BRASÍLIA - Especialistas em contas públicas, os economistas Helio Tollini e Gabriel Barros alertam que não há espaço para experimentalismos fiscais e regras com “tecnicismos” e teóricas na votação do novo arcabouço fiscal.
Na véspera da divulgação da nova regra fiscal, eles listaram tudo que o Congresso não deve fazer na hora de aprovar o projeto com base nas experiências que deram errado no Brasil e em outros países. Os dois especialistas apresentaram um desenho de regra fiscal que é ancorado na correção do centro da meta de inflação mais um crescimento real da despesa de 1,5%.
Essa âncora fiscal ficaria válida por quatro anos, até 2027. Após esse prazo, o teto seria definido observando a dinâmica da dívida de médio prazo.
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Na lista do que não funcionou estão limites de dívida adotados pelos países europeus, metas de redução do excesso de dívida, resultado primário estrutural (livre de flutuações dos ciclos econômicos). Também falhou na grande maioria dos países a chamada regra de ouro, que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como salários. Essa regra é adotada pelo Brasil, mas se mostrou frágil na indução do ajuste fiscal e deu margem à contabilidade criativa nas contas públicas.
No Brasil, eles destacam que o teto para renúncias fiscais fracassou, como também a tentativa de fazer um orçamento equilibrado via compensações, como previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Limites para o gasto com pessoal, saúde e educação são considerados frouxos, pró-cíclicos (aumentam com o ciclo econômico favorável de receitas) e vistos como espaço para gastos adicionais por quem está abaixo do limite.
“Está havendo um domínio do tecnicismo nessas propostas que estão circulando. Temos que ter menos regras numéricas e mais confiança nos procedimentos”, alerta Tollini, que já foi secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento e é hoje consultor de orçamento da Câmara. Segundo ele, inexiste orçamento de médio prazo crível no País. “A nossa proposta não é teórica. Ela está baseada no bem-sucedido modelo sueco, já testado há mais de duas décadas”, afirma.
Para Gabriel Barros, que foi diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e hoje é economista-chefe da da Ryo Asset, regras complexas se mostraram empiricamente frágeis e com baixo poder para ajustar as contas públicas. Ele defende que a IFI pode ter um papel muito importante no controle do novo arcabouço fiscal, mas antes precisa ser robustecida.
“O Executivo faz uma proposta de gasto, mas quem é que checa isso de forma independente e se está compatível com o que foi definido”, questiona. Na sua avaliação, uma regra de gastos corrigida pelo centro da meta mais o adicional de 1,5% não traz muitas complexidades. “Não é inflação de retrovisor. É importante porque ajuda a política fiscal e monetária a olharem no mesmo lugar”, ressalta.
Os economistas consideram que esse mecanismo minimiza o problema histórico no Brasil de os políticos colocarem os gastos no acelerador quando a política de juros exige um freio. Essa regra funcionaria como transição para adoção do modelo sueco, que estabelece subtetos olhando anos à frente. A ideia é que a regra ancore não só a expectativa do mercado, mas de certa forma estimule o governo a antecipadamente definir qual vai ser o gasto de várias políticas públicas.
Os dois especialistas veem com preocupação a definição da regra de gasto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sendo que o presidente Lula já disse que não quer teto de gastos. O risco, segundo eles, é fazer um teto “paraguaio”. No Paraguai, o teto só controla as despesas correntes, deixando os investimentos de fora do limite. “No Paraguai, onde antes era considerado despesa corrente, ao longo dos anos, passou a ser considerado investimento”, disse o consultor da Câmara.