Americanos ricos levam mercado de luxo ‘à exaustão’ e fortalecem economia dos Estados Unidos


Mercado de trabalho saudável, dinheiro economizado durante a pandemia e disparada dos valores dos imóveis e das ações tornaram possível para as famílias de alta renda continuar a gastar, enquanto muitas de baixa e média renda diminuem despesas

Atualização:

Pela primeira vez desde que criou sua empresa de viagens de luxo em 2017, Marisa DeSalvio não vê sinais de desaceleração a partir do fim de setembro. Na verdade, as pessoas voltaram de suas viagens de verão e entraram em contato imediatamente, prontas para reservar seu próximo passeio por US$ 50 mil.

“Estamos exaustos, quase sem dar conta: nunca estivemos tão ocupados assim em outubro”, disse Marisa, que mora em D.C. “Todos no mercado de luxo estão dizendo: ‘Outubro é o novo julho’.”

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E embora ela tenha estipulado o valor mínimo de US$ 10 mil para fazer reservas e aumentado sua comissão de US$ 350 para US$ 500, Marisa diz que isso não tem freado os clientes: eles estão dispostos a continuar esbanjando.

Gastos robustos como esses – principalmente entre os americanos mais ricos – estão mantendo o motor da economia funcionando por bem mais tempo do que muitos esperavam. O mercado de trabalho saudável, o dinheiro economizado durante a pandemia e a disparada dos valores dos imóveis e das ações tornaram possível para as famílias de alta renda continuar a gastar, enquanto muitas daquelas de baixa e média renda diminuem as despesas.

Consumo e emprego seguem fortes na economia dos Estados Unidos Foto: Gary Cameron / Reuters
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Essa força contínua tem deixado muitos economistas perplexos: a inflação permanece alta, os auxílios recebidos durante a pandemia já acabaram e muitas famílias estão raspando suas poupanças.

E, entre a ameaça de paralisação do governo pela não aprovação do Orçamento e o agravamento da guerra entre Israel e Gaza, não faltam incertezas. Entretanto, os americanos seguem gastando mais do que há um ano.

“Os mais ricos ainda estão gastando, sobretudo com viagens internacionais, festas e entretenimento de luxo, além de outros serviços e experiências”, disse Tom Barkin, presidente do Federal Reserve Bank (banco central dos EUA) de Richmond, em uma entrevista no fim de outubro. “A situação financeira deles, no geral, ficou muito mais forte devido à alta dos ativos e do valor patrimonial de suas casas, e isso parece estar estimulando as despesas.”

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Gastos com viagens estão crescendo entre os americanos mais ricos Foto: Julia Nikhinson/AP

Segundo ele, isso contrasta com as famílias de baixa renda, que agora estão recuando nos gastos depois do fim dos auxílios da época da pandemia, e com as de renda média, que estão “economizando” ao comprar papel toalha na loja de mercadorias de US$ 1 ou produzido pelo Walmart.

Ao todo, os americanos gastaram aproximadamente US$ 84 bilhões a mais em agosto do que no mês anterior, de acordo com os dados do governo, com grande parte dessas despesas concentradas em setores como habitação, transporte e lazer. Os gastos com cinemas, restaurantes, eventos esportivos e cassinos aumentaram em comparação com o mês anterior e ajudaram a manter uma enxurrada de novos empregos no setor de serviços.

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A expectativa é que essas despesas representem quase metade do crescimento da economia no terceiro trimestre. O Fed de Atlanta está prevendo um aumento impressionante de de 5,4% no produto interno bruto, a medida mais ampla da atividade econômica, entre julho e setembro. Esse seria o maior registro em quase dois anos.

E embora os dados do governo não detalhem os gastos por renda, para os economistas, está claro que os americanos mais ricos estão liderando os gastos. Segundo eles, as despesas contínuas no topo da pirâmide impactam mais do que os cortes de gastos daqueles nas partes mais baixas dela.

“São realmente as pessoas no topo da pirâmide com muito dinheiro que conseguem gastar”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics. “Além disso, os balanços vão bem – eles registraram as menores taxas de hipoteca e estão muito mais ricos do que antes.”

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De acordo com as estimativas dele, os americanos ainda têm US$ 1,7 trilhão acumulado durante a pandemia, com os 20% mais ricos respondendo por quase US$ 1 trilhão desse total. A alta dos imóveis e das ações deixou muitas famílias abastadas – inclusive os baby boomers, a geração de americanos entre 57 e 75 anos – com situações financeiras ainda melhores depois da pandemia, apesar da elevação das taxas de juros.

“Os baby boomers estão se aposentando e gastando mais do que aqueles que se aposentaram antes”, disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG. “Eles receberam um grande aumento pela previdência social e agora estão ganhando juros sobre suas poupanças de uma forma que não acontecia antes. Isso é muito importante: não é apenas um grupo de famílias ricas que está gastando, são várias famílias que estão mais ricas.”

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Como consequência, muitas empresas de luxo dizem estar sobrecarregadas com a demanda, mesmo enquanto marcas como Nike e Levi Strauss relatam uma desaceleração das vendas na América do Norte. Na Watches of Switzerland, varejista de luxo com sete showrooms nos EUA, o crescimento anual das vendas caiu de cerca de 50%, durante a pandemia, para aproximadamente 10%, até o momento. No entanto, os relógios mais caros, peças entre US$ 30 mil e US$ 40 mil, continuam saindo bastante, de acordo com o vice-CEO David Hurley.

Bolsa de Valores de Nova York: alta dos preços das ações melhorou as finanças de muitos americanos Foto: Julia Nikhinson/AP

“Sem dúvidas as taxas de juros e as hipotecas estão subindo e há muita instabilidade em todo o mundo”, disse ele. “Todas essas coisas têm um impacto. Mas ainda temos listas de espera muito longas para certas categorias e marcas, particularmente entre os itens mais caros.”

Os gastos dos consumidores estão se mantendo bem e apoiando um crescimento pujante, entretanto a força contínua pode complicar o trabalho do Federal Reserve no combate à inflação. O Fed aumentou as taxas de juros 11 vezes desde março de 2022, na esperança de desacelerar a economia o bastante para estabilizar os preços. A inflação diminuiu, caindo para 3,7% em setembro, ante o pico no ano passado de 9,1%, porém continua significativamente acima da meta do Fed.

Barkin, do Fed de Richmond, disse estar monitorando com atenção tanto a demanda do consumidor como a inflação para descobrir quais rumos a economia deve tomar. De acordo com ele, não está claro se os gastos contínuos entre os ricos fazem parte de um impulso pós-pandemia que acabará, ou se anuncia uma mudança maior a longo prazo para gastar em vez de economizar. As taxas de rendimentos daqueles com poupanças pessoais, que aumentaram bastante depois da Grande Recessão, diminuíram recentemente.

“Será que essas pessoas ricas ainda têm recursos financeiros para continuar gastando? A resposta é sim”, disse Barkin. “O que não sabemos é se pretendem continuar.”

Ingressos premium

Na SuiteHop, que vende ingressos premium para shows e eventos esportivos, o fundador Todd Lindenbaum disse ter percebido uma desaceleração gradual do “comportamento de compra irracional” do meio do ano.

No entanto, salientou, os gastos ainda estão intensos: a demanda por camarotes em jogos de futebol americano está cerca de 20% acima daquela registrada no ano passado, afirmou.

“Depois da covid, todos estavam dispostos a gastar mais. Tinha esse aspecto destemido – as pessoas economizaram dinheiro e diziam: ‘vou pagar o que custar para ver Beyoncé, ou Taylor Swift, ou Drake’”, disse ele. “Isso está acabando agora. Mas as pessoas com maior poder aquisitivo ainda estão gastando.”

No entanto, essas despesas não estão distribuídas uniformemente. Embora os americanos ainda estejam gastando com viagens e entretenimento, as despesas com vestuário, eletrônicos e equipamentos para jardinagem diminuíram no mês passado.

Na Button Down, loja de luxo em São Francisco especializada em roupas italianas, as vendas caíram este ano – em parte porque muitos clientes estão viajando para a Itália.

“Estamos percebendo uma demanda um pouco menor desde o fim de setembro”, disse o coproprietário Dan Keenan. “No ano passado houve uma demanda muito alta. Este também está sendo um ano bom, mas não da mesma maneira, porque muitos dos nossos clientes estão viajando.”

Essas viagens são uma boa notícia para a Black Tomato, especializada em férias de luxo com serviços completos em imóveis particulares, com chefs e motoristas. Os negócios estão registrando os melhores números de todos os tempos.

“Acabamos de ultrapassar nossas vendas do ano passado, que tinha sido, de longe, o melhor de todos”, disse Sunil Metcalfe, diretor de vendas da empresa em Nova York. “Houve uma avalanche de demanda. As pessoas estão gastando com tudo, com direito a todos os serviços extras.”

Há poucos dias, um cliente voltou das férias com a família na Espanha com tudo que tinha direito, incluindo uma parada em Valência para participar de um festival onde acontece uma guerra de tomates, seguida por uma semana numa casa de praia com um chef particular em Ibiza. Agora ele está planejando o próximo passeio: Itália. Outro acaba de reservar uma viagem em família de US$ 300 mil para a Grécia.

Metcalfe não sabe ao certo até quando esse impulso vai durar. Ele vem se preparando para uma desaceleração o ano todo, mas ela ainda não se concretizou. Por enquanto, os hotéis sofisticados ao longo da Costa Amalfitana e do Lago de Como, na Itália, estão cobrando o triplo de antes da pandemia – e mesmo assim não faltam reservas, disse ele.

“Todas as notícias ruins – inflação e taxas de hipoteca altas – não parecem estar desencorajando os clientes”, disse ele. “Ou pelo menos um certo tipo de cliente, enfim.”

Pela primeira vez desde que criou sua empresa de viagens de luxo em 2017, Marisa DeSalvio não vê sinais de desaceleração a partir do fim de setembro. Na verdade, as pessoas voltaram de suas viagens de verão e entraram em contato imediatamente, prontas para reservar seu próximo passeio por US$ 50 mil.

“Estamos exaustos, quase sem dar conta: nunca estivemos tão ocupados assim em outubro”, disse Marisa, que mora em D.C. “Todos no mercado de luxo estão dizendo: ‘Outubro é o novo julho’.”

E embora ela tenha estipulado o valor mínimo de US$ 10 mil para fazer reservas e aumentado sua comissão de US$ 350 para US$ 500, Marisa diz que isso não tem freado os clientes: eles estão dispostos a continuar esbanjando.

Gastos robustos como esses – principalmente entre os americanos mais ricos – estão mantendo o motor da economia funcionando por bem mais tempo do que muitos esperavam. O mercado de trabalho saudável, o dinheiro economizado durante a pandemia e a disparada dos valores dos imóveis e das ações tornaram possível para as famílias de alta renda continuar a gastar, enquanto muitas daquelas de baixa e média renda diminuem as despesas.

Consumo e emprego seguem fortes na economia dos Estados Unidos Foto: Gary Cameron / Reuters

Essa força contínua tem deixado muitos economistas perplexos: a inflação permanece alta, os auxílios recebidos durante a pandemia já acabaram e muitas famílias estão raspando suas poupanças.

E, entre a ameaça de paralisação do governo pela não aprovação do Orçamento e o agravamento da guerra entre Israel e Gaza, não faltam incertezas. Entretanto, os americanos seguem gastando mais do que há um ano.

“Os mais ricos ainda estão gastando, sobretudo com viagens internacionais, festas e entretenimento de luxo, além de outros serviços e experiências”, disse Tom Barkin, presidente do Federal Reserve Bank (banco central dos EUA) de Richmond, em uma entrevista no fim de outubro. “A situação financeira deles, no geral, ficou muito mais forte devido à alta dos ativos e do valor patrimonial de suas casas, e isso parece estar estimulando as despesas.”

Gastos com viagens estão crescendo entre os americanos mais ricos Foto: Julia Nikhinson/AP

Segundo ele, isso contrasta com as famílias de baixa renda, que agora estão recuando nos gastos depois do fim dos auxílios da época da pandemia, e com as de renda média, que estão “economizando” ao comprar papel toalha na loja de mercadorias de US$ 1 ou produzido pelo Walmart.

Ao todo, os americanos gastaram aproximadamente US$ 84 bilhões a mais em agosto do que no mês anterior, de acordo com os dados do governo, com grande parte dessas despesas concentradas em setores como habitação, transporte e lazer. Os gastos com cinemas, restaurantes, eventos esportivos e cassinos aumentaram em comparação com o mês anterior e ajudaram a manter uma enxurrada de novos empregos no setor de serviços.

A expectativa é que essas despesas representem quase metade do crescimento da economia no terceiro trimestre. O Fed de Atlanta está prevendo um aumento impressionante de de 5,4% no produto interno bruto, a medida mais ampla da atividade econômica, entre julho e setembro. Esse seria o maior registro em quase dois anos.

E embora os dados do governo não detalhem os gastos por renda, para os economistas, está claro que os americanos mais ricos estão liderando os gastos. Segundo eles, as despesas contínuas no topo da pirâmide impactam mais do que os cortes de gastos daqueles nas partes mais baixas dela.

“São realmente as pessoas no topo da pirâmide com muito dinheiro que conseguem gastar”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics. “Além disso, os balanços vão bem – eles registraram as menores taxas de hipoteca e estão muito mais ricos do que antes.”

De acordo com as estimativas dele, os americanos ainda têm US$ 1,7 trilhão acumulado durante a pandemia, com os 20% mais ricos respondendo por quase US$ 1 trilhão desse total. A alta dos imóveis e das ações deixou muitas famílias abastadas – inclusive os baby boomers, a geração de americanos entre 57 e 75 anos – com situações financeiras ainda melhores depois da pandemia, apesar da elevação das taxas de juros.

“Os baby boomers estão se aposentando e gastando mais do que aqueles que se aposentaram antes”, disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG. “Eles receberam um grande aumento pela previdência social e agora estão ganhando juros sobre suas poupanças de uma forma que não acontecia antes. Isso é muito importante: não é apenas um grupo de famílias ricas que está gastando, são várias famílias que estão mais ricas.”

Como consequência, muitas empresas de luxo dizem estar sobrecarregadas com a demanda, mesmo enquanto marcas como Nike e Levi Strauss relatam uma desaceleração das vendas na América do Norte. Na Watches of Switzerland, varejista de luxo com sete showrooms nos EUA, o crescimento anual das vendas caiu de cerca de 50%, durante a pandemia, para aproximadamente 10%, até o momento. No entanto, os relógios mais caros, peças entre US$ 30 mil e US$ 40 mil, continuam saindo bastante, de acordo com o vice-CEO David Hurley.

Bolsa de Valores de Nova York: alta dos preços das ações melhorou as finanças de muitos americanos Foto: Julia Nikhinson/AP

“Sem dúvidas as taxas de juros e as hipotecas estão subindo e há muita instabilidade em todo o mundo”, disse ele. “Todas essas coisas têm um impacto. Mas ainda temos listas de espera muito longas para certas categorias e marcas, particularmente entre os itens mais caros.”

Os gastos dos consumidores estão se mantendo bem e apoiando um crescimento pujante, entretanto a força contínua pode complicar o trabalho do Federal Reserve no combate à inflação. O Fed aumentou as taxas de juros 11 vezes desde março de 2022, na esperança de desacelerar a economia o bastante para estabilizar os preços. A inflação diminuiu, caindo para 3,7% em setembro, ante o pico no ano passado de 9,1%, porém continua significativamente acima da meta do Fed.

Barkin, do Fed de Richmond, disse estar monitorando com atenção tanto a demanda do consumidor como a inflação para descobrir quais rumos a economia deve tomar. De acordo com ele, não está claro se os gastos contínuos entre os ricos fazem parte de um impulso pós-pandemia que acabará, ou se anuncia uma mudança maior a longo prazo para gastar em vez de economizar. As taxas de rendimentos daqueles com poupanças pessoais, que aumentaram bastante depois da Grande Recessão, diminuíram recentemente.

“Será que essas pessoas ricas ainda têm recursos financeiros para continuar gastando? A resposta é sim”, disse Barkin. “O que não sabemos é se pretendem continuar.”

Ingressos premium

Na SuiteHop, que vende ingressos premium para shows e eventos esportivos, o fundador Todd Lindenbaum disse ter percebido uma desaceleração gradual do “comportamento de compra irracional” do meio do ano.

No entanto, salientou, os gastos ainda estão intensos: a demanda por camarotes em jogos de futebol americano está cerca de 20% acima daquela registrada no ano passado, afirmou.

“Depois da covid, todos estavam dispostos a gastar mais. Tinha esse aspecto destemido – as pessoas economizaram dinheiro e diziam: ‘vou pagar o que custar para ver Beyoncé, ou Taylor Swift, ou Drake’”, disse ele. “Isso está acabando agora. Mas as pessoas com maior poder aquisitivo ainda estão gastando.”

No entanto, essas despesas não estão distribuídas uniformemente. Embora os americanos ainda estejam gastando com viagens e entretenimento, as despesas com vestuário, eletrônicos e equipamentos para jardinagem diminuíram no mês passado.

Na Button Down, loja de luxo em São Francisco especializada em roupas italianas, as vendas caíram este ano – em parte porque muitos clientes estão viajando para a Itália.

“Estamos percebendo uma demanda um pouco menor desde o fim de setembro”, disse o coproprietário Dan Keenan. “No ano passado houve uma demanda muito alta. Este também está sendo um ano bom, mas não da mesma maneira, porque muitos dos nossos clientes estão viajando.”

Essas viagens são uma boa notícia para a Black Tomato, especializada em férias de luxo com serviços completos em imóveis particulares, com chefs e motoristas. Os negócios estão registrando os melhores números de todos os tempos.

“Acabamos de ultrapassar nossas vendas do ano passado, que tinha sido, de longe, o melhor de todos”, disse Sunil Metcalfe, diretor de vendas da empresa em Nova York. “Houve uma avalanche de demanda. As pessoas estão gastando com tudo, com direito a todos os serviços extras.”

Há poucos dias, um cliente voltou das férias com a família na Espanha com tudo que tinha direito, incluindo uma parada em Valência para participar de um festival onde acontece uma guerra de tomates, seguida por uma semana numa casa de praia com um chef particular em Ibiza. Agora ele está planejando o próximo passeio: Itália. Outro acaba de reservar uma viagem em família de US$ 300 mil para a Grécia.

Metcalfe não sabe ao certo até quando esse impulso vai durar. Ele vem se preparando para uma desaceleração o ano todo, mas ela ainda não se concretizou. Por enquanto, os hotéis sofisticados ao longo da Costa Amalfitana e do Lago de Como, na Itália, estão cobrando o triplo de antes da pandemia – e mesmo assim não faltam reservas, disse ele.

“Todas as notícias ruins – inflação e taxas de hipoteca altas – não parecem estar desencorajando os clientes”, disse ele. “Ou pelo menos um certo tipo de cliente, enfim.”

Pela primeira vez desde que criou sua empresa de viagens de luxo em 2017, Marisa DeSalvio não vê sinais de desaceleração a partir do fim de setembro. Na verdade, as pessoas voltaram de suas viagens de verão e entraram em contato imediatamente, prontas para reservar seu próximo passeio por US$ 50 mil.

“Estamos exaustos, quase sem dar conta: nunca estivemos tão ocupados assim em outubro”, disse Marisa, que mora em D.C. “Todos no mercado de luxo estão dizendo: ‘Outubro é o novo julho’.”

E embora ela tenha estipulado o valor mínimo de US$ 10 mil para fazer reservas e aumentado sua comissão de US$ 350 para US$ 500, Marisa diz que isso não tem freado os clientes: eles estão dispostos a continuar esbanjando.

Gastos robustos como esses – principalmente entre os americanos mais ricos – estão mantendo o motor da economia funcionando por bem mais tempo do que muitos esperavam. O mercado de trabalho saudável, o dinheiro economizado durante a pandemia e a disparada dos valores dos imóveis e das ações tornaram possível para as famílias de alta renda continuar a gastar, enquanto muitas daquelas de baixa e média renda diminuem as despesas.

Consumo e emprego seguem fortes na economia dos Estados Unidos Foto: Gary Cameron / Reuters

Essa força contínua tem deixado muitos economistas perplexos: a inflação permanece alta, os auxílios recebidos durante a pandemia já acabaram e muitas famílias estão raspando suas poupanças.

E, entre a ameaça de paralisação do governo pela não aprovação do Orçamento e o agravamento da guerra entre Israel e Gaza, não faltam incertezas. Entretanto, os americanos seguem gastando mais do que há um ano.

“Os mais ricos ainda estão gastando, sobretudo com viagens internacionais, festas e entretenimento de luxo, além de outros serviços e experiências”, disse Tom Barkin, presidente do Federal Reserve Bank (banco central dos EUA) de Richmond, em uma entrevista no fim de outubro. “A situação financeira deles, no geral, ficou muito mais forte devido à alta dos ativos e do valor patrimonial de suas casas, e isso parece estar estimulando as despesas.”

Gastos com viagens estão crescendo entre os americanos mais ricos Foto: Julia Nikhinson/AP

Segundo ele, isso contrasta com as famílias de baixa renda, que agora estão recuando nos gastos depois do fim dos auxílios da época da pandemia, e com as de renda média, que estão “economizando” ao comprar papel toalha na loja de mercadorias de US$ 1 ou produzido pelo Walmart.

Ao todo, os americanos gastaram aproximadamente US$ 84 bilhões a mais em agosto do que no mês anterior, de acordo com os dados do governo, com grande parte dessas despesas concentradas em setores como habitação, transporte e lazer. Os gastos com cinemas, restaurantes, eventos esportivos e cassinos aumentaram em comparação com o mês anterior e ajudaram a manter uma enxurrada de novos empregos no setor de serviços.

A expectativa é que essas despesas representem quase metade do crescimento da economia no terceiro trimestre. O Fed de Atlanta está prevendo um aumento impressionante de de 5,4% no produto interno bruto, a medida mais ampla da atividade econômica, entre julho e setembro. Esse seria o maior registro em quase dois anos.

E embora os dados do governo não detalhem os gastos por renda, para os economistas, está claro que os americanos mais ricos estão liderando os gastos. Segundo eles, as despesas contínuas no topo da pirâmide impactam mais do que os cortes de gastos daqueles nas partes mais baixas dela.

“São realmente as pessoas no topo da pirâmide com muito dinheiro que conseguem gastar”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics. “Além disso, os balanços vão bem – eles registraram as menores taxas de hipoteca e estão muito mais ricos do que antes.”

De acordo com as estimativas dele, os americanos ainda têm US$ 1,7 trilhão acumulado durante a pandemia, com os 20% mais ricos respondendo por quase US$ 1 trilhão desse total. A alta dos imóveis e das ações deixou muitas famílias abastadas – inclusive os baby boomers, a geração de americanos entre 57 e 75 anos – com situações financeiras ainda melhores depois da pandemia, apesar da elevação das taxas de juros.

“Os baby boomers estão se aposentando e gastando mais do que aqueles que se aposentaram antes”, disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG. “Eles receberam um grande aumento pela previdência social e agora estão ganhando juros sobre suas poupanças de uma forma que não acontecia antes. Isso é muito importante: não é apenas um grupo de famílias ricas que está gastando, são várias famílias que estão mais ricas.”

Como consequência, muitas empresas de luxo dizem estar sobrecarregadas com a demanda, mesmo enquanto marcas como Nike e Levi Strauss relatam uma desaceleração das vendas na América do Norte. Na Watches of Switzerland, varejista de luxo com sete showrooms nos EUA, o crescimento anual das vendas caiu de cerca de 50%, durante a pandemia, para aproximadamente 10%, até o momento. No entanto, os relógios mais caros, peças entre US$ 30 mil e US$ 40 mil, continuam saindo bastante, de acordo com o vice-CEO David Hurley.

Bolsa de Valores de Nova York: alta dos preços das ações melhorou as finanças de muitos americanos Foto: Julia Nikhinson/AP

“Sem dúvidas as taxas de juros e as hipotecas estão subindo e há muita instabilidade em todo o mundo”, disse ele. “Todas essas coisas têm um impacto. Mas ainda temos listas de espera muito longas para certas categorias e marcas, particularmente entre os itens mais caros.”

Os gastos dos consumidores estão se mantendo bem e apoiando um crescimento pujante, entretanto a força contínua pode complicar o trabalho do Federal Reserve no combate à inflação. O Fed aumentou as taxas de juros 11 vezes desde março de 2022, na esperança de desacelerar a economia o bastante para estabilizar os preços. A inflação diminuiu, caindo para 3,7% em setembro, ante o pico no ano passado de 9,1%, porém continua significativamente acima da meta do Fed.

Barkin, do Fed de Richmond, disse estar monitorando com atenção tanto a demanda do consumidor como a inflação para descobrir quais rumos a economia deve tomar. De acordo com ele, não está claro se os gastos contínuos entre os ricos fazem parte de um impulso pós-pandemia que acabará, ou se anuncia uma mudança maior a longo prazo para gastar em vez de economizar. As taxas de rendimentos daqueles com poupanças pessoais, que aumentaram bastante depois da Grande Recessão, diminuíram recentemente.

“Será que essas pessoas ricas ainda têm recursos financeiros para continuar gastando? A resposta é sim”, disse Barkin. “O que não sabemos é se pretendem continuar.”

Ingressos premium

Na SuiteHop, que vende ingressos premium para shows e eventos esportivos, o fundador Todd Lindenbaum disse ter percebido uma desaceleração gradual do “comportamento de compra irracional” do meio do ano.

No entanto, salientou, os gastos ainda estão intensos: a demanda por camarotes em jogos de futebol americano está cerca de 20% acima daquela registrada no ano passado, afirmou.

“Depois da covid, todos estavam dispostos a gastar mais. Tinha esse aspecto destemido – as pessoas economizaram dinheiro e diziam: ‘vou pagar o que custar para ver Beyoncé, ou Taylor Swift, ou Drake’”, disse ele. “Isso está acabando agora. Mas as pessoas com maior poder aquisitivo ainda estão gastando.”

No entanto, essas despesas não estão distribuídas uniformemente. Embora os americanos ainda estejam gastando com viagens e entretenimento, as despesas com vestuário, eletrônicos e equipamentos para jardinagem diminuíram no mês passado.

Na Button Down, loja de luxo em São Francisco especializada em roupas italianas, as vendas caíram este ano – em parte porque muitos clientes estão viajando para a Itália.

“Estamos percebendo uma demanda um pouco menor desde o fim de setembro”, disse o coproprietário Dan Keenan. “No ano passado houve uma demanda muito alta. Este também está sendo um ano bom, mas não da mesma maneira, porque muitos dos nossos clientes estão viajando.”

Essas viagens são uma boa notícia para a Black Tomato, especializada em férias de luxo com serviços completos em imóveis particulares, com chefs e motoristas. Os negócios estão registrando os melhores números de todos os tempos.

“Acabamos de ultrapassar nossas vendas do ano passado, que tinha sido, de longe, o melhor de todos”, disse Sunil Metcalfe, diretor de vendas da empresa em Nova York. “Houve uma avalanche de demanda. As pessoas estão gastando com tudo, com direito a todos os serviços extras.”

Há poucos dias, um cliente voltou das férias com a família na Espanha com tudo que tinha direito, incluindo uma parada em Valência para participar de um festival onde acontece uma guerra de tomates, seguida por uma semana numa casa de praia com um chef particular em Ibiza. Agora ele está planejando o próximo passeio: Itália. Outro acaba de reservar uma viagem em família de US$ 300 mil para a Grécia.

Metcalfe não sabe ao certo até quando esse impulso vai durar. Ele vem se preparando para uma desaceleração o ano todo, mas ela ainda não se concretizou. Por enquanto, os hotéis sofisticados ao longo da Costa Amalfitana e do Lago de Como, na Itália, estão cobrando o triplo de antes da pandemia – e mesmo assim não faltam reservas, disse ele.

“Todas as notícias ruins – inflação e taxas de hipoteca altas – não parecem estar desencorajando os clientes”, disse ele. “Ou pelo menos um certo tipo de cliente, enfim.”

Pela primeira vez desde que criou sua empresa de viagens de luxo em 2017, Marisa DeSalvio não vê sinais de desaceleração a partir do fim de setembro. Na verdade, as pessoas voltaram de suas viagens de verão e entraram em contato imediatamente, prontas para reservar seu próximo passeio por US$ 50 mil.

“Estamos exaustos, quase sem dar conta: nunca estivemos tão ocupados assim em outubro”, disse Marisa, que mora em D.C. “Todos no mercado de luxo estão dizendo: ‘Outubro é o novo julho’.”

E embora ela tenha estipulado o valor mínimo de US$ 10 mil para fazer reservas e aumentado sua comissão de US$ 350 para US$ 500, Marisa diz que isso não tem freado os clientes: eles estão dispostos a continuar esbanjando.

Gastos robustos como esses – principalmente entre os americanos mais ricos – estão mantendo o motor da economia funcionando por bem mais tempo do que muitos esperavam. O mercado de trabalho saudável, o dinheiro economizado durante a pandemia e a disparada dos valores dos imóveis e das ações tornaram possível para as famílias de alta renda continuar a gastar, enquanto muitas daquelas de baixa e média renda diminuem as despesas.

Consumo e emprego seguem fortes na economia dos Estados Unidos Foto: Gary Cameron / Reuters

Essa força contínua tem deixado muitos economistas perplexos: a inflação permanece alta, os auxílios recebidos durante a pandemia já acabaram e muitas famílias estão raspando suas poupanças.

E, entre a ameaça de paralisação do governo pela não aprovação do Orçamento e o agravamento da guerra entre Israel e Gaza, não faltam incertezas. Entretanto, os americanos seguem gastando mais do que há um ano.

“Os mais ricos ainda estão gastando, sobretudo com viagens internacionais, festas e entretenimento de luxo, além de outros serviços e experiências”, disse Tom Barkin, presidente do Federal Reserve Bank (banco central dos EUA) de Richmond, em uma entrevista no fim de outubro. “A situação financeira deles, no geral, ficou muito mais forte devido à alta dos ativos e do valor patrimonial de suas casas, e isso parece estar estimulando as despesas.”

Gastos com viagens estão crescendo entre os americanos mais ricos Foto: Julia Nikhinson/AP

Segundo ele, isso contrasta com as famílias de baixa renda, que agora estão recuando nos gastos depois do fim dos auxílios da época da pandemia, e com as de renda média, que estão “economizando” ao comprar papel toalha na loja de mercadorias de US$ 1 ou produzido pelo Walmart.

Ao todo, os americanos gastaram aproximadamente US$ 84 bilhões a mais em agosto do que no mês anterior, de acordo com os dados do governo, com grande parte dessas despesas concentradas em setores como habitação, transporte e lazer. Os gastos com cinemas, restaurantes, eventos esportivos e cassinos aumentaram em comparação com o mês anterior e ajudaram a manter uma enxurrada de novos empregos no setor de serviços.

A expectativa é que essas despesas representem quase metade do crescimento da economia no terceiro trimestre. O Fed de Atlanta está prevendo um aumento impressionante de de 5,4% no produto interno bruto, a medida mais ampla da atividade econômica, entre julho e setembro. Esse seria o maior registro em quase dois anos.

E embora os dados do governo não detalhem os gastos por renda, para os economistas, está claro que os americanos mais ricos estão liderando os gastos. Segundo eles, as despesas contínuas no topo da pirâmide impactam mais do que os cortes de gastos daqueles nas partes mais baixas dela.

“São realmente as pessoas no topo da pirâmide com muito dinheiro que conseguem gastar”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics. “Além disso, os balanços vão bem – eles registraram as menores taxas de hipoteca e estão muito mais ricos do que antes.”

De acordo com as estimativas dele, os americanos ainda têm US$ 1,7 trilhão acumulado durante a pandemia, com os 20% mais ricos respondendo por quase US$ 1 trilhão desse total. A alta dos imóveis e das ações deixou muitas famílias abastadas – inclusive os baby boomers, a geração de americanos entre 57 e 75 anos – com situações financeiras ainda melhores depois da pandemia, apesar da elevação das taxas de juros.

“Os baby boomers estão se aposentando e gastando mais do que aqueles que se aposentaram antes”, disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG. “Eles receberam um grande aumento pela previdência social e agora estão ganhando juros sobre suas poupanças de uma forma que não acontecia antes. Isso é muito importante: não é apenas um grupo de famílias ricas que está gastando, são várias famílias que estão mais ricas.”

Como consequência, muitas empresas de luxo dizem estar sobrecarregadas com a demanda, mesmo enquanto marcas como Nike e Levi Strauss relatam uma desaceleração das vendas na América do Norte. Na Watches of Switzerland, varejista de luxo com sete showrooms nos EUA, o crescimento anual das vendas caiu de cerca de 50%, durante a pandemia, para aproximadamente 10%, até o momento. No entanto, os relógios mais caros, peças entre US$ 30 mil e US$ 40 mil, continuam saindo bastante, de acordo com o vice-CEO David Hurley.

Bolsa de Valores de Nova York: alta dos preços das ações melhorou as finanças de muitos americanos Foto: Julia Nikhinson/AP

“Sem dúvidas as taxas de juros e as hipotecas estão subindo e há muita instabilidade em todo o mundo”, disse ele. “Todas essas coisas têm um impacto. Mas ainda temos listas de espera muito longas para certas categorias e marcas, particularmente entre os itens mais caros.”

Os gastos dos consumidores estão se mantendo bem e apoiando um crescimento pujante, entretanto a força contínua pode complicar o trabalho do Federal Reserve no combate à inflação. O Fed aumentou as taxas de juros 11 vezes desde março de 2022, na esperança de desacelerar a economia o bastante para estabilizar os preços. A inflação diminuiu, caindo para 3,7% em setembro, ante o pico no ano passado de 9,1%, porém continua significativamente acima da meta do Fed.

Barkin, do Fed de Richmond, disse estar monitorando com atenção tanto a demanda do consumidor como a inflação para descobrir quais rumos a economia deve tomar. De acordo com ele, não está claro se os gastos contínuos entre os ricos fazem parte de um impulso pós-pandemia que acabará, ou se anuncia uma mudança maior a longo prazo para gastar em vez de economizar. As taxas de rendimentos daqueles com poupanças pessoais, que aumentaram bastante depois da Grande Recessão, diminuíram recentemente.

“Será que essas pessoas ricas ainda têm recursos financeiros para continuar gastando? A resposta é sim”, disse Barkin. “O que não sabemos é se pretendem continuar.”

Ingressos premium

Na SuiteHop, que vende ingressos premium para shows e eventos esportivos, o fundador Todd Lindenbaum disse ter percebido uma desaceleração gradual do “comportamento de compra irracional” do meio do ano.

No entanto, salientou, os gastos ainda estão intensos: a demanda por camarotes em jogos de futebol americano está cerca de 20% acima daquela registrada no ano passado, afirmou.

“Depois da covid, todos estavam dispostos a gastar mais. Tinha esse aspecto destemido – as pessoas economizaram dinheiro e diziam: ‘vou pagar o que custar para ver Beyoncé, ou Taylor Swift, ou Drake’”, disse ele. “Isso está acabando agora. Mas as pessoas com maior poder aquisitivo ainda estão gastando.”

No entanto, essas despesas não estão distribuídas uniformemente. Embora os americanos ainda estejam gastando com viagens e entretenimento, as despesas com vestuário, eletrônicos e equipamentos para jardinagem diminuíram no mês passado.

Na Button Down, loja de luxo em São Francisco especializada em roupas italianas, as vendas caíram este ano – em parte porque muitos clientes estão viajando para a Itália.

“Estamos percebendo uma demanda um pouco menor desde o fim de setembro”, disse o coproprietário Dan Keenan. “No ano passado houve uma demanda muito alta. Este também está sendo um ano bom, mas não da mesma maneira, porque muitos dos nossos clientes estão viajando.”

Essas viagens são uma boa notícia para a Black Tomato, especializada em férias de luxo com serviços completos em imóveis particulares, com chefs e motoristas. Os negócios estão registrando os melhores números de todos os tempos.

“Acabamos de ultrapassar nossas vendas do ano passado, que tinha sido, de longe, o melhor de todos”, disse Sunil Metcalfe, diretor de vendas da empresa em Nova York. “Houve uma avalanche de demanda. As pessoas estão gastando com tudo, com direito a todos os serviços extras.”

Há poucos dias, um cliente voltou das férias com a família na Espanha com tudo que tinha direito, incluindo uma parada em Valência para participar de um festival onde acontece uma guerra de tomates, seguida por uma semana numa casa de praia com um chef particular em Ibiza. Agora ele está planejando o próximo passeio: Itália. Outro acaba de reservar uma viagem em família de US$ 300 mil para a Grécia.

Metcalfe não sabe ao certo até quando esse impulso vai durar. Ele vem se preparando para uma desaceleração o ano todo, mas ela ainda não se concretizou. Por enquanto, os hotéis sofisticados ao longo da Costa Amalfitana e do Lago de Como, na Itália, estão cobrando o triplo de antes da pandemia – e mesmo assim não faltam reservas, disse ele.

“Todas as notícias ruins – inflação e taxas de hipoteca altas – não parecem estar desencorajando os clientes”, disse ele. “Ou pelo menos um certo tipo de cliente, enfim.”

Pela primeira vez desde que criou sua empresa de viagens de luxo em 2017, Marisa DeSalvio não vê sinais de desaceleração a partir do fim de setembro. Na verdade, as pessoas voltaram de suas viagens de verão e entraram em contato imediatamente, prontas para reservar seu próximo passeio por US$ 50 mil.

“Estamos exaustos, quase sem dar conta: nunca estivemos tão ocupados assim em outubro”, disse Marisa, que mora em D.C. “Todos no mercado de luxo estão dizendo: ‘Outubro é o novo julho’.”

E embora ela tenha estipulado o valor mínimo de US$ 10 mil para fazer reservas e aumentado sua comissão de US$ 350 para US$ 500, Marisa diz que isso não tem freado os clientes: eles estão dispostos a continuar esbanjando.

Gastos robustos como esses – principalmente entre os americanos mais ricos – estão mantendo o motor da economia funcionando por bem mais tempo do que muitos esperavam. O mercado de trabalho saudável, o dinheiro economizado durante a pandemia e a disparada dos valores dos imóveis e das ações tornaram possível para as famílias de alta renda continuar a gastar, enquanto muitas daquelas de baixa e média renda diminuem as despesas.

Consumo e emprego seguem fortes na economia dos Estados Unidos Foto: Gary Cameron / Reuters

Essa força contínua tem deixado muitos economistas perplexos: a inflação permanece alta, os auxílios recebidos durante a pandemia já acabaram e muitas famílias estão raspando suas poupanças.

E, entre a ameaça de paralisação do governo pela não aprovação do Orçamento e o agravamento da guerra entre Israel e Gaza, não faltam incertezas. Entretanto, os americanos seguem gastando mais do que há um ano.

“Os mais ricos ainda estão gastando, sobretudo com viagens internacionais, festas e entretenimento de luxo, além de outros serviços e experiências”, disse Tom Barkin, presidente do Federal Reserve Bank (banco central dos EUA) de Richmond, em uma entrevista no fim de outubro. “A situação financeira deles, no geral, ficou muito mais forte devido à alta dos ativos e do valor patrimonial de suas casas, e isso parece estar estimulando as despesas.”

Gastos com viagens estão crescendo entre os americanos mais ricos Foto: Julia Nikhinson/AP

Segundo ele, isso contrasta com as famílias de baixa renda, que agora estão recuando nos gastos depois do fim dos auxílios da época da pandemia, e com as de renda média, que estão “economizando” ao comprar papel toalha na loja de mercadorias de US$ 1 ou produzido pelo Walmart.

Ao todo, os americanos gastaram aproximadamente US$ 84 bilhões a mais em agosto do que no mês anterior, de acordo com os dados do governo, com grande parte dessas despesas concentradas em setores como habitação, transporte e lazer. Os gastos com cinemas, restaurantes, eventos esportivos e cassinos aumentaram em comparação com o mês anterior e ajudaram a manter uma enxurrada de novos empregos no setor de serviços.

A expectativa é que essas despesas representem quase metade do crescimento da economia no terceiro trimestre. O Fed de Atlanta está prevendo um aumento impressionante de de 5,4% no produto interno bruto, a medida mais ampla da atividade econômica, entre julho e setembro. Esse seria o maior registro em quase dois anos.

E embora os dados do governo não detalhem os gastos por renda, para os economistas, está claro que os americanos mais ricos estão liderando os gastos. Segundo eles, as despesas contínuas no topo da pirâmide impactam mais do que os cortes de gastos daqueles nas partes mais baixas dela.

“São realmente as pessoas no topo da pirâmide com muito dinheiro que conseguem gastar”, disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics. “Além disso, os balanços vão bem – eles registraram as menores taxas de hipoteca e estão muito mais ricos do que antes.”

De acordo com as estimativas dele, os americanos ainda têm US$ 1,7 trilhão acumulado durante a pandemia, com os 20% mais ricos respondendo por quase US$ 1 trilhão desse total. A alta dos imóveis e das ações deixou muitas famílias abastadas – inclusive os baby boomers, a geração de americanos entre 57 e 75 anos – com situações financeiras ainda melhores depois da pandemia, apesar da elevação das taxas de juros.

“Os baby boomers estão se aposentando e gastando mais do que aqueles que se aposentaram antes”, disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG. “Eles receberam um grande aumento pela previdência social e agora estão ganhando juros sobre suas poupanças de uma forma que não acontecia antes. Isso é muito importante: não é apenas um grupo de famílias ricas que está gastando, são várias famílias que estão mais ricas.”

Como consequência, muitas empresas de luxo dizem estar sobrecarregadas com a demanda, mesmo enquanto marcas como Nike e Levi Strauss relatam uma desaceleração das vendas na América do Norte. Na Watches of Switzerland, varejista de luxo com sete showrooms nos EUA, o crescimento anual das vendas caiu de cerca de 50%, durante a pandemia, para aproximadamente 10%, até o momento. No entanto, os relógios mais caros, peças entre US$ 30 mil e US$ 40 mil, continuam saindo bastante, de acordo com o vice-CEO David Hurley.

Bolsa de Valores de Nova York: alta dos preços das ações melhorou as finanças de muitos americanos Foto: Julia Nikhinson/AP

“Sem dúvidas as taxas de juros e as hipotecas estão subindo e há muita instabilidade em todo o mundo”, disse ele. “Todas essas coisas têm um impacto. Mas ainda temos listas de espera muito longas para certas categorias e marcas, particularmente entre os itens mais caros.”

Os gastos dos consumidores estão se mantendo bem e apoiando um crescimento pujante, entretanto a força contínua pode complicar o trabalho do Federal Reserve no combate à inflação. O Fed aumentou as taxas de juros 11 vezes desde março de 2022, na esperança de desacelerar a economia o bastante para estabilizar os preços. A inflação diminuiu, caindo para 3,7% em setembro, ante o pico no ano passado de 9,1%, porém continua significativamente acima da meta do Fed.

Barkin, do Fed de Richmond, disse estar monitorando com atenção tanto a demanda do consumidor como a inflação para descobrir quais rumos a economia deve tomar. De acordo com ele, não está claro se os gastos contínuos entre os ricos fazem parte de um impulso pós-pandemia que acabará, ou se anuncia uma mudança maior a longo prazo para gastar em vez de economizar. As taxas de rendimentos daqueles com poupanças pessoais, que aumentaram bastante depois da Grande Recessão, diminuíram recentemente.

“Será que essas pessoas ricas ainda têm recursos financeiros para continuar gastando? A resposta é sim”, disse Barkin. “O que não sabemos é se pretendem continuar.”

Ingressos premium

Na SuiteHop, que vende ingressos premium para shows e eventos esportivos, o fundador Todd Lindenbaum disse ter percebido uma desaceleração gradual do “comportamento de compra irracional” do meio do ano.

No entanto, salientou, os gastos ainda estão intensos: a demanda por camarotes em jogos de futebol americano está cerca de 20% acima daquela registrada no ano passado, afirmou.

“Depois da covid, todos estavam dispostos a gastar mais. Tinha esse aspecto destemido – as pessoas economizaram dinheiro e diziam: ‘vou pagar o que custar para ver Beyoncé, ou Taylor Swift, ou Drake’”, disse ele. “Isso está acabando agora. Mas as pessoas com maior poder aquisitivo ainda estão gastando.”

No entanto, essas despesas não estão distribuídas uniformemente. Embora os americanos ainda estejam gastando com viagens e entretenimento, as despesas com vestuário, eletrônicos e equipamentos para jardinagem diminuíram no mês passado.

Na Button Down, loja de luxo em São Francisco especializada em roupas italianas, as vendas caíram este ano – em parte porque muitos clientes estão viajando para a Itália.

“Estamos percebendo uma demanda um pouco menor desde o fim de setembro”, disse o coproprietário Dan Keenan. “No ano passado houve uma demanda muito alta. Este também está sendo um ano bom, mas não da mesma maneira, porque muitos dos nossos clientes estão viajando.”

Essas viagens são uma boa notícia para a Black Tomato, especializada em férias de luxo com serviços completos em imóveis particulares, com chefs e motoristas. Os negócios estão registrando os melhores números de todos os tempos.

“Acabamos de ultrapassar nossas vendas do ano passado, que tinha sido, de longe, o melhor de todos”, disse Sunil Metcalfe, diretor de vendas da empresa em Nova York. “Houve uma avalanche de demanda. As pessoas estão gastando com tudo, com direito a todos os serviços extras.”

Há poucos dias, um cliente voltou das férias com a família na Espanha com tudo que tinha direito, incluindo uma parada em Valência para participar de um festival onde acontece uma guerra de tomates, seguida por uma semana numa casa de praia com um chef particular em Ibiza. Agora ele está planejando o próximo passeio: Itália. Outro acaba de reservar uma viagem em família de US$ 300 mil para a Grécia.

Metcalfe não sabe ao certo até quando esse impulso vai durar. Ele vem se preparando para uma desaceleração o ano todo, mas ela ainda não se concretizou. Por enquanto, os hotéis sofisticados ao longo da Costa Amalfitana e do Lago de Como, na Itália, estão cobrando o triplo de antes da pandemia – e mesmo assim não faltam reservas, disse ele.

“Todas as notícias ruins – inflação e taxas de hipoteca altas – não parecem estar desencorajando os clientes”, disse ele. “Ou pelo menos um certo tipo de cliente, enfim.”

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