‘Não vejo à frente uma 3ª guerra, mas um mundo tenso’, diz Arminio Fraga


Com ‘democracias derretendo’, ex-presidente do BC torce ‘para que EUA e China se entendam’

Por Sonia Racy
Foto: Fábio Motta / Estadão
Entrevista comArminio FragaEx-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimentos

É na economia que o nome de Arminio Fraga sempre vem à tona, mas, com tanta incerteza por todos os lados do planeta, a macropolítica não sai do seu radar. Hoje no comando da Gávea Investimentos, o ex-presidente do BC (no governo FHC, entre 1999 e 2003) também preside o conselho da B3 e o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Na bagagem, além da PUC-Rio ele já deu aulas na Universidade de Columbia e na Wharton School, americanas.

Nesta conversa com o Estadão, Arminio examina a política mundial e percebe “democracias derretendo aos poucos, guerras acontecendo em palcos diferentes” – e agora Putin reeleito com 80% dos votos. Problemas à vista? “Não vejo uma grande guerra, mas um mundo muito tenso”, resume. E quanto ao Brasil? “O investimento público colapsou. Economia que não investe não cresce. E, num mundo fiscal bagunçado, quem se ferra sempre são os pobres.” A seguir, os principais trechos da conversa.

Com incertezas por todo lado, como você avalia o cenário global hoje?

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Há 15 anos, provavelmente estaríamos falando de desequilíbrios globais, o superávit de conta corrente da China, coisas assim. Mas agora vemos grandes eventos acontecendo fora do mundo básico da economia. Guerras na Ucrânia e em Gaza, mudança política importante na China com a grande guinada do Xi Jinping, pandemia. Na economia do planeta, um quadro complicado que terá repercussões, mas de baixa previsibilidade.

Podemos chegar a uma nova guerra mundial ou algo perto disso?

Estamos em um mundo em que as democracias vão derretendo aos poucos, guerras vão acontecendo em palcos diferentes. Pode ser uma guerra biológica, uma ciberguerra etc. Digamos que sejam guerras de guerrilhas do século 21. A Rússia tem um arsenal muito poderoso. Agora, os incentivos não são para uma destruição total. O grande medo é de que algum disparo leve alguém a apertar sem querer algum botão.

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Arminio Fraga foi presidente do Banco Central no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso Foto: Silvana Garzaro / Estadão

E a China nesse cenário?

Na China, não há nenhum sinal de que estejam se preparando para uma guerra – convencional ou nuclear. Eles estão numa fase econômica complicada de desaquecimento. Muito endividamento interno, setor imobiliário meio saturado. Enfim, não vejo uma grande guerra, mas um mundo muito tenso. A China se desconectar do mundo também seria muito ruim para ela porque depende muito de exportação.

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E para onde isso aponta?

Uma saída robusta exigiria que os Estados Unidos e a China se entendessem um pouco mais. Por exemplo, com um maior engajamento dos bancos de desenvolvimento globais, correndo muito mais risco, atendendo à China em seu pedido de mais espaço no Banco Mundial, que é a principal dessas instituições. Tenho esperança de que possa haver algum acerto, não sei exatamente qual.

Isso tem algo a ver com os juros internacionais?

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Tivemos 40 anos de tendência de queda nos juros americanos e também globais. Quarenta anos. Do ponto de vista financeiro, é claramente um vento a favor. Os juros caem e os múltiplos vão aumentando, e a Bolsa americana dando um show em cima de tecnologia.

E no Brasil? Olhando o governo Lula 3, você se arrepende de tê-lo apoiado?

De jeito nenhum. Estávamos indo para um caminho pior. O Brasil era um pária, acho que o risco de golpe foi real, felizmente não aconteceu. Ali eu não via futuro. Mas eu esperava mais. A questão fiscal, por exemplo, é vista como uma maldade, mas historicamente são os pobres que sofrem mais quando as contas não estão em ordem.

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E Lula 3 recebeu as contas em ordem, não?

Recebeu. Agora, ele e seu partido embargaram o lado do gasto, só estão trabalhando o da receita. E estamos crescendo pouquíssimo há 40 anos, deixando passar as oportunidades. Uma economia que não investe não cresce, se não tem certa tranquilidade macroeconômica não cresce, se tem risco político não cresce. Não aprendemos com os acertos.

Enfim, é preciso achar algum caminho. Qual seria?

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O ajuste fiscal é necessário para uma vida financeira mais calma. Veja, nos últimos 30 anos o gasto do Estado brasileiro cresceu de 25% para 33% do PIB, números redondos, de um quarto para um terço. O investimento público caiu de 5% para 1%, mais ou menos. O que quer dizer: ele colapsou totalmente. Quase 80% do gasto vai para Previdência e para a folha de pagamento do setor público. Não há saída se isso não for abordado.

O BC é um personagem central da economia. Como avalia o que ele tem feito? Roberto Campos Neto fica?

Ele tem feito um excelente trabalho. Durante esse período todo, os juros do Brasil têm sido altos – mas a inflação não ficou abaixo da meta. Então, o Banco Central claramente precisa de ajuda. Ou seja, não foi um ato de sadismo do BC, que precisa de ajuda fiscal para a coisa se equilibrar a um custo menor. Não sei se o Campos fica. Provavelmente, não. Ou porque não quer, ou porque está cansado ou porque o PT vai querer colocar algum nome seu.

É na economia que o nome de Arminio Fraga sempre vem à tona, mas, com tanta incerteza por todos os lados do planeta, a macropolítica não sai do seu radar. Hoje no comando da Gávea Investimentos, o ex-presidente do BC (no governo FHC, entre 1999 e 2003) também preside o conselho da B3 e o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Na bagagem, além da PUC-Rio ele já deu aulas na Universidade de Columbia e na Wharton School, americanas.

Nesta conversa com o Estadão, Arminio examina a política mundial e percebe “democracias derretendo aos poucos, guerras acontecendo em palcos diferentes” – e agora Putin reeleito com 80% dos votos. Problemas à vista? “Não vejo uma grande guerra, mas um mundo muito tenso”, resume. E quanto ao Brasil? “O investimento público colapsou. Economia que não investe não cresce. E, num mundo fiscal bagunçado, quem se ferra sempre são os pobres.” A seguir, os principais trechos da conversa.

Com incertezas por todo lado, como você avalia o cenário global hoje?

Há 15 anos, provavelmente estaríamos falando de desequilíbrios globais, o superávit de conta corrente da China, coisas assim. Mas agora vemos grandes eventos acontecendo fora do mundo básico da economia. Guerras na Ucrânia e em Gaza, mudança política importante na China com a grande guinada do Xi Jinping, pandemia. Na economia do planeta, um quadro complicado que terá repercussões, mas de baixa previsibilidade.

Podemos chegar a uma nova guerra mundial ou algo perto disso?

Estamos em um mundo em que as democracias vão derretendo aos poucos, guerras vão acontecendo em palcos diferentes. Pode ser uma guerra biológica, uma ciberguerra etc. Digamos que sejam guerras de guerrilhas do século 21. A Rússia tem um arsenal muito poderoso. Agora, os incentivos não são para uma destruição total. O grande medo é de que algum disparo leve alguém a apertar sem querer algum botão.

Arminio Fraga foi presidente do Banco Central no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso Foto: Silvana Garzaro / Estadão

E a China nesse cenário?

Na China, não há nenhum sinal de que estejam se preparando para uma guerra – convencional ou nuclear. Eles estão numa fase econômica complicada de desaquecimento. Muito endividamento interno, setor imobiliário meio saturado. Enfim, não vejo uma grande guerra, mas um mundo muito tenso. A China se desconectar do mundo também seria muito ruim para ela porque depende muito de exportação.

E para onde isso aponta?

Uma saída robusta exigiria que os Estados Unidos e a China se entendessem um pouco mais. Por exemplo, com um maior engajamento dos bancos de desenvolvimento globais, correndo muito mais risco, atendendo à China em seu pedido de mais espaço no Banco Mundial, que é a principal dessas instituições. Tenho esperança de que possa haver algum acerto, não sei exatamente qual.

Isso tem algo a ver com os juros internacionais?

Tivemos 40 anos de tendência de queda nos juros americanos e também globais. Quarenta anos. Do ponto de vista financeiro, é claramente um vento a favor. Os juros caem e os múltiplos vão aumentando, e a Bolsa americana dando um show em cima de tecnologia.

E no Brasil? Olhando o governo Lula 3, você se arrepende de tê-lo apoiado?

De jeito nenhum. Estávamos indo para um caminho pior. O Brasil era um pária, acho que o risco de golpe foi real, felizmente não aconteceu. Ali eu não via futuro. Mas eu esperava mais. A questão fiscal, por exemplo, é vista como uma maldade, mas historicamente são os pobres que sofrem mais quando as contas não estão em ordem.

E Lula 3 recebeu as contas em ordem, não?

Recebeu. Agora, ele e seu partido embargaram o lado do gasto, só estão trabalhando o da receita. E estamos crescendo pouquíssimo há 40 anos, deixando passar as oportunidades. Uma economia que não investe não cresce, se não tem certa tranquilidade macroeconômica não cresce, se tem risco político não cresce. Não aprendemos com os acertos.

Enfim, é preciso achar algum caminho. Qual seria?

O ajuste fiscal é necessário para uma vida financeira mais calma. Veja, nos últimos 30 anos o gasto do Estado brasileiro cresceu de 25% para 33% do PIB, números redondos, de um quarto para um terço. O investimento público caiu de 5% para 1%, mais ou menos. O que quer dizer: ele colapsou totalmente. Quase 80% do gasto vai para Previdência e para a folha de pagamento do setor público. Não há saída se isso não for abordado.

O BC é um personagem central da economia. Como avalia o que ele tem feito? Roberto Campos Neto fica?

Ele tem feito um excelente trabalho. Durante esse período todo, os juros do Brasil têm sido altos – mas a inflação não ficou abaixo da meta. Então, o Banco Central claramente precisa de ajuda. Ou seja, não foi um ato de sadismo do BC, que precisa de ajuda fiscal para a coisa se equilibrar a um custo menor. Não sei se o Campos fica. Provavelmente, não. Ou porque não quer, ou porque está cansado ou porque o PT vai querer colocar algum nome seu.

É na economia que o nome de Arminio Fraga sempre vem à tona, mas, com tanta incerteza por todos os lados do planeta, a macropolítica não sai do seu radar. Hoje no comando da Gávea Investimentos, o ex-presidente do BC (no governo FHC, entre 1999 e 2003) também preside o conselho da B3 e o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Na bagagem, além da PUC-Rio ele já deu aulas na Universidade de Columbia e na Wharton School, americanas.

Nesta conversa com o Estadão, Arminio examina a política mundial e percebe “democracias derretendo aos poucos, guerras acontecendo em palcos diferentes” – e agora Putin reeleito com 80% dos votos. Problemas à vista? “Não vejo uma grande guerra, mas um mundo muito tenso”, resume. E quanto ao Brasil? “O investimento público colapsou. Economia que não investe não cresce. E, num mundo fiscal bagunçado, quem se ferra sempre são os pobres.” A seguir, os principais trechos da conversa.

Com incertezas por todo lado, como você avalia o cenário global hoje?

Há 15 anos, provavelmente estaríamos falando de desequilíbrios globais, o superávit de conta corrente da China, coisas assim. Mas agora vemos grandes eventos acontecendo fora do mundo básico da economia. Guerras na Ucrânia e em Gaza, mudança política importante na China com a grande guinada do Xi Jinping, pandemia. Na economia do planeta, um quadro complicado que terá repercussões, mas de baixa previsibilidade.

Podemos chegar a uma nova guerra mundial ou algo perto disso?

Estamos em um mundo em que as democracias vão derretendo aos poucos, guerras vão acontecendo em palcos diferentes. Pode ser uma guerra biológica, uma ciberguerra etc. Digamos que sejam guerras de guerrilhas do século 21. A Rússia tem um arsenal muito poderoso. Agora, os incentivos não são para uma destruição total. O grande medo é de que algum disparo leve alguém a apertar sem querer algum botão.

Arminio Fraga foi presidente do Banco Central no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso Foto: Silvana Garzaro / Estadão

E a China nesse cenário?

Na China, não há nenhum sinal de que estejam se preparando para uma guerra – convencional ou nuclear. Eles estão numa fase econômica complicada de desaquecimento. Muito endividamento interno, setor imobiliário meio saturado. Enfim, não vejo uma grande guerra, mas um mundo muito tenso. A China se desconectar do mundo também seria muito ruim para ela porque depende muito de exportação.

E para onde isso aponta?

Uma saída robusta exigiria que os Estados Unidos e a China se entendessem um pouco mais. Por exemplo, com um maior engajamento dos bancos de desenvolvimento globais, correndo muito mais risco, atendendo à China em seu pedido de mais espaço no Banco Mundial, que é a principal dessas instituições. Tenho esperança de que possa haver algum acerto, não sei exatamente qual.

Isso tem algo a ver com os juros internacionais?

Tivemos 40 anos de tendência de queda nos juros americanos e também globais. Quarenta anos. Do ponto de vista financeiro, é claramente um vento a favor. Os juros caem e os múltiplos vão aumentando, e a Bolsa americana dando um show em cima de tecnologia.

E no Brasil? Olhando o governo Lula 3, você se arrepende de tê-lo apoiado?

De jeito nenhum. Estávamos indo para um caminho pior. O Brasil era um pária, acho que o risco de golpe foi real, felizmente não aconteceu. Ali eu não via futuro. Mas eu esperava mais. A questão fiscal, por exemplo, é vista como uma maldade, mas historicamente são os pobres que sofrem mais quando as contas não estão em ordem.

E Lula 3 recebeu as contas em ordem, não?

Recebeu. Agora, ele e seu partido embargaram o lado do gasto, só estão trabalhando o da receita. E estamos crescendo pouquíssimo há 40 anos, deixando passar as oportunidades. Uma economia que não investe não cresce, se não tem certa tranquilidade macroeconômica não cresce, se tem risco político não cresce. Não aprendemos com os acertos.

Enfim, é preciso achar algum caminho. Qual seria?

O ajuste fiscal é necessário para uma vida financeira mais calma. Veja, nos últimos 30 anos o gasto do Estado brasileiro cresceu de 25% para 33% do PIB, números redondos, de um quarto para um terço. O investimento público caiu de 5% para 1%, mais ou menos. O que quer dizer: ele colapsou totalmente. Quase 80% do gasto vai para Previdência e para a folha de pagamento do setor público. Não há saída se isso não for abordado.

O BC é um personagem central da economia. Como avalia o que ele tem feito? Roberto Campos Neto fica?

Ele tem feito um excelente trabalho. Durante esse período todo, os juros do Brasil têm sido altos – mas a inflação não ficou abaixo da meta. Então, o Banco Central claramente precisa de ajuda. Ou seja, não foi um ato de sadismo do BC, que precisa de ajuda fiscal para a coisa se equilibrar a um custo menor. Não sei se o Campos fica. Provavelmente, não. Ou porque não quer, ou porque está cansado ou porque o PT vai querer colocar algum nome seu.

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