‘Ativismo judicial’ atropela reforma trabalhista e gera custos bilionários a empresas, aponta estudo


Levantamento coordenado por José Pastore mostra que decisões de juízes diferem de pontos centrais da reforma aprovada em 2017, como terceirização e horas extras; presidente do TST diz que ‘juízes não passam por cima de leis’

Por Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – Decisões do Judiciário vêm mexendo significativamente na rotina das empresas e aumentado os custos de se investir no Brasil, conforme estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. Em alguns casos, o impacto econômico de um conjunto de ações sobre o mesmo tema supera R$ 1 bilhão. Segundo o levantamento, o chamado “ativismo judicial” na área trabalhista afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, explorou casos reais em que os autores identificaram ativismo judicial – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado sobre o legislado.

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“Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz José Pastore ao Estadão. Leia a entrevista completa.

Essa visão, porém, é questionada pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga. “Os juízes brasileiros, em especial os da Justiça do Trabalho, são cientes de suas responsabilidades e do papel dos Poderes da República. Juízes não passam por cima de leis”, disse ao Estadão. Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego não se manifestou.

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Sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Foto: Bábara Cabral/TST

Os especialistas não revelam os nomes das empresas e dos empregados envolvidos, mas apontam uma tendência que pode neutralizar os efeitos da reforma trabalhista aprovada em 2017. O total de processos na Justiça do Trabalho atingiu 5,4 milhões no ano passado. O número havia diminuído após a aprovação da medida, mas voltou a crescer em decorrência das decisões.

Um dos casos reais do estudo coordenado por Pastore cita que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu pela ilegalidade da terceirização do empregado de um banco entendendo que ele exercia atividades típicas de uma instituição financeira, enquanto a empresa alegava que o trabalhador atuava apenas na triagem e contagem de documentos, e não no atendimento ao público, venda de produtos bancários ou autenticação de documentos nos caixas.

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Mesmo que a reforma trabalhista tenha legalizado a terceirização para qualquer atividade, seja o trabalho direto de uma empresa (no caso do banco, um caixa) ou uma atividade-meio (segurança ou trabalhador da limpeza), magistrados têm anulado a contratação de serviços e imposto multa milionária para os empregadores.

“É verdade que, além das raízes paternalistas, ideológicas e psicológicas, o ativismo judicial decorre também da má qualidade de muitas leis e do próprio zigue-zague das decisões judiciais das cortes superiores que acabam pautando a orientação dos tribunais inferiores”, diz o estudo, que é assinado por Pastore e mais oito especialistas. “Entretanto, nada justifica as interpretações voluntaristas quando as leis são claras”, afirma o texto, citando as leis da terceirização e reforma trabalhista.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu recentemente uma revisão do entendimento sobre a terceirização pelo Judiciário. “Acho que nós tínhamos que revisitar o tema, não para rever a jurisprudência, mas para delimitar até onde ela vai, porque hoje nós vamos virar uma nação de pejotizados”, afirmou Dino durante o julgamento de um recurso da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo entre uma empresa de produção audiovisual e um assistente de iluminação.

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Só no caso da terceirização, levantamento dos especialistas com dados da plataforma Datalawyer indicaram a existência de 40.209 processos com custo total de R$ 7,23 bilhões para as empresas entre janeiro de 2019 e julho de 2024. Considerando que 20% dessas ações sejam julgadas procedentes, um índice considerado conservador pelos analistas, o impacto para os negócios será superior a R$ 1,4 bilhão e muitos deles ficarão inviabilizados.

Empregado com duas BMW e uma Harley-Davidson ganha direito de não pagar custos de processo judicial

Os autores do estudo apontam motivações ideológicas e paternalistas nas decisões. “A insegurança jurídica é um resultado do ativismo judicial que busca, entre outros objetivos, preencher lacunas e/ou moldar o ordenamento jurídico para atender às necessidades sociais dos que mais sofrem”, diz o documento.

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“Entretanto, isso é feito de forma custosa e prejudicial para as atividades econômicas e para o próprio Erário. Em última análise, a referida busca pelos fins sociais deixa de lado a finalidade econômica das empresas, requisito fundamental para impulsionar investimentos e gerar empregos.”

O direito de uma pessoa entrar na Justiça sem pagar os custos do processo assinando uma mera declaração que não possui renda suficiente, mas sem comprovação, provocou uma explosão de ações após a reforma trabalhista ter diminuído a judicialização, segundo o estudo.

Em 2018, o número de processos distribuídos na primeira instância da Justiça do Trabalho caiu 31% (de 2,3 milhões para 1,6 milhão, em números aproximados) em relação ao ano anterior, quando houve aprovação da reforma trabalhista, enquanto que, entre 2022 e 2023, o volume aumentou 17% (de 1,5 milhão para 1,7 milhão).

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Estudo foi coordenado por José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Esse tipo de benefício é resultado de uma decisão do STF de outubro de 2022 e da interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho deu à chamada justiça gratuita. Um empregado em um caso real ganhou o benefício mesmo possuindo dois veículos BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma motocicleta Harley-Davidson que custa aproximadamente R$ 240 mil.

Em outro processo, uma pessoa que declarou ter um salário de R$ 30 mil mensais ganhou a justiça gratuita ao assinar uma simples declaração dizendo que não possuía condições de pagar os custos.

Os especialistas ressaltam que a mera declaração contraria a comprovação de falta de recursos exigida pela reforma trabalhista. A situação não provoca prejuízos apenas para as empresas, mas também para o próprio governo, que deixa de arrecadar, pois 76% das ações são pagas pelos cofres públicos.

O levantamento identificou 636.583 processos transitados em julgado em que houve o pedido de gratuidade entre 2019 e 2024. Do total, os juízes concederam o benefício a 486 mil ações, na maioria, com base em mera autodeclaração da parte, com um custo total estimado de R$ 56,6 bilhões. A estimativa é que o poder público deixe de arrecadar R$ 1,1 bilhão nesse montante. “Isso mostra que não há concessão sem custo. E, no caso, o custo para o erário é muito alto”, diz o estudo.

Estudo sugere submeter decisões a análise de custo-benefício e regular atuação de juízes

Uma das principais inovações da reforma trabalhista foi a prevalência do “negociado” sobre o “legislado”, ou seja, vale o que a empresa combina com os trabalhadores em acordo coletivo, mesmo que a negociação flexibilize alguma regra trabalhista. Uma empresa, no entanto, teve acordos coletivos anulados pelo TST e foi obrigada a pagar R$ 5,3 milhões para atender 92 ações trabalhistas desse gênero.

Em outro processo, o Tribunal Regional do Trabalho invalidou uma norma coletiva que previa a redução do intervalo mínimo para refeição e descanso em uma indústria – com a reforma, é possível negociar meia hora de almoço em troca de o trabalhador sair mais cedo, por exemplo. Em consequência, a empresa foi obrigada a pagar o adicional de 50% para todos os empregados em relação ao período do intervalo reduzido.

“No Brasil, o subjetivismo associado ao voluntarismo de muitos magistrados na prolação das sentenças gera um verdadeiro medo nos empreendedores, em especial, os pequenos e médios que não têm recursos para acompanhar as flutuações nas decisões judiciais sobre o mesmo assunto”, diz o relatório. “Por mais humanitária ou paternal que seja uma sentença judicial, se ela se descola das leis vigentes, o seu prejuízo é bem maior do que o seu benefício.”

Para conter os efeitos do ativismo judicial, os estudiosos sugerem adotar a prática de submeter projetos de leis, medidas provisórias, decretos e portarias a uma análise rigorosa de custo-benefício de curto, médio e longo prazos. Além disso, dar o mesmo tratamento ao processo de elaboração de normas no âmbito da Justiça do Trabalho e regular de forma explícita a liberdade de interpretação dos juízes em todas as instâncias do Judiciário.

Na opinião dos especialistas, também é importante aumentar a participação de empregados e empresas na elaboração das normas e modernizar os cursos de Direito, onde os magistrados se formam, com atenção aos custos dos direitos.

BRASÍLIA – Decisões do Judiciário vêm mexendo significativamente na rotina das empresas e aumentado os custos de se investir no Brasil, conforme estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. Em alguns casos, o impacto econômico de um conjunto de ações sobre o mesmo tema supera R$ 1 bilhão. Segundo o levantamento, o chamado “ativismo judicial” na área trabalhista afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, explorou casos reais em que os autores identificaram ativismo judicial – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado sobre o legislado.

“Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz José Pastore ao Estadão. Leia a entrevista completa.

Essa visão, porém, é questionada pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga. “Os juízes brasileiros, em especial os da Justiça do Trabalho, são cientes de suas responsabilidades e do papel dos Poderes da República. Juízes não passam por cima de leis”, disse ao Estadão. Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego não se manifestou.

Sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Foto: Bábara Cabral/TST

Os especialistas não revelam os nomes das empresas e dos empregados envolvidos, mas apontam uma tendência que pode neutralizar os efeitos da reforma trabalhista aprovada em 2017. O total de processos na Justiça do Trabalho atingiu 5,4 milhões no ano passado. O número havia diminuído após a aprovação da medida, mas voltou a crescer em decorrência das decisões.

Um dos casos reais do estudo coordenado por Pastore cita que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu pela ilegalidade da terceirização do empregado de um banco entendendo que ele exercia atividades típicas de uma instituição financeira, enquanto a empresa alegava que o trabalhador atuava apenas na triagem e contagem de documentos, e não no atendimento ao público, venda de produtos bancários ou autenticação de documentos nos caixas.

Mesmo que a reforma trabalhista tenha legalizado a terceirização para qualquer atividade, seja o trabalho direto de uma empresa (no caso do banco, um caixa) ou uma atividade-meio (segurança ou trabalhador da limpeza), magistrados têm anulado a contratação de serviços e imposto multa milionária para os empregadores.

“É verdade que, além das raízes paternalistas, ideológicas e psicológicas, o ativismo judicial decorre também da má qualidade de muitas leis e do próprio zigue-zague das decisões judiciais das cortes superiores que acabam pautando a orientação dos tribunais inferiores”, diz o estudo, que é assinado por Pastore e mais oito especialistas. “Entretanto, nada justifica as interpretações voluntaristas quando as leis são claras”, afirma o texto, citando as leis da terceirização e reforma trabalhista.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu recentemente uma revisão do entendimento sobre a terceirização pelo Judiciário. “Acho que nós tínhamos que revisitar o tema, não para rever a jurisprudência, mas para delimitar até onde ela vai, porque hoje nós vamos virar uma nação de pejotizados”, afirmou Dino durante o julgamento de um recurso da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo entre uma empresa de produção audiovisual e um assistente de iluminação.

Só no caso da terceirização, levantamento dos especialistas com dados da plataforma Datalawyer indicaram a existência de 40.209 processos com custo total de R$ 7,23 bilhões para as empresas entre janeiro de 2019 e julho de 2024. Considerando que 20% dessas ações sejam julgadas procedentes, um índice considerado conservador pelos analistas, o impacto para os negócios será superior a R$ 1,4 bilhão e muitos deles ficarão inviabilizados.

Empregado com duas BMW e uma Harley-Davidson ganha direito de não pagar custos de processo judicial

Os autores do estudo apontam motivações ideológicas e paternalistas nas decisões. “A insegurança jurídica é um resultado do ativismo judicial que busca, entre outros objetivos, preencher lacunas e/ou moldar o ordenamento jurídico para atender às necessidades sociais dos que mais sofrem”, diz o documento.

“Entretanto, isso é feito de forma custosa e prejudicial para as atividades econômicas e para o próprio Erário. Em última análise, a referida busca pelos fins sociais deixa de lado a finalidade econômica das empresas, requisito fundamental para impulsionar investimentos e gerar empregos.”

O direito de uma pessoa entrar na Justiça sem pagar os custos do processo assinando uma mera declaração que não possui renda suficiente, mas sem comprovação, provocou uma explosão de ações após a reforma trabalhista ter diminuído a judicialização, segundo o estudo.

Em 2018, o número de processos distribuídos na primeira instância da Justiça do Trabalho caiu 31% (de 2,3 milhões para 1,6 milhão, em números aproximados) em relação ao ano anterior, quando houve aprovação da reforma trabalhista, enquanto que, entre 2022 e 2023, o volume aumentou 17% (de 1,5 milhão para 1,7 milhão).

Estudo foi coordenado por José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Esse tipo de benefício é resultado de uma decisão do STF de outubro de 2022 e da interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho deu à chamada justiça gratuita. Um empregado em um caso real ganhou o benefício mesmo possuindo dois veículos BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma motocicleta Harley-Davidson que custa aproximadamente R$ 240 mil.

Em outro processo, uma pessoa que declarou ter um salário de R$ 30 mil mensais ganhou a justiça gratuita ao assinar uma simples declaração dizendo que não possuía condições de pagar os custos.

Os especialistas ressaltam que a mera declaração contraria a comprovação de falta de recursos exigida pela reforma trabalhista. A situação não provoca prejuízos apenas para as empresas, mas também para o próprio governo, que deixa de arrecadar, pois 76% das ações são pagas pelos cofres públicos.

O levantamento identificou 636.583 processos transitados em julgado em que houve o pedido de gratuidade entre 2019 e 2024. Do total, os juízes concederam o benefício a 486 mil ações, na maioria, com base em mera autodeclaração da parte, com um custo total estimado de R$ 56,6 bilhões. A estimativa é que o poder público deixe de arrecadar R$ 1,1 bilhão nesse montante. “Isso mostra que não há concessão sem custo. E, no caso, o custo para o erário é muito alto”, diz o estudo.

Estudo sugere submeter decisões a análise de custo-benefício e regular atuação de juízes

Uma das principais inovações da reforma trabalhista foi a prevalência do “negociado” sobre o “legislado”, ou seja, vale o que a empresa combina com os trabalhadores em acordo coletivo, mesmo que a negociação flexibilize alguma regra trabalhista. Uma empresa, no entanto, teve acordos coletivos anulados pelo TST e foi obrigada a pagar R$ 5,3 milhões para atender 92 ações trabalhistas desse gênero.

Em outro processo, o Tribunal Regional do Trabalho invalidou uma norma coletiva que previa a redução do intervalo mínimo para refeição e descanso em uma indústria – com a reforma, é possível negociar meia hora de almoço em troca de o trabalhador sair mais cedo, por exemplo. Em consequência, a empresa foi obrigada a pagar o adicional de 50% para todos os empregados em relação ao período do intervalo reduzido.

“No Brasil, o subjetivismo associado ao voluntarismo de muitos magistrados na prolação das sentenças gera um verdadeiro medo nos empreendedores, em especial, os pequenos e médios que não têm recursos para acompanhar as flutuações nas decisões judiciais sobre o mesmo assunto”, diz o relatório. “Por mais humanitária ou paternal que seja uma sentença judicial, se ela se descola das leis vigentes, o seu prejuízo é bem maior do que o seu benefício.”

Para conter os efeitos do ativismo judicial, os estudiosos sugerem adotar a prática de submeter projetos de leis, medidas provisórias, decretos e portarias a uma análise rigorosa de custo-benefício de curto, médio e longo prazos. Além disso, dar o mesmo tratamento ao processo de elaboração de normas no âmbito da Justiça do Trabalho e regular de forma explícita a liberdade de interpretação dos juízes em todas as instâncias do Judiciário.

Na opinião dos especialistas, também é importante aumentar a participação de empregados e empresas na elaboração das normas e modernizar os cursos de Direito, onde os magistrados se formam, com atenção aos custos dos direitos.

BRASÍLIA – Decisões do Judiciário vêm mexendo significativamente na rotina das empresas e aumentado os custos de se investir no Brasil, conforme estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. Em alguns casos, o impacto econômico de um conjunto de ações sobre o mesmo tema supera R$ 1 bilhão. Segundo o levantamento, o chamado “ativismo judicial” na área trabalhista afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, explorou casos reais em que os autores identificaram ativismo judicial – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado sobre o legislado.

“Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz José Pastore ao Estadão. Leia a entrevista completa.

Essa visão, porém, é questionada pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga. “Os juízes brasileiros, em especial os da Justiça do Trabalho, são cientes de suas responsabilidades e do papel dos Poderes da República. Juízes não passam por cima de leis”, disse ao Estadão. Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego não se manifestou.

Sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Foto: Bábara Cabral/TST

Os especialistas não revelam os nomes das empresas e dos empregados envolvidos, mas apontam uma tendência que pode neutralizar os efeitos da reforma trabalhista aprovada em 2017. O total de processos na Justiça do Trabalho atingiu 5,4 milhões no ano passado. O número havia diminuído após a aprovação da medida, mas voltou a crescer em decorrência das decisões.

Um dos casos reais do estudo coordenado por Pastore cita que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu pela ilegalidade da terceirização do empregado de um banco entendendo que ele exercia atividades típicas de uma instituição financeira, enquanto a empresa alegava que o trabalhador atuava apenas na triagem e contagem de documentos, e não no atendimento ao público, venda de produtos bancários ou autenticação de documentos nos caixas.

Mesmo que a reforma trabalhista tenha legalizado a terceirização para qualquer atividade, seja o trabalho direto de uma empresa (no caso do banco, um caixa) ou uma atividade-meio (segurança ou trabalhador da limpeza), magistrados têm anulado a contratação de serviços e imposto multa milionária para os empregadores.

“É verdade que, além das raízes paternalistas, ideológicas e psicológicas, o ativismo judicial decorre também da má qualidade de muitas leis e do próprio zigue-zague das decisões judiciais das cortes superiores que acabam pautando a orientação dos tribunais inferiores”, diz o estudo, que é assinado por Pastore e mais oito especialistas. “Entretanto, nada justifica as interpretações voluntaristas quando as leis são claras”, afirma o texto, citando as leis da terceirização e reforma trabalhista.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu recentemente uma revisão do entendimento sobre a terceirização pelo Judiciário. “Acho que nós tínhamos que revisitar o tema, não para rever a jurisprudência, mas para delimitar até onde ela vai, porque hoje nós vamos virar uma nação de pejotizados”, afirmou Dino durante o julgamento de um recurso da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo entre uma empresa de produção audiovisual e um assistente de iluminação.

Só no caso da terceirização, levantamento dos especialistas com dados da plataforma Datalawyer indicaram a existência de 40.209 processos com custo total de R$ 7,23 bilhões para as empresas entre janeiro de 2019 e julho de 2024. Considerando que 20% dessas ações sejam julgadas procedentes, um índice considerado conservador pelos analistas, o impacto para os negócios será superior a R$ 1,4 bilhão e muitos deles ficarão inviabilizados.

Empregado com duas BMW e uma Harley-Davidson ganha direito de não pagar custos de processo judicial

Os autores do estudo apontam motivações ideológicas e paternalistas nas decisões. “A insegurança jurídica é um resultado do ativismo judicial que busca, entre outros objetivos, preencher lacunas e/ou moldar o ordenamento jurídico para atender às necessidades sociais dos que mais sofrem”, diz o documento.

“Entretanto, isso é feito de forma custosa e prejudicial para as atividades econômicas e para o próprio Erário. Em última análise, a referida busca pelos fins sociais deixa de lado a finalidade econômica das empresas, requisito fundamental para impulsionar investimentos e gerar empregos.”

O direito de uma pessoa entrar na Justiça sem pagar os custos do processo assinando uma mera declaração que não possui renda suficiente, mas sem comprovação, provocou uma explosão de ações após a reforma trabalhista ter diminuído a judicialização, segundo o estudo.

Em 2018, o número de processos distribuídos na primeira instância da Justiça do Trabalho caiu 31% (de 2,3 milhões para 1,6 milhão, em números aproximados) em relação ao ano anterior, quando houve aprovação da reforma trabalhista, enquanto que, entre 2022 e 2023, o volume aumentou 17% (de 1,5 milhão para 1,7 milhão).

Estudo foi coordenado por José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Esse tipo de benefício é resultado de uma decisão do STF de outubro de 2022 e da interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho deu à chamada justiça gratuita. Um empregado em um caso real ganhou o benefício mesmo possuindo dois veículos BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma motocicleta Harley-Davidson que custa aproximadamente R$ 240 mil.

Em outro processo, uma pessoa que declarou ter um salário de R$ 30 mil mensais ganhou a justiça gratuita ao assinar uma simples declaração dizendo que não possuía condições de pagar os custos.

Os especialistas ressaltam que a mera declaração contraria a comprovação de falta de recursos exigida pela reforma trabalhista. A situação não provoca prejuízos apenas para as empresas, mas também para o próprio governo, que deixa de arrecadar, pois 76% das ações são pagas pelos cofres públicos.

O levantamento identificou 636.583 processos transitados em julgado em que houve o pedido de gratuidade entre 2019 e 2024. Do total, os juízes concederam o benefício a 486 mil ações, na maioria, com base em mera autodeclaração da parte, com um custo total estimado de R$ 56,6 bilhões. A estimativa é que o poder público deixe de arrecadar R$ 1,1 bilhão nesse montante. “Isso mostra que não há concessão sem custo. E, no caso, o custo para o erário é muito alto”, diz o estudo.

Estudo sugere submeter decisões a análise de custo-benefício e regular atuação de juízes

Uma das principais inovações da reforma trabalhista foi a prevalência do “negociado” sobre o “legislado”, ou seja, vale o que a empresa combina com os trabalhadores em acordo coletivo, mesmo que a negociação flexibilize alguma regra trabalhista. Uma empresa, no entanto, teve acordos coletivos anulados pelo TST e foi obrigada a pagar R$ 5,3 milhões para atender 92 ações trabalhistas desse gênero.

Em outro processo, o Tribunal Regional do Trabalho invalidou uma norma coletiva que previa a redução do intervalo mínimo para refeição e descanso em uma indústria – com a reforma, é possível negociar meia hora de almoço em troca de o trabalhador sair mais cedo, por exemplo. Em consequência, a empresa foi obrigada a pagar o adicional de 50% para todos os empregados em relação ao período do intervalo reduzido.

“No Brasil, o subjetivismo associado ao voluntarismo de muitos magistrados na prolação das sentenças gera um verdadeiro medo nos empreendedores, em especial, os pequenos e médios que não têm recursos para acompanhar as flutuações nas decisões judiciais sobre o mesmo assunto”, diz o relatório. “Por mais humanitária ou paternal que seja uma sentença judicial, se ela se descola das leis vigentes, o seu prejuízo é bem maior do que o seu benefício.”

Para conter os efeitos do ativismo judicial, os estudiosos sugerem adotar a prática de submeter projetos de leis, medidas provisórias, decretos e portarias a uma análise rigorosa de custo-benefício de curto, médio e longo prazos. Além disso, dar o mesmo tratamento ao processo de elaboração de normas no âmbito da Justiça do Trabalho e regular de forma explícita a liberdade de interpretação dos juízes em todas as instâncias do Judiciário.

Na opinião dos especialistas, também é importante aumentar a participação de empregados e empresas na elaboração das normas e modernizar os cursos de Direito, onde os magistrados se formam, com atenção aos custos dos direitos.

BRASÍLIA – Decisões do Judiciário vêm mexendo significativamente na rotina das empresas e aumentado os custos de se investir no Brasil, conforme estudo coordenado pelo sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. Em alguns casos, o impacto econômico de um conjunto de ações sobre o mesmo tema supera R$ 1 bilhão. Segundo o levantamento, o chamado “ativismo judicial” na área trabalhista afasta investimentos, compromete o crescimento econômico do Brasil e pode provocar desemprego.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, explorou casos reais em que os autores identificaram ativismo judicial – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – em dez temas, incluindo concessão de gratuidade em processos judiciais, terceirização, horas extras e prevalência do negociado sobre o legislado.

“Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz José Pastore ao Estadão. Leia a entrevista completa.

Essa visão, porém, é questionada pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga. “Os juízes brasileiros, em especial os da Justiça do Trabalho, são cientes de suas responsabilidades e do papel dos Poderes da República. Juízes não passam por cima de leis”, disse ao Estadão. Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego não se manifestou.

Sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Foto: Bábara Cabral/TST

Os especialistas não revelam os nomes das empresas e dos empregados envolvidos, mas apontam uma tendência que pode neutralizar os efeitos da reforma trabalhista aprovada em 2017. O total de processos na Justiça do Trabalho atingiu 5,4 milhões no ano passado. O número havia diminuído após a aprovação da medida, mas voltou a crescer em decorrência das decisões.

Um dos casos reais do estudo coordenado por Pastore cita que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu pela ilegalidade da terceirização do empregado de um banco entendendo que ele exercia atividades típicas de uma instituição financeira, enquanto a empresa alegava que o trabalhador atuava apenas na triagem e contagem de documentos, e não no atendimento ao público, venda de produtos bancários ou autenticação de documentos nos caixas.

Mesmo que a reforma trabalhista tenha legalizado a terceirização para qualquer atividade, seja o trabalho direto de uma empresa (no caso do banco, um caixa) ou uma atividade-meio (segurança ou trabalhador da limpeza), magistrados têm anulado a contratação de serviços e imposto multa milionária para os empregadores.

“É verdade que, além das raízes paternalistas, ideológicas e psicológicas, o ativismo judicial decorre também da má qualidade de muitas leis e do próprio zigue-zague das decisões judiciais das cortes superiores que acabam pautando a orientação dos tribunais inferiores”, diz o estudo, que é assinado por Pastore e mais oito especialistas. “Entretanto, nada justifica as interpretações voluntaristas quando as leis são claras”, afirma o texto, citando as leis da terceirização e reforma trabalhista.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu recentemente uma revisão do entendimento sobre a terceirização pelo Judiciário. “Acho que nós tínhamos que revisitar o tema, não para rever a jurisprudência, mas para delimitar até onde ela vai, porque hoje nós vamos virar uma nação de pejotizados”, afirmou Dino durante o julgamento de um recurso da Justiça do Trabalho que reconheceu o vínculo entre uma empresa de produção audiovisual e um assistente de iluminação.

Só no caso da terceirização, levantamento dos especialistas com dados da plataforma Datalawyer indicaram a existência de 40.209 processos com custo total de R$ 7,23 bilhões para as empresas entre janeiro de 2019 e julho de 2024. Considerando que 20% dessas ações sejam julgadas procedentes, um índice considerado conservador pelos analistas, o impacto para os negócios será superior a R$ 1,4 bilhão e muitos deles ficarão inviabilizados.

Empregado com duas BMW e uma Harley-Davidson ganha direito de não pagar custos de processo judicial

Os autores do estudo apontam motivações ideológicas e paternalistas nas decisões. “A insegurança jurídica é um resultado do ativismo judicial que busca, entre outros objetivos, preencher lacunas e/ou moldar o ordenamento jurídico para atender às necessidades sociais dos que mais sofrem”, diz o documento.

“Entretanto, isso é feito de forma custosa e prejudicial para as atividades econômicas e para o próprio Erário. Em última análise, a referida busca pelos fins sociais deixa de lado a finalidade econômica das empresas, requisito fundamental para impulsionar investimentos e gerar empregos.”

O direito de uma pessoa entrar na Justiça sem pagar os custos do processo assinando uma mera declaração que não possui renda suficiente, mas sem comprovação, provocou uma explosão de ações após a reforma trabalhista ter diminuído a judicialização, segundo o estudo.

Em 2018, o número de processos distribuídos na primeira instância da Justiça do Trabalho caiu 31% (de 2,3 milhões para 1,6 milhão, em números aproximados) em relação ao ano anterior, quando houve aprovação da reforma trabalhista, enquanto que, entre 2022 e 2023, o volume aumentou 17% (de 1,5 milhão para 1,7 milhão).

Estudo foi coordenado por José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Esse tipo de benefício é resultado de uma decisão do STF de outubro de 2022 e da interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho deu à chamada justiça gratuita. Um empregado em um caso real ganhou o benefício mesmo possuindo dois veículos BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma motocicleta Harley-Davidson que custa aproximadamente R$ 240 mil.

Em outro processo, uma pessoa que declarou ter um salário de R$ 30 mil mensais ganhou a justiça gratuita ao assinar uma simples declaração dizendo que não possuía condições de pagar os custos.

Os especialistas ressaltam que a mera declaração contraria a comprovação de falta de recursos exigida pela reforma trabalhista. A situação não provoca prejuízos apenas para as empresas, mas também para o próprio governo, que deixa de arrecadar, pois 76% das ações são pagas pelos cofres públicos.

O levantamento identificou 636.583 processos transitados em julgado em que houve o pedido de gratuidade entre 2019 e 2024. Do total, os juízes concederam o benefício a 486 mil ações, na maioria, com base em mera autodeclaração da parte, com um custo total estimado de R$ 56,6 bilhões. A estimativa é que o poder público deixe de arrecadar R$ 1,1 bilhão nesse montante. “Isso mostra que não há concessão sem custo. E, no caso, o custo para o erário é muito alto”, diz o estudo.

Estudo sugere submeter decisões a análise de custo-benefício e regular atuação de juízes

Uma das principais inovações da reforma trabalhista foi a prevalência do “negociado” sobre o “legislado”, ou seja, vale o que a empresa combina com os trabalhadores em acordo coletivo, mesmo que a negociação flexibilize alguma regra trabalhista. Uma empresa, no entanto, teve acordos coletivos anulados pelo TST e foi obrigada a pagar R$ 5,3 milhões para atender 92 ações trabalhistas desse gênero.

Em outro processo, o Tribunal Regional do Trabalho invalidou uma norma coletiva que previa a redução do intervalo mínimo para refeição e descanso em uma indústria – com a reforma, é possível negociar meia hora de almoço em troca de o trabalhador sair mais cedo, por exemplo. Em consequência, a empresa foi obrigada a pagar o adicional de 50% para todos os empregados em relação ao período do intervalo reduzido.

“No Brasil, o subjetivismo associado ao voluntarismo de muitos magistrados na prolação das sentenças gera um verdadeiro medo nos empreendedores, em especial, os pequenos e médios que não têm recursos para acompanhar as flutuações nas decisões judiciais sobre o mesmo assunto”, diz o relatório. “Por mais humanitária ou paternal que seja uma sentença judicial, se ela se descola das leis vigentes, o seu prejuízo é bem maior do que o seu benefício.”

Para conter os efeitos do ativismo judicial, os estudiosos sugerem adotar a prática de submeter projetos de leis, medidas provisórias, decretos e portarias a uma análise rigorosa de custo-benefício de curto, médio e longo prazos. Além disso, dar o mesmo tratamento ao processo de elaboração de normas no âmbito da Justiça do Trabalho e regular de forma explícita a liberdade de interpretação dos juízes em todas as instâncias do Judiciário.

Na opinião dos especialistas, também é importante aumentar a participação de empregados e empresas na elaboração das normas e modernizar os cursos de Direito, onde os magistrados se formam, com atenção aos custos dos direitos.

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