O governo passado, na prática, acabou com o DPVAT (seguro obrigatório de veículos automotores terrestres), que durante décadas cumpriu razoavelmente bem seu papel de mitigar a dor de mais de 400 mil famílias por ano, vítimas de acidentes de trânsito no Brasil.
Como não adianta chorar sobre o leite derramado e, no País, o que é reintroduzido tem o mau hábito de ser pior do que o modelo original, o que se vê neste momento é um projeto de lei sendo discutido no Congresso para a recriação de um seguro obrigatório para vítimas de acidentes de trânsito, com propostas tão disparatadas quanto destinar parte do faturamento do seguro (tem quem fale em até 40%) para os municípios. E o mais apavorante é que o relator da matéria acha razoável discutir a ideia.
O DPVAT chegou a contribuir com mais de R$ 3 bilhões por ano para o caixa do SUS (Sistema Único de Saúde). É número para ninguém colocar defeito. A título de comparação, seria suficiente para custear três hospitais do porte da Santa Casa de São Paulo. Esse recurso era repassado ao sistema público de saúde por disposição legal, que determinava que 45% da arrecadação do seguro obrigatório deveria ter essa destinação, porque o SUS era o que atendia a maior parte das vítimas dos acidentes de trânsito. Verdade ou não, a destinação tinha sentido e funcionou muito bem, até uma ex-superintendente da Susep (Superintendência de Seguros Privados) decidir que era hora de acabar com o DPVAT porque havia um número de fraudes muito alto.
Curiosamente, acabaram com o seguro e não provaram as fraudes. Mas como aqui é o Brasil, a solução encontrada foi transferir a gestão do seguro de uma seguradora especializada para a Caixa, que não tem o menor conhecimento sobre o assunto, nem expertise em seguro.
Apesar de tudo, como a Susep tungou descaradamente mais de R$ 4 bilhões das reservas da Seguradora Líder, que era quem administrava o DPVAT, e os repassou para a Caixa, o assunto seguiu em frente. Só que esse dinheiro acabou e a Caixa não vai colocar do seu. Então, nada melhor do que um projeto de lei para resolver a questão e, se for possível, estatizar o seguro.
As discussões na Câmara dos Deputados estão acontecendo e, como se vê, o grau de seriedade promete algo muito pior do que o DPVAT, que sempre cumpriu seu papel, pagando as indenizações devidas às 400 mil vítimas anuais dos acidentes de trânsito. Importante frisar que a maioria delas integram as classes D e E, e que a indenização do seguro era um diferencial importante para a sobrevivência das famílias.
O DPVAT não pode custar caro, mas tem que indenizar com um valor razoável 400 mil vítimas anuais de acidentes de trânsito. Como se pretende manter a parte do SUS na arrecadação do seguro, fica difícil entender como será o seu custeio, se tiver que ceder 40% para as prefeituras. Para pagar as indenizações e os custos administrativos sobrarão 5% do faturamento, o que é uma piada de mau gosto. Além disso, não há nenhuma pista de quem fará a gestão do seguro, que deve atender vítimas espalhadas por todo o território nacional. Entre secos e molhados, mais uma vez o Brasil piora o que antes funcionava.