Brasília - Os diretores do Banco Central (BC) avaliaram, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que as expectativas de inflação seguem “desancoradas” (ou seja, sem um cenário muito claro de quando retornará para a meta). Além disso, os membros do colegiado destacaram que houve uma “deterioração” nas estimativas.
“O Comitê acompanha este movimento com preocupação e segue avaliando que expectativas desancoradas elevam o custo de trazer a inflação de volta à meta. Ressaltou-se novamente que o comportamento das expectativas é um aspecto fundamental do processo inflacionário, uma vez que serve de guia para a definição de reajustes de preços e salários presentes e futuros”, informou o BC, na ata do Copom.
Além disso, a análise feita na ata é que o processo de queda da inflação em curso é mais lento. Segundo os membros do colegiado, a inflação atual é “movida por excessos de demanda, em particular no segmento de serviços”.
É com base nesse cenário que o Copom decidiu, na reunião da última semana, manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, sem deixar muito claro se o início do ciclo de corte nos juros estaria perto. Os analistas, em sua maioria, passaram a descartar uma redução dos juros na próxima reunião, em junho, e agora esperam que a Selic só vá começar a cair no segundo semestre.
Por outro lado, os membros do Copom avaliaram que os cenários que poderiam requerer a retomada do ciclo de aperto monetário (ou seja, um novo aumento dos juros) se tornaram menos prováveis.
Desinflação
Em relação à queda da inflação, os diretores do BC destacaram que a dinâmica segue caracterizada por um processo com dois estágios distintos. No primeiro estágio, já encerrado, a velocidade de desinflação foi maior, com maior efeito sobre preços administrados e efeito indireto nos preços livres por meio de “menor inércia”.
Leia Também:
“No segundo estágio, que se observa atualmente, a velocidade de desinflação é menor e os núcleos de inflação, que respondem mais à demanda agregada e à política de juros, se reduzem em menor velocidade, respondendo ao hiato do produto e às expectativas de inflação futura”, destacou o BC, na ata.
Os membros do Copom também ressaltam o comportamento benigno recente nos preços de atacado, tanto na parte de alimentos quanto na parte de industriais. Além disso, em função de um cenário hídrico confortável para este ano, adotou-se a expectativa de bandeira verde nas contas de luz (ou seja, sem cobranças extras) para dezembro de 2023 e para dezembro de 2024.
“Em termos de trajetória de inflação ao consumidor ao longo de 2023, ressalta-se que se espera uma queda relevante na inflação acumulada em doze meses ao longo deste segundo trimestre em função do efeito base do ano anterior. No segundo semestre de 2023, como os efeitos das medidas tributárias que reduziram o nível de preços no terceiro trimestre de 2022 não estão mais incluídos na inflação acumulada em doze meses e ainda se terá a inclusão dos efeitos das medidas tributárias deste ano, se observará elevação do mesmo indicador”, informou o BC.
Os diretores do BC também avaliaram, na ata, que a concessão de crédito no Brasil é compatível com o atual estágio do ciclo de juros, ainda que a oferta de crédito de modalidades específicas esteja diminuindo.
“O Comitê antecipa uma moderação na concessão do crédito ao longo dos próximos meses, mas em linha com o que se observou em ciclos anteriores de aperto de política monetária. O Comitê reforça que o Banco Central possui os instrumentos de liquidez apropriados e necessários, ligados à política macroprudencial, para tratar das fricções relevantes localizadas no sistema, caso ocorram”, informou o BC.
Arcabouço fiscal
O BC fez, porém, um aceno ao governo. A avaliação é que a apresentação do novo arcabouço fiscal reduziu a incerteza associada a cenários extremos de crescimento da dívida pública.
“O Comitê seguirá acompanhando a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal apresentado pelo Governo e em apreciação no Congresso. O Copom novamente enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, uma vez que a trajetória de inflação segue condicional à reação das expectativas de inflação e das condições financeiras”, informou o BC, na ata do Copom.
Segundo os diretores do BC, um cenário com um arcabouço fiscal sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas.
Avaliação
Para o Santander Brasil, a ata do Copom de maio reforça o tom do comunicado da última quarta-feira. De acordo com o banco, o texto sinaliza que o BC não mudará a estratégia de manter a Selic estável em 13,75% por período prolongado. “De forma geral, a ata reafirma o plano de voo atual do BC”, resume o superintendente de Pesquisa Macroeconômica do banco, Maurício Oreng, em relatório.
No texto, o Santander reitera a expectativa de início do ciclo de cortes da taxa de juros em novembro, chegando a 13% no fim de 2023. Para Oreng, o BC usou a ata para reforçar seu compromisso com as metas para o IPCA, além de destacar que a desancoragem das expectativas e a dinâmica da inflação subjacente continuam como fontes de preocupação.
Na avaliação do Itaú, a ata não trouxe mudanças de tom em relação ao comunicado, mesmo que tenha trazido mais detalhes sobre as deliberações do colegiado, o que já era esperado. Ainda assim, a interpretação do texto sugere uma melhora na perspectiva de inflação.
“A ata traz uma ampla discussão sobre taxas de juros neutras, com viés geral de alta, mas no geral a combinação de texto e projeções sugere uma perspectiva de inflação um pouco melhor, provavelmente devido a componentes menos rígidos do IPCA”, escreve o economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, em relatório.
O Itaú avalia que próximos eventos importantes para a política monetária serão a sabatina para a confirmação dos nomes indicados pelo governo para cargos de diretoria do Banco Central - Gabriel Galípolo, para a Política Monetária, e Ailton Aquino, para a Fiscalização -, que devem acontecer na primeira quinzena de junho, segundo espera o banco.
O estrategista-chefe da Warren Rena, Sérgio Goldenstein, disse, em relatório, que o texto do Copom manteve o tom duro apresentado no comunicado com a decisão sobre os juros e aumentou a possibilidade de o primeiro corte da taxa Selic acontecer apenas em setembro.
“O discurso duro busca uma reancoragem das expectativas de inflação e, aparentemente, o Copom pode ter avaliado que uma flexibilização do tom poderia gerar uma desancoragem adicional, ainda mais com o processo lento de desinflação e a permanência das incertezas sobre a política fiscal e a definição das metas de inflação pelo CMN (Conselho Monetário Nacional)”, diz Goldenstein.
Segundo ele, o Copom sinalizou na ata que a desaceleração da atividade econômica está mais lenta, e que a diminuição da inflação deve perder fôlego à frente, mesmo diante da redução dos preços no atacado - algo previsto pelo Banco Central.