‘O Brasil é forte na maioria dos setores que buscamos atrair’, diz ministro da Arábia Saudita


Em visita ao Brasil, Bandar Ibrahim Alkhorayef vai se reunir com empresas e governo; segundo ele, para fazer negócios na Arábia Saudita, será cada vez mais necessário estar lá

Por Cristiane Barbieri
Atualização:
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comBandar Ibrahim Alkhorayef Ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita

A Arábia Saudita está se posicionando para ganhar peso maior no jogo da geopolítica global - e o Brasil é peça estratégica neste movimento. O país vem executando um plano de se transformar num grande polo industrial, de mineração e exportador do Oriente Médio, com o objetivo de se tornar menos dependente do petróleo. Com muito capital disponível e monetariamente estável, elegeu 12 áreas de interesse. O Brasil tem expertise e grandes empresas em vários desses setores, entre elas alimentos, mineração, aviação e saúde.

Assim, entre outras iniciativas, fundos de investimento sauditas têm comprado participações expressivas em empresas nacionais, para tentar influenciar nas tomadas de decisão nesse sentido. “Fazemos investimentos estratégicos de longo prazo para ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes visão a longo prazo”, diz Bandar Ibrahim Alkhorayef, ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, que está em visita visita ao Brasil. “Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que, se quiserem fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.”

Alkhorayef cita como exemplo o caso da Sadia, que tinha grande participação de mercado no país, perdida com o crescimento da produção local. Essa atração de empresas envolve financiamentos, terrenos e diferentes formas de benefícios. Além de crescer localmente, essas empresas podem se tornar exportadoras a partir da Arábia Saudita, que tem infraestrutura e localização privilegiada, em sua visão.

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Já em relação à desconfiança dos investidores frente a um país com menor tradição do que outras nações em receber recursos estrangeiros ou a estarem em um reino sem contrapesos democráticos, ele diz que o país está adotando valores ocidentais, evoluiu muito em diferentes aspectos sociais e tem capacidade de adaptação, que considera um grande ativo.

Durante esta semana, ele se reunirá com ministros, entre eles o vice-presidente Geraldo Alckmin, bem como com presidentes de grandes empresas, como JBS, Minerva, Marfrig, BRF, Embraer e Butantan. Ele recebeu o Estadão/Broadcast no domingo, 21, no hotel Rosewood, para falar destes e outros assuntos, na seguinte entrevista:

Quais suas expectativas para a visita à América Latina?

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Lançamos há cerca de dois anos nossa estratégia para a indústria nacional, que vai diversificar sua base e atrair 12 diferentes subsetores. Nesse contexto, o Brasil é um país único, porque a maioria dos setores que estamos olhando são fortes no País. A experiência da Arábia Saudita em mineração, por exemplo, é relativamente nova, é algo que queremos explorar e a experiência do Brasil pode ser bastante importante.

Como isso vem acontecendo?

Nossas empresas têm investido no Brasil. (A Salic - Saudi Agricultural and Livestock Investment Co -, empresa saudita de investimento agrícola e pecuário, adquiriu 10,7% da BRF e a Manara Minerals, joint venture entre o fundo soberano da Arábia Saudita (PIF) e a Ma’aden, maior empresa de mineração da Arábia Saudita, adquiriu 10% da área de metais básicos da Vale). Estamos explorando outras oportunidades de como podemos trabalhar juntos. Em aviação, por exemplo, o Brasil tem mostrado grande sucesso nos últimos 20 anos. Também em farmacêuticos e vacinas, estamos tentando fazer algo parecido. O setor automotivo está começando na Arábia Saudita. Somos o maior importador de carros e não temos fabricantes locais.

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A estratégia é atrair produtores brasileiros para a Arábia Saudita?

Sim, é algo que vai ter grande crescimento e precisamos também dos subprodutores, para criar uma rede de suprimentos dentro do país. Segurança alimentar, por exemplo, é um tema bastante importante para nós. Há um processo forte de expansão desse setor na Arábia Saudita e temos dois clusters de processamento alimentar, nos quais gostaríamos de ver grandes empresas brasileiras. É importante dizer que, apesar de a Arábia Saudita ser um mercado pequeno, de 37 milhões de pessoas, é um ótimo lugar para ser o ponto de partida a diferentes áreas.

Como um hub para o Oriente Médio?

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Sim, a Arábia Saudita vai se tornar um hub industrial e logístico. Temos uma ótima localização conectados a diferentes partes do mundo, grande infraestrutura, preços de energia competitivos, política monetária forte, fontes e projetos de financiamento e exportação. Essa combinação de diferentes capacidades faz com que a Arábia do Sul seja um hub muito interessante para as empresas mundiais.

A ideia é depender menos do petróleo?

Sim, definitivamente. A síntese da nossa visão é depender menos do petróleo. Temos esse objetivo há muitos anos, mas a diferença é que, agora, estamos fazendo algo sobre isso. Esse movimento começou em 2016, com o lançamento do (projeto) Visão 2030.

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Unidade da Saudi Aramco, petroleira saudita: país quer reduzir dependência do petróleo Foto: Saudi Aramco/Divulgação

Também tem a ver com a busca global por menor dependência do petróleo?

É uma parte, mas o mais importante é o aspecto social. Queremos criar uma economia que seja mais inclusiva e permita criar trabalho de qualidade para nossa população. Nos últimos 50 anos, a Arábia Saudita cresceu baseada em energia barata e trabalho de baixo custo vindo de fora. Estamos mudando isso. Queremos criar uma produção na qual tecnologia, automação, robótica, IA (inteligência artificial), sejam usadas por nossa população, por nossa geração jovem. Ao mesmo tempo, continuaremos a ser grandes em energia. Além do petróleo, hoje a Arábia Saudita está investindo muito em energia solar e eólica.

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Essas mudanças significam educar a população, não?

Absolutamente sim. Um dos pilares é o RDI (Research and Development and Innovation). Queremos criar um cidadão capaz de ser criativo, inovador, participar de desafios globais e não apenas olhar para o nosso próprio e limitado mercado.

O sr. está falando sobre valores ocidentais. A Arábia Saudita está se ocidentalizando ou busca seu próprio jeito de fazer essas coisas?

É um misto, mas, definitivamente, quando se olha para a cultura do país, como foi construído, como evoluiu de quase deserto até onde estamos hoje, temos mostrado uma grande habilidade de nos adaptar. É um grande ativo que qualquer país pode ter. Se eu olhar para a minha mãe, por exemplo, como ela viveu e como vive hoje, é muito inspirador.

Como assim?

Eu conversava outro dia com um embaixador, sobre como essa nova geração é muito interessada. Visitei minha mãe com meu filho, de 15 anos de idade, e ela me perguntou sobre o projeto The Line, de Neom (uma cidade vertical e sustentável, de 170 quilômetros de extensão, que custará US$ 1,5 trilhão e já começou a ser construída, às margens do Mar Vermelho). Eu realmente não tinha muitos detalhes. Meu filho então abriu o celular e explicou tudo para ela. É incrível. Eu estava contando essa história a esse embaixador, que me perguntou se minha mãe acreditava se o Neom ia acontecer. Respondi que minha mãe e sua geração acreditam muito mais do que nós.

Por quê?

Porque eles viveram uma vida mais difícil do que a de hoje e não esperavam estar onde chegaram. Eles podem ver a quantidade de mudanças que aconteceram. É realmente interessante ver um país capaz de se engajar em uma transformação. Em outros lugares, a transformação é feita pelo governo. Na Arábia Saudita, estamos tentando trazer todo mundo para fazer parte disso. Tenho quatro filhas, entre 13 e 23 anos, e vejo as oportunidades que estão recebendo, como estão envolvidas, debatendo, perguntando. Isso me dá muita confiança e coloca pressão para trazermos os melhores investidores, a melhor tecnologia, a melhor estratégia para o futuro deste país.

O país, até mesmo por turistas religiosos, é bastante complexo…

Algumas coisas vão levar mais tempo do que outras. As novas coisas, como o Neom, são para o longo prazo, mas em outras já superamos nossos objetivos. Meca, por exemplo, tem muitas coisas a serem consideradas com relação à qualquer intervenção, mas estamos melhorando a governança, para garantir que os projetos a serem feitos lá sejam bem executados. Em dois a três anos, será algo bastante diferente. Fomos capazes de, pela primeira vez, ir à raiz do problema. Temos investido em estradas e infraestrutura, bem como em edifícios maiores. O gerenciamento de tais projetos está mudando a mentalidade das pessoas.

O sr. mencionou o interesse em várias áreas de atuação nas quais o Brasil é forte. O País pode se tornar um parceiro importante nessa nova fase?

Sim. Historicamente, a relação entre a comunidade de negócios do Brasil e da Arábia Saudita tem sido muito boa. A confiança é uma boa base, os produtos brasileiros já estão lá, como no setor de aves. Além de encontrarmos várias áreas que estamos buscando no Brasil, as empresas daqui crescem muito rápido e estão muito bem equipadas para exportar e expandir o foco. Estar na Arábia cria oportunidades diferentes. Ao construir uma fábrica, além do mercado saudita, é possível chegar aos países vizinhos do GCC (Gulf Cooperation Council, que abrange seis países da região), bem como Sudeste Asiático e África.

Fundos árabes investiram em empresas como a Acelen, que foi privatizada e, agora, vai voltar para as mãos da estatal Petrobras. A Vale, na qual os srs. também investem, sofre no mercado acionário por ingerência do governo. Isso cria algum tipo de ruído para o investimento?

Fazemos investimentos de longo prazo, que tendem a ajudar as empresas a crescerem e a expandirem. São investimentos estratégicos, como o da Salic na BRF, por conta da nossa escassez de alimentos. Na Vale, o movimento é similar. Então, a ideia é ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes uma visão a longo prazo. O processamento de alimentos, por exemplo, está mudando na Arábia Saudita. Se uma empresa apenas vende seu produto, ela perde mercado com o tempo. A Sadia, por exemplo, tinha uma grande participação de mercado na Arábia Saudita e caiu muito com o crescimento da produção local. Eu atuava nesse negócio e tentávamos convencê-los a mudar a produção para o país. Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que hoje, se quiser fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.

Há um programa para acessar outros mercados?

Facilitamos isso. Oferecemos a empresas internacionais o mesmo que às companhias sauditas. Em termos de financiamento, terra, treinamento… com impostos é um pouco diferente, mas as condições básicas são as mesmas.

Sua visita ao Chile será no mesmo sentido da do Brasil?

O Chile é um país único quando se trata de mineração. A visita ao Brasil pretende explorar mais potencialidades industriais, enquanto no Chile será voltada a essa área. A mineração na Arábia Saudita ainda é praticamente inexplorada, começamos esse movimento de descoberta há cerca de cinco anos. Somos um país grande em termos de tamanho, sabemos muito pouco sobre nossas reservas, mas temos conseguido identificar muito potencial. Queremos encorajar as empresas a virem à Arábia Saudita para esse tipo de exploração, com ajuda de novas tecnologias. Num setor tão antigo, começar novas minas com novas tecnologias e possibilidades é um bom atrativo.

A Arábia Saudita está se posicionando para ganhar peso maior no jogo da geopolítica global - e o Brasil é peça estratégica neste movimento. O país vem executando um plano de se transformar num grande polo industrial, de mineração e exportador do Oriente Médio, com o objetivo de se tornar menos dependente do petróleo. Com muito capital disponível e monetariamente estável, elegeu 12 áreas de interesse. O Brasil tem expertise e grandes empresas em vários desses setores, entre elas alimentos, mineração, aviação e saúde.

Assim, entre outras iniciativas, fundos de investimento sauditas têm comprado participações expressivas em empresas nacionais, para tentar influenciar nas tomadas de decisão nesse sentido. “Fazemos investimentos estratégicos de longo prazo para ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes visão a longo prazo”, diz Bandar Ibrahim Alkhorayef, ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, que está em visita visita ao Brasil. “Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que, se quiserem fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.”

Alkhorayef cita como exemplo o caso da Sadia, que tinha grande participação de mercado no país, perdida com o crescimento da produção local. Essa atração de empresas envolve financiamentos, terrenos e diferentes formas de benefícios. Além de crescer localmente, essas empresas podem se tornar exportadoras a partir da Arábia Saudita, que tem infraestrutura e localização privilegiada, em sua visão.

Já em relação à desconfiança dos investidores frente a um país com menor tradição do que outras nações em receber recursos estrangeiros ou a estarem em um reino sem contrapesos democráticos, ele diz que o país está adotando valores ocidentais, evoluiu muito em diferentes aspectos sociais e tem capacidade de adaptação, que considera um grande ativo.

Durante esta semana, ele se reunirá com ministros, entre eles o vice-presidente Geraldo Alckmin, bem como com presidentes de grandes empresas, como JBS, Minerva, Marfrig, BRF, Embraer e Butantan. Ele recebeu o Estadão/Broadcast no domingo, 21, no hotel Rosewood, para falar destes e outros assuntos, na seguinte entrevista:

Quais suas expectativas para a visita à América Latina?

Lançamos há cerca de dois anos nossa estratégia para a indústria nacional, que vai diversificar sua base e atrair 12 diferentes subsetores. Nesse contexto, o Brasil é um país único, porque a maioria dos setores que estamos olhando são fortes no País. A experiência da Arábia Saudita em mineração, por exemplo, é relativamente nova, é algo que queremos explorar e a experiência do Brasil pode ser bastante importante.

Como isso vem acontecendo?

Nossas empresas têm investido no Brasil. (A Salic - Saudi Agricultural and Livestock Investment Co -, empresa saudita de investimento agrícola e pecuário, adquiriu 10,7% da BRF e a Manara Minerals, joint venture entre o fundo soberano da Arábia Saudita (PIF) e a Ma’aden, maior empresa de mineração da Arábia Saudita, adquiriu 10% da área de metais básicos da Vale). Estamos explorando outras oportunidades de como podemos trabalhar juntos. Em aviação, por exemplo, o Brasil tem mostrado grande sucesso nos últimos 20 anos. Também em farmacêuticos e vacinas, estamos tentando fazer algo parecido. O setor automotivo está começando na Arábia Saudita. Somos o maior importador de carros e não temos fabricantes locais.

A estratégia é atrair produtores brasileiros para a Arábia Saudita?

Sim, é algo que vai ter grande crescimento e precisamos também dos subprodutores, para criar uma rede de suprimentos dentro do país. Segurança alimentar, por exemplo, é um tema bastante importante para nós. Há um processo forte de expansão desse setor na Arábia Saudita e temos dois clusters de processamento alimentar, nos quais gostaríamos de ver grandes empresas brasileiras. É importante dizer que, apesar de a Arábia Saudita ser um mercado pequeno, de 37 milhões de pessoas, é um ótimo lugar para ser o ponto de partida a diferentes áreas.

Como um hub para o Oriente Médio?

Sim, a Arábia Saudita vai se tornar um hub industrial e logístico. Temos uma ótima localização conectados a diferentes partes do mundo, grande infraestrutura, preços de energia competitivos, política monetária forte, fontes e projetos de financiamento e exportação. Essa combinação de diferentes capacidades faz com que a Arábia do Sul seja um hub muito interessante para as empresas mundiais.

A ideia é depender menos do petróleo?

Sim, definitivamente. A síntese da nossa visão é depender menos do petróleo. Temos esse objetivo há muitos anos, mas a diferença é que, agora, estamos fazendo algo sobre isso. Esse movimento começou em 2016, com o lançamento do (projeto) Visão 2030.

Unidade da Saudi Aramco, petroleira saudita: país quer reduzir dependência do petróleo Foto: Saudi Aramco/Divulgação

Também tem a ver com a busca global por menor dependência do petróleo?

É uma parte, mas o mais importante é o aspecto social. Queremos criar uma economia que seja mais inclusiva e permita criar trabalho de qualidade para nossa população. Nos últimos 50 anos, a Arábia Saudita cresceu baseada em energia barata e trabalho de baixo custo vindo de fora. Estamos mudando isso. Queremos criar uma produção na qual tecnologia, automação, robótica, IA (inteligência artificial), sejam usadas por nossa população, por nossa geração jovem. Ao mesmo tempo, continuaremos a ser grandes em energia. Além do petróleo, hoje a Arábia Saudita está investindo muito em energia solar e eólica.

Essas mudanças significam educar a população, não?

Absolutamente sim. Um dos pilares é o RDI (Research and Development and Innovation). Queremos criar um cidadão capaz de ser criativo, inovador, participar de desafios globais e não apenas olhar para o nosso próprio e limitado mercado.

O sr. está falando sobre valores ocidentais. A Arábia Saudita está se ocidentalizando ou busca seu próprio jeito de fazer essas coisas?

É um misto, mas, definitivamente, quando se olha para a cultura do país, como foi construído, como evoluiu de quase deserto até onde estamos hoje, temos mostrado uma grande habilidade de nos adaptar. É um grande ativo que qualquer país pode ter. Se eu olhar para a minha mãe, por exemplo, como ela viveu e como vive hoje, é muito inspirador.

Como assim?

Eu conversava outro dia com um embaixador, sobre como essa nova geração é muito interessada. Visitei minha mãe com meu filho, de 15 anos de idade, e ela me perguntou sobre o projeto The Line, de Neom (uma cidade vertical e sustentável, de 170 quilômetros de extensão, que custará US$ 1,5 trilhão e já começou a ser construída, às margens do Mar Vermelho). Eu realmente não tinha muitos detalhes. Meu filho então abriu o celular e explicou tudo para ela. É incrível. Eu estava contando essa história a esse embaixador, que me perguntou se minha mãe acreditava se o Neom ia acontecer. Respondi que minha mãe e sua geração acreditam muito mais do que nós.

Por quê?

Porque eles viveram uma vida mais difícil do que a de hoje e não esperavam estar onde chegaram. Eles podem ver a quantidade de mudanças que aconteceram. É realmente interessante ver um país capaz de se engajar em uma transformação. Em outros lugares, a transformação é feita pelo governo. Na Arábia Saudita, estamos tentando trazer todo mundo para fazer parte disso. Tenho quatro filhas, entre 13 e 23 anos, e vejo as oportunidades que estão recebendo, como estão envolvidas, debatendo, perguntando. Isso me dá muita confiança e coloca pressão para trazermos os melhores investidores, a melhor tecnologia, a melhor estratégia para o futuro deste país.

O país, até mesmo por turistas religiosos, é bastante complexo…

Algumas coisas vão levar mais tempo do que outras. As novas coisas, como o Neom, são para o longo prazo, mas em outras já superamos nossos objetivos. Meca, por exemplo, tem muitas coisas a serem consideradas com relação à qualquer intervenção, mas estamos melhorando a governança, para garantir que os projetos a serem feitos lá sejam bem executados. Em dois a três anos, será algo bastante diferente. Fomos capazes de, pela primeira vez, ir à raiz do problema. Temos investido em estradas e infraestrutura, bem como em edifícios maiores. O gerenciamento de tais projetos está mudando a mentalidade das pessoas.

O sr. mencionou o interesse em várias áreas de atuação nas quais o Brasil é forte. O País pode se tornar um parceiro importante nessa nova fase?

Sim. Historicamente, a relação entre a comunidade de negócios do Brasil e da Arábia Saudita tem sido muito boa. A confiança é uma boa base, os produtos brasileiros já estão lá, como no setor de aves. Além de encontrarmos várias áreas que estamos buscando no Brasil, as empresas daqui crescem muito rápido e estão muito bem equipadas para exportar e expandir o foco. Estar na Arábia cria oportunidades diferentes. Ao construir uma fábrica, além do mercado saudita, é possível chegar aos países vizinhos do GCC (Gulf Cooperation Council, que abrange seis países da região), bem como Sudeste Asiático e África.

Fundos árabes investiram em empresas como a Acelen, que foi privatizada e, agora, vai voltar para as mãos da estatal Petrobras. A Vale, na qual os srs. também investem, sofre no mercado acionário por ingerência do governo. Isso cria algum tipo de ruído para o investimento?

Fazemos investimentos de longo prazo, que tendem a ajudar as empresas a crescerem e a expandirem. São investimentos estratégicos, como o da Salic na BRF, por conta da nossa escassez de alimentos. Na Vale, o movimento é similar. Então, a ideia é ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes uma visão a longo prazo. O processamento de alimentos, por exemplo, está mudando na Arábia Saudita. Se uma empresa apenas vende seu produto, ela perde mercado com o tempo. A Sadia, por exemplo, tinha uma grande participação de mercado na Arábia Saudita e caiu muito com o crescimento da produção local. Eu atuava nesse negócio e tentávamos convencê-los a mudar a produção para o país. Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que hoje, se quiser fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.

Há um programa para acessar outros mercados?

Facilitamos isso. Oferecemos a empresas internacionais o mesmo que às companhias sauditas. Em termos de financiamento, terra, treinamento… com impostos é um pouco diferente, mas as condições básicas são as mesmas.

Sua visita ao Chile será no mesmo sentido da do Brasil?

O Chile é um país único quando se trata de mineração. A visita ao Brasil pretende explorar mais potencialidades industriais, enquanto no Chile será voltada a essa área. A mineração na Arábia Saudita ainda é praticamente inexplorada, começamos esse movimento de descoberta há cerca de cinco anos. Somos um país grande em termos de tamanho, sabemos muito pouco sobre nossas reservas, mas temos conseguido identificar muito potencial. Queremos encorajar as empresas a virem à Arábia Saudita para esse tipo de exploração, com ajuda de novas tecnologias. Num setor tão antigo, começar novas minas com novas tecnologias e possibilidades é um bom atrativo.

A Arábia Saudita está se posicionando para ganhar peso maior no jogo da geopolítica global - e o Brasil é peça estratégica neste movimento. O país vem executando um plano de se transformar num grande polo industrial, de mineração e exportador do Oriente Médio, com o objetivo de se tornar menos dependente do petróleo. Com muito capital disponível e monetariamente estável, elegeu 12 áreas de interesse. O Brasil tem expertise e grandes empresas em vários desses setores, entre elas alimentos, mineração, aviação e saúde.

Assim, entre outras iniciativas, fundos de investimento sauditas têm comprado participações expressivas em empresas nacionais, para tentar influenciar nas tomadas de decisão nesse sentido. “Fazemos investimentos estratégicos de longo prazo para ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes visão a longo prazo”, diz Bandar Ibrahim Alkhorayef, ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, que está em visita visita ao Brasil. “Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que, se quiserem fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.”

Alkhorayef cita como exemplo o caso da Sadia, que tinha grande participação de mercado no país, perdida com o crescimento da produção local. Essa atração de empresas envolve financiamentos, terrenos e diferentes formas de benefícios. Além de crescer localmente, essas empresas podem se tornar exportadoras a partir da Arábia Saudita, que tem infraestrutura e localização privilegiada, em sua visão.

Já em relação à desconfiança dos investidores frente a um país com menor tradição do que outras nações em receber recursos estrangeiros ou a estarem em um reino sem contrapesos democráticos, ele diz que o país está adotando valores ocidentais, evoluiu muito em diferentes aspectos sociais e tem capacidade de adaptação, que considera um grande ativo.

Durante esta semana, ele se reunirá com ministros, entre eles o vice-presidente Geraldo Alckmin, bem como com presidentes de grandes empresas, como JBS, Minerva, Marfrig, BRF, Embraer e Butantan. Ele recebeu o Estadão/Broadcast no domingo, 21, no hotel Rosewood, para falar destes e outros assuntos, na seguinte entrevista:

Quais suas expectativas para a visita à América Latina?

Lançamos há cerca de dois anos nossa estratégia para a indústria nacional, que vai diversificar sua base e atrair 12 diferentes subsetores. Nesse contexto, o Brasil é um país único, porque a maioria dos setores que estamos olhando são fortes no País. A experiência da Arábia Saudita em mineração, por exemplo, é relativamente nova, é algo que queremos explorar e a experiência do Brasil pode ser bastante importante.

Como isso vem acontecendo?

Nossas empresas têm investido no Brasil. (A Salic - Saudi Agricultural and Livestock Investment Co -, empresa saudita de investimento agrícola e pecuário, adquiriu 10,7% da BRF e a Manara Minerals, joint venture entre o fundo soberano da Arábia Saudita (PIF) e a Ma’aden, maior empresa de mineração da Arábia Saudita, adquiriu 10% da área de metais básicos da Vale). Estamos explorando outras oportunidades de como podemos trabalhar juntos. Em aviação, por exemplo, o Brasil tem mostrado grande sucesso nos últimos 20 anos. Também em farmacêuticos e vacinas, estamos tentando fazer algo parecido. O setor automotivo está começando na Arábia Saudita. Somos o maior importador de carros e não temos fabricantes locais.

A estratégia é atrair produtores brasileiros para a Arábia Saudita?

Sim, é algo que vai ter grande crescimento e precisamos também dos subprodutores, para criar uma rede de suprimentos dentro do país. Segurança alimentar, por exemplo, é um tema bastante importante para nós. Há um processo forte de expansão desse setor na Arábia Saudita e temos dois clusters de processamento alimentar, nos quais gostaríamos de ver grandes empresas brasileiras. É importante dizer que, apesar de a Arábia Saudita ser um mercado pequeno, de 37 milhões de pessoas, é um ótimo lugar para ser o ponto de partida a diferentes áreas.

Como um hub para o Oriente Médio?

Sim, a Arábia Saudita vai se tornar um hub industrial e logístico. Temos uma ótima localização conectados a diferentes partes do mundo, grande infraestrutura, preços de energia competitivos, política monetária forte, fontes e projetos de financiamento e exportação. Essa combinação de diferentes capacidades faz com que a Arábia do Sul seja um hub muito interessante para as empresas mundiais.

A ideia é depender menos do petróleo?

Sim, definitivamente. A síntese da nossa visão é depender menos do petróleo. Temos esse objetivo há muitos anos, mas a diferença é que, agora, estamos fazendo algo sobre isso. Esse movimento começou em 2016, com o lançamento do (projeto) Visão 2030.

Unidade da Saudi Aramco, petroleira saudita: país quer reduzir dependência do petróleo Foto: Saudi Aramco/Divulgação

Também tem a ver com a busca global por menor dependência do petróleo?

É uma parte, mas o mais importante é o aspecto social. Queremos criar uma economia que seja mais inclusiva e permita criar trabalho de qualidade para nossa população. Nos últimos 50 anos, a Arábia Saudita cresceu baseada em energia barata e trabalho de baixo custo vindo de fora. Estamos mudando isso. Queremos criar uma produção na qual tecnologia, automação, robótica, IA (inteligência artificial), sejam usadas por nossa população, por nossa geração jovem. Ao mesmo tempo, continuaremos a ser grandes em energia. Além do petróleo, hoje a Arábia Saudita está investindo muito em energia solar e eólica.

Essas mudanças significam educar a população, não?

Absolutamente sim. Um dos pilares é o RDI (Research and Development and Innovation). Queremos criar um cidadão capaz de ser criativo, inovador, participar de desafios globais e não apenas olhar para o nosso próprio e limitado mercado.

O sr. está falando sobre valores ocidentais. A Arábia Saudita está se ocidentalizando ou busca seu próprio jeito de fazer essas coisas?

É um misto, mas, definitivamente, quando se olha para a cultura do país, como foi construído, como evoluiu de quase deserto até onde estamos hoje, temos mostrado uma grande habilidade de nos adaptar. É um grande ativo que qualquer país pode ter. Se eu olhar para a minha mãe, por exemplo, como ela viveu e como vive hoje, é muito inspirador.

Como assim?

Eu conversava outro dia com um embaixador, sobre como essa nova geração é muito interessada. Visitei minha mãe com meu filho, de 15 anos de idade, e ela me perguntou sobre o projeto The Line, de Neom (uma cidade vertical e sustentável, de 170 quilômetros de extensão, que custará US$ 1,5 trilhão e já começou a ser construída, às margens do Mar Vermelho). Eu realmente não tinha muitos detalhes. Meu filho então abriu o celular e explicou tudo para ela. É incrível. Eu estava contando essa história a esse embaixador, que me perguntou se minha mãe acreditava se o Neom ia acontecer. Respondi que minha mãe e sua geração acreditam muito mais do que nós.

Por quê?

Porque eles viveram uma vida mais difícil do que a de hoje e não esperavam estar onde chegaram. Eles podem ver a quantidade de mudanças que aconteceram. É realmente interessante ver um país capaz de se engajar em uma transformação. Em outros lugares, a transformação é feita pelo governo. Na Arábia Saudita, estamos tentando trazer todo mundo para fazer parte disso. Tenho quatro filhas, entre 13 e 23 anos, e vejo as oportunidades que estão recebendo, como estão envolvidas, debatendo, perguntando. Isso me dá muita confiança e coloca pressão para trazermos os melhores investidores, a melhor tecnologia, a melhor estratégia para o futuro deste país.

O país, até mesmo por turistas religiosos, é bastante complexo…

Algumas coisas vão levar mais tempo do que outras. As novas coisas, como o Neom, são para o longo prazo, mas em outras já superamos nossos objetivos. Meca, por exemplo, tem muitas coisas a serem consideradas com relação à qualquer intervenção, mas estamos melhorando a governança, para garantir que os projetos a serem feitos lá sejam bem executados. Em dois a três anos, será algo bastante diferente. Fomos capazes de, pela primeira vez, ir à raiz do problema. Temos investido em estradas e infraestrutura, bem como em edifícios maiores. O gerenciamento de tais projetos está mudando a mentalidade das pessoas.

O sr. mencionou o interesse em várias áreas de atuação nas quais o Brasil é forte. O País pode se tornar um parceiro importante nessa nova fase?

Sim. Historicamente, a relação entre a comunidade de negócios do Brasil e da Arábia Saudita tem sido muito boa. A confiança é uma boa base, os produtos brasileiros já estão lá, como no setor de aves. Além de encontrarmos várias áreas que estamos buscando no Brasil, as empresas daqui crescem muito rápido e estão muito bem equipadas para exportar e expandir o foco. Estar na Arábia cria oportunidades diferentes. Ao construir uma fábrica, além do mercado saudita, é possível chegar aos países vizinhos do GCC (Gulf Cooperation Council, que abrange seis países da região), bem como Sudeste Asiático e África.

Fundos árabes investiram em empresas como a Acelen, que foi privatizada e, agora, vai voltar para as mãos da estatal Petrobras. A Vale, na qual os srs. também investem, sofre no mercado acionário por ingerência do governo. Isso cria algum tipo de ruído para o investimento?

Fazemos investimentos de longo prazo, que tendem a ajudar as empresas a crescerem e a expandirem. São investimentos estratégicos, como o da Salic na BRF, por conta da nossa escassez de alimentos. Na Vale, o movimento é similar. Então, a ideia é ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes uma visão a longo prazo. O processamento de alimentos, por exemplo, está mudando na Arábia Saudita. Se uma empresa apenas vende seu produto, ela perde mercado com o tempo. A Sadia, por exemplo, tinha uma grande participação de mercado na Arábia Saudita e caiu muito com o crescimento da produção local. Eu atuava nesse negócio e tentávamos convencê-los a mudar a produção para o país. Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que hoje, se quiser fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.

Há um programa para acessar outros mercados?

Facilitamos isso. Oferecemos a empresas internacionais o mesmo que às companhias sauditas. Em termos de financiamento, terra, treinamento… com impostos é um pouco diferente, mas as condições básicas são as mesmas.

Sua visita ao Chile será no mesmo sentido da do Brasil?

O Chile é um país único quando se trata de mineração. A visita ao Brasil pretende explorar mais potencialidades industriais, enquanto no Chile será voltada a essa área. A mineração na Arábia Saudita ainda é praticamente inexplorada, começamos esse movimento de descoberta há cerca de cinco anos. Somos um país grande em termos de tamanho, sabemos muito pouco sobre nossas reservas, mas temos conseguido identificar muito potencial. Queremos encorajar as empresas a virem à Arábia Saudita para esse tipo de exploração, com ajuda de novas tecnologias. Num setor tão antigo, começar novas minas com novas tecnologias e possibilidades é um bom atrativo.

A Arábia Saudita está se posicionando para ganhar peso maior no jogo da geopolítica global - e o Brasil é peça estratégica neste movimento. O país vem executando um plano de se transformar num grande polo industrial, de mineração e exportador do Oriente Médio, com o objetivo de se tornar menos dependente do petróleo. Com muito capital disponível e monetariamente estável, elegeu 12 áreas de interesse. O Brasil tem expertise e grandes empresas em vários desses setores, entre elas alimentos, mineração, aviação e saúde.

Assim, entre outras iniciativas, fundos de investimento sauditas têm comprado participações expressivas em empresas nacionais, para tentar influenciar nas tomadas de decisão nesse sentido. “Fazemos investimentos estratégicos de longo prazo para ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes visão a longo prazo”, diz Bandar Ibrahim Alkhorayef, ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, que está em visita visita ao Brasil. “Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que, se quiserem fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.”

Alkhorayef cita como exemplo o caso da Sadia, que tinha grande participação de mercado no país, perdida com o crescimento da produção local. Essa atração de empresas envolve financiamentos, terrenos e diferentes formas de benefícios. Além de crescer localmente, essas empresas podem se tornar exportadoras a partir da Arábia Saudita, que tem infraestrutura e localização privilegiada, em sua visão.

Já em relação à desconfiança dos investidores frente a um país com menor tradição do que outras nações em receber recursos estrangeiros ou a estarem em um reino sem contrapesos democráticos, ele diz que o país está adotando valores ocidentais, evoluiu muito em diferentes aspectos sociais e tem capacidade de adaptação, que considera um grande ativo.

Durante esta semana, ele se reunirá com ministros, entre eles o vice-presidente Geraldo Alckmin, bem como com presidentes de grandes empresas, como JBS, Minerva, Marfrig, BRF, Embraer e Butantan. Ele recebeu o Estadão/Broadcast no domingo, 21, no hotel Rosewood, para falar destes e outros assuntos, na seguinte entrevista:

Quais suas expectativas para a visita à América Latina?

Lançamos há cerca de dois anos nossa estratégia para a indústria nacional, que vai diversificar sua base e atrair 12 diferentes subsetores. Nesse contexto, o Brasil é um país único, porque a maioria dos setores que estamos olhando são fortes no País. A experiência da Arábia Saudita em mineração, por exemplo, é relativamente nova, é algo que queremos explorar e a experiência do Brasil pode ser bastante importante.

Como isso vem acontecendo?

Nossas empresas têm investido no Brasil. (A Salic - Saudi Agricultural and Livestock Investment Co -, empresa saudita de investimento agrícola e pecuário, adquiriu 10,7% da BRF e a Manara Minerals, joint venture entre o fundo soberano da Arábia Saudita (PIF) e a Ma’aden, maior empresa de mineração da Arábia Saudita, adquiriu 10% da área de metais básicos da Vale). Estamos explorando outras oportunidades de como podemos trabalhar juntos. Em aviação, por exemplo, o Brasil tem mostrado grande sucesso nos últimos 20 anos. Também em farmacêuticos e vacinas, estamos tentando fazer algo parecido. O setor automotivo está começando na Arábia Saudita. Somos o maior importador de carros e não temos fabricantes locais.

A estratégia é atrair produtores brasileiros para a Arábia Saudita?

Sim, é algo que vai ter grande crescimento e precisamos também dos subprodutores, para criar uma rede de suprimentos dentro do país. Segurança alimentar, por exemplo, é um tema bastante importante para nós. Há um processo forte de expansão desse setor na Arábia Saudita e temos dois clusters de processamento alimentar, nos quais gostaríamos de ver grandes empresas brasileiras. É importante dizer que, apesar de a Arábia Saudita ser um mercado pequeno, de 37 milhões de pessoas, é um ótimo lugar para ser o ponto de partida a diferentes áreas.

Como um hub para o Oriente Médio?

Sim, a Arábia Saudita vai se tornar um hub industrial e logístico. Temos uma ótima localização conectados a diferentes partes do mundo, grande infraestrutura, preços de energia competitivos, política monetária forte, fontes e projetos de financiamento e exportação. Essa combinação de diferentes capacidades faz com que a Arábia do Sul seja um hub muito interessante para as empresas mundiais.

A ideia é depender menos do petróleo?

Sim, definitivamente. A síntese da nossa visão é depender menos do petróleo. Temos esse objetivo há muitos anos, mas a diferença é que, agora, estamos fazendo algo sobre isso. Esse movimento começou em 2016, com o lançamento do (projeto) Visão 2030.

Unidade da Saudi Aramco, petroleira saudita: país quer reduzir dependência do petróleo Foto: Saudi Aramco/Divulgação

Também tem a ver com a busca global por menor dependência do petróleo?

É uma parte, mas o mais importante é o aspecto social. Queremos criar uma economia que seja mais inclusiva e permita criar trabalho de qualidade para nossa população. Nos últimos 50 anos, a Arábia Saudita cresceu baseada em energia barata e trabalho de baixo custo vindo de fora. Estamos mudando isso. Queremos criar uma produção na qual tecnologia, automação, robótica, IA (inteligência artificial), sejam usadas por nossa população, por nossa geração jovem. Ao mesmo tempo, continuaremos a ser grandes em energia. Além do petróleo, hoje a Arábia Saudita está investindo muito em energia solar e eólica.

Essas mudanças significam educar a população, não?

Absolutamente sim. Um dos pilares é o RDI (Research and Development and Innovation). Queremos criar um cidadão capaz de ser criativo, inovador, participar de desafios globais e não apenas olhar para o nosso próprio e limitado mercado.

O sr. está falando sobre valores ocidentais. A Arábia Saudita está se ocidentalizando ou busca seu próprio jeito de fazer essas coisas?

É um misto, mas, definitivamente, quando se olha para a cultura do país, como foi construído, como evoluiu de quase deserto até onde estamos hoje, temos mostrado uma grande habilidade de nos adaptar. É um grande ativo que qualquer país pode ter. Se eu olhar para a minha mãe, por exemplo, como ela viveu e como vive hoje, é muito inspirador.

Como assim?

Eu conversava outro dia com um embaixador, sobre como essa nova geração é muito interessada. Visitei minha mãe com meu filho, de 15 anos de idade, e ela me perguntou sobre o projeto The Line, de Neom (uma cidade vertical e sustentável, de 170 quilômetros de extensão, que custará US$ 1,5 trilhão e já começou a ser construída, às margens do Mar Vermelho). Eu realmente não tinha muitos detalhes. Meu filho então abriu o celular e explicou tudo para ela. É incrível. Eu estava contando essa história a esse embaixador, que me perguntou se minha mãe acreditava se o Neom ia acontecer. Respondi que minha mãe e sua geração acreditam muito mais do que nós.

Por quê?

Porque eles viveram uma vida mais difícil do que a de hoje e não esperavam estar onde chegaram. Eles podem ver a quantidade de mudanças que aconteceram. É realmente interessante ver um país capaz de se engajar em uma transformação. Em outros lugares, a transformação é feita pelo governo. Na Arábia Saudita, estamos tentando trazer todo mundo para fazer parte disso. Tenho quatro filhas, entre 13 e 23 anos, e vejo as oportunidades que estão recebendo, como estão envolvidas, debatendo, perguntando. Isso me dá muita confiança e coloca pressão para trazermos os melhores investidores, a melhor tecnologia, a melhor estratégia para o futuro deste país.

O país, até mesmo por turistas religiosos, é bastante complexo…

Algumas coisas vão levar mais tempo do que outras. As novas coisas, como o Neom, são para o longo prazo, mas em outras já superamos nossos objetivos. Meca, por exemplo, tem muitas coisas a serem consideradas com relação à qualquer intervenção, mas estamos melhorando a governança, para garantir que os projetos a serem feitos lá sejam bem executados. Em dois a três anos, será algo bastante diferente. Fomos capazes de, pela primeira vez, ir à raiz do problema. Temos investido em estradas e infraestrutura, bem como em edifícios maiores. O gerenciamento de tais projetos está mudando a mentalidade das pessoas.

O sr. mencionou o interesse em várias áreas de atuação nas quais o Brasil é forte. O País pode se tornar um parceiro importante nessa nova fase?

Sim. Historicamente, a relação entre a comunidade de negócios do Brasil e da Arábia Saudita tem sido muito boa. A confiança é uma boa base, os produtos brasileiros já estão lá, como no setor de aves. Além de encontrarmos várias áreas que estamos buscando no Brasil, as empresas daqui crescem muito rápido e estão muito bem equipadas para exportar e expandir o foco. Estar na Arábia cria oportunidades diferentes. Ao construir uma fábrica, além do mercado saudita, é possível chegar aos países vizinhos do GCC (Gulf Cooperation Council, que abrange seis países da região), bem como Sudeste Asiático e África.

Fundos árabes investiram em empresas como a Acelen, que foi privatizada e, agora, vai voltar para as mãos da estatal Petrobras. A Vale, na qual os srs. também investem, sofre no mercado acionário por ingerência do governo. Isso cria algum tipo de ruído para o investimento?

Fazemos investimentos de longo prazo, que tendem a ajudar as empresas a crescerem e a expandirem. São investimentos estratégicos, como o da Salic na BRF, por conta da nossa escassez de alimentos. Na Vale, o movimento é similar. Então, a ideia é ajudar essas empresas a crescer, acessar novos mercados e dar-lhes uma visão a longo prazo. O processamento de alimentos, por exemplo, está mudando na Arábia Saudita. Se uma empresa apenas vende seu produto, ela perde mercado com o tempo. A Sadia, por exemplo, tinha uma grande participação de mercado na Arábia Saudita e caiu muito com o crescimento da produção local. Eu atuava nesse negócio e tentávamos convencê-los a mudar a produção para o país. Estamos tentando explicar a nossos parceiros de outros países que hoje, se quiser fazer negócio na Arábia Saudita, é preciso estar lá, ou perderão mercado.

Há um programa para acessar outros mercados?

Facilitamos isso. Oferecemos a empresas internacionais o mesmo que às companhias sauditas. Em termos de financiamento, terra, treinamento… com impostos é um pouco diferente, mas as condições básicas são as mesmas.

Sua visita ao Chile será no mesmo sentido da do Brasil?

O Chile é um país único quando se trata de mineração. A visita ao Brasil pretende explorar mais potencialidades industriais, enquanto no Chile será voltada a essa área. A mineração na Arábia Saudita ainda é praticamente inexplorada, começamos esse movimento de descoberta há cerca de cinco anos. Somos um país grande em termos de tamanho, sabemos muito pouco sobre nossas reservas, mas temos conseguido identificar muito potencial. Queremos encorajar as empresas a virem à Arábia Saudita para esse tipo de exploração, com ajuda de novas tecnologias. Num setor tão antigo, começar novas minas com novas tecnologias e possibilidades é um bom atrativo.

Entrevista por Cristiane Barbieri

Cristiane Barbieri é repórter especial, especializada na cobertura de Economia e Negócios. Venceu os prêmios Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e Citi Journalistic Excellence Award, entre outros. Foi eleita a melhor jornalista de revistas do Troféu Mulher Imprensa. Completou o Citibank Journalistic Program, na Universidade de Columbia.

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