Armínio Fraga: ‘O setor privado tem de entrar nessa tarefa heroica de defender o meio ambiente’


Empresários lançam ‘pacto econômico com a natureza’; ‘O objetivo é mostrar uma união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver’, diz Pedro de Camargo Neto

Por Beatriz Bulla
Atualização:
Foto: Silvana Garzaro/Estadão Christina Rufatto/Estadão
Entrevista comArmínio Fraga e Pedro de Camargo NetoEx-presidente do BC e ex-presidente da SRB

Um grupo de 53 empresários assina nesta quarta-feira, 28, um manifesto em defesa da articulação entre setor público e privado para gerar uma coalizão em defesa do meio ambiente, da economia e do bem-estar da população. “O setor privado tem de assumir também essa tarefa, que eu diria hoje é heróica, porque as coisas não estão indo muito bem. Quando de um lado nós enxergamos Porto Alegre e no outro o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado”, afirma o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, um dos signatários, em entrevista ao Estadão.

O documento reúne nomes de diferentes setores. Pedro de Camargo Neto, produtor rural que foi presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-secretário do Ministério da Agricultura, também está entre os defensores do chamado “pacto econômico com a natureza”. “O objeto é mostrar uma união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil”, afirma Camargo.

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O documento começou a ser costurado por Pedro Bueno (CEO do grupo de saúde Dasa), Candido Bracher (membro do conselho de administração do Itaú), Roberto Klabin (conselheiro da Klabin) e Walter Schalka (membro do conselho da Suzano), que reuniram outras figuras do setor privado como Fraga, Camargo, Ana Maria Diniz, José Luiz Setúbal e Rubens Ometto.

Em entrevista ao Estadão, Fraga e Camargo criticam a ideia de explorar petróleo na margem equatorial, uma proposta que racha o governo Lula atualmente. “A receita adicional (com a exploração de petróleo) acho que seria ínfima perto do ganho que esse sinal (de não explorar) traria para nós. E o risco ambiental é inaceitável a essa altura do jogo. Tem de ser encarada não como uma decisão puramente econômica de ‘vamos arrumar lá mais uma receita’, mas algo muito maior. O Brasil precisa também cuidar da sua imagem”, afirma Fraga. “Nós queremos ajudar o governo a compreender que não é o momento de explorar petróleo”, afirma Camargo.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

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Como o manifesto do pacto econômico com a natureza chegou aos srs.? E qual a importância de divulgá-lo neste momento?

Armínio Fraga: Eu não fui do núcleo inicial, mas no momento em que me apresentaram o texto, eu assinei na hora. E essencialmente porque eu vejo essa situação como sendo um problema global. O Brasil tem peso, o Brasil pode liderar dando exemplo. O setor privado tem de assumir também essa tarefa, que eu diria hoje é heroica, porque as coisas não estão indo muito bem. Eu acho que quando de um lado nós enxergamos Porto Alegre e no outro o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado. Isso faz parte de um movimento maior, que é esse movimento do ESG.

É um passo cultural de conscientização da maior importância. Eu vejo também ao mesmo tempo esse esforço como sendo, no fundo, algo que poderia ir muito além. O Brasil tem chance de ser hoje um país que dá o exemplo, como vem dando na energia limpa. A nossa agricultura é extraordinariamente produtiva. Há uma expectativa, a meu ver absolutamente realista, de continuar a crescer a produção sem desmatar. O Brasil pode ser um enorme produtor de créditos de carbono, porque há um espaço degradado que pode ser também aproveitado para agricultura, o que seria um avanço.

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No geral, eu às vezes acho que o Brasil poderia ter ambições que vão além do econômico. O Brasil poderia ter, no mundo verde, um elemento de qualidade de vida, de autoestima. Isso tudo vem junto. É uma frente extraordinária para o Brasil. Eu vejo o setor privado querendo se engajar, querendo ajudar, portanto, disposto a participar, a discutir de uma maneira aberta, moderna, desse Brasil melhor.

Pedro de Camargo Neto: Eu entrei já com um processo de articulação. Não estou na base inicial, mas me identifico com o manifesto. Vivemos um momento único. Tem uma catástrofe, o clima está mudando mesmo e acho que hoje já não se discute mais. Nós vivemos um passado de negacionismo. Mas o objetivo aqui não é polarizar, é olhar pra frente, é unir, é criar consensos. Então, vimos o documento dos três poderes da semana passada. Que bom que eles estão lá, também, conversando, se unindo. E vamos construir em cima disso.

O objetivo é de união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil.

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Armínio Fraga: Sem vergonha de carregar um pouquinho nas tintas: o nosso manifesto é um manifesto em prol da humanidade e da modernidade.

Pedro de Camargo Neto: E do papel que o Brasil tem. Tem o momento oportuno, a localização oportuna, tem um conjunto de fatores que nos colocam numa possibilidade de ajudar a humanidade de uma maneira muito forte, desde que estejamos lá, unidos. Porque não tem motivo para não estarmos.

Como o Brasil chegará à COP, no ano que vem?

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Pedro de Camargo Neto: Nós temos uma característica meio única. Primeiro, os combustíveis fósseis são pequenos nas nossas emissões. Temos os biocombustíveis todos crescendo. Começamos com o álcool lá atrás, agora virou etanol, etanol segunda geração, biodiesel. O que aconteceu na eólica no Nordeste é inacreditável. O que está acontecendo na fotovoltaica também é inacreditável. Então, o Brasil é um país líder.

Qual é o maior problema do aquecimento global? Combustíveis fósseis. Então, temos de enfrentar o que os outros estão fazendo, pressioná-los de que eles também têm de caminhar em uma direção que está devagar. Todos estão fazendo o que estão fazendo, mas está devagar.

E acho que o Brasil entrará fragilizado explorando o petróleo, ali do lado.

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O governo brasileiro deveria desistir da ideia de explorar petróleo na margem equatorial?

Pedro de Camargo Neto: Nós estamos aqui para construir, não é para criticar o governo. É para ajudá-lo no propósito. Mas o governo tem uma divergência interna. É claro que tem. Tem aqueles que acham que não deve (explorar o petróleo) e outros que acham que deve. Nós queremos ajudá-los a compreender que não é o momento. Não é o momento porque o Brasil exporta petróleo, mas o mundo não está precisando de petróleo. Você tem de liderar o antifóssil, anticombustível.

O Brasil, dos grandes, é o único que pode deixar claro: nós temos de reduzir combustíveis fósseis, vocês têm de reduzir combustíveis fósseis. Porque nós, por coincidências históricas, de matriz energética, de hidrelétrica, desde sempre, já temos uma matriz diferenciada. E o nosso grande calcanhar é o desmatamento, que temos de resolver também.

Armínio Fraga: A força econômica na direção de furar para explorar é grande. Então esse é um caso clássico, eu acho que só uma mudança cultural não vai resolver. O governo vai ter de tomar uma decisão corajosa de dar um basta. É uma área delicada, não só do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista, vamos chamar, da natureza. São riscos enormes e eu acho que isso não deveria acontecer. É um sinal horroroso e às vezes o custo reputacional... Hoje deveríamos ver um grande movimento do Brasil de liderar esse esforço que está atrasado, o planeta está atrasado, os grandes países não se entendem. Se o Brasil desse exemplo, seria extraordinário.

A receita adicional (com a exploração de petróleo) acho que seria ínfima perto do ganho que esse sinal traria para nós, e o risco ambiental é inaceitável a essa altura do jogo. Tem de ser encarada não como uma decisão puramente econômica de ‘vamos arrumar lá mais uma receita’, mas algo muito maior. O Brasil precisa também cuidar da sua imagem. O Brasil pode ter um espaço de liderança e às vezes uma situação dessas requer decisões que vão muito acima do econômico básico.

Fazenda de reflorestamento em Maracaçumé-MA Foto: FILIPE BISPO

Armínio, o sr. está por trás de uma das empresas de crédito de carbono, a Re.Green. Como tem visto o potencial do Brasil no reflorestamento ambiental?

Armínio Fraga: É uma fronteira extraordinária, o Brasil precisa aproveitar esse espaço. Eu não me sinto nem um pouco conflitado, eu vejo o que nós fazemos como sendo uma atividade que é um ganha-ganha. O nosso objetivo é demonstrar que isso é possível sem subsídios, mesmo num assunto em que subsídios seriam uma política razoável. Se, de um lado, você está querendo ter um imposto sobre carbono, você poderia do outro lado dizer então que quem está recolhendo o carbono da atmosfera talvez fosse até subsidiado. Acho que o Brasil fez uma opção um pouco diferente nesse arcabouço que ainda está por ser desenvolvido.

O grande tema do comércio internacional é cada país produzir aquilo que ele faz melhor, a ideia das vantagens comparativas. O Brasil tem uma monumental vantagem comparativa em reflorestar. Isso tem implicações que vão além do carbono, porque feito de forma ecológica, com biodiversidade, com diversidade de espécies, de espécies nativas, isso gera um ganho também, hoje a gente não consegue quantificar, mas com certeza gera um tremendo ganho no que diz respeito à biodiversidade. O Brasil precisa tomar cuidado porque sempre existem setores que gostariam de comprar um crédito de carbono baratinho para continuar a poluir. E isso é uma ilusão, porque se o crédito de carbono for baratinho, não vai ter reflorestamento.

Estamos diante de um momento de estruturar esse mercado direito, estruturar o arcabouço do carbono de tal forma que o Brasil possa não só dar uma contribuição, vamos chamar assim, atmosférica, mas econômica também, e é mais do que isso. Eu insisto no ponto de autoestima, de qualidade de vida, que me faz pensar em Costa Rica, me faz pensar na Nova Zelândia. Por que não?

O manifesto fala que os três poderes e o empresariado precisam se unir o quanto antes para dar velocidade a esse desafio. Essa interlocução com Brasília por parte do setor privado tem se dado de maneira eficiente?

Armínio Fraga: Eu vejo um debate ocorrendo de uma maneira saudável. O resultado a gente vai saber em breve como é que esse setor vai ser estruturado, regulado aqui no Brasil. E eu vejo nesse diálogo entre setor privado e setor público aquilo acontecendo da maneira como deve ser. Nós não estamos falando de empresas que estão lá batendo na porta do governo para pedir um subsídio, uma proteção contra concorrência estrangeira, é o oposto. Nós estamos querendo um espaço neutro para o Brasil fazer bem o que ele sabe fazer, o que ele pode fazer. Não é um lobby como se viu no passado, que foi onde, enfim, escândalos aconteceram.

Quais os mecanismos de financiamento devemos ter para isso?

Armínio Fraga: Não existem ainda padrões de financiamento definidos. Falando especificamente da Re.Green, estamos conversando com pelo menos duas dúzias de grandes empresas globais. Cada uma tem uma ideia diferente. Nós oferecemos o conhecimento, vamos chamar, biológico do nosso país, e o Brasil é líder nessa área. Oferecemos o conhecimento de uma área onde também nós somos líderes, ao contrário, que são nas questões fundiárias, que são dificílimas, mas dá pra trabalhar. E o pessoal de fora vem com ideias de financiamento que nos surpreenderam. Muita gente oferecendo pagar adiantado. A gestão de risco é fascinante e difícil.

Muita gente fala também, sem querer ser negativo, mas o reflorestamento não vai resolver o problema, de fato. Se daqui a X anos o que der para reflorestar já estiver reflorestado e nós não tivermos reduzido a nossa emissão de gás de estufa, o problema vai voltar. Mas hoje, do jeito que as coisas andam no planeta, ganhar tempo é muito precioso. Precisamos de tempo para compensar a falta de ação geral no planeta. É nesse espaço que essa atividade se encaixa.

Muitas vezes coloca-se o agronegócio como um obstáculo na discussão de um desenvolvimento econômico sustentável, especialmente no Brasil, onde a maioria das emissões de carbono vêm do uso do solo -- e desmatamento. Como os srs. veem o papel do agro neste debate?

Pedro de Camargo Neto: Isso é reflexo da polarização. Primeiro, a gente ainda vive uma polarização partidária, eleitoral, muito grave, muito negativa. E vivemos também, no governo passado, o negaciosnismo em diversos aspectos. Na questão ambiental, eu vejo uma polarização com o rural. Eu publiquei um artigo no Estadão onde eu lembrei que, quando eu fui presidente da Sociedade Rural Brasileira, em 1992, nós fizemos uma cartilha cujo título era ‘Valorize Sua Propriedade, Preserve o Meio Ambiente’. Desde 1992, não nos vemos como problema. Até porque dependemos do ambiente muito mais do que os outros. Porque nós vivemos do processo natureza.

Quando olhamos as emissões vemos o uso da terra, onde vem produção agrícola e o desmatamento. Na produção agrícola, eu acho que nós temos que avançar, mas nós não estamos mais atrasados (em comparação com o mundo). Nós estamos até, eu diria, na frente, em muitas culturas, se não em todas.

Daí vem a questão do desmatamento, que realmente é um fato que está aí. Tivemos um presidente da República que incentivava o garimpo e quase um incentivo ao grilo.

Atualmente, já fiz a crítica ao governo diretamente: eles não podem tratar de desmatamento legal junto com o ilegal. É um número que atrapalha. Atrapalha, porque daí você está condenando o legal de uma maneira simplista. Porque, se está na lei, você tem que evoluir mais para convencê-lo de não desmatar. E o grosso que é na Amazônia é basicamente ilegal. Não deixa sobrar para mim. Eu não quero sobrar com o número do INPE.

Armínio Fraga: Estou com o Pedro sobre a importância de se separar com clareza o que é legal do que é ilegal. Eu até defendo publicamente uma meta global para o País de reflorestamento, mas ela tem que ser encarada nas suas componentes. O desmatamento ilegal é colossal. E ele hoje claramente depende de um esforço em várias frentes. Tem um lado que só o governo pode entregar, que é o lado da repressão mesmo. Então é uma tarefa que é muito grande e complexa, mas é preciso ter clareza do que se trata. O grosso da produção agrícola brasileira ocorre dentro de padrões extremamente rigorosos.

Um grupo de 53 empresários assina nesta quarta-feira, 28, um manifesto em defesa da articulação entre setor público e privado para gerar uma coalizão em defesa do meio ambiente, da economia e do bem-estar da população. “O setor privado tem de assumir também essa tarefa, que eu diria hoje é heróica, porque as coisas não estão indo muito bem. Quando de um lado nós enxergamos Porto Alegre e no outro o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado”, afirma o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, um dos signatários, em entrevista ao Estadão.

O documento reúne nomes de diferentes setores. Pedro de Camargo Neto, produtor rural que foi presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-secretário do Ministério da Agricultura, também está entre os defensores do chamado “pacto econômico com a natureza”. “O objeto é mostrar uma união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil”, afirma Camargo.

O documento começou a ser costurado por Pedro Bueno (CEO do grupo de saúde Dasa), Candido Bracher (membro do conselho de administração do Itaú), Roberto Klabin (conselheiro da Klabin) e Walter Schalka (membro do conselho da Suzano), que reuniram outras figuras do setor privado como Fraga, Camargo, Ana Maria Diniz, José Luiz Setúbal e Rubens Ometto.

Em entrevista ao Estadão, Fraga e Camargo criticam a ideia de explorar petróleo na margem equatorial, uma proposta que racha o governo Lula atualmente. “A receita adicional (com a exploração de petróleo) acho que seria ínfima perto do ganho que esse sinal (de não explorar) traria para nós. E o risco ambiental é inaceitável a essa altura do jogo. Tem de ser encarada não como uma decisão puramente econômica de ‘vamos arrumar lá mais uma receita’, mas algo muito maior. O Brasil precisa também cuidar da sua imagem”, afirma Fraga. “Nós queremos ajudar o governo a compreender que não é o momento de explorar petróleo”, afirma Camargo.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como o manifesto do pacto econômico com a natureza chegou aos srs.? E qual a importância de divulgá-lo neste momento?

Armínio Fraga: Eu não fui do núcleo inicial, mas no momento em que me apresentaram o texto, eu assinei na hora. E essencialmente porque eu vejo essa situação como sendo um problema global. O Brasil tem peso, o Brasil pode liderar dando exemplo. O setor privado tem de assumir também essa tarefa, que eu diria hoje é heroica, porque as coisas não estão indo muito bem. Eu acho que quando de um lado nós enxergamos Porto Alegre e no outro o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado. Isso faz parte de um movimento maior, que é esse movimento do ESG.

É um passo cultural de conscientização da maior importância. Eu vejo também ao mesmo tempo esse esforço como sendo, no fundo, algo que poderia ir muito além. O Brasil tem chance de ser hoje um país que dá o exemplo, como vem dando na energia limpa. A nossa agricultura é extraordinariamente produtiva. Há uma expectativa, a meu ver absolutamente realista, de continuar a crescer a produção sem desmatar. O Brasil pode ser um enorme produtor de créditos de carbono, porque há um espaço degradado que pode ser também aproveitado para agricultura, o que seria um avanço.

No geral, eu às vezes acho que o Brasil poderia ter ambições que vão além do econômico. O Brasil poderia ter, no mundo verde, um elemento de qualidade de vida, de autoestima. Isso tudo vem junto. É uma frente extraordinária para o Brasil. Eu vejo o setor privado querendo se engajar, querendo ajudar, portanto, disposto a participar, a discutir de uma maneira aberta, moderna, desse Brasil melhor.

Pedro de Camargo Neto: Eu entrei já com um processo de articulação. Não estou na base inicial, mas me identifico com o manifesto. Vivemos um momento único. Tem uma catástrofe, o clima está mudando mesmo e acho que hoje já não se discute mais. Nós vivemos um passado de negacionismo. Mas o objetivo aqui não é polarizar, é olhar pra frente, é unir, é criar consensos. Então, vimos o documento dos três poderes da semana passada. Que bom que eles estão lá, também, conversando, se unindo. E vamos construir em cima disso.

O objetivo é de união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil.

Armínio Fraga: Sem vergonha de carregar um pouquinho nas tintas: o nosso manifesto é um manifesto em prol da humanidade e da modernidade.

Pedro de Camargo Neto: E do papel que o Brasil tem. Tem o momento oportuno, a localização oportuna, tem um conjunto de fatores que nos colocam numa possibilidade de ajudar a humanidade de uma maneira muito forte, desde que estejamos lá, unidos. Porque não tem motivo para não estarmos.

Como o Brasil chegará à COP, no ano que vem?

Pedro de Camargo Neto: Nós temos uma característica meio única. Primeiro, os combustíveis fósseis são pequenos nas nossas emissões. Temos os biocombustíveis todos crescendo. Começamos com o álcool lá atrás, agora virou etanol, etanol segunda geração, biodiesel. O que aconteceu na eólica no Nordeste é inacreditável. O que está acontecendo na fotovoltaica também é inacreditável. Então, o Brasil é um país líder.

Qual é o maior problema do aquecimento global? Combustíveis fósseis. Então, temos de enfrentar o que os outros estão fazendo, pressioná-los de que eles também têm de caminhar em uma direção que está devagar. Todos estão fazendo o que estão fazendo, mas está devagar.

E acho que o Brasil entrará fragilizado explorando o petróleo, ali do lado.

O governo brasileiro deveria desistir da ideia de explorar petróleo na margem equatorial?

Pedro de Camargo Neto: Nós estamos aqui para construir, não é para criticar o governo. É para ajudá-lo no propósito. Mas o governo tem uma divergência interna. É claro que tem. Tem aqueles que acham que não deve (explorar o petróleo) e outros que acham que deve. Nós queremos ajudá-los a compreender que não é o momento. Não é o momento porque o Brasil exporta petróleo, mas o mundo não está precisando de petróleo. Você tem de liderar o antifóssil, anticombustível.

O Brasil, dos grandes, é o único que pode deixar claro: nós temos de reduzir combustíveis fósseis, vocês têm de reduzir combustíveis fósseis. Porque nós, por coincidências históricas, de matriz energética, de hidrelétrica, desde sempre, já temos uma matriz diferenciada. E o nosso grande calcanhar é o desmatamento, que temos de resolver também.

Armínio Fraga: A força econômica na direção de furar para explorar é grande. Então esse é um caso clássico, eu acho que só uma mudança cultural não vai resolver. O governo vai ter de tomar uma decisão corajosa de dar um basta. É uma área delicada, não só do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista, vamos chamar, da natureza. São riscos enormes e eu acho que isso não deveria acontecer. É um sinal horroroso e às vezes o custo reputacional... Hoje deveríamos ver um grande movimento do Brasil de liderar esse esforço que está atrasado, o planeta está atrasado, os grandes países não se entendem. Se o Brasil desse exemplo, seria extraordinário.

A receita adicional (com a exploração de petróleo) acho que seria ínfima perto do ganho que esse sinal traria para nós, e o risco ambiental é inaceitável a essa altura do jogo. Tem de ser encarada não como uma decisão puramente econômica de ‘vamos arrumar lá mais uma receita’, mas algo muito maior. O Brasil precisa também cuidar da sua imagem. O Brasil pode ter um espaço de liderança e às vezes uma situação dessas requer decisões que vão muito acima do econômico básico.

Fazenda de reflorestamento em Maracaçumé-MA Foto: FILIPE BISPO

Armínio, o sr. está por trás de uma das empresas de crédito de carbono, a Re.Green. Como tem visto o potencial do Brasil no reflorestamento ambiental?

Armínio Fraga: É uma fronteira extraordinária, o Brasil precisa aproveitar esse espaço. Eu não me sinto nem um pouco conflitado, eu vejo o que nós fazemos como sendo uma atividade que é um ganha-ganha. O nosso objetivo é demonstrar que isso é possível sem subsídios, mesmo num assunto em que subsídios seriam uma política razoável. Se, de um lado, você está querendo ter um imposto sobre carbono, você poderia do outro lado dizer então que quem está recolhendo o carbono da atmosfera talvez fosse até subsidiado. Acho que o Brasil fez uma opção um pouco diferente nesse arcabouço que ainda está por ser desenvolvido.

O grande tema do comércio internacional é cada país produzir aquilo que ele faz melhor, a ideia das vantagens comparativas. O Brasil tem uma monumental vantagem comparativa em reflorestar. Isso tem implicações que vão além do carbono, porque feito de forma ecológica, com biodiversidade, com diversidade de espécies, de espécies nativas, isso gera um ganho também, hoje a gente não consegue quantificar, mas com certeza gera um tremendo ganho no que diz respeito à biodiversidade. O Brasil precisa tomar cuidado porque sempre existem setores que gostariam de comprar um crédito de carbono baratinho para continuar a poluir. E isso é uma ilusão, porque se o crédito de carbono for baratinho, não vai ter reflorestamento.

Estamos diante de um momento de estruturar esse mercado direito, estruturar o arcabouço do carbono de tal forma que o Brasil possa não só dar uma contribuição, vamos chamar assim, atmosférica, mas econômica também, e é mais do que isso. Eu insisto no ponto de autoestima, de qualidade de vida, que me faz pensar em Costa Rica, me faz pensar na Nova Zelândia. Por que não?

O manifesto fala que os três poderes e o empresariado precisam se unir o quanto antes para dar velocidade a esse desafio. Essa interlocução com Brasília por parte do setor privado tem se dado de maneira eficiente?

Armínio Fraga: Eu vejo um debate ocorrendo de uma maneira saudável. O resultado a gente vai saber em breve como é que esse setor vai ser estruturado, regulado aqui no Brasil. E eu vejo nesse diálogo entre setor privado e setor público aquilo acontecendo da maneira como deve ser. Nós não estamos falando de empresas que estão lá batendo na porta do governo para pedir um subsídio, uma proteção contra concorrência estrangeira, é o oposto. Nós estamos querendo um espaço neutro para o Brasil fazer bem o que ele sabe fazer, o que ele pode fazer. Não é um lobby como se viu no passado, que foi onde, enfim, escândalos aconteceram.

Quais os mecanismos de financiamento devemos ter para isso?

Armínio Fraga: Não existem ainda padrões de financiamento definidos. Falando especificamente da Re.Green, estamos conversando com pelo menos duas dúzias de grandes empresas globais. Cada uma tem uma ideia diferente. Nós oferecemos o conhecimento, vamos chamar, biológico do nosso país, e o Brasil é líder nessa área. Oferecemos o conhecimento de uma área onde também nós somos líderes, ao contrário, que são nas questões fundiárias, que são dificílimas, mas dá pra trabalhar. E o pessoal de fora vem com ideias de financiamento que nos surpreenderam. Muita gente oferecendo pagar adiantado. A gestão de risco é fascinante e difícil.

Muita gente fala também, sem querer ser negativo, mas o reflorestamento não vai resolver o problema, de fato. Se daqui a X anos o que der para reflorestar já estiver reflorestado e nós não tivermos reduzido a nossa emissão de gás de estufa, o problema vai voltar. Mas hoje, do jeito que as coisas andam no planeta, ganhar tempo é muito precioso. Precisamos de tempo para compensar a falta de ação geral no planeta. É nesse espaço que essa atividade se encaixa.

Muitas vezes coloca-se o agronegócio como um obstáculo na discussão de um desenvolvimento econômico sustentável, especialmente no Brasil, onde a maioria das emissões de carbono vêm do uso do solo -- e desmatamento. Como os srs. veem o papel do agro neste debate?

Pedro de Camargo Neto: Isso é reflexo da polarização. Primeiro, a gente ainda vive uma polarização partidária, eleitoral, muito grave, muito negativa. E vivemos também, no governo passado, o negaciosnismo em diversos aspectos. Na questão ambiental, eu vejo uma polarização com o rural. Eu publiquei um artigo no Estadão onde eu lembrei que, quando eu fui presidente da Sociedade Rural Brasileira, em 1992, nós fizemos uma cartilha cujo título era ‘Valorize Sua Propriedade, Preserve o Meio Ambiente’. Desde 1992, não nos vemos como problema. Até porque dependemos do ambiente muito mais do que os outros. Porque nós vivemos do processo natureza.

Quando olhamos as emissões vemos o uso da terra, onde vem produção agrícola e o desmatamento. Na produção agrícola, eu acho que nós temos que avançar, mas nós não estamos mais atrasados (em comparação com o mundo). Nós estamos até, eu diria, na frente, em muitas culturas, se não em todas.

Daí vem a questão do desmatamento, que realmente é um fato que está aí. Tivemos um presidente da República que incentivava o garimpo e quase um incentivo ao grilo.

Atualmente, já fiz a crítica ao governo diretamente: eles não podem tratar de desmatamento legal junto com o ilegal. É um número que atrapalha. Atrapalha, porque daí você está condenando o legal de uma maneira simplista. Porque, se está na lei, você tem que evoluir mais para convencê-lo de não desmatar. E o grosso que é na Amazônia é basicamente ilegal. Não deixa sobrar para mim. Eu não quero sobrar com o número do INPE.

Armínio Fraga: Estou com o Pedro sobre a importância de se separar com clareza o que é legal do que é ilegal. Eu até defendo publicamente uma meta global para o País de reflorestamento, mas ela tem que ser encarada nas suas componentes. O desmatamento ilegal é colossal. E ele hoje claramente depende de um esforço em várias frentes. Tem um lado que só o governo pode entregar, que é o lado da repressão mesmo. Então é uma tarefa que é muito grande e complexa, mas é preciso ter clareza do que se trata. O grosso da produção agrícola brasileira ocorre dentro de padrões extremamente rigorosos.

Um grupo de 53 empresários assina nesta quarta-feira, 28, um manifesto em defesa da articulação entre setor público e privado para gerar uma coalizão em defesa do meio ambiente, da economia e do bem-estar da população. “O setor privado tem de assumir também essa tarefa, que eu diria hoje é heróica, porque as coisas não estão indo muito bem. Quando de um lado nós enxergamos Porto Alegre e no outro o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado”, afirma o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, um dos signatários, em entrevista ao Estadão.

O documento reúne nomes de diferentes setores. Pedro de Camargo Neto, produtor rural que foi presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-secretário do Ministério da Agricultura, também está entre os defensores do chamado “pacto econômico com a natureza”. “O objeto é mostrar uma união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil”, afirma Camargo.

O documento começou a ser costurado por Pedro Bueno (CEO do grupo de saúde Dasa), Candido Bracher (membro do conselho de administração do Itaú), Roberto Klabin (conselheiro da Klabin) e Walter Schalka (membro do conselho da Suzano), que reuniram outras figuras do setor privado como Fraga, Camargo, Ana Maria Diniz, José Luiz Setúbal e Rubens Ometto.

Em entrevista ao Estadão, Fraga e Camargo criticam a ideia de explorar petróleo na margem equatorial, uma proposta que racha o governo Lula atualmente. “A receita adicional (com a exploração de petróleo) acho que seria ínfima perto do ganho que esse sinal (de não explorar) traria para nós. E o risco ambiental é inaceitável a essa altura do jogo. Tem de ser encarada não como uma decisão puramente econômica de ‘vamos arrumar lá mais uma receita’, mas algo muito maior. O Brasil precisa também cuidar da sua imagem”, afirma Fraga. “Nós queremos ajudar o governo a compreender que não é o momento de explorar petróleo”, afirma Camargo.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como o manifesto do pacto econômico com a natureza chegou aos srs.? E qual a importância de divulgá-lo neste momento?

Armínio Fraga: Eu não fui do núcleo inicial, mas no momento em que me apresentaram o texto, eu assinei na hora. E essencialmente porque eu vejo essa situação como sendo um problema global. O Brasil tem peso, o Brasil pode liderar dando exemplo. O setor privado tem de assumir também essa tarefa, que eu diria hoje é heroica, porque as coisas não estão indo muito bem. Eu acho que quando de um lado nós enxergamos Porto Alegre e no outro o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado. Isso faz parte de um movimento maior, que é esse movimento do ESG.

É um passo cultural de conscientização da maior importância. Eu vejo também ao mesmo tempo esse esforço como sendo, no fundo, algo que poderia ir muito além. O Brasil tem chance de ser hoje um país que dá o exemplo, como vem dando na energia limpa. A nossa agricultura é extraordinariamente produtiva. Há uma expectativa, a meu ver absolutamente realista, de continuar a crescer a produção sem desmatar. O Brasil pode ser um enorme produtor de créditos de carbono, porque há um espaço degradado que pode ser também aproveitado para agricultura, o que seria um avanço.

No geral, eu às vezes acho que o Brasil poderia ter ambições que vão além do econômico. O Brasil poderia ter, no mundo verde, um elemento de qualidade de vida, de autoestima. Isso tudo vem junto. É uma frente extraordinária para o Brasil. Eu vejo o setor privado querendo se engajar, querendo ajudar, portanto, disposto a participar, a discutir de uma maneira aberta, moderna, desse Brasil melhor.

Pedro de Camargo Neto: Eu entrei já com um processo de articulação. Não estou na base inicial, mas me identifico com o manifesto. Vivemos um momento único. Tem uma catástrofe, o clima está mudando mesmo e acho que hoje já não se discute mais. Nós vivemos um passado de negacionismo. Mas o objetivo aqui não é polarizar, é olhar pra frente, é unir, é criar consensos. Então, vimos o documento dos três poderes da semana passada. Que bom que eles estão lá, também, conversando, se unindo. E vamos construir em cima disso.

O objetivo é de união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil.

Armínio Fraga: Sem vergonha de carregar um pouquinho nas tintas: o nosso manifesto é um manifesto em prol da humanidade e da modernidade.

Pedro de Camargo Neto: E do papel que o Brasil tem. Tem o momento oportuno, a localização oportuna, tem um conjunto de fatores que nos colocam numa possibilidade de ajudar a humanidade de uma maneira muito forte, desde que estejamos lá, unidos. Porque não tem motivo para não estarmos.

Como o Brasil chegará à COP, no ano que vem?

Pedro de Camargo Neto: Nós temos uma característica meio única. Primeiro, os combustíveis fósseis são pequenos nas nossas emissões. Temos os biocombustíveis todos crescendo. Começamos com o álcool lá atrás, agora virou etanol, etanol segunda geração, biodiesel. O que aconteceu na eólica no Nordeste é inacreditável. O que está acontecendo na fotovoltaica também é inacreditável. Então, o Brasil é um país líder.

Qual é o maior problema do aquecimento global? Combustíveis fósseis. Então, temos de enfrentar o que os outros estão fazendo, pressioná-los de que eles também têm de caminhar em uma direção que está devagar. Todos estão fazendo o que estão fazendo, mas está devagar.

E acho que o Brasil entrará fragilizado explorando o petróleo, ali do lado.

O governo brasileiro deveria desistir da ideia de explorar petróleo na margem equatorial?

Pedro de Camargo Neto: Nós estamos aqui para construir, não é para criticar o governo. É para ajudá-lo no propósito. Mas o governo tem uma divergência interna. É claro que tem. Tem aqueles que acham que não deve (explorar o petróleo) e outros que acham que deve. Nós queremos ajudá-los a compreender que não é o momento. Não é o momento porque o Brasil exporta petróleo, mas o mundo não está precisando de petróleo. Você tem de liderar o antifóssil, anticombustível.

O Brasil, dos grandes, é o único que pode deixar claro: nós temos de reduzir combustíveis fósseis, vocês têm de reduzir combustíveis fósseis. Porque nós, por coincidências históricas, de matriz energética, de hidrelétrica, desde sempre, já temos uma matriz diferenciada. E o nosso grande calcanhar é o desmatamento, que temos de resolver também.

Armínio Fraga: A força econômica na direção de furar para explorar é grande. Então esse é um caso clássico, eu acho que só uma mudança cultural não vai resolver. O governo vai ter de tomar uma decisão corajosa de dar um basta. É uma área delicada, não só do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista, vamos chamar, da natureza. São riscos enormes e eu acho que isso não deveria acontecer. É um sinal horroroso e às vezes o custo reputacional... Hoje deveríamos ver um grande movimento do Brasil de liderar esse esforço que está atrasado, o planeta está atrasado, os grandes países não se entendem. Se o Brasil desse exemplo, seria extraordinário.

A receita adicional (com a exploração de petróleo) acho que seria ínfima perto do ganho que esse sinal traria para nós, e o risco ambiental é inaceitável a essa altura do jogo. Tem de ser encarada não como uma decisão puramente econômica de ‘vamos arrumar lá mais uma receita’, mas algo muito maior. O Brasil precisa também cuidar da sua imagem. O Brasil pode ter um espaço de liderança e às vezes uma situação dessas requer decisões que vão muito acima do econômico básico.

Fazenda de reflorestamento em Maracaçumé-MA Foto: FILIPE BISPO

Armínio, o sr. está por trás de uma das empresas de crédito de carbono, a Re.Green. Como tem visto o potencial do Brasil no reflorestamento ambiental?

Armínio Fraga: É uma fronteira extraordinária, o Brasil precisa aproveitar esse espaço. Eu não me sinto nem um pouco conflitado, eu vejo o que nós fazemos como sendo uma atividade que é um ganha-ganha. O nosso objetivo é demonstrar que isso é possível sem subsídios, mesmo num assunto em que subsídios seriam uma política razoável. Se, de um lado, você está querendo ter um imposto sobre carbono, você poderia do outro lado dizer então que quem está recolhendo o carbono da atmosfera talvez fosse até subsidiado. Acho que o Brasil fez uma opção um pouco diferente nesse arcabouço que ainda está por ser desenvolvido.

O grande tema do comércio internacional é cada país produzir aquilo que ele faz melhor, a ideia das vantagens comparativas. O Brasil tem uma monumental vantagem comparativa em reflorestar. Isso tem implicações que vão além do carbono, porque feito de forma ecológica, com biodiversidade, com diversidade de espécies, de espécies nativas, isso gera um ganho também, hoje a gente não consegue quantificar, mas com certeza gera um tremendo ganho no que diz respeito à biodiversidade. O Brasil precisa tomar cuidado porque sempre existem setores que gostariam de comprar um crédito de carbono baratinho para continuar a poluir. E isso é uma ilusão, porque se o crédito de carbono for baratinho, não vai ter reflorestamento.

Estamos diante de um momento de estruturar esse mercado direito, estruturar o arcabouço do carbono de tal forma que o Brasil possa não só dar uma contribuição, vamos chamar assim, atmosférica, mas econômica também, e é mais do que isso. Eu insisto no ponto de autoestima, de qualidade de vida, que me faz pensar em Costa Rica, me faz pensar na Nova Zelândia. Por que não?

O manifesto fala que os três poderes e o empresariado precisam se unir o quanto antes para dar velocidade a esse desafio. Essa interlocução com Brasília por parte do setor privado tem se dado de maneira eficiente?

Armínio Fraga: Eu vejo um debate ocorrendo de uma maneira saudável. O resultado a gente vai saber em breve como é que esse setor vai ser estruturado, regulado aqui no Brasil. E eu vejo nesse diálogo entre setor privado e setor público aquilo acontecendo da maneira como deve ser. Nós não estamos falando de empresas que estão lá batendo na porta do governo para pedir um subsídio, uma proteção contra concorrência estrangeira, é o oposto. Nós estamos querendo um espaço neutro para o Brasil fazer bem o que ele sabe fazer, o que ele pode fazer. Não é um lobby como se viu no passado, que foi onde, enfim, escândalos aconteceram.

Quais os mecanismos de financiamento devemos ter para isso?

Armínio Fraga: Não existem ainda padrões de financiamento definidos. Falando especificamente da Re.Green, estamos conversando com pelo menos duas dúzias de grandes empresas globais. Cada uma tem uma ideia diferente. Nós oferecemos o conhecimento, vamos chamar, biológico do nosso país, e o Brasil é líder nessa área. Oferecemos o conhecimento de uma área onde também nós somos líderes, ao contrário, que são nas questões fundiárias, que são dificílimas, mas dá pra trabalhar. E o pessoal de fora vem com ideias de financiamento que nos surpreenderam. Muita gente oferecendo pagar adiantado. A gestão de risco é fascinante e difícil.

Muita gente fala também, sem querer ser negativo, mas o reflorestamento não vai resolver o problema, de fato. Se daqui a X anos o que der para reflorestar já estiver reflorestado e nós não tivermos reduzido a nossa emissão de gás de estufa, o problema vai voltar. Mas hoje, do jeito que as coisas andam no planeta, ganhar tempo é muito precioso. Precisamos de tempo para compensar a falta de ação geral no planeta. É nesse espaço que essa atividade se encaixa.

Muitas vezes coloca-se o agronegócio como um obstáculo na discussão de um desenvolvimento econômico sustentável, especialmente no Brasil, onde a maioria das emissões de carbono vêm do uso do solo -- e desmatamento. Como os srs. veem o papel do agro neste debate?

Pedro de Camargo Neto: Isso é reflexo da polarização. Primeiro, a gente ainda vive uma polarização partidária, eleitoral, muito grave, muito negativa. E vivemos também, no governo passado, o negaciosnismo em diversos aspectos. Na questão ambiental, eu vejo uma polarização com o rural. Eu publiquei um artigo no Estadão onde eu lembrei que, quando eu fui presidente da Sociedade Rural Brasileira, em 1992, nós fizemos uma cartilha cujo título era ‘Valorize Sua Propriedade, Preserve o Meio Ambiente’. Desde 1992, não nos vemos como problema. Até porque dependemos do ambiente muito mais do que os outros. Porque nós vivemos do processo natureza.

Quando olhamos as emissões vemos o uso da terra, onde vem produção agrícola e o desmatamento. Na produção agrícola, eu acho que nós temos que avançar, mas nós não estamos mais atrasados (em comparação com o mundo). Nós estamos até, eu diria, na frente, em muitas culturas, se não em todas.

Daí vem a questão do desmatamento, que realmente é um fato que está aí. Tivemos um presidente da República que incentivava o garimpo e quase um incentivo ao grilo.

Atualmente, já fiz a crítica ao governo diretamente: eles não podem tratar de desmatamento legal junto com o ilegal. É um número que atrapalha. Atrapalha, porque daí você está condenando o legal de uma maneira simplista. Porque, se está na lei, você tem que evoluir mais para convencê-lo de não desmatar. E o grosso que é na Amazônia é basicamente ilegal. Não deixa sobrar para mim. Eu não quero sobrar com o número do INPE.

Armínio Fraga: Estou com o Pedro sobre a importância de se separar com clareza o que é legal do que é ilegal. Eu até defendo publicamente uma meta global para o País de reflorestamento, mas ela tem que ser encarada nas suas componentes. O desmatamento ilegal é colossal. E ele hoje claramente depende de um esforço em várias frentes. Tem um lado que só o governo pode entregar, que é o lado da repressão mesmo. Então é uma tarefa que é muito grande e complexa, mas é preciso ter clareza do que se trata. O grosso da produção agrícola brasileira ocorre dentro de padrões extremamente rigorosos.

Entrevista por Beatriz Bulla

Repórter que cobre o poder -- economia, política e internacional. Trabalha hoje em São Paulo. Já passou por Brasília e foi correspondente em Washington (EUA). Formada em jornalismo e em direito, foi também pesquisadora visitante na Universidade Columbia, em Nova York.

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