Maior seca do século, inflação acima de 100% e recessão no radar: o retrato da crise na Argentina


Economistas afirmam que déficit fiscal voltará a crescer e levará o país a quebra do acordo com o FMI; queda no PIB neste ano deve ficar entre 2,5% e 3%

Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

Uma seca que vem sendo chamada de a maior do século deteriorou a situação econômica da Argentina – que já era difícil –, acelerou a inflação e deve levar o país à recessão neste e no próximo ano. Economistas apontam que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 deverá ficar entre 2,5% e 3% e a inflação poderá chegar a 110%. Eles também afirmam que o déficit fiscal voltará a crescer, fazendo com que o país quebre seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Estamos prevendo uma queda de 3% no PIB neste ano e, se tudo for bem, uma inflação de 110%. Esse é o melhor cenário para o país hoje”, diz o economista Lorenzo Sigaut Gravina, diretor da consultoria Equilibra.

O Itaú Unibanco também projeta recuo de 3% em 2023 e de 2% em 2024, além de inflação de 100% neste ano. “A seca foi um golpe muito duro. Complicou o plano de Sergio Massa (ministro de Economia). Os desequilíbrios econômicos da Argentina são muito grande e as correções foram pequenas nos últimos meses”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

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Parte da recessão no país deverá ser explicada pela situação do agronegócio. A seca na Argentina reduzirá a produção de soja em 45% em relação ao que era esperado, resultando na pior colheita das últimas 15 safras. A de trigo deverá cair em 50%, na pior safra desde 2010, e a de milho, em 35%, segundo dados da Bolsa de Comércio de Rosário.

O problema se torna ainda mais delicado porque o setor agroindustrial é responsável por cerca de 65% das exportações da Argentina, que vive uma escassez de dólares. Com a queda da produção agrícola, US$ 20 bilhões (o equivalente a 23% das vendas ao exterior em 2022) deixarão de ingressar no país.

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Estimativas de economistas indicam que o Banco Central argentino tem hoje aproximadamente US$ 2 bilhões em reservas líquidas – o dado oficial não é público. Aumentar as reservas internacionais é uma das medidas que a Argentina se comprometeu a adotar para que o FMI continue liberando parcelas de empréstimo.

Na primeira quinzena de março, porém, o próprio FMI concordou em afrouxar a meta de acúmulo de reservas. Em documento divulgado à imprensa, afirmou que a medida “acomodará parcialmente o impacto cada vez mais severo da seca”. Segundo o Ministério da Fazenda argentino informou à mídia local, essa redução da meta deverá ser de cerca de U$S 2 bilhões no ano, para US$ 7 bilhões.

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As reservas da Argentina evaporaram porque o Banco Central vem vendendo dólares para tentar sustentar a taxa de câmbio. Se deixar a moeda se desvalorizar ainda mais, a tendência é que a inflação ganhe mais velocidade.

Por outro lado, o BC emite moeda para financiar os gastos públicos, o que pressiona a inflação. Em fevereiro, o aumento de preços superou 100% pela primeira vez no país desde outubro de 1991. O indicador chegou a 102,5% no acumulado de 12 meses – um ano antes, estava em 52,3%.

Preços congelados, inflação recorde

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A inflação tem batido recordes mesmo com o governo controlando preços de produtos tidos como essenciais. Hoje, quase 2 mil produtos estão com o preço congelado no país e outros 49,8 mil não podem ter reajustes superiores a 3,2% por mês.

Por ora, é a inflação que mais tem dificultado a vida do argentino. Funcionária da área administrativa de um hospital em Buenos Aires, Laura Reschigna, de 52 anos, conta que sua situação financeira foi ficando mais difícil aos poucos em 2021 e se deteriorou rapidamente no ano passado. “Eu sempre arranjava algo para estudar, mas tive de deixar de fazer cursos. Cancelei minha linha de telefone fixo, zerei o consumo de roupas e deixei de sair aos fins de semana. Saio só uma vez por mês, quando recebo o salário.”

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Laura diz ainda que trocou o carro pelo ônibus, porque a gasolina e o estacionamento no trabalho estão muito caros, além de reduzir a compra de produtos lácteos, como queijo e iogurte.

O rebaixamento no nível de vida de Laura aconteceu mesmo com ela conseguindo recompor parte do salário. Em junho do ano passado, ela recebeu um reajuste de 60% negociado entre o sindicato patronal e o dos trabalhadores. Todos os meses, os sindicatos voltam à mesa para conversar e determinar pequenos aumentos que reduzem as perdas.

“Ainda assim, não é suficiente. A comida está caríssima. Esses dias pedi uma pizza e custou 5 mil pesos (R$ 123). Não pedi em um restaurante caro. Era um delivery normal. Mas procuro não me queixar, porque estou melhor que muita gente.”

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De acordo com o economista Nadin Argañaraz, diretor do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, o salário médio real do trabalhador formal é hoje entre 20% e 25% menor do que em 2017. No mercado informal, essa redução é de 30% a 35%.

Com a queda no salário real e a inflação elevada, chegou a 39,2% o total da população que vive abaixo do nível de pobreza.

Manifestação em Rosário, na Argentina; produtores rurais que sofrem com a seca pedem ajuda financeira e protestam contra impostos sobre exportações Foto: Matias Baglietto/Reuters

A situação social só não é pior porque o argentino, pelo menos até agora, não sofre com aumento da taxa de desemprego. No último trimestre de 2022, ela ficou em 6,3%, queda de 0,7 ponto porcentual na comparação com o mesmo período de 2021.

“O regime trabalhista na Argentina é muito protecionista para quem está no sistema formal. É caro demitir, e as pessoas que perdem emprego recebem auxílio social. Muitas acabam não buscando trabalho, o que reduz a taxa de emprego”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Ajuste fiscal

A seca na Argentina também deve elevar o déficit público do país neste ano, que havia caído para 2,3% do PIB em 2022. A meta acertada com o FMI para o ano passado era de 2,5% e, para este, de 1,9%. A tendência, porém, é que, com uma menor produção agrícola, a arrecadação do Estado diminua. O Itaú projeta que o déficit voltará a 3% do PIB, pressionado também por um possível aumento de gastos típico de ano eleitoral – a eleição presidencial será em outubro.

Argañaraz, do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, afirma acreditar que deverá haver um novo debate entre o FMI e o governo diante dessa situação. “Se o FMI não relaxar a meta, o governo terá de adotar uma política contracionista de gastos muito forte. A seca fará com que o esforço fiscal tenha de ser muito maior.”

Outro impacto da seca e da consequente falta de reservas é a redução das importações. O governo vem dificultando o acesso de empresas e consumidores a dólares. Sem a moeda americana, companhias não podem importar algumas matérias-primas e reduzem suas produções.

Barboza, do Itaú, afirma que o governo deve endurecer ainda mais o acesso ao câmbio, na tentativa de impedir uma maior desvalorização do peso. Também é provável que estimule as exportações de soja através de um câmbio mais favorável aos produtores. A medida poderia fazer com que os produtores vendessem o que ainda têm em seus estoques ou adiantassem exportações.

“O governo só pode tentar segurar reservas e evitar uma depreciação muito forte. É evitar uma quebra”, afirma o economista.

Uma seca que vem sendo chamada de a maior do século deteriorou a situação econômica da Argentina – que já era difícil –, acelerou a inflação e deve levar o país à recessão neste e no próximo ano. Economistas apontam que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 deverá ficar entre 2,5% e 3% e a inflação poderá chegar a 110%. Eles também afirmam que o déficit fiscal voltará a crescer, fazendo com que o país quebre seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Estamos prevendo uma queda de 3% no PIB neste ano e, se tudo for bem, uma inflação de 110%. Esse é o melhor cenário para o país hoje”, diz o economista Lorenzo Sigaut Gravina, diretor da consultoria Equilibra.

O Itaú Unibanco também projeta recuo de 3% em 2023 e de 2% em 2024, além de inflação de 100% neste ano. “A seca foi um golpe muito duro. Complicou o plano de Sergio Massa (ministro de Economia). Os desequilíbrios econômicos da Argentina são muito grande e as correções foram pequenas nos últimos meses”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Parte da recessão no país deverá ser explicada pela situação do agronegócio. A seca na Argentina reduzirá a produção de soja em 45% em relação ao que era esperado, resultando na pior colheita das últimas 15 safras. A de trigo deverá cair em 50%, na pior safra desde 2010, e a de milho, em 35%, segundo dados da Bolsa de Comércio de Rosário.

O problema se torna ainda mais delicado porque o setor agroindustrial é responsável por cerca de 65% das exportações da Argentina, que vive uma escassez de dólares. Com a queda da produção agrícola, US$ 20 bilhões (o equivalente a 23% das vendas ao exterior em 2022) deixarão de ingressar no país.

Estimativas de economistas indicam que o Banco Central argentino tem hoje aproximadamente US$ 2 bilhões em reservas líquidas – o dado oficial não é público. Aumentar as reservas internacionais é uma das medidas que a Argentina se comprometeu a adotar para que o FMI continue liberando parcelas de empréstimo.

Na primeira quinzena de março, porém, o próprio FMI concordou em afrouxar a meta de acúmulo de reservas. Em documento divulgado à imprensa, afirmou que a medida “acomodará parcialmente o impacto cada vez mais severo da seca”. Segundo o Ministério da Fazenda argentino informou à mídia local, essa redução da meta deverá ser de cerca de U$S 2 bilhões no ano, para US$ 7 bilhões.

As reservas da Argentina evaporaram porque o Banco Central vem vendendo dólares para tentar sustentar a taxa de câmbio. Se deixar a moeda se desvalorizar ainda mais, a tendência é que a inflação ganhe mais velocidade.

Por outro lado, o BC emite moeda para financiar os gastos públicos, o que pressiona a inflação. Em fevereiro, o aumento de preços superou 100% pela primeira vez no país desde outubro de 1991. O indicador chegou a 102,5% no acumulado de 12 meses – um ano antes, estava em 52,3%.

Preços congelados, inflação recorde

A inflação tem batido recordes mesmo com o governo controlando preços de produtos tidos como essenciais. Hoje, quase 2 mil produtos estão com o preço congelado no país e outros 49,8 mil não podem ter reajustes superiores a 3,2% por mês.

Por ora, é a inflação que mais tem dificultado a vida do argentino. Funcionária da área administrativa de um hospital em Buenos Aires, Laura Reschigna, de 52 anos, conta que sua situação financeira foi ficando mais difícil aos poucos em 2021 e se deteriorou rapidamente no ano passado. “Eu sempre arranjava algo para estudar, mas tive de deixar de fazer cursos. Cancelei minha linha de telefone fixo, zerei o consumo de roupas e deixei de sair aos fins de semana. Saio só uma vez por mês, quando recebo o salário.”

Laura diz ainda que trocou o carro pelo ônibus, porque a gasolina e o estacionamento no trabalho estão muito caros, além de reduzir a compra de produtos lácteos, como queijo e iogurte.

O rebaixamento no nível de vida de Laura aconteceu mesmo com ela conseguindo recompor parte do salário. Em junho do ano passado, ela recebeu um reajuste de 60% negociado entre o sindicato patronal e o dos trabalhadores. Todos os meses, os sindicatos voltam à mesa para conversar e determinar pequenos aumentos que reduzem as perdas.

“Ainda assim, não é suficiente. A comida está caríssima. Esses dias pedi uma pizza e custou 5 mil pesos (R$ 123). Não pedi em um restaurante caro. Era um delivery normal. Mas procuro não me queixar, porque estou melhor que muita gente.”

De acordo com o economista Nadin Argañaraz, diretor do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, o salário médio real do trabalhador formal é hoje entre 20% e 25% menor do que em 2017. No mercado informal, essa redução é de 30% a 35%.

Com a queda no salário real e a inflação elevada, chegou a 39,2% o total da população que vive abaixo do nível de pobreza.

Manifestação em Rosário, na Argentina; produtores rurais que sofrem com a seca pedem ajuda financeira e protestam contra impostos sobre exportações Foto: Matias Baglietto/Reuters

A situação social só não é pior porque o argentino, pelo menos até agora, não sofre com aumento da taxa de desemprego. No último trimestre de 2022, ela ficou em 6,3%, queda de 0,7 ponto porcentual na comparação com o mesmo período de 2021.

“O regime trabalhista na Argentina é muito protecionista para quem está no sistema formal. É caro demitir, e as pessoas que perdem emprego recebem auxílio social. Muitas acabam não buscando trabalho, o que reduz a taxa de emprego”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Ajuste fiscal

A seca na Argentina também deve elevar o déficit público do país neste ano, que havia caído para 2,3% do PIB em 2022. A meta acertada com o FMI para o ano passado era de 2,5% e, para este, de 1,9%. A tendência, porém, é que, com uma menor produção agrícola, a arrecadação do Estado diminua. O Itaú projeta que o déficit voltará a 3% do PIB, pressionado também por um possível aumento de gastos típico de ano eleitoral – a eleição presidencial será em outubro.

Argañaraz, do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, afirma acreditar que deverá haver um novo debate entre o FMI e o governo diante dessa situação. “Se o FMI não relaxar a meta, o governo terá de adotar uma política contracionista de gastos muito forte. A seca fará com que o esforço fiscal tenha de ser muito maior.”

Outro impacto da seca e da consequente falta de reservas é a redução das importações. O governo vem dificultando o acesso de empresas e consumidores a dólares. Sem a moeda americana, companhias não podem importar algumas matérias-primas e reduzem suas produções.

Barboza, do Itaú, afirma que o governo deve endurecer ainda mais o acesso ao câmbio, na tentativa de impedir uma maior desvalorização do peso. Também é provável que estimule as exportações de soja através de um câmbio mais favorável aos produtores. A medida poderia fazer com que os produtores vendessem o que ainda têm em seus estoques ou adiantassem exportações.

“O governo só pode tentar segurar reservas e evitar uma depreciação muito forte. É evitar uma quebra”, afirma o economista.

Uma seca que vem sendo chamada de a maior do século deteriorou a situação econômica da Argentina – que já era difícil –, acelerou a inflação e deve levar o país à recessão neste e no próximo ano. Economistas apontam que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 deverá ficar entre 2,5% e 3% e a inflação poderá chegar a 110%. Eles também afirmam que o déficit fiscal voltará a crescer, fazendo com que o país quebre seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Estamos prevendo uma queda de 3% no PIB neste ano e, se tudo for bem, uma inflação de 110%. Esse é o melhor cenário para o país hoje”, diz o economista Lorenzo Sigaut Gravina, diretor da consultoria Equilibra.

O Itaú Unibanco também projeta recuo de 3% em 2023 e de 2% em 2024, além de inflação de 100% neste ano. “A seca foi um golpe muito duro. Complicou o plano de Sergio Massa (ministro de Economia). Os desequilíbrios econômicos da Argentina são muito grande e as correções foram pequenas nos últimos meses”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Parte da recessão no país deverá ser explicada pela situação do agronegócio. A seca na Argentina reduzirá a produção de soja em 45% em relação ao que era esperado, resultando na pior colheita das últimas 15 safras. A de trigo deverá cair em 50%, na pior safra desde 2010, e a de milho, em 35%, segundo dados da Bolsa de Comércio de Rosário.

O problema se torna ainda mais delicado porque o setor agroindustrial é responsável por cerca de 65% das exportações da Argentina, que vive uma escassez de dólares. Com a queda da produção agrícola, US$ 20 bilhões (o equivalente a 23% das vendas ao exterior em 2022) deixarão de ingressar no país.

Estimativas de economistas indicam que o Banco Central argentino tem hoje aproximadamente US$ 2 bilhões em reservas líquidas – o dado oficial não é público. Aumentar as reservas internacionais é uma das medidas que a Argentina se comprometeu a adotar para que o FMI continue liberando parcelas de empréstimo.

Na primeira quinzena de março, porém, o próprio FMI concordou em afrouxar a meta de acúmulo de reservas. Em documento divulgado à imprensa, afirmou que a medida “acomodará parcialmente o impacto cada vez mais severo da seca”. Segundo o Ministério da Fazenda argentino informou à mídia local, essa redução da meta deverá ser de cerca de U$S 2 bilhões no ano, para US$ 7 bilhões.

As reservas da Argentina evaporaram porque o Banco Central vem vendendo dólares para tentar sustentar a taxa de câmbio. Se deixar a moeda se desvalorizar ainda mais, a tendência é que a inflação ganhe mais velocidade.

Por outro lado, o BC emite moeda para financiar os gastos públicos, o que pressiona a inflação. Em fevereiro, o aumento de preços superou 100% pela primeira vez no país desde outubro de 1991. O indicador chegou a 102,5% no acumulado de 12 meses – um ano antes, estava em 52,3%.

Preços congelados, inflação recorde

A inflação tem batido recordes mesmo com o governo controlando preços de produtos tidos como essenciais. Hoje, quase 2 mil produtos estão com o preço congelado no país e outros 49,8 mil não podem ter reajustes superiores a 3,2% por mês.

Por ora, é a inflação que mais tem dificultado a vida do argentino. Funcionária da área administrativa de um hospital em Buenos Aires, Laura Reschigna, de 52 anos, conta que sua situação financeira foi ficando mais difícil aos poucos em 2021 e se deteriorou rapidamente no ano passado. “Eu sempre arranjava algo para estudar, mas tive de deixar de fazer cursos. Cancelei minha linha de telefone fixo, zerei o consumo de roupas e deixei de sair aos fins de semana. Saio só uma vez por mês, quando recebo o salário.”

Laura diz ainda que trocou o carro pelo ônibus, porque a gasolina e o estacionamento no trabalho estão muito caros, além de reduzir a compra de produtos lácteos, como queijo e iogurte.

O rebaixamento no nível de vida de Laura aconteceu mesmo com ela conseguindo recompor parte do salário. Em junho do ano passado, ela recebeu um reajuste de 60% negociado entre o sindicato patronal e o dos trabalhadores. Todos os meses, os sindicatos voltam à mesa para conversar e determinar pequenos aumentos que reduzem as perdas.

“Ainda assim, não é suficiente. A comida está caríssima. Esses dias pedi uma pizza e custou 5 mil pesos (R$ 123). Não pedi em um restaurante caro. Era um delivery normal. Mas procuro não me queixar, porque estou melhor que muita gente.”

De acordo com o economista Nadin Argañaraz, diretor do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, o salário médio real do trabalhador formal é hoje entre 20% e 25% menor do que em 2017. No mercado informal, essa redução é de 30% a 35%.

Com a queda no salário real e a inflação elevada, chegou a 39,2% o total da população que vive abaixo do nível de pobreza.

Manifestação em Rosário, na Argentina; produtores rurais que sofrem com a seca pedem ajuda financeira e protestam contra impostos sobre exportações Foto: Matias Baglietto/Reuters

A situação social só não é pior porque o argentino, pelo menos até agora, não sofre com aumento da taxa de desemprego. No último trimestre de 2022, ela ficou em 6,3%, queda de 0,7 ponto porcentual na comparação com o mesmo período de 2021.

“O regime trabalhista na Argentina é muito protecionista para quem está no sistema formal. É caro demitir, e as pessoas que perdem emprego recebem auxílio social. Muitas acabam não buscando trabalho, o que reduz a taxa de emprego”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Ajuste fiscal

A seca na Argentina também deve elevar o déficit público do país neste ano, que havia caído para 2,3% do PIB em 2022. A meta acertada com o FMI para o ano passado era de 2,5% e, para este, de 1,9%. A tendência, porém, é que, com uma menor produção agrícola, a arrecadação do Estado diminua. O Itaú projeta que o déficit voltará a 3% do PIB, pressionado também por um possível aumento de gastos típico de ano eleitoral – a eleição presidencial será em outubro.

Argañaraz, do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, afirma acreditar que deverá haver um novo debate entre o FMI e o governo diante dessa situação. “Se o FMI não relaxar a meta, o governo terá de adotar uma política contracionista de gastos muito forte. A seca fará com que o esforço fiscal tenha de ser muito maior.”

Outro impacto da seca e da consequente falta de reservas é a redução das importações. O governo vem dificultando o acesso de empresas e consumidores a dólares. Sem a moeda americana, companhias não podem importar algumas matérias-primas e reduzem suas produções.

Barboza, do Itaú, afirma que o governo deve endurecer ainda mais o acesso ao câmbio, na tentativa de impedir uma maior desvalorização do peso. Também é provável que estimule as exportações de soja através de um câmbio mais favorável aos produtores. A medida poderia fazer com que os produtores vendessem o que ainda têm em seus estoques ou adiantassem exportações.

“O governo só pode tentar segurar reservas e evitar uma depreciação muito forte. É evitar uma quebra”, afirma o economista.

Uma seca que vem sendo chamada de a maior do século deteriorou a situação econômica da Argentina – que já era difícil –, acelerou a inflação e deve levar o país à recessão neste e no próximo ano. Economistas apontam que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 deverá ficar entre 2,5% e 3% e a inflação poderá chegar a 110%. Eles também afirmam que o déficit fiscal voltará a crescer, fazendo com que o país quebre seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Estamos prevendo uma queda de 3% no PIB neste ano e, se tudo for bem, uma inflação de 110%. Esse é o melhor cenário para o país hoje”, diz o economista Lorenzo Sigaut Gravina, diretor da consultoria Equilibra.

O Itaú Unibanco também projeta recuo de 3% em 2023 e de 2% em 2024, além de inflação de 100% neste ano. “A seca foi um golpe muito duro. Complicou o plano de Sergio Massa (ministro de Economia). Os desequilíbrios econômicos da Argentina são muito grande e as correções foram pequenas nos últimos meses”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Parte da recessão no país deverá ser explicada pela situação do agronegócio. A seca na Argentina reduzirá a produção de soja em 45% em relação ao que era esperado, resultando na pior colheita das últimas 15 safras. A de trigo deverá cair em 50%, na pior safra desde 2010, e a de milho, em 35%, segundo dados da Bolsa de Comércio de Rosário.

O problema se torna ainda mais delicado porque o setor agroindustrial é responsável por cerca de 65% das exportações da Argentina, que vive uma escassez de dólares. Com a queda da produção agrícola, US$ 20 bilhões (o equivalente a 23% das vendas ao exterior em 2022) deixarão de ingressar no país.

Estimativas de economistas indicam que o Banco Central argentino tem hoje aproximadamente US$ 2 bilhões em reservas líquidas – o dado oficial não é público. Aumentar as reservas internacionais é uma das medidas que a Argentina se comprometeu a adotar para que o FMI continue liberando parcelas de empréstimo.

Na primeira quinzena de março, porém, o próprio FMI concordou em afrouxar a meta de acúmulo de reservas. Em documento divulgado à imprensa, afirmou que a medida “acomodará parcialmente o impacto cada vez mais severo da seca”. Segundo o Ministério da Fazenda argentino informou à mídia local, essa redução da meta deverá ser de cerca de U$S 2 bilhões no ano, para US$ 7 bilhões.

As reservas da Argentina evaporaram porque o Banco Central vem vendendo dólares para tentar sustentar a taxa de câmbio. Se deixar a moeda se desvalorizar ainda mais, a tendência é que a inflação ganhe mais velocidade.

Por outro lado, o BC emite moeda para financiar os gastos públicos, o que pressiona a inflação. Em fevereiro, o aumento de preços superou 100% pela primeira vez no país desde outubro de 1991. O indicador chegou a 102,5% no acumulado de 12 meses – um ano antes, estava em 52,3%.

Preços congelados, inflação recorde

A inflação tem batido recordes mesmo com o governo controlando preços de produtos tidos como essenciais. Hoje, quase 2 mil produtos estão com o preço congelado no país e outros 49,8 mil não podem ter reajustes superiores a 3,2% por mês.

Por ora, é a inflação que mais tem dificultado a vida do argentino. Funcionária da área administrativa de um hospital em Buenos Aires, Laura Reschigna, de 52 anos, conta que sua situação financeira foi ficando mais difícil aos poucos em 2021 e se deteriorou rapidamente no ano passado. “Eu sempre arranjava algo para estudar, mas tive de deixar de fazer cursos. Cancelei minha linha de telefone fixo, zerei o consumo de roupas e deixei de sair aos fins de semana. Saio só uma vez por mês, quando recebo o salário.”

Laura diz ainda que trocou o carro pelo ônibus, porque a gasolina e o estacionamento no trabalho estão muito caros, além de reduzir a compra de produtos lácteos, como queijo e iogurte.

O rebaixamento no nível de vida de Laura aconteceu mesmo com ela conseguindo recompor parte do salário. Em junho do ano passado, ela recebeu um reajuste de 60% negociado entre o sindicato patronal e o dos trabalhadores. Todos os meses, os sindicatos voltam à mesa para conversar e determinar pequenos aumentos que reduzem as perdas.

“Ainda assim, não é suficiente. A comida está caríssima. Esses dias pedi uma pizza e custou 5 mil pesos (R$ 123). Não pedi em um restaurante caro. Era um delivery normal. Mas procuro não me queixar, porque estou melhor que muita gente.”

De acordo com o economista Nadin Argañaraz, diretor do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, o salário médio real do trabalhador formal é hoje entre 20% e 25% menor do que em 2017. No mercado informal, essa redução é de 30% a 35%.

Com a queda no salário real e a inflação elevada, chegou a 39,2% o total da população que vive abaixo do nível de pobreza.

Manifestação em Rosário, na Argentina; produtores rurais que sofrem com a seca pedem ajuda financeira e protestam contra impostos sobre exportações Foto: Matias Baglietto/Reuters

A situação social só não é pior porque o argentino, pelo menos até agora, não sofre com aumento da taxa de desemprego. No último trimestre de 2022, ela ficou em 6,3%, queda de 0,7 ponto porcentual na comparação com o mesmo período de 2021.

“O regime trabalhista na Argentina é muito protecionista para quem está no sistema formal. É caro demitir, e as pessoas que perdem emprego recebem auxílio social. Muitas acabam não buscando trabalho, o que reduz a taxa de emprego”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Ajuste fiscal

A seca na Argentina também deve elevar o déficit público do país neste ano, que havia caído para 2,3% do PIB em 2022. A meta acertada com o FMI para o ano passado era de 2,5% e, para este, de 1,9%. A tendência, porém, é que, com uma menor produção agrícola, a arrecadação do Estado diminua. O Itaú projeta que o déficit voltará a 3% do PIB, pressionado também por um possível aumento de gastos típico de ano eleitoral – a eleição presidencial será em outubro.

Argañaraz, do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, afirma acreditar que deverá haver um novo debate entre o FMI e o governo diante dessa situação. “Se o FMI não relaxar a meta, o governo terá de adotar uma política contracionista de gastos muito forte. A seca fará com que o esforço fiscal tenha de ser muito maior.”

Outro impacto da seca e da consequente falta de reservas é a redução das importações. O governo vem dificultando o acesso de empresas e consumidores a dólares. Sem a moeda americana, companhias não podem importar algumas matérias-primas e reduzem suas produções.

Barboza, do Itaú, afirma que o governo deve endurecer ainda mais o acesso ao câmbio, na tentativa de impedir uma maior desvalorização do peso. Também é provável que estimule as exportações de soja através de um câmbio mais favorável aos produtores. A medida poderia fazer com que os produtores vendessem o que ainda têm em seus estoques ou adiantassem exportações.

“O governo só pode tentar segurar reservas e evitar uma depreciação muito forte. É evitar uma quebra”, afirma o economista.

Uma seca que vem sendo chamada de a maior do século deteriorou a situação econômica da Argentina – que já era difícil –, acelerou a inflação e deve levar o país à recessão neste e no próximo ano. Economistas apontam que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 deverá ficar entre 2,5% e 3% e a inflação poderá chegar a 110%. Eles também afirmam que o déficit fiscal voltará a crescer, fazendo com que o país quebre seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Estamos prevendo uma queda de 3% no PIB neste ano e, se tudo for bem, uma inflação de 110%. Esse é o melhor cenário para o país hoje”, diz o economista Lorenzo Sigaut Gravina, diretor da consultoria Equilibra.

O Itaú Unibanco também projeta recuo de 3% em 2023 e de 2% em 2024, além de inflação de 100% neste ano. “A seca foi um golpe muito duro. Complicou o plano de Sergio Massa (ministro de Economia). Os desequilíbrios econômicos da Argentina são muito grande e as correções foram pequenas nos últimos meses”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Parte da recessão no país deverá ser explicada pela situação do agronegócio. A seca na Argentina reduzirá a produção de soja em 45% em relação ao que era esperado, resultando na pior colheita das últimas 15 safras. A de trigo deverá cair em 50%, na pior safra desde 2010, e a de milho, em 35%, segundo dados da Bolsa de Comércio de Rosário.

O problema se torna ainda mais delicado porque o setor agroindustrial é responsável por cerca de 65% das exportações da Argentina, que vive uma escassez de dólares. Com a queda da produção agrícola, US$ 20 bilhões (o equivalente a 23% das vendas ao exterior em 2022) deixarão de ingressar no país.

Estimativas de economistas indicam que o Banco Central argentino tem hoje aproximadamente US$ 2 bilhões em reservas líquidas – o dado oficial não é público. Aumentar as reservas internacionais é uma das medidas que a Argentina se comprometeu a adotar para que o FMI continue liberando parcelas de empréstimo.

Na primeira quinzena de março, porém, o próprio FMI concordou em afrouxar a meta de acúmulo de reservas. Em documento divulgado à imprensa, afirmou que a medida “acomodará parcialmente o impacto cada vez mais severo da seca”. Segundo o Ministério da Fazenda argentino informou à mídia local, essa redução da meta deverá ser de cerca de U$S 2 bilhões no ano, para US$ 7 bilhões.

As reservas da Argentina evaporaram porque o Banco Central vem vendendo dólares para tentar sustentar a taxa de câmbio. Se deixar a moeda se desvalorizar ainda mais, a tendência é que a inflação ganhe mais velocidade.

Por outro lado, o BC emite moeda para financiar os gastos públicos, o que pressiona a inflação. Em fevereiro, o aumento de preços superou 100% pela primeira vez no país desde outubro de 1991. O indicador chegou a 102,5% no acumulado de 12 meses – um ano antes, estava em 52,3%.

Preços congelados, inflação recorde

A inflação tem batido recordes mesmo com o governo controlando preços de produtos tidos como essenciais. Hoje, quase 2 mil produtos estão com o preço congelado no país e outros 49,8 mil não podem ter reajustes superiores a 3,2% por mês.

Por ora, é a inflação que mais tem dificultado a vida do argentino. Funcionária da área administrativa de um hospital em Buenos Aires, Laura Reschigna, de 52 anos, conta que sua situação financeira foi ficando mais difícil aos poucos em 2021 e se deteriorou rapidamente no ano passado. “Eu sempre arranjava algo para estudar, mas tive de deixar de fazer cursos. Cancelei minha linha de telefone fixo, zerei o consumo de roupas e deixei de sair aos fins de semana. Saio só uma vez por mês, quando recebo o salário.”

Laura diz ainda que trocou o carro pelo ônibus, porque a gasolina e o estacionamento no trabalho estão muito caros, além de reduzir a compra de produtos lácteos, como queijo e iogurte.

O rebaixamento no nível de vida de Laura aconteceu mesmo com ela conseguindo recompor parte do salário. Em junho do ano passado, ela recebeu um reajuste de 60% negociado entre o sindicato patronal e o dos trabalhadores. Todos os meses, os sindicatos voltam à mesa para conversar e determinar pequenos aumentos que reduzem as perdas.

“Ainda assim, não é suficiente. A comida está caríssima. Esses dias pedi uma pizza e custou 5 mil pesos (R$ 123). Não pedi em um restaurante caro. Era um delivery normal. Mas procuro não me queixar, porque estou melhor que muita gente.”

De acordo com o economista Nadin Argañaraz, diretor do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, o salário médio real do trabalhador formal é hoje entre 20% e 25% menor do que em 2017. No mercado informal, essa redução é de 30% a 35%.

Com a queda no salário real e a inflação elevada, chegou a 39,2% o total da população que vive abaixo do nível de pobreza.

Manifestação em Rosário, na Argentina; produtores rurais que sofrem com a seca pedem ajuda financeira e protestam contra impostos sobre exportações Foto: Matias Baglietto/Reuters

A situação social só não é pior porque o argentino, pelo menos até agora, não sofre com aumento da taxa de desemprego. No último trimestre de 2022, ela ficou em 6,3%, queda de 0,7 ponto porcentual na comparação com o mesmo período de 2021.

“O regime trabalhista na Argentina é muito protecionista para quem está no sistema formal. É caro demitir, e as pessoas que perdem emprego recebem auxílio social. Muitas acabam não buscando trabalho, o que reduz a taxa de emprego”, diz o economista Juan Barboza, do Itaú.

Ajuste fiscal

A seca na Argentina também deve elevar o déficit público do país neste ano, que havia caído para 2,3% do PIB em 2022. A meta acertada com o FMI para o ano passado era de 2,5% e, para este, de 1,9%. A tendência, porém, é que, com uma menor produção agrícola, a arrecadação do Estado diminua. O Itaú projeta que o déficit voltará a 3% do PIB, pressionado também por um possível aumento de gastos típico de ano eleitoral – a eleição presidencial será em outubro.

Argañaraz, do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, afirma acreditar que deverá haver um novo debate entre o FMI e o governo diante dessa situação. “Se o FMI não relaxar a meta, o governo terá de adotar uma política contracionista de gastos muito forte. A seca fará com que o esforço fiscal tenha de ser muito maior.”

Outro impacto da seca e da consequente falta de reservas é a redução das importações. O governo vem dificultando o acesso de empresas e consumidores a dólares. Sem a moeda americana, companhias não podem importar algumas matérias-primas e reduzem suas produções.

Barboza, do Itaú, afirma que o governo deve endurecer ainda mais o acesso ao câmbio, na tentativa de impedir uma maior desvalorização do peso. Também é provável que estimule as exportações de soja através de um câmbio mais favorável aos produtores. A medida poderia fazer com que os produtores vendessem o que ainda têm em seus estoques ou adiantassem exportações.

“O governo só pode tentar segurar reservas e evitar uma depreciação muito forte. É evitar uma quebra”, afirma o economista.

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