempresário está na lista prioritária de pagamentos. “Tenho certeza de que vou receber, nem que tenha de esperar um ano, a não ser que Americanas quebre de vez, mas eu acho isso muito difícil de acontecer.” Na lista de credores, o grupo aparece com outro crédito de R$ 1,38 milhão, mas o empresário diz já ter recebido esse valor antes da Recuperação Judicial.

Como varejista, Caito Maia, CEO e fundador da Chilli Beans, rede do setor de ótica, avalia que a crise da Americanas terá desdobramentos sobre a cadeia de fornecedores e o varejo como um todo. “Existe um dano muito grande e ele é pior para os menores”, afirma, frisando que não tem qualquer relação com a Americanas.

Maia acredita que o efeito econômico nos próximos meses será muito sério. “Fico muito preocupado com essa situação”, afirma. Ele argumenta que o impacto decorre da retirada de fluxo de dinheiro das cadeias de produção, especialmente dos inúmeros pequenos e médios fornecedores.

“A dívida da Americanas provoca estragos junto aos pequenos num cenário no qual está muito difícil captar dinheiro no mercado, e não serão todos que vão conseguir sobreviver”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra.

Na sua avaliação, o tamanho do impacto negativo que a varejista provoca nas cadeiras de produção dos fornecedores depende do funcionamento da companhia nas próximas semanas e nos próximos meses. A sua percepção é de que os fornecedores estão hoje em compasso de espera, tentando avaliar a melhor saída: reduzir o tamanho do negócio, demitir ou abrir uma negociação com a companhia para manter o fornecimento de produtos mediante pagamento à vista.

“Tudo indica que com a recente aprovação de um empréstimo de R$ 2 bilhões, a operação da Americanas não vai parar”, diz Terra. Ele acrescenta que muitos pequenos fornecedores podem também aproveitar para vender para outros varejistas que ocuparam parcela de mercado deixada pela Americanas.

O Estadão procurou várias empresas da lista de credores, mas a maioria preferiu não se pronunciar e aguardar o andamento do processo.

O rombo bilionário que levou a Americanas à recuperação judicial afeta não só os bancos e os grandes fornecedores. A varejista deve pelo menos R$ 875 milhões, em cálculos preliminares, para mais de 6 mil micro, pequenas e médias empresas que eram fornecedoras de produtos ou serviços. Sem receber as dívidas e com o caixa desfalcado pela inadimplência, algumas já começam a reduzir produção e a fazer cortes no quadro de funcionários.

Os cálculos foram feitos pelo Estadão com base na lista de credores entregue à Justiça e incluem diversos setores, como de alimentos, indústrias, editoras de livros, prestadoras de serviços de TI e manutenção. Não foram considerados na conta passivos trabalhistas, bancos, grandes empresas, sindicatos e associações, fundos, aluguéis e empresas de luz e internet.

Para as pequenas e micro empresas, que podem ter impacto mais forte do que as médias, a Americanas deve R$ 109,4 milhões. As dívidas nesse segmento, no documento da Americanas, variam entre R$ 10 e R$ 26 milhões. Do total de credores nessa categoria, 20 têm mais de R$ 1 milhão a receber e 102 aguardam pagamentos entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão. O maior número de credores entre os pequenos (441) têm entre R$ 1 mil e R$ 50 mil a receber. Para outros 73 fornecedores, a Americanas deve entre R$ 50 mil e R$ 100 mil, e 315 arcam com dívidas de até R$ 1 mil.

Americanas deve pelo menos R$ 875 milhões, em cálculos preliminares, para mais de 6 mil micro, pequenas e médias empresas que eram fornecedoras de produtos ou serviços. Foto: Taba Benedicto/Estadão 

A Ingram Micro Brasil, distribuidora americana de produtos e serviços de tecnologia da informação, é a maior credora entre as consideradas pequenas empresas listadas no documento oficial da Americanas – apesar de a dívida, de R$ 26,4 milhões, indicar uma empresa de porte maior. Procurada, a empresa, distribuidora de produtos da JBL, não quis comentar.

Na lista entregue à Justiça, a reportagem encontrou fornecedores que já receberam parte dos valores, mas continuavam como credores, e também algumas empresas que não foram incluídas no montante — o que reforça “inconsistências contábeis” reportadas por Sergio Rial ao deixar a presidência da varejista.

Efeito dominó

Anunciado na primeira quinzena de janeiro, o rombo da Americanas já provoca um efeito dominó entre pequenos e médios fornecedores, que têm boa parte das receitas concentrada na varejista. Algumas estão reduzindo as operações, demitindo funcionários e buscando financiamento bancário para tentar compensar o desequilíbrio provocado pela suspensão dos pagamentos por causa do pedido de Recuperação Judicial.

“É como se alguém tivesse entrado na minha empresa, tirado 35% do meu caixa e saísse andando pela porta da frente. É mais ou menos desta forma como eu me sinto”, diz ao Estadão o proprietário de uma indústria de material escolar, de porte médio, que preferiu não ser identificado. A dívida da Americanas com a empresa equivale a pouco mais de um terço do seu faturamento.

No início da pandemia, o empresário selecionou os melhores clientes para escapar do risco de inadimplência que aumentaria com a crise sanitária. Das cinco varejistas mais seguras, a Americanas era a única cuja possibilidade de inadimplência seria zero. O resultado levou em conta o fato de a companhia ser auditada por uma empresa de renome como a PwC, ser listada na B3 e ter como acionistas os homens mais ricos do País – Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.

Quando veio à tona a crise da Americanas, ele diz que tomou uma “cacetada”. “Estamos tentando achar o rumo, é uma situação dramática da minha companhia e de todos os que acreditaram nessa empresa”. No momento, ele tenta reduzir tudo. “Linhas de produção, pessoal, o que der para sobreviver.” Sem revelar números, afirma que as demissões serão significativas. Paralelamente, tenta renegociar pagamentos com fornecedores e buscar crédito nos bancos.

“Fomos pegos de surpresa”, afirma outro empresário, de pequeno porte, que produz artigos de cama, mesa e banho e também pediu anonimato. No momento, ele reduziu o ritmo de produção e tenta redirecionar as mercadorias que venderia para a Americanas para outros clientes.

Por ora, ele não planeja demissões nem busca financiamentos bancários. A empresa vai tentar cobrir o rombo com recursos dos sócios. “Esse valor vai fazer falta, é muito dinheiro e não se sabe se vamos receber e quando”, afirma o empresário. Sozinha, a varejista respondeu no ano passado por 10% das vendas da fabricante de artigos de cama, mesa e banho.

Há mais de 20 anos vendendo para a Americanas, ele conta que a cliente sempre foi importante pelo fato de comprar grandes volumes. “A Americanas dava poder de compra para o fornecedor.” O empresário diz que fazia parte da rotina da companhia pagar as dívidas com algum atraso, mas sempre quitava as pendências.

Carnaval salva faturamento

Fornecedora dos uniformes dos funcionários da Americanas em todo o País, a Porto Fabricação de Bandeiras e Serviços Ltda, do Rio de Janeiro, “foi salva pelo carnaval, do contrário o impacto na empresa teria sido grande”, disse Gilberto Porto, dono do negócio.

A empresa tem R$ 684 mil a receber e, segundo Porto, “se descapitalizou um pouco”. Como produz também bandeiras e estampas para escolas de samba, conseguiu manter os 35 funcionários, pois as encomendas para esse segmento foram grande. A Porto aguardava uma nova encomenda de uniformes pela Americanas, mas o pedido está travado. “A Americanas sempre pagou direitinho mas, a partir de agora, vai ser só com pagamento à vista”, diz o empresário.

Porto acredita que, por ser microempresário está na lista prioritária de pagamentos. “Tenho certeza de que vou receber, nem que tenha de esperar um ano, a não ser que Americanas quebre de vez, mas eu acho isso muito difícil de acontecer.” Na lista de credores, o grupo aparece com outro crédito de R$ 1,38 milhão, mas o empresário diz já ter recebido esse valor antes da Recuperação Judicial.

Como varejista, Caito Maia, CEO e fundador da Chilli Beans, rede do setor de ótica, avalia que a crise da Americanas terá desdobramentos sobre a cadeia de fornecedores e o varejo como um todo. “Existe um dano muito grande e ele é pior para os menores”, afirma, frisando que não tem qualquer relação com a Americanas.

Maia acredita que o efeito econômico nos próximos meses será muito sério. “Fico muito preocupado com essa situação”, afirma. Ele argumenta que o impacto decorre da retirada de fluxo de dinheiro das cadeias de produção, especialmente dos inúmeros pequenos e médios fornecedores.

“A dívida da Americanas provoca estragos junto aos pequenos num cenário no qual está muito difícil captar dinheiro no mercado, e não serão todos que vão conseguir sobreviver”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra.

Na sua avaliação, o tamanho do impacto negativo que a varejista provoca nas cadeiras de produção dos fornecedores depende do funcionamento da companhia nas próximas semanas e nos próximos meses. A sua percepção é de que os fornecedores estão hoje em compasso de espera, tentando avaliar a melhor saída: reduzir o tamanho do negócio, demitir ou abrir uma negociação com a companhia para manter o fornecimento de produtos mediante pagamento à vista.

“Tudo indica que com a recente aprovação de um empréstimo de R$ 2 bilhões, a operação da Americanas não vai parar”, diz Terra. Ele acrescenta que muitos pequenos fornecedores podem também aproveitar para vender para outros varejistas que ocuparam parcela de mercado deixada pela Americanas.

O Estadão procurou várias empresas da lista de credores, mas a maioria preferiu não se pronunciar e aguardar o andamento do processo.

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