BRASÍLIA – A mineradora Vale decidiu devolver os R$ 500 milhões que recebeu de 2015 por uma geração de energia que nunca entregou a partir das turbinas de sua hidrelétrica Risoleta Neves, em Minas Gerais, usina que foi engolida pela lama da tragédia da Samarco, que tem a própria Vale como sócia.
Nesta terça-feira, 4, após uma reunião realizada entre a diretoria da empresa, a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o deputado Edio Lopes (PL-RR) e o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, ficou acertado que a companhia vai entregar os montantes que já recebeu, por meio de um processo judicial, além de paralisar futuros pagamentos, que vinham ocorrendo mensalmente. Em contrapartida, Edio Lopes se comprometeu em apresentar uma proposta no Congresso, para que a empresa possa ampliar o tempo de concessão de sua usina paralisada, para que possa operar normalmente nos anos seguintes.
O caso foi denunciado em reportagem publicada pelo Estadão no dia 7 de abril, a qual demonstrou que a Vale já recebeu cerca de R$ 500 milhões desde novembro de 2015, quando houve a catástrofe, apesar de sua usina não gerar nenhum watt de energia elétrica. Com base na reportagem, o colegiado da Comissão de Minas e Energia (CME) da Câmara aprovou, por unanimidade, um requerimento de audiência pública para que a mineradora Vale explique os ganhos. Essa audiência estava prevista para ocorrer no dia 18 de maio.
Agora, uma vez que o acordo esteja formalizado, a audiência deverá ser cancelada. “O acordo deve ser formalizado até o dia 13, quando será oficializado entre a Vale e a Aneel. A empresa também se comprometeu em encerrar o processo na Justiça que exigia os pagamentos. Essa é uma vitória de todos”, disse Edio Lopes.
A reunião contou com a presença do diretor de relações governamentais e institucionais da Vale, Luiz Ricardo Santiago, além do diretor tributário, Octávio Bulcão, o gerente executivo de energia elétrica, Ricardo Mendes, e a gerente de relações governamentais e institucionais da Vale, Elisa Romano.
Questionada pela reportagem, a Vale declarou que “está empenhada em solucionar as questões relativas ao Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, localizada em Minas Gerais, junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e aos demais órgãos envolvidos” e que “uma primeira reunião foi realizada nesta terça-feira (4/5), em Brasília, para discussão do tema”.
O diretor-geral da Aneel, André Pepitone, que participou do encontro, celebrou o novo entendimento do caso. “Tratamos de uma proposta de acordo formulada pela Vale no processo judicial. A Aneel vê isso com entusiasmo, pois conseguimos eliminar mais uma judicialização no setor”, disse Pepitone à reportagem, que parabenizou a Comissão de Minas e Energia da Câmara pela atuação para viabilizar o acordo.
Os recursos recebidos devem ser repassados para o caixa da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que é um fundo setorial que tem como objetivo custear diversas políticas públicas do setor elétrico brasileiro. Na prática, portanto, a devolução reduz a pressão de cobrança sobre o consumidor.
Até o momento, a cobrança por pagamento pela energia inexistente da hidrelétrica Risoleta Neves é alvo de um processo judicial que está em andamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A usina pertence ao consórcio Candonga, do qual a Vale é dona de 77,5% e a Cemig, de 22,5%. A planta parou de funcionar em novembro de 2015, quando a Samarco protagonizou uma das maiores tragédias ambientais do planeta. A hidrelétrica ficava no caminho da barragem do Fundão, que rompeu e causou a morte de 19 pessoas, com o lançamento de milhares de toneladas de rejeito de minério de ferro sobre a floresta e o Rio Doce. A lama varreu 40 municípios, até chegar ao Atlântico, no litoral do Espírito Santo.
Suspensão
A paralisação total da hidrelétrica levou a Aneel a pedir a suspensão dos pagamentos para a usina Risoleta Neves, já que esta não poderia gerar mais energia. A Vale, no entanto, não só recorreu do processo administrativo da agência, como entrou na Justiça e conseguiu uma decisão que mantém, até hoje, o pagamento ao consórcio Candonga, para que continue a receber normalmente, por meio de repasses feitos por um mecanismo contábil do setor elétrico que é compartilhado por todas as hidrelétricas do País.
Na prática, todas as usinas vinham pagando as mensalidades para a usina Risoleta Neves, um custo que, depois, é gradativamente repassado aos consumidores de energia do Brasil, por meio da conta de luz. Os dados da Aneel apontam que a situação já gerou um prejuízo direto ao consumidor superior a R$ 100 milhões.
Em dezembro do ano passado, a Aneel deu prazo de seis meses para a retomada da usina Risoleta Neves, que entrou em um processo de caducidade da concessão. A usina ficava instalada nos municípios de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, com capacidade de 140 megawatts. A hidrelétrica, que entrou em operação em 2004 com o nome de usina Candonga, foi rebatizada em 2005, quando passou a se chamar Risoleta Neves, em homenagem a Risoleta Guimarães Tolentino Neves (1917-2003), esposa do ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985).