Assim que a PEC da reforma tributária foi aprovada pelo Congresso, o empresário Thiago Miranda passou a olhar com mais atenção para os pontos que mudariam com as novas regras. Apesar de já acompanhar a discussão, foi a partir daquele momento que ele começou a analisar como as mudanças afetariam a sua empresa.
“Percebi que precisava estudar para tomar algumas decisões e me preparar”, diz ele, CEO do Grupo Mirandinha, especializado na fabricação de artigos para festa. “Estamos tentando acompanhar, mas é difícil, ainda estamos um pouco no escuro”, complementa, citando a regulamentação e demais definições ainda em aberto.
Segundo especialistas consultados pelo Estadão, de fato, há muitas questões indefinidas sobre a reforma, mas alguns pontos já podem ser considerados pelos empresários, com base no que já se sabe sobre as novas regras.
O principal deles se refere às empresas que se enquadram no regime do Simples Nacional. O modelo, como o nome sugere, foi criado para simplificar o processo de recolhimento de tributos para empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano, além de contar com algumas alíquotas reduzidas. As empresas que operam no modelo pagam seus tributos de forma unificada.
A reforma prevê a manutenção do Simples, mas, neste caso, as empresas não podem se beneficiar do sistema de ressarcimento de créditos introduzidos pelas novas regras tributárias. Em resumo, as empresas poderão se apropriar de créditos quando houver a cobrança de impostos em pontos anteriores da cadeia, como na compra de insumos. Esses créditos podem ser descontados do pagamento de tributos das companhias.
“A empresa consome eletricidade, internet, matéria-prima. Cada um desses elementos tem uma tributação. No Simples, nada disso dá crédito para a empresa e continuará assim após a reforma”, afirma Carlos Eduardo de Arruda Navarro, professor de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV).
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O texto da reforma prevê que empresas que operam no Simples possam continuar com o modelo atual, pagando todos os tributos de forma unificada, ou então optar por retirar desta lista somente os tributos do IVA (IBS e CBS) para calculá-los separadamente e, assim, se beneficiar do sistema de créditos.
O que já anotar
Segundo o professor de direito tributário, os empresários que operam no Simples podem começar a se atentar, desde hoje, aos produtos que adquirem e qual o volume de tributos que pagam sobre cada um dos itens.
Considerando esse cenário, a atenção com a contabilidade terá de ser redobrada, segundo Paulo Pimentel, advogado tributarista e sócio no escritório FPBA Advogados. “Essas empresas que não têm uma estratégia de backoffice (área administrativa) muito robusta terão de se adaptar, terão de fazer um estudo mais profundo”, afirma.
Ele destaca ainda que, durante todo o período de transição do sistema tributário atual para o da reforma — que irá de 2026 a 2033 —, haverá a necessidade de manter sistemas que dialoguem com ambos modelos de tributação. “Toda a contabilidade vai ter de ter esses dois sistemas”, diz.
Contratos de longo prazo
Além do cuidado com o regime tributário, outro ponto de atenção das empresas são os contratos de longo prazo — especialmente aqueles que tenham vigência durante o período de transição, já que parte das regras envolvidas nesta fase ainda não foram definidas.
“É preciso prever no contrato os impactos da reforma daqui a algum tempo”, diz Navarro. Esse ponto também é destacado pelo advogado tributarista André Martins, da Mazzucco e Mello Advogados, que já orienta seus clientes a prever essas mudanças em contrato. “Temos feito revisões de contrato com fornecedores, de distribuição e de fornecimento de insumos, porque esses certamente serão impactados”, explica.
Segundo ele, há orientação do escritório para a inclusão de uma cláusula de isonomia, frente a potenciais mudanças tributárias, cujas regras ainda não tenham sido estabelecidas.
Atualização de sistemas
Outro ponto que merecerá atenção com a reforma será a atualização de softwares utilizados para os cálculos tributários das empresas. Segundo Navarro, da FGV, a maioria das companhias não deve ter dificuldade de atualizar seus sistemas porque grande parte delas opera com softwares terceirizados, vendidos por companhias especializadas, responsáveis por sua manutenção e atualização.
“As pequenas, em geral, consomem ‘soluções de prateleira’, ou seja, a empresa de TI que terá de ser rápida para atualizar suas soluções”, explica Navarro.
Com a introdução dos novos sistemas, a maior atenção dessas companhias será relacionada à precificação, além da lista de compra de insumos, segundo Martins, da Mazzucco e Mello Advogados.
“Para empresas menores, não é um ponto de atenção no momento (atualização de sistemas), mas nas grandes empresas, estudos têm sido feitos, considerando diferentes cenários de definição da reforma”, afirma.