Arcabouço fiscal não é licença para gastar, diz secretário do Tesouro de Lula


Rogério Ceron afirma que combate a privilégios vai ditar intensidade do ajuste fiscal e que sociedade vai escolher se pagará juros por mais tempo

Por Adriana Fernandes e Anna Carolina Papp
Atualização:
Foto: Wilton Junior/Estadão
Entrevista comRogério Ceronsecretário do Tesouro

BRASÍLIA - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, classifica como “mentirosa” e “uma injustiça” a avaliação de que o novo arcabouço fiscal, apresentado pelo Ministério da Fazenda na semana passada, é uma “licença para gastar” – já que o crescimento da despesa terá um teto (2,5% ao ano acima da inflação) e sempre será menor do que o aumento da receita.

Em entrevista ao Estadão, Ceron afirmou que o desenho da regra proporciona um ajuste nas contas públicas mesmo que o governo não atinja o aumento de arrecadação almejado pelo ministro Fernando Haddad, entre R$ 110 e R$ 150 bilhões. A ideia é que arcabouço seja uma nova Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, assim como ela, permaneça vigente nos próximos 20, 25 anos.

“A gente tem que combater privilégios para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo”, afirmou.

continua após a publicidade

Ceron antecipou que as medidas tributárias, que serão anunciadas na próxima semana, devem render aos cofres públicos pelo menos R$ 50 bilhões ainda neste ano. Segundo ele, será uma escolha da sociedade combater os privilégios ou pagar mais juros por um tempo maior. “O arcabouço comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano que vai reduzir o tamanho do Estado”, avaliou.

Para ele, o anúncio do arcabouço afastou a discussão que existia entre os analistas, há dois meses, de descontrole de gastos e de trajetória explosiva da dívida pública. “Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta”.

continua após a publicidade

O secretário informou que o arcabouço vai colocar as despesas com capitalização das estatais federais dentro do novo teto de gastos. Hoje, os aportes da União para as estatais estão fora do teto, um erro que foi reconhecido até mesmo pelos formuladores da regra, criada no governo Michel Temer.

Ceron avaliou que os investimentos deixarão de ser a primeira vítima do corte de despesas e que o governo estuda colocar também um teto para os investimentos. A regra prevê já um piso (correção pela inflação) e um bônus, caso o resultado primário (receitas menos despesas) ultrapasse o teto da meta estabelecida. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Foto: Wilton Junior/Estadão
continua após a publicidade

Como o sr. avalia a recepção do arcabouço?

Estou convicto de que a recepção foi positiva. Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta. Ou seja: é uma regra que garante a melhora do fiscal ao longo do tempo. O que tem de discussão é a intensidade (do ajuste), se vamos cumprir ou não o resultado primário que foi sinalizado. Há também uma discussão qualitativa de que, se o ajuste virá por uma recomposição de receita, significa que não vai ter uma redução do tamanho do Estado. Aí, é uma visão de alguns que acham que o Estado deveria ser menor do que é em relação à economia. É uma posição de como fazer o ajuste, e não o ajuste em si.

O que, na sua avaliação, mudou com o anúncio do arcabouço?

continua após a publicidade

A discussão do descontrole de gastos e de uma trajetória explosiva da dívida pública saiu do debate com a publicação do arcabouço. Há dois meses estávamos discutindo com vários analistas se havia risco de descontrole completo de gastos no novo governo, inclusive se haveria a regra de gastos. Tinha a preocupação de (o gasto) crescer 6%, 7% real ao ano. Essa preocupação foi eliminada. O limite do gasto continua existindo. É natural e, não vejo problema, em emitirem opiniões sobre a intensidade do movimento de ajuste, se ela deveria ser diferente. Os dois pontos centrais: há um limite para a despesa pública. Então, não há possibilidade de um gasto desenfreado. A segunda coisa é que ela garante que a despesa cresça menos do que a receita. Isso qualquer pessoa entende. É igual um orçamento familiar: estamos garantindo que você não vai gastar mais do que você recebe.

O governo anunciou que apenas os gastos para Fundeb (fundo que financia a educação básica) e piso da enfermagem ficarão fora do limite. Haverá mais exceções, como investimentos prioritários?

Não. Só as duas que já foram sinalizadas e as doações de organismos internacionais, que acabou de ser aprovada (na PEC da Transição).

continua após a publicidade

Despesas para capitalizar empresas estatais, hoje fora do teto atual, ficarão de fora do novo limite de gastos?

Essa era uma grande preocupação. Ficará dentro do limite de gastos. Os gastos da Justiça Eleitoral também. As grandes contas, como investimentos, estarão dentro do limite de gastos para poder ser uma regra crível. E ela comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano (piso para as despesas), que vai reduzir o tamanho do Estado. O que estamos colocando é que um novo ciclo político pode optar em reduzir o tamanho do Estado, mas vai fazer isso de forma gradativa. Assim como um ciclo político que queira ter uma presença mais forte do Estado pode fazer, mas também gradativamente. Não pode passar de 2,5% (teto para as despesas).

Como o governo chegou ao valor de 2,5% para o limite máximo de aumento das despesas?

continua após a publicidade

É a média do crescimento econômico dos últimos 30 anos. Tudo mais constante significa que, se o gasto crescer sempre 2,5% (acima da inflação) em condições normais, o Estado vai ficar do mesmo tamanho. Mas só vai poder acontecer isso se tiver receita para suportar (o aumento de despesas).

Os críticos do arcabouço argumentam que pode haver estímulo ao aumento brutal da carga tributária para a despesa crescer mais.

Não é verdade. Não corresponde à realidade do que está na regra. Talvez tenha sido compreendido equivocadamente. Tem um monte de fake news. Na semana passada, só com o anúncio do arcabouço, começaram a sair coisas absurdas, de que vai ter tributação sobre Pix, sobre igreja, que é imune na Constituição. Mas as pessoas querem tumultuar. O que temos sinalização é: “você cidadão comum, você não vai ter um tributo novo”. O que o governo vai fazer é buscar que os grandes grupos e a altíssima renda, que buscam mecanismos para não serem tributados.

O ministro Haddad vai enfrentar a mudança na tributação mais favorecida dos fundos exclusivos de pessoas com altíssima renda, que já foi tentada outras vezes?

O que eu posso dizer é que o compromisso do ministro Haddad de olhar essas distorções está sendo feito, mas todos têm o seu momento. Para as questões relacionadas à tributação sobre a renda, tem uma sinalização que vai num pacote no segundo semestre. Está sendo olhado tudo, inclusive esses fundos.

O cumprimento do piso de 0,6% de alta da despesa é obrigatório?

Sim, ele é mais ou menos o que já se tem hoje, que é o crescimento da população.

Por que esse piso é necessário? Por que não deixar só o teto de alta das despesas?

Justamente para manter o caráter anticíclico, senão tem que derrubar a despesa. A ideia é dar um pouco de estabilidade, previsibilidade e evitar volatilidade. Esse é o conceito, o mantra.

O governo não deixou o piso como uma ‘gordura’ para o Congresso tirar?

Não foi pensado com esse objetivo. É uma forma de ter uma narrativa para os dois lados. Quando tem uma recessão, seguro a queda do patamar do gasto público para poder ter, inclusive, o efeito anticíclico da economia. Por outro lado, na fase de boom econômico, segura o crescimento das despesas para não deixar que as coisas saiam do trilho. Serve para evitar que a prateleira da Farmácia Popular fique sem remédio para a população. Garanto que o gasto per capita se mantenha mais ou menos estável.

E se não houver o incremento de receitas de R$ 150 bilhões que o governo espera?

Faz parte. O que o ministro Haddad tem colocado é que é uma escolha da sociedade. Existe uma série setores não regulados, como apostas esportivas, que precisam de regulação. Eles deveriam estar pagando. A gente tem que combater privilégio para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo. O processo de ajuste vai ser mais lento, mais gradual, caso as coisas deem errado. Se as coisas caminharem como nós esperamos, o processo de ajuste é mais rápido de forma equilibrada e chegamos em 2026 com a situação bem resolvida para o País. Se não acontecer, vamos chegar lá com algum superávit, ainda que talvez com a trajetória da dívida não estabilizada.

Ao falar que não há haverá aumento de alíquotas, o ministro não estaria sinalizando algo que não poderia cumprir?

Quando se pega determinados grupos que fazem uma interpretação da legislação para não pagar tributo, isso está errado. É sobre isso que nós vamos atuar. O debate está sendo feito sob a luz do sol. Se a sociedade entende que o setor que hoje faz uma triangulação com paraíso fiscal é legítimo e deve continuar assim, temos dois caminhos. A sociedade estará sinalizando que vai ter um ajuste fiscal mais lento, que pagará mais juros por um tempo maior. Ou vai ter que buscar outro caminho para o incremento de receita. Essa é decisão da sociedade.

Qual a importância de ter um piso para os investimentos?

O que está se garantindo é o patamar atual corrigido pela inflação. A tendência é que, ao longo dos próximos anos, o investimento até cresça do ponto de vista real. Mas, suponha que venha uma recessão e você tenha uma necessidade de ajuste. O que é o tradicional, o mais fácil de fazer? Corta investimento. Eles geram um ajuste fiscal imediato, só que ele é o mais nocivo para a economia. Você tira o investimento, que é justamente o que alavanca a economia. O que você está sinalizando quando coloca o piso é: eu forço um pouco mais o ajuste para o lado da despesa corrente. O investimento deixa de ser a variável de ajuste de sempre, deixa de ser a primeira vítima.

Como fazer esse piso sustentável ao longo do tempo?

Ele força essa reflexão de que as coisas precisam caminhar equilibradas. Ele é um piso mínimo de investimento, em torno de R$ 70 bilhões, que vai ser corrigido pela inflação, é obrigatório. Se faltar dinheiro, tem que fazer o ajuste em outras áreas, ou outra área não vai poder crescer tanto quanto gostaria. O que nós estamos mostrando é: dá todo mundo crescer de forma comedida juntos.

O que o sr. acha da avaliação de que o arcabouço é uma ‘licença para gastar’?

Não é só uma injustiça, ela é mentirosa. Ela não corresponde à verdade. Se ela não tivesse um limite para o gasto, se fosse, por exemplo, só um retorno para o superávit primário, aí poderíamos discutir. Eu poderia crescer, em tese, 6%, 7% a despesa. Não é essa regra. Tem um regramento muito claro de que você pode crescer até 2,5% com condições – se a sua receita performar num patamar que permita esse percentual, porque a despesa só pode crescer 70% da variação da receita, limitada aos 2,5%. Então, não adianta crescer 10% a receita que despesa vai crescer só 2,5%. E lembro – isso é importantíssimo – que 2,5% é a média de do País. Ou seja: se eu crescer 2,5%, o Estado fica mais ou menos do tamanho do que existe hoje. Então, nem do ponto de vista bruto quanto relativo é uma licença para gastar.

Esse aumento de arrecadação de ate R$ 150 bilhões com medidas tributárias, que Haddad falou, é por ano?

Sim, é anualizado e recorrente, todo ano.

E qual é o aumento de arrecadação previsto com as medidas para este ano?

Elas podem gerar pelo menos R$ 50 bilhões.

Qual será a data efetiva da receita acumulada em 12 meses que será referência para o aumento das despesas?

Estamos fechando essa discussão. As equipes estão refinando esse critério. Inicialmente, tinha a discussão de a referência ser da LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias), podendo ser atualizada. Mas na sexta passada, em conversas com o mercado, (alertaram) que duas datas de referência poderia dar muita confusão. Talvez fosse melhor fechar uma data e está caminhando para ser de fato junho, (acumulado de 12 meses) de julho a junho. Tem um problema de sazonalidade. O último semestre do ano passado, por conta de boom de commodities, principalmente e petróleo, gerou muita receita. Por outro lado, tivemos no primeiro semestre uma renúncia brutal de receitas, que foi renunciada no ano passado e que impacta a base de arrecadação neste ano. E aí vai pegar o pior dos mundos e cria uma atipicidade que precisa ser trabalhada.

O sr. acha que o arcabouço pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação e a reduzir os juros?

Eu acredito que sim, acredito mesmo. É um ruído que não faz sentido você imaginar que vai persistir até 2026. A curva de juros (juros de mercado) vai fechar naturalmente.

BRASÍLIA - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, classifica como “mentirosa” e “uma injustiça” a avaliação de que o novo arcabouço fiscal, apresentado pelo Ministério da Fazenda na semana passada, é uma “licença para gastar” – já que o crescimento da despesa terá um teto (2,5% ao ano acima da inflação) e sempre será menor do que o aumento da receita.

Em entrevista ao Estadão, Ceron afirmou que o desenho da regra proporciona um ajuste nas contas públicas mesmo que o governo não atinja o aumento de arrecadação almejado pelo ministro Fernando Haddad, entre R$ 110 e R$ 150 bilhões. A ideia é que arcabouço seja uma nova Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, assim como ela, permaneça vigente nos próximos 20, 25 anos.

“A gente tem que combater privilégios para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo”, afirmou.

Ceron antecipou que as medidas tributárias, que serão anunciadas na próxima semana, devem render aos cofres públicos pelo menos R$ 50 bilhões ainda neste ano. Segundo ele, será uma escolha da sociedade combater os privilégios ou pagar mais juros por um tempo maior. “O arcabouço comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano que vai reduzir o tamanho do Estado”, avaliou.

Para ele, o anúncio do arcabouço afastou a discussão que existia entre os analistas, há dois meses, de descontrole de gastos e de trajetória explosiva da dívida pública. “Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta”.

O secretário informou que o arcabouço vai colocar as despesas com capitalização das estatais federais dentro do novo teto de gastos. Hoje, os aportes da União para as estatais estão fora do teto, um erro que foi reconhecido até mesmo pelos formuladores da regra, criada no governo Michel Temer.

Ceron avaliou que os investimentos deixarão de ser a primeira vítima do corte de despesas e que o governo estuda colocar também um teto para os investimentos. A regra prevê já um piso (correção pela inflação) e um bônus, caso o resultado primário (receitas menos despesas) ultrapasse o teto da meta estabelecida. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Foto: Wilton Junior/Estadão

Como o sr. avalia a recepção do arcabouço?

Estou convicto de que a recepção foi positiva. Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta. Ou seja: é uma regra que garante a melhora do fiscal ao longo do tempo. O que tem de discussão é a intensidade (do ajuste), se vamos cumprir ou não o resultado primário que foi sinalizado. Há também uma discussão qualitativa de que, se o ajuste virá por uma recomposição de receita, significa que não vai ter uma redução do tamanho do Estado. Aí, é uma visão de alguns que acham que o Estado deveria ser menor do que é em relação à economia. É uma posição de como fazer o ajuste, e não o ajuste em si.

O que, na sua avaliação, mudou com o anúncio do arcabouço?

A discussão do descontrole de gastos e de uma trajetória explosiva da dívida pública saiu do debate com a publicação do arcabouço. Há dois meses estávamos discutindo com vários analistas se havia risco de descontrole completo de gastos no novo governo, inclusive se haveria a regra de gastos. Tinha a preocupação de (o gasto) crescer 6%, 7% real ao ano. Essa preocupação foi eliminada. O limite do gasto continua existindo. É natural e, não vejo problema, em emitirem opiniões sobre a intensidade do movimento de ajuste, se ela deveria ser diferente. Os dois pontos centrais: há um limite para a despesa pública. Então, não há possibilidade de um gasto desenfreado. A segunda coisa é que ela garante que a despesa cresça menos do que a receita. Isso qualquer pessoa entende. É igual um orçamento familiar: estamos garantindo que você não vai gastar mais do que você recebe.

O governo anunciou que apenas os gastos para Fundeb (fundo que financia a educação básica) e piso da enfermagem ficarão fora do limite. Haverá mais exceções, como investimentos prioritários?

Não. Só as duas que já foram sinalizadas e as doações de organismos internacionais, que acabou de ser aprovada (na PEC da Transição).

Despesas para capitalizar empresas estatais, hoje fora do teto atual, ficarão de fora do novo limite de gastos?

Essa era uma grande preocupação. Ficará dentro do limite de gastos. Os gastos da Justiça Eleitoral também. As grandes contas, como investimentos, estarão dentro do limite de gastos para poder ser uma regra crível. E ela comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano (piso para as despesas), que vai reduzir o tamanho do Estado. O que estamos colocando é que um novo ciclo político pode optar em reduzir o tamanho do Estado, mas vai fazer isso de forma gradativa. Assim como um ciclo político que queira ter uma presença mais forte do Estado pode fazer, mas também gradativamente. Não pode passar de 2,5% (teto para as despesas).

Como o governo chegou ao valor de 2,5% para o limite máximo de aumento das despesas?

É a média do crescimento econômico dos últimos 30 anos. Tudo mais constante significa que, se o gasto crescer sempre 2,5% (acima da inflação) em condições normais, o Estado vai ficar do mesmo tamanho. Mas só vai poder acontecer isso se tiver receita para suportar (o aumento de despesas).

Os críticos do arcabouço argumentam que pode haver estímulo ao aumento brutal da carga tributária para a despesa crescer mais.

Não é verdade. Não corresponde à realidade do que está na regra. Talvez tenha sido compreendido equivocadamente. Tem um monte de fake news. Na semana passada, só com o anúncio do arcabouço, começaram a sair coisas absurdas, de que vai ter tributação sobre Pix, sobre igreja, que é imune na Constituição. Mas as pessoas querem tumultuar. O que temos sinalização é: “você cidadão comum, você não vai ter um tributo novo”. O que o governo vai fazer é buscar que os grandes grupos e a altíssima renda, que buscam mecanismos para não serem tributados.

O ministro Haddad vai enfrentar a mudança na tributação mais favorecida dos fundos exclusivos de pessoas com altíssima renda, que já foi tentada outras vezes?

O que eu posso dizer é que o compromisso do ministro Haddad de olhar essas distorções está sendo feito, mas todos têm o seu momento. Para as questões relacionadas à tributação sobre a renda, tem uma sinalização que vai num pacote no segundo semestre. Está sendo olhado tudo, inclusive esses fundos.

O cumprimento do piso de 0,6% de alta da despesa é obrigatório?

Sim, ele é mais ou menos o que já se tem hoje, que é o crescimento da população.

Por que esse piso é necessário? Por que não deixar só o teto de alta das despesas?

Justamente para manter o caráter anticíclico, senão tem que derrubar a despesa. A ideia é dar um pouco de estabilidade, previsibilidade e evitar volatilidade. Esse é o conceito, o mantra.

O governo não deixou o piso como uma ‘gordura’ para o Congresso tirar?

Não foi pensado com esse objetivo. É uma forma de ter uma narrativa para os dois lados. Quando tem uma recessão, seguro a queda do patamar do gasto público para poder ter, inclusive, o efeito anticíclico da economia. Por outro lado, na fase de boom econômico, segura o crescimento das despesas para não deixar que as coisas saiam do trilho. Serve para evitar que a prateleira da Farmácia Popular fique sem remédio para a população. Garanto que o gasto per capita se mantenha mais ou menos estável.

E se não houver o incremento de receitas de R$ 150 bilhões que o governo espera?

Faz parte. O que o ministro Haddad tem colocado é que é uma escolha da sociedade. Existe uma série setores não regulados, como apostas esportivas, que precisam de regulação. Eles deveriam estar pagando. A gente tem que combater privilégio para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo. O processo de ajuste vai ser mais lento, mais gradual, caso as coisas deem errado. Se as coisas caminharem como nós esperamos, o processo de ajuste é mais rápido de forma equilibrada e chegamos em 2026 com a situação bem resolvida para o País. Se não acontecer, vamos chegar lá com algum superávit, ainda que talvez com a trajetória da dívida não estabilizada.

Ao falar que não há haverá aumento de alíquotas, o ministro não estaria sinalizando algo que não poderia cumprir?

Quando se pega determinados grupos que fazem uma interpretação da legislação para não pagar tributo, isso está errado. É sobre isso que nós vamos atuar. O debate está sendo feito sob a luz do sol. Se a sociedade entende que o setor que hoje faz uma triangulação com paraíso fiscal é legítimo e deve continuar assim, temos dois caminhos. A sociedade estará sinalizando que vai ter um ajuste fiscal mais lento, que pagará mais juros por um tempo maior. Ou vai ter que buscar outro caminho para o incremento de receita. Essa é decisão da sociedade.

Qual a importância de ter um piso para os investimentos?

O que está se garantindo é o patamar atual corrigido pela inflação. A tendência é que, ao longo dos próximos anos, o investimento até cresça do ponto de vista real. Mas, suponha que venha uma recessão e você tenha uma necessidade de ajuste. O que é o tradicional, o mais fácil de fazer? Corta investimento. Eles geram um ajuste fiscal imediato, só que ele é o mais nocivo para a economia. Você tira o investimento, que é justamente o que alavanca a economia. O que você está sinalizando quando coloca o piso é: eu forço um pouco mais o ajuste para o lado da despesa corrente. O investimento deixa de ser a variável de ajuste de sempre, deixa de ser a primeira vítima.

Como fazer esse piso sustentável ao longo do tempo?

Ele força essa reflexão de que as coisas precisam caminhar equilibradas. Ele é um piso mínimo de investimento, em torno de R$ 70 bilhões, que vai ser corrigido pela inflação, é obrigatório. Se faltar dinheiro, tem que fazer o ajuste em outras áreas, ou outra área não vai poder crescer tanto quanto gostaria. O que nós estamos mostrando é: dá todo mundo crescer de forma comedida juntos.

O que o sr. acha da avaliação de que o arcabouço é uma ‘licença para gastar’?

Não é só uma injustiça, ela é mentirosa. Ela não corresponde à verdade. Se ela não tivesse um limite para o gasto, se fosse, por exemplo, só um retorno para o superávit primário, aí poderíamos discutir. Eu poderia crescer, em tese, 6%, 7% a despesa. Não é essa regra. Tem um regramento muito claro de que você pode crescer até 2,5% com condições – se a sua receita performar num patamar que permita esse percentual, porque a despesa só pode crescer 70% da variação da receita, limitada aos 2,5%. Então, não adianta crescer 10% a receita que despesa vai crescer só 2,5%. E lembro – isso é importantíssimo – que 2,5% é a média de do País. Ou seja: se eu crescer 2,5%, o Estado fica mais ou menos do tamanho do que existe hoje. Então, nem do ponto de vista bruto quanto relativo é uma licença para gastar.

Esse aumento de arrecadação de ate R$ 150 bilhões com medidas tributárias, que Haddad falou, é por ano?

Sim, é anualizado e recorrente, todo ano.

E qual é o aumento de arrecadação previsto com as medidas para este ano?

Elas podem gerar pelo menos R$ 50 bilhões.

Qual será a data efetiva da receita acumulada em 12 meses que será referência para o aumento das despesas?

Estamos fechando essa discussão. As equipes estão refinando esse critério. Inicialmente, tinha a discussão de a referência ser da LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias), podendo ser atualizada. Mas na sexta passada, em conversas com o mercado, (alertaram) que duas datas de referência poderia dar muita confusão. Talvez fosse melhor fechar uma data e está caminhando para ser de fato junho, (acumulado de 12 meses) de julho a junho. Tem um problema de sazonalidade. O último semestre do ano passado, por conta de boom de commodities, principalmente e petróleo, gerou muita receita. Por outro lado, tivemos no primeiro semestre uma renúncia brutal de receitas, que foi renunciada no ano passado e que impacta a base de arrecadação neste ano. E aí vai pegar o pior dos mundos e cria uma atipicidade que precisa ser trabalhada.

O sr. acha que o arcabouço pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação e a reduzir os juros?

Eu acredito que sim, acredito mesmo. É um ruído que não faz sentido você imaginar que vai persistir até 2026. A curva de juros (juros de mercado) vai fechar naturalmente.

BRASÍLIA - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, classifica como “mentirosa” e “uma injustiça” a avaliação de que o novo arcabouço fiscal, apresentado pelo Ministério da Fazenda na semana passada, é uma “licença para gastar” – já que o crescimento da despesa terá um teto (2,5% ao ano acima da inflação) e sempre será menor do que o aumento da receita.

Em entrevista ao Estadão, Ceron afirmou que o desenho da regra proporciona um ajuste nas contas públicas mesmo que o governo não atinja o aumento de arrecadação almejado pelo ministro Fernando Haddad, entre R$ 110 e R$ 150 bilhões. A ideia é que arcabouço seja uma nova Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, assim como ela, permaneça vigente nos próximos 20, 25 anos.

“A gente tem que combater privilégios para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo”, afirmou.

Ceron antecipou que as medidas tributárias, que serão anunciadas na próxima semana, devem render aos cofres públicos pelo menos R$ 50 bilhões ainda neste ano. Segundo ele, será uma escolha da sociedade combater os privilégios ou pagar mais juros por um tempo maior. “O arcabouço comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano que vai reduzir o tamanho do Estado”, avaliou.

Para ele, o anúncio do arcabouço afastou a discussão que existia entre os analistas, há dois meses, de descontrole de gastos e de trajetória explosiva da dívida pública. “Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta”.

O secretário informou que o arcabouço vai colocar as despesas com capitalização das estatais federais dentro do novo teto de gastos. Hoje, os aportes da União para as estatais estão fora do teto, um erro que foi reconhecido até mesmo pelos formuladores da regra, criada no governo Michel Temer.

Ceron avaliou que os investimentos deixarão de ser a primeira vítima do corte de despesas e que o governo estuda colocar também um teto para os investimentos. A regra prevê já um piso (correção pela inflação) e um bônus, caso o resultado primário (receitas menos despesas) ultrapasse o teto da meta estabelecida. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Foto: Wilton Junior/Estadão

Como o sr. avalia a recepção do arcabouço?

Estou convicto de que a recepção foi positiva. Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta. Ou seja: é uma regra que garante a melhora do fiscal ao longo do tempo. O que tem de discussão é a intensidade (do ajuste), se vamos cumprir ou não o resultado primário que foi sinalizado. Há também uma discussão qualitativa de que, se o ajuste virá por uma recomposição de receita, significa que não vai ter uma redução do tamanho do Estado. Aí, é uma visão de alguns que acham que o Estado deveria ser menor do que é em relação à economia. É uma posição de como fazer o ajuste, e não o ajuste em si.

O que, na sua avaliação, mudou com o anúncio do arcabouço?

A discussão do descontrole de gastos e de uma trajetória explosiva da dívida pública saiu do debate com a publicação do arcabouço. Há dois meses estávamos discutindo com vários analistas se havia risco de descontrole completo de gastos no novo governo, inclusive se haveria a regra de gastos. Tinha a preocupação de (o gasto) crescer 6%, 7% real ao ano. Essa preocupação foi eliminada. O limite do gasto continua existindo. É natural e, não vejo problema, em emitirem opiniões sobre a intensidade do movimento de ajuste, se ela deveria ser diferente. Os dois pontos centrais: há um limite para a despesa pública. Então, não há possibilidade de um gasto desenfreado. A segunda coisa é que ela garante que a despesa cresça menos do que a receita. Isso qualquer pessoa entende. É igual um orçamento familiar: estamos garantindo que você não vai gastar mais do que você recebe.

O governo anunciou que apenas os gastos para Fundeb (fundo que financia a educação básica) e piso da enfermagem ficarão fora do limite. Haverá mais exceções, como investimentos prioritários?

Não. Só as duas que já foram sinalizadas e as doações de organismos internacionais, que acabou de ser aprovada (na PEC da Transição).

Despesas para capitalizar empresas estatais, hoje fora do teto atual, ficarão de fora do novo limite de gastos?

Essa era uma grande preocupação. Ficará dentro do limite de gastos. Os gastos da Justiça Eleitoral também. As grandes contas, como investimentos, estarão dentro do limite de gastos para poder ser uma regra crível. E ela comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano (piso para as despesas), que vai reduzir o tamanho do Estado. O que estamos colocando é que um novo ciclo político pode optar em reduzir o tamanho do Estado, mas vai fazer isso de forma gradativa. Assim como um ciclo político que queira ter uma presença mais forte do Estado pode fazer, mas também gradativamente. Não pode passar de 2,5% (teto para as despesas).

Como o governo chegou ao valor de 2,5% para o limite máximo de aumento das despesas?

É a média do crescimento econômico dos últimos 30 anos. Tudo mais constante significa que, se o gasto crescer sempre 2,5% (acima da inflação) em condições normais, o Estado vai ficar do mesmo tamanho. Mas só vai poder acontecer isso se tiver receita para suportar (o aumento de despesas).

Os críticos do arcabouço argumentam que pode haver estímulo ao aumento brutal da carga tributária para a despesa crescer mais.

Não é verdade. Não corresponde à realidade do que está na regra. Talvez tenha sido compreendido equivocadamente. Tem um monte de fake news. Na semana passada, só com o anúncio do arcabouço, começaram a sair coisas absurdas, de que vai ter tributação sobre Pix, sobre igreja, que é imune na Constituição. Mas as pessoas querem tumultuar. O que temos sinalização é: “você cidadão comum, você não vai ter um tributo novo”. O que o governo vai fazer é buscar que os grandes grupos e a altíssima renda, que buscam mecanismos para não serem tributados.

O ministro Haddad vai enfrentar a mudança na tributação mais favorecida dos fundos exclusivos de pessoas com altíssima renda, que já foi tentada outras vezes?

O que eu posso dizer é que o compromisso do ministro Haddad de olhar essas distorções está sendo feito, mas todos têm o seu momento. Para as questões relacionadas à tributação sobre a renda, tem uma sinalização que vai num pacote no segundo semestre. Está sendo olhado tudo, inclusive esses fundos.

O cumprimento do piso de 0,6% de alta da despesa é obrigatório?

Sim, ele é mais ou menos o que já se tem hoje, que é o crescimento da população.

Por que esse piso é necessário? Por que não deixar só o teto de alta das despesas?

Justamente para manter o caráter anticíclico, senão tem que derrubar a despesa. A ideia é dar um pouco de estabilidade, previsibilidade e evitar volatilidade. Esse é o conceito, o mantra.

O governo não deixou o piso como uma ‘gordura’ para o Congresso tirar?

Não foi pensado com esse objetivo. É uma forma de ter uma narrativa para os dois lados. Quando tem uma recessão, seguro a queda do patamar do gasto público para poder ter, inclusive, o efeito anticíclico da economia. Por outro lado, na fase de boom econômico, segura o crescimento das despesas para não deixar que as coisas saiam do trilho. Serve para evitar que a prateleira da Farmácia Popular fique sem remédio para a população. Garanto que o gasto per capita se mantenha mais ou menos estável.

E se não houver o incremento de receitas de R$ 150 bilhões que o governo espera?

Faz parte. O que o ministro Haddad tem colocado é que é uma escolha da sociedade. Existe uma série setores não regulados, como apostas esportivas, que precisam de regulação. Eles deveriam estar pagando. A gente tem que combater privilégio para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo. O processo de ajuste vai ser mais lento, mais gradual, caso as coisas deem errado. Se as coisas caminharem como nós esperamos, o processo de ajuste é mais rápido de forma equilibrada e chegamos em 2026 com a situação bem resolvida para o País. Se não acontecer, vamos chegar lá com algum superávit, ainda que talvez com a trajetória da dívida não estabilizada.

Ao falar que não há haverá aumento de alíquotas, o ministro não estaria sinalizando algo que não poderia cumprir?

Quando se pega determinados grupos que fazem uma interpretação da legislação para não pagar tributo, isso está errado. É sobre isso que nós vamos atuar. O debate está sendo feito sob a luz do sol. Se a sociedade entende que o setor que hoje faz uma triangulação com paraíso fiscal é legítimo e deve continuar assim, temos dois caminhos. A sociedade estará sinalizando que vai ter um ajuste fiscal mais lento, que pagará mais juros por um tempo maior. Ou vai ter que buscar outro caminho para o incremento de receita. Essa é decisão da sociedade.

Qual a importância de ter um piso para os investimentos?

O que está se garantindo é o patamar atual corrigido pela inflação. A tendência é que, ao longo dos próximos anos, o investimento até cresça do ponto de vista real. Mas, suponha que venha uma recessão e você tenha uma necessidade de ajuste. O que é o tradicional, o mais fácil de fazer? Corta investimento. Eles geram um ajuste fiscal imediato, só que ele é o mais nocivo para a economia. Você tira o investimento, que é justamente o que alavanca a economia. O que você está sinalizando quando coloca o piso é: eu forço um pouco mais o ajuste para o lado da despesa corrente. O investimento deixa de ser a variável de ajuste de sempre, deixa de ser a primeira vítima.

Como fazer esse piso sustentável ao longo do tempo?

Ele força essa reflexão de que as coisas precisam caminhar equilibradas. Ele é um piso mínimo de investimento, em torno de R$ 70 bilhões, que vai ser corrigido pela inflação, é obrigatório. Se faltar dinheiro, tem que fazer o ajuste em outras áreas, ou outra área não vai poder crescer tanto quanto gostaria. O que nós estamos mostrando é: dá todo mundo crescer de forma comedida juntos.

O que o sr. acha da avaliação de que o arcabouço é uma ‘licença para gastar’?

Não é só uma injustiça, ela é mentirosa. Ela não corresponde à verdade. Se ela não tivesse um limite para o gasto, se fosse, por exemplo, só um retorno para o superávit primário, aí poderíamos discutir. Eu poderia crescer, em tese, 6%, 7% a despesa. Não é essa regra. Tem um regramento muito claro de que você pode crescer até 2,5% com condições – se a sua receita performar num patamar que permita esse percentual, porque a despesa só pode crescer 70% da variação da receita, limitada aos 2,5%. Então, não adianta crescer 10% a receita que despesa vai crescer só 2,5%. E lembro – isso é importantíssimo – que 2,5% é a média de do País. Ou seja: se eu crescer 2,5%, o Estado fica mais ou menos do tamanho do que existe hoje. Então, nem do ponto de vista bruto quanto relativo é uma licença para gastar.

Esse aumento de arrecadação de ate R$ 150 bilhões com medidas tributárias, que Haddad falou, é por ano?

Sim, é anualizado e recorrente, todo ano.

E qual é o aumento de arrecadação previsto com as medidas para este ano?

Elas podem gerar pelo menos R$ 50 bilhões.

Qual será a data efetiva da receita acumulada em 12 meses que será referência para o aumento das despesas?

Estamos fechando essa discussão. As equipes estão refinando esse critério. Inicialmente, tinha a discussão de a referência ser da LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias), podendo ser atualizada. Mas na sexta passada, em conversas com o mercado, (alertaram) que duas datas de referência poderia dar muita confusão. Talvez fosse melhor fechar uma data e está caminhando para ser de fato junho, (acumulado de 12 meses) de julho a junho. Tem um problema de sazonalidade. O último semestre do ano passado, por conta de boom de commodities, principalmente e petróleo, gerou muita receita. Por outro lado, tivemos no primeiro semestre uma renúncia brutal de receitas, que foi renunciada no ano passado e que impacta a base de arrecadação neste ano. E aí vai pegar o pior dos mundos e cria uma atipicidade que precisa ser trabalhada.

O sr. acha que o arcabouço pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação e a reduzir os juros?

Eu acredito que sim, acredito mesmo. É um ruído que não faz sentido você imaginar que vai persistir até 2026. A curva de juros (juros de mercado) vai fechar naturalmente.

BRASÍLIA - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, classifica como “mentirosa” e “uma injustiça” a avaliação de que o novo arcabouço fiscal, apresentado pelo Ministério da Fazenda na semana passada, é uma “licença para gastar” – já que o crescimento da despesa terá um teto (2,5% ao ano acima da inflação) e sempre será menor do que o aumento da receita.

Em entrevista ao Estadão, Ceron afirmou que o desenho da regra proporciona um ajuste nas contas públicas mesmo que o governo não atinja o aumento de arrecadação almejado pelo ministro Fernando Haddad, entre R$ 110 e R$ 150 bilhões. A ideia é que arcabouço seja uma nova Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, assim como ela, permaneça vigente nos próximos 20, 25 anos.

“A gente tem que combater privilégios para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo”, afirmou.

Ceron antecipou que as medidas tributárias, que serão anunciadas na próxima semana, devem render aos cofres públicos pelo menos R$ 50 bilhões ainda neste ano. Segundo ele, será uma escolha da sociedade combater os privilégios ou pagar mais juros por um tempo maior. “O arcabouço comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano que vai reduzir o tamanho do Estado”, avaliou.

Para ele, o anúncio do arcabouço afastou a discussão que existia entre os analistas, há dois meses, de descontrole de gastos e de trajetória explosiva da dívida pública. “Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta”.

O secretário informou que o arcabouço vai colocar as despesas com capitalização das estatais federais dentro do novo teto de gastos. Hoje, os aportes da União para as estatais estão fora do teto, um erro que foi reconhecido até mesmo pelos formuladores da regra, criada no governo Michel Temer.

Ceron avaliou que os investimentos deixarão de ser a primeira vítima do corte de despesas e que o governo estuda colocar também um teto para os investimentos. A regra prevê já um piso (correção pela inflação) e um bônus, caso o resultado primário (receitas menos despesas) ultrapasse o teto da meta estabelecida. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Foto: Wilton Junior/Estadão

Como o sr. avalia a recepção do arcabouço?

Estou convicto de que a recepção foi positiva. Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta. Ou seja: é uma regra que garante a melhora do fiscal ao longo do tempo. O que tem de discussão é a intensidade (do ajuste), se vamos cumprir ou não o resultado primário que foi sinalizado. Há também uma discussão qualitativa de que, se o ajuste virá por uma recomposição de receita, significa que não vai ter uma redução do tamanho do Estado. Aí, é uma visão de alguns que acham que o Estado deveria ser menor do que é em relação à economia. É uma posição de como fazer o ajuste, e não o ajuste em si.

O que, na sua avaliação, mudou com o anúncio do arcabouço?

A discussão do descontrole de gastos e de uma trajetória explosiva da dívida pública saiu do debate com a publicação do arcabouço. Há dois meses estávamos discutindo com vários analistas se havia risco de descontrole completo de gastos no novo governo, inclusive se haveria a regra de gastos. Tinha a preocupação de (o gasto) crescer 6%, 7% real ao ano. Essa preocupação foi eliminada. O limite do gasto continua existindo. É natural e, não vejo problema, em emitirem opiniões sobre a intensidade do movimento de ajuste, se ela deveria ser diferente. Os dois pontos centrais: há um limite para a despesa pública. Então, não há possibilidade de um gasto desenfreado. A segunda coisa é que ela garante que a despesa cresça menos do que a receita. Isso qualquer pessoa entende. É igual um orçamento familiar: estamos garantindo que você não vai gastar mais do que você recebe.

O governo anunciou que apenas os gastos para Fundeb (fundo que financia a educação básica) e piso da enfermagem ficarão fora do limite. Haverá mais exceções, como investimentos prioritários?

Não. Só as duas que já foram sinalizadas e as doações de organismos internacionais, que acabou de ser aprovada (na PEC da Transição).

Despesas para capitalizar empresas estatais, hoje fora do teto atual, ficarão de fora do novo limite de gastos?

Essa era uma grande preocupação. Ficará dentro do limite de gastos. Os gastos da Justiça Eleitoral também. As grandes contas, como investimentos, estarão dentro do limite de gastos para poder ser uma regra crível. E ela comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano (piso para as despesas), que vai reduzir o tamanho do Estado. O que estamos colocando é que um novo ciclo político pode optar em reduzir o tamanho do Estado, mas vai fazer isso de forma gradativa. Assim como um ciclo político que queira ter uma presença mais forte do Estado pode fazer, mas também gradativamente. Não pode passar de 2,5% (teto para as despesas).

Como o governo chegou ao valor de 2,5% para o limite máximo de aumento das despesas?

É a média do crescimento econômico dos últimos 30 anos. Tudo mais constante significa que, se o gasto crescer sempre 2,5% (acima da inflação) em condições normais, o Estado vai ficar do mesmo tamanho. Mas só vai poder acontecer isso se tiver receita para suportar (o aumento de despesas).

Os críticos do arcabouço argumentam que pode haver estímulo ao aumento brutal da carga tributária para a despesa crescer mais.

Não é verdade. Não corresponde à realidade do que está na regra. Talvez tenha sido compreendido equivocadamente. Tem um monte de fake news. Na semana passada, só com o anúncio do arcabouço, começaram a sair coisas absurdas, de que vai ter tributação sobre Pix, sobre igreja, que é imune na Constituição. Mas as pessoas querem tumultuar. O que temos sinalização é: “você cidadão comum, você não vai ter um tributo novo”. O que o governo vai fazer é buscar que os grandes grupos e a altíssima renda, que buscam mecanismos para não serem tributados.

O ministro Haddad vai enfrentar a mudança na tributação mais favorecida dos fundos exclusivos de pessoas com altíssima renda, que já foi tentada outras vezes?

O que eu posso dizer é que o compromisso do ministro Haddad de olhar essas distorções está sendo feito, mas todos têm o seu momento. Para as questões relacionadas à tributação sobre a renda, tem uma sinalização que vai num pacote no segundo semestre. Está sendo olhado tudo, inclusive esses fundos.

O cumprimento do piso de 0,6% de alta da despesa é obrigatório?

Sim, ele é mais ou menos o que já se tem hoje, que é o crescimento da população.

Por que esse piso é necessário? Por que não deixar só o teto de alta das despesas?

Justamente para manter o caráter anticíclico, senão tem que derrubar a despesa. A ideia é dar um pouco de estabilidade, previsibilidade e evitar volatilidade. Esse é o conceito, o mantra.

O governo não deixou o piso como uma ‘gordura’ para o Congresso tirar?

Não foi pensado com esse objetivo. É uma forma de ter uma narrativa para os dois lados. Quando tem uma recessão, seguro a queda do patamar do gasto público para poder ter, inclusive, o efeito anticíclico da economia. Por outro lado, na fase de boom econômico, segura o crescimento das despesas para não deixar que as coisas saiam do trilho. Serve para evitar que a prateleira da Farmácia Popular fique sem remédio para a população. Garanto que o gasto per capita se mantenha mais ou menos estável.

E se não houver o incremento de receitas de R$ 150 bilhões que o governo espera?

Faz parte. O que o ministro Haddad tem colocado é que é uma escolha da sociedade. Existe uma série setores não regulados, como apostas esportivas, que precisam de regulação. Eles deveriam estar pagando. A gente tem que combater privilégio para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo. O processo de ajuste vai ser mais lento, mais gradual, caso as coisas deem errado. Se as coisas caminharem como nós esperamos, o processo de ajuste é mais rápido de forma equilibrada e chegamos em 2026 com a situação bem resolvida para o País. Se não acontecer, vamos chegar lá com algum superávit, ainda que talvez com a trajetória da dívida não estabilizada.

Ao falar que não há haverá aumento de alíquotas, o ministro não estaria sinalizando algo que não poderia cumprir?

Quando se pega determinados grupos que fazem uma interpretação da legislação para não pagar tributo, isso está errado. É sobre isso que nós vamos atuar. O debate está sendo feito sob a luz do sol. Se a sociedade entende que o setor que hoje faz uma triangulação com paraíso fiscal é legítimo e deve continuar assim, temos dois caminhos. A sociedade estará sinalizando que vai ter um ajuste fiscal mais lento, que pagará mais juros por um tempo maior. Ou vai ter que buscar outro caminho para o incremento de receita. Essa é decisão da sociedade.

Qual a importância de ter um piso para os investimentos?

O que está se garantindo é o patamar atual corrigido pela inflação. A tendência é que, ao longo dos próximos anos, o investimento até cresça do ponto de vista real. Mas, suponha que venha uma recessão e você tenha uma necessidade de ajuste. O que é o tradicional, o mais fácil de fazer? Corta investimento. Eles geram um ajuste fiscal imediato, só que ele é o mais nocivo para a economia. Você tira o investimento, que é justamente o que alavanca a economia. O que você está sinalizando quando coloca o piso é: eu forço um pouco mais o ajuste para o lado da despesa corrente. O investimento deixa de ser a variável de ajuste de sempre, deixa de ser a primeira vítima.

Como fazer esse piso sustentável ao longo do tempo?

Ele força essa reflexão de que as coisas precisam caminhar equilibradas. Ele é um piso mínimo de investimento, em torno de R$ 70 bilhões, que vai ser corrigido pela inflação, é obrigatório. Se faltar dinheiro, tem que fazer o ajuste em outras áreas, ou outra área não vai poder crescer tanto quanto gostaria. O que nós estamos mostrando é: dá todo mundo crescer de forma comedida juntos.

O que o sr. acha da avaliação de que o arcabouço é uma ‘licença para gastar’?

Não é só uma injustiça, ela é mentirosa. Ela não corresponde à verdade. Se ela não tivesse um limite para o gasto, se fosse, por exemplo, só um retorno para o superávit primário, aí poderíamos discutir. Eu poderia crescer, em tese, 6%, 7% a despesa. Não é essa regra. Tem um regramento muito claro de que você pode crescer até 2,5% com condições – se a sua receita performar num patamar que permita esse percentual, porque a despesa só pode crescer 70% da variação da receita, limitada aos 2,5%. Então, não adianta crescer 10% a receita que despesa vai crescer só 2,5%. E lembro – isso é importantíssimo – que 2,5% é a média de do País. Ou seja: se eu crescer 2,5%, o Estado fica mais ou menos do tamanho do que existe hoje. Então, nem do ponto de vista bruto quanto relativo é uma licença para gastar.

Esse aumento de arrecadação de ate R$ 150 bilhões com medidas tributárias, que Haddad falou, é por ano?

Sim, é anualizado e recorrente, todo ano.

E qual é o aumento de arrecadação previsto com as medidas para este ano?

Elas podem gerar pelo menos R$ 50 bilhões.

Qual será a data efetiva da receita acumulada em 12 meses que será referência para o aumento das despesas?

Estamos fechando essa discussão. As equipes estão refinando esse critério. Inicialmente, tinha a discussão de a referência ser da LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias), podendo ser atualizada. Mas na sexta passada, em conversas com o mercado, (alertaram) que duas datas de referência poderia dar muita confusão. Talvez fosse melhor fechar uma data e está caminhando para ser de fato junho, (acumulado de 12 meses) de julho a junho. Tem um problema de sazonalidade. O último semestre do ano passado, por conta de boom de commodities, principalmente e petróleo, gerou muita receita. Por outro lado, tivemos no primeiro semestre uma renúncia brutal de receitas, que foi renunciada no ano passado e que impacta a base de arrecadação neste ano. E aí vai pegar o pior dos mundos e cria uma atipicidade que precisa ser trabalhada.

O sr. acha que o arcabouço pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação e a reduzir os juros?

Eu acredito que sim, acredito mesmo. É um ruído que não faz sentido você imaginar que vai persistir até 2026. A curva de juros (juros de mercado) vai fechar naturalmente.

BRASÍLIA - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, classifica como “mentirosa” e “uma injustiça” a avaliação de que o novo arcabouço fiscal, apresentado pelo Ministério da Fazenda na semana passada, é uma “licença para gastar” – já que o crescimento da despesa terá um teto (2,5% ao ano acima da inflação) e sempre será menor do que o aumento da receita.

Em entrevista ao Estadão, Ceron afirmou que o desenho da regra proporciona um ajuste nas contas públicas mesmo que o governo não atinja o aumento de arrecadação almejado pelo ministro Fernando Haddad, entre R$ 110 e R$ 150 bilhões. A ideia é que arcabouço seja uma nova Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, assim como ela, permaneça vigente nos próximos 20, 25 anos.

“A gente tem que combater privilégios para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo”, afirmou.

Ceron antecipou que as medidas tributárias, que serão anunciadas na próxima semana, devem render aos cofres públicos pelo menos R$ 50 bilhões ainda neste ano. Segundo ele, será uma escolha da sociedade combater os privilégios ou pagar mais juros por um tempo maior. “O arcabouço comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano que vai reduzir o tamanho do Estado”, avaliou.

Para ele, o anúncio do arcabouço afastou a discussão que existia entre os analistas, há dois meses, de descontrole de gastos e de trajetória explosiva da dívida pública. “Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta”.

O secretário informou que o arcabouço vai colocar as despesas com capitalização das estatais federais dentro do novo teto de gastos. Hoje, os aportes da União para as estatais estão fora do teto, um erro que foi reconhecido até mesmo pelos formuladores da regra, criada no governo Michel Temer.

Ceron avaliou que os investimentos deixarão de ser a primeira vítima do corte de despesas e que o governo estuda colocar também um teto para os investimentos. A regra prevê já um piso (correção pela inflação) e um bônus, caso o resultado primário (receitas menos despesas) ultrapasse o teto da meta estabelecida. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. Foto: Wilton Junior/Estadão

Como o sr. avalia a recepção do arcabouço?

Estou convicto de que a recepção foi positiva. Não ouvi nenhuma manifestação de que a direção do movimento não está correta. Ou seja: é uma regra que garante a melhora do fiscal ao longo do tempo. O que tem de discussão é a intensidade (do ajuste), se vamos cumprir ou não o resultado primário que foi sinalizado. Há também uma discussão qualitativa de que, se o ajuste virá por uma recomposição de receita, significa que não vai ter uma redução do tamanho do Estado. Aí, é uma visão de alguns que acham que o Estado deveria ser menor do que é em relação à economia. É uma posição de como fazer o ajuste, e não o ajuste em si.

O que, na sua avaliação, mudou com o anúncio do arcabouço?

A discussão do descontrole de gastos e de uma trajetória explosiva da dívida pública saiu do debate com a publicação do arcabouço. Há dois meses estávamos discutindo com vários analistas se havia risco de descontrole completo de gastos no novo governo, inclusive se haveria a regra de gastos. Tinha a preocupação de (o gasto) crescer 6%, 7% real ao ano. Essa preocupação foi eliminada. O limite do gasto continua existindo. É natural e, não vejo problema, em emitirem opiniões sobre a intensidade do movimento de ajuste, se ela deveria ser diferente. Os dois pontos centrais: há um limite para a despesa pública. Então, não há possibilidade de um gasto desenfreado. A segunda coisa é que ela garante que a despesa cresça menos do que a receita. Isso qualquer pessoa entende. É igual um orçamento familiar: estamos garantindo que você não vai gastar mais do que você recebe.

O governo anunciou que apenas os gastos para Fundeb (fundo que financia a educação básica) e piso da enfermagem ficarão fora do limite. Haverá mais exceções, como investimentos prioritários?

Não. Só as duas que já foram sinalizadas e as doações de organismos internacionais, que acabou de ser aprovada (na PEC da Transição).

Despesas para capitalizar empresas estatais, hoje fora do teto atual, ficarão de fora do novo limite de gastos?

Essa era uma grande preocupação. Ficará dentro do limite de gastos. Os gastos da Justiça Eleitoral também. As grandes contas, como investimentos, estarão dentro do limite de gastos para poder ser uma regra crível. E ela comporta um ciclo que tenha uma redução contínua do tamanho do Estado. É só crescer sempre a 0,6% ao ano (piso para as despesas), que vai reduzir o tamanho do Estado. O que estamos colocando é que um novo ciclo político pode optar em reduzir o tamanho do Estado, mas vai fazer isso de forma gradativa. Assim como um ciclo político que queira ter uma presença mais forte do Estado pode fazer, mas também gradativamente. Não pode passar de 2,5% (teto para as despesas).

Como o governo chegou ao valor de 2,5% para o limite máximo de aumento das despesas?

É a média do crescimento econômico dos últimos 30 anos. Tudo mais constante significa que, se o gasto crescer sempre 2,5% (acima da inflação) em condições normais, o Estado vai ficar do mesmo tamanho. Mas só vai poder acontecer isso se tiver receita para suportar (o aumento de despesas).

Os críticos do arcabouço argumentam que pode haver estímulo ao aumento brutal da carga tributária para a despesa crescer mais.

Não é verdade. Não corresponde à realidade do que está na regra. Talvez tenha sido compreendido equivocadamente. Tem um monte de fake news. Na semana passada, só com o anúncio do arcabouço, começaram a sair coisas absurdas, de que vai ter tributação sobre Pix, sobre igreja, que é imune na Constituição. Mas as pessoas querem tumultuar. O que temos sinalização é: “você cidadão comum, você não vai ter um tributo novo”. O que o governo vai fazer é buscar que os grandes grupos e a altíssima renda, que buscam mecanismos para não serem tributados.

O ministro Haddad vai enfrentar a mudança na tributação mais favorecida dos fundos exclusivos de pessoas com altíssima renda, que já foi tentada outras vezes?

O que eu posso dizer é que o compromisso do ministro Haddad de olhar essas distorções está sendo feito, mas todos têm o seu momento. Para as questões relacionadas à tributação sobre a renda, tem uma sinalização que vai num pacote no segundo semestre. Está sendo olhado tudo, inclusive esses fundos.

O cumprimento do piso de 0,6% de alta da despesa é obrigatório?

Sim, ele é mais ou menos o que já se tem hoje, que é o crescimento da população.

Por que esse piso é necessário? Por que não deixar só o teto de alta das despesas?

Justamente para manter o caráter anticíclico, senão tem que derrubar a despesa. A ideia é dar um pouco de estabilidade, previsibilidade e evitar volatilidade. Esse é o conceito, o mantra.

O governo não deixou o piso como uma ‘gordura’ para o Congresso tirar?

Não foi pensado com esse objetivo. É uma forma de ter uma narrativa para os dois lados. Quando tem uma recessão, seguro a queda do patamar do gasto público para poder ter, inclusive, o efeito anticíclico da economia. Por outro lado, na fase de boom econômico, segura o crescimento das despesas para não deixar que as coisas saiam do trilho. Serve para evitar que a prateleira da Farmácia Popular fique sem remédio para a população. Garanto que o gasto per capita se mantenha mais ou menos estável.

E se não houver o incremento de receitas de R$ 150 bilhões que o governo espera?

Faz parte. O que o ministro Haddad tem colocado é que é uma escolha da sociedade. Existe uma série setores não regulados, como apostas esportivas, que precisam de regulação. Eles deveriam estar pagando. A gente tem que combater privilégio para acelerar a intensidade do ajuste fiscal. Isso não é o ajuste em si. Se não tiver isso, não vai ter ajuste? Vai, num horizonte temporal mais longo. O processo de ajuste vai ser mais lento, mais gradual, caso as coisas deem errado. Se as coisas caminharem como nós esperamos, o processo de ajuste é mais rápido de forma equilibrada e chegamos em 2026 com a situação bem resolvida para o País. Se não acontecer, vamos chegar lá com algum superávit, ainda que talvez com a trajetória da dívida não estabilizada.

Ao falar que não há haverá aumento de alíquotas, o ministro não estaria sinalizando algo que não poderia cumprir?

Quando se pega determinados grupos que fazem uma interpretação da legislação para não pagar tributo, isso está errado. É sobre isso que nós vamos atuar. O debate está sendo feito sob a luz do sol. Se a sociedade entende que o setor que hoje faz uma triangulação com paraíso fiscal é legítimo e deve continuar assim, temos dois caminhos. A sociedade estará sinalizando que vai ter um ajuste fiscal mais lento, que pagará mais juros por um tempo maior. Ou vai ter que buscar outro caminho para o incremento de receita. Essa é decisão da sociedade.

Qual a importância de ter um piso para os investimentos?

O que está se garantindo é o patamar atual corrigido pela inflação. A tendência é que, ao longo dos próximos anos, o investimento até cresça do ponto de vista real. Mas, suponha que venha uma recessão e você tenha uma necessidade de ajuste. O que é o tradicional, o mais fácil de fazer? Corta investimento. Eles geram um ajuste fiscal imediato, só que ele é o mais nocivo para a economia. Você tira o investimento, que é justamente o que alavanca a economia. O que você está sinalizando quando coloca o piso é: eu forço um pouco mais o ajuste para o lado da despesa corrente. O investimento deixa de ser a variável de ajuste de sempre, deixa de ser a primeira vítima.

Como fazer esse piso sustentável ao longo do tempo?

Ele força essa reflexão de que as coisas precisam caminhar equilibradas. Ele é um piso mínimo de investimento, em torno de R$ 70 bilhões, que vai ser corrigido pela inflação, é obrigatório. Se faltar dinheiro, tem que fazer o ajuste em outras áreas, ou outra área não vai poder crescer tanto quanto gostaria. O que nós estamos mostrando é: dá todo mundo crescer de forma comedida juntos.

O que o sr. acha da avaliação de que o arcabouço é uma ‘licença para gastar’?

Não é só uma injustiça, ela é mentirosa. Ela não corresponde à verdade. Se ela não tivesse um limite para o gasto, se fosse, por exemplo, só um retorno para o superávit primário, aí poderíamos discutir. Eu poderia crescer, em tese, 6%, 7% a despesa. Não é essa regra. Tem um regramento muito claro de que você pode crescer até 2,5% com condições – se a sua receita performar num patamar que permita esse percentual, porque a despesa só pode crescer 70% da variação da receita, limitada aos 2,5%. Então, não adianta crescer 10% a receita que despesa vai crescer só 2,5%. E lembro – isso é importantíssimo – que 2,5% é a média de do País. Ou seja: se eu crescer 2,5%, o Estado fica mais ou menos do tamanho do que existe hoje. Então, nem do ponto de vista bruto quanto relativo é uma licença para gastar.

Esse aumento de arrecadação de ate R$ 150 bilhões com medidas tributárias, que Haddad falou, é por ano?

Sim, é anualizado e recorrente, todo ano.

E qual é o aumento de arrecadação previsto com as medidas para este ano?

Elas podem gerar pelo menos R$ 50 bilhões.

Qual será a data efetiva da receita acumulada em 12 meses que será referência para o aumento das despesas?

Estamos fechando essa discussão. As equipes estão refinando esse critério. Inicialmente, tinha a discussão de a referência ser da LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias), podendo ser atualizada. Mas na sexta passada, em conversas com o mercado, (alertaram) que duas datas de referência poderia dar muita confusão. Talvez fosse melhor fechar uma data e está caminhando para ser de fato junho, (acumulado de 12 meses) de julho a junho. Tem um problema de sazonalidade. O último semestre do ano passado, por conta de boom de commodities, principalmente e petróleo, gerou muita receita. Por outro lado, tivemos no primeiro semestre uma renúncia brutal de receitas, que foi renunciada no ano passado e que impacta a base de arrecadação neste ano. E aí vai pegar o pior dos mundos e cria uma atipicidade que precisa ser trabalhada.

O sr. acha que o arcabouço pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação e a reduzir os juros?

Eu acredito que sim, acredito mesmo. É um ruído que não faz sentido você imaginar que vai persistir até 2026. A curva de juros (juros de mercado) vai fechar naturalmente.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

Anna Carolina Papp

Editora e coordenadora de Economia do Estadão em Brasília. Paulista, graduada em jornalismo pela USP e com MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Foi editora de Economia na GloboNews no Rio e repórter do Estadão em São Paulo. Vencedora dos prêmios CNH, Andef, C6 Bank e Estadão.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.