Em 2025, uma das grandes preocupações dos analistas é qual será o comportamento do dólar diante de cenário de tantas incertezas internas e externas. Depois de avançar mais de 27% e se consolidar acima de R$ 6 em 2024, a moeda norte-americana acumulou leve alta de 0,03% nos primeiros dois pregões deste ano, cotada a R$ 6,1821.
“O dólar segue muito valorizado em termos globais. Todos os índices do dólar contra cestas de moedas estão em patamares elevados”, afirma Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências. “Não vejo margem para um grande alívio na parte externa.”
Do lado internacional, a principal incerteza vem dos Estados Unidos. Donald Trump volta ao cargo de presidente dos EUA em 20 de janeiro. Na campanha, o republicano prometeu uma série de medidas, como a adoção de tarifas de importação. A medida tem um risco de ser inflacionária e dificultar ainda mais a queda da taxa básica de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano).
“As novas políticas de Trump podem afetar as expectativas de inflação e, por consequência, a direção do Fed nos juros”, diz Alexandre Espirito Santo, economista da Way Investimentos e coordenador de economia e finanças da ESPM.
No seu encontro de dezembro, o Fed reduziu as taxas de juros norte-americanas em 0,25 ponto porcentual, para a faixa entre 4,25% a 4,50% ao ano. O BC dos EUA sinalizou que deve reduzir os juros apenas duas vezes em 2025.
Depois da decisão, o presidente do banco central norte-americano, Jerome Powell, afirmou estar confiante que a inflação está em uma trajetória de queda nos Estados Unidos, embora em um ritmo mais lento. Ele afirmou que os EUA podem levar mais um ou dois anos para alcançar a meta de inflação 2%.
Juros mais altos nos Estados Unidos tendem a atrair recursos de economias consideradas mais arriscadas, como é o caso da brasileira.
Leia mais
“O Fed enfrenta um dilema grande. A economia pode entrar em recessão este ano - e isso piora ainda mais com as políticas que o Trump está sinalizando. Ao mesmo tempo, a inflação segue pressionada e começou a acelerar um pouco nas últimas leituras, o que coloca o Fed num cenário em que o momento pode ser de parar de cortar a taxa de juros”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Mas se a economia entra numa desaceleração ou recessão mais grave, esses juros caem com mais intensidade. É um caminho ainda aberto.”
A preocupação com o rumo econômico dos EUA sob o comando de Trump é apenas uma das incertezas no cenário internacional. Há ainda todas as tensões geopolíticas existentes e todos olham atentamente para a economia da China, que dá sinais de desaceleração. O país asiático tem tido dificuldade de alcançar, por exemplo, a meta de crescimento de 5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Incerteza fiscal
No cenário local, os investidores também se debruçam sobre vários temas. Uma das principais preocupações é com o rumo da condução das contas públicas. A desconfiança cresceu depois que o governo anunciou o pacote de contenção de gastos acompanhado da proposta de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.
O pacote foi considerado aquém do necessário, segundo a avaliação dos especialistas, e foi desidratado durante a tramitação no Congresso. E embora o governo tenha apresentado uma proposta de taxar quem ganha mais de R$ 50 mil mensais para compensar a isenção de IR, a medida abriu uma grande preocupação de uma perda bilionária de arrecadação numa economia que precisa de um ajuste fiscal.
O Brasil precisa acertar suas contas públicas para conter o endividamento público e retomar a confiança dos investidores. O País tem uma dívida elevada para uma economia emergente. Portanto, sem uma clareza sobre o futuro, os investidores retiram os seus recursos do País, levando à desvalorização do câmbio.
“Do ponto de vista macrofiscal, as notícias foram consistentemente ruins nos últimos anos. Agora, vamos viver dois anos de transição. É esperar 2026 chegar para ver qual vai ser o resultado eleitoral - e se vai haver mudança a partir de 2027″, afirma Vale.
“Com isso, o cenário de 2025 segue tenso. O câmbio não tem chance de baixar de R$ 6 e há o risco de subir ainda mais. Aparentemente, está caminhando para se estabilizar em R$ 6,20, mas não dá para descartar que, junto com o cenário internacional e o fiscal mal encaminhado, ele vá para procurar um patamar de R$ 6,50”, acrescenta.
No relatório do Focus, elaborado pelo Banco Central com a projeção de dezenas de analistas, a previsão deles é a de que o dólar encerre este ano em R$ 5,96.
Desde que o pacote e a isenção de IR foram apresentados, o dólar ultrapassou a marca de R$ 6 e os juros futuros dispararam, num claro sinal de que os investidores estão exigindo um retorno maior para financiar a dívida brasileira. Para conter a escalada da moeda norte-americana, o BC despejou US$ 21,5 bilhões em leilões à vista no mercado em dezembro - a maior injeção de recursos em um único mês da história do regime flutuante de câmbio.
“Hoje, estamos numa situação em que já se contratou uma piora econômica para 2025 e 2026”, diz Silvio Campos Neto. “Não apostaria que o governo terá alguma bala de prata para mudar esse ambiente. No máximo, pode contornar para evitar que as coisas piorem mais. E, se partir para um populismo econômico, aí o dólar ficar mais perto de R$ 7 do que de R$ 6.”
O impacto da desvalorização
A desvalorização do câmbio tem contribuído para previsões piores para a inflação. O cenário de boa parte dos analistas é de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2024 e 2025 deve ficar num patamar acima do teto da meta, que é de 4,5%. O centro é de 3%. No relatório Focus, as projeções são de 4,90% e 4,96%, respectivamente.
Dessa forma, além da questão fiscal, os analistas observam com lupa os primeiros passos de Gabriel Galípolo no comando do Banco Central brasileiro. O presidente do BC foi uma escolha de Lula, que viveu um embate permanente com Roberto Campos Neto, ex-presidente da autoridade monetária e que foi escolhido por Jair Bolsonaro.
“O Galípolo começa o seu mandato sob algum ceticismo, por mais que ele tenha se esforçado em adotar um discurso adequado ao posto, de defesa da política monetária firme para trazer a inflação para a meta”, diz Silvio Campos Neto. “Mas, ao mesmo tempo, tem todas as sinalizações do Lula e dos integrantes do PT de que, a partir da posse do Galípolo, o BC é outro. A mensagem tem de ser continuidade. O câmbio reflete o temor de que o BC dê uma guinada mais voluntariosa - algo em que não acredito.”
Com a inflação fugindo da meta, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou a taxa básica de juros em 1 ponto porcentual em dezembro, para 12,25% ao ano, e indicou mais duas altas da mesma magnitude. Bancos e consultorias já trabalham com a projeção de que a Selic deve passar de 15% em 2025 e encerrar o ano em 14,75%, como mostra o relatório Focus.
“Com o Copom subindo os juros para perto de 15% e o governo conseguindo convencer de que o fiscal está se arrumando, acredito que o real se beneficie. Se o fiscal continuar ruim, aí é bem difícil”, diz Espirito Santo, da Way Investimentos.