BRASÍLIA - A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou o arquivamento de proposta para que os pisos previstos na Constituição - de aplicação mínima de recursos nas áreas de saúde e educação - não sejam considerados em 2023.
A porta fechada pela área técnica aumenta o impasse para a equipe dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) diante da volta dos pisos, após o fim do antigo teto de gastos e a sanção do novo arcabouço fiscal.
A nova regra revogou automaticamente o teto criado no governo Temer, que suspendia a correção dos pisos atrelada à arrecadação do governo.
Como mostrou reportagem do Estadão de sexta-feira, para cumprir o piso “cheio” de saúde o governo teria de aumentar em até R$ 20 bilhões as despesas no Orçamento deste ano. Mas esse risco foi ignorado pela equipe econômica no relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, divulgado na semana passada.
Na ocasião, o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, alegou que a decisão de não incluir essas despesas deve-se à incerteza em relação ao valor que será considerado, já que há uma discussão sobre o tema no Congresso Nacional que implicaria um aumento menor desses gastos, no valor de R$ 5 bilhões.
A representação à Corte foi feita pelo procurador do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, que alegou risco de “shutdown” (paralisação da máquina administrativa) em 2023 - possibilidade que já havia sido levantada pela ministra Simone Tebet. O parecer técnico foi encaminhado ao relator, ministro Augusto Nardes, que pode levar ao plenário do TCU.
No recurso, o procurador do MP pede que, ao se confirmar o risco de “shutdown”, com a aplicação dos pisos neste ano, o TCU deveria autorizar a continuidade da aplicação do teto de gastos até o final do corrente ano.
“Não vejo por que impor à sociedade maiores prejuízos considerando que quaisquer mudanças deveriam surgir para melhorias. Sendo assim, a meu ver, a dilação do prazo para essas áreas se mostra justificável”, afirma o procurador na representação que não foi acatada pela área técnica.
A unidade técnica do TCU diz que não encontrou indícios de uma “trajetória inescapável” rumo à paralisia dos serviços públicos. E foi além no parecer, afirmando que “os gestores governamentais dispõem de instrumentos para atender aos requisitos constitucionais e legais aplicáveis à gestão das finanças e do orçamento públicos”.
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Na prática, os auditores se recusaram a examinar o tema, porque o tipo de processo está errado e porque não foi solicitado por quem poderia pedir a licença para liberar o cumprimento dos pisos neste ano - que deveria ser o próprio governo. Com a porta fechada pelos auditores, a equipe econômica precisará fazer esforço redobrado para obter a autorização do TCU.
O ministro Haddad, em julho, teve uma reunião com o presidente do tribunal, Bruno Dantas, para falar sobre o problema. Dantas recomendou que o governo fizesse um consulta formal à corte de contas, o que não foi feito - fazendo com que o governo perdesse tempo.
Agora, há risco de o plenário não querer reexaminar um tema que foi arquivado sumariamente pela área técnica - mesmo se o governo mandar a consulta agora. Há uma avaliação entre os técnicos de que o procurador “queimou a largada” nesse processo de negociação.
Risco para as contas públicas
Para o governo, o risco para as contas públicas aumenta, porque quanto mais perto do final do ano, mais drástico precisará ser o bloqueio de gastos para viabilizar o piso da saúde, que é onde faltam os recursos.
O relator do projeto que trata da compensação do governo federal aos Estados e municípios com perdas do ICMS, deputado Zeca Dirceu (PR), incluiu um dispositivo que reduziria o impacto para R$ 5 bilhões, mas nem mesmo esse valor foi contabilizado no relatório bimestral de receitas e despesas do governo, o que reduziu o tamanho do bloqueio feito pelo governo para R$ 588 milhões.
A interlocutores, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, argumenta que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada no ano passado, previa uma encaminhamento do novo marco fiscal, o arcabouço, até agosto. Contando com um prazo de três a quatro meses de tramitação, o governo e o Congresso contavam com a aprovação apenas no final do ano, em dezembro, junto com o Orçamento de 2024. Ou seja, não haveria o risco de retomada dos pisos ainda em 2023.
Só que o governo resolveu antecipar o envio do projeto, porque o mercado estava inseguro em relação ao desenho do novo arcabouço fiscal. Portanto, na visão do ministro, a equipe econômica não poderia ser punida por ter sido diligente e ter se antecipado aos prazos.