BRASÍLIA - Em meio a sucessivas derrotas no Congresso Nacional, que derrubou os vetos à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos e do marco temporal, o governo conseguiu costurar um acordo com a oposição para manter ao menos um dos vetos ao arcabouço fiscal, nova regra para controle das contas públicas.
Foi preservado o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao trecho da lei que “engessava” o Executivo na hora de contingenciar (bloquear de forma preventiva) despesas do Orçamento. O trecho vetado previa que, em caso de bloqueio, os gastos com investimentos não poderiam ser mais atingidos do que as demais despesas discricionárias (não obrigatórias).
O dispositivo estabelecia um contingenciamento proporcional, o qual, segundo técnicos, tiraria a flexibilidade do Executivo e poderia comprometer despesas básicas de custeio, como contas de água e luz.
Por outro lado, foi derrubado o veto ao trecho que impedia o governo de retirar despesas do cálculo da meta fiscal. Ou seja, com a derrubada, fica valendo essa proibição. A avaliação é de que o Executivo poderia usar essa brecha para retirar o PAC dos limites fiscais, o que facilitaria o cumprimento da meta, blindaria obras e reduziria a necessidade do Planalto de negociar com Câmara e Senado.
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“É uma ajuda que nós damos ao governo. Porque alguém orientou mal o presidente da República e, dessa forma, iria permitir o que chamamos de contabilidade criativa. E foi justamente essa contabilidade criativa que permitiu o impeachment da ex-presidente Dilma”, afirmou o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN).
Segundo Marinho, permitir a exclusão de despesas da meta seria como se o governo estivesse escondendo um elefante embaixo do tapete. “É evidente que o tapete vai encobrir o elefante, mas alguém vai trombar nesse tapete, porque o calombo é muito grande”, afirmou.
Ao proibir o governo de excluir despesas doresultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) o arcabouço veda iniciativas que coloquem em risco a credibilidade da meta no futuro. No curto prazo, o governo ensaiava fazer o encontro de contas de precatórios, como forma de abater o estoque de dívidas judiciais, extra-meta fiscal.
Ao manter o veto à regra do contingenciamento - que obrigava o governo a bloquear despesas de investimentos na mesma proporção das despesas de custeio -, o governo conseguiu convencer os parlamentares de que a medida poderia paralisar a máquina pública. Boa parte das despesas de custeio que são passíveis de contingenciamento pagam serviços públicos oferecidos pelo governo, como a emissão de passaportes.
Muito embora a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), como aprovada na Comissão Mista de Orçamento, tenha limitado o contingenciamento a cerca de R$ 22 bilhões no ano que vem, a avaliação de técnicos do governo é que a regra do arcabouço engessaria a atuação do governo também no futuro.
Derrubada de vetos do Carf
O acordo sobre o arcabouço foi costurado juntamente com os vetos presidenciais ao projeto do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - uma espécie de tribunal que julga conflitos tributários. Dentre os vetos derrubados, o mais relevante diz respeito à cobrança de garantias concedidas pelas empresas antes do trânsito em julgado, ou seja, da decisão final, da qual não se pode mais recorrer.
A derrubada desse veto, para impedir a execução antecipada dessas garantias, era um dos principais pleitos das grandes empresas.
Isso porque, para poder discutir uma dívida tributária no âmbito judicial, a companhia precisa garantir o valor do débito e, para isso, costuma contratar um seguro garantia ou carta fiança no banco. Antes da nova lei do Carf, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e procuradorias locais costumavam executar essa garantia logo que o contribuinte perdia em primeira instância - um dinheiro que é contabilizado como receita primária e ajuda no cumprimento da meta fiscal.
Na nova legislação, os parlamentares incluíram um dispositivo vedando essa cobrança antecipada, mas o presidente Lula barrou - veto que hoje foi derrubado. “A prática gerava excessiva oneração dos contribuintes, o que não era razoável”, afirma Breno Vasconcelos, tributarista do Mannrich e Vasconcelos Advogados e pesquisador do Insper.
Outro ponto que teve veto derrubado prevê o cancelamento de qualquer valor de multa que tenha ultrapassado 100% do montante do crédito tributário apurado, inscrito ou não em dívida ativa da União, mesmo que esteja em programas de parcelamento de dívidas. Se o contribuinte já pagou, poderá receber a devolução por meio de precatório judicial.