BRASÍLIA - Uma série de atos, entre medida provisória e decretos, assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gerou diversas dúvidas e apreensão no setor de saneamento nesta segunda-feira, 2. Os textos vinculam a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) a dois ministérios, além de haver um decreto que contraria a legislação vigente sobre o papel do órgão de editar normas de referência para o segmento de água, esgoto e resíduos. Nos bastidores, fontes classificam os textos como uma “lambança” que precisará ser revisada pelo governo, porque gera desde já insegurança jurídica ao mercado.
Um dos principais pontos de incerteza foi gerado pela Medida Provisória 1154/2023, de reformulação de ministérios, e pelo decreto de estrutura do Ministério das Cidades. O texto da MP altera o artigo 3º da lei de criação da ANA, para transferir a vinculação da agência do Ministério de Desenvolvimento Regional para o de Meio Ambiente e Mudança do Clima.
O mesmo ajuste no artigo 3º retira do nome da ANA a menção a saneamento, além de excluir a redação dada pelo marco legal do setor, de que cabe à agência instituir normas de referência para a regulação dos serviços de água e esgoto — um dos principais pilares da lei em vigor desde 2020 — ainda em dezembro, o Estadão/Broadcast antecipou a existência de articulação do governo de transição para retirar o saneamento das atribuições da ANA, o que causou a reação de especialistas.
Já o decreto sobre o Ministério das Cidades atribuiu esse papel à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental da pasta. “À Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental compete instituir as normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico e acompanhar o seu processo de implementação”, diz o texto publicado em edição especial do Diário Oficial da União (DOU) deste domingo, 1º.
Por outro lado, todos os dispositivos do marco legal que preveem as competências da ANA para o setor de saneamento, como a elaboração das normas, continuam vigentes. “As normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico contemplarão os princípios estabelecidos no inciso I do caput do art. 2º da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 , e serão instituídas pela ANA de forma progressiva”, diz o texto do marco legal, que não está revogado por medida provisória.
Além disso, outros artigos da lei de criação da ANA não foram modificados para retirar a menção a saneamento do nome do órgão, nem mesmo a ementa da legislação. Fontes ouvidas pela reportagem destacam que o decreto não pode se sobrepor à lei e que, portanto, a ANA mantém as competências de edição de normas de referência para o saneamento. O problema está na insegurança jurídica levantada com esses conflitos. Entre parte do setor que defende a manutenção do marco legal há ainda receio de que os atos sejam uma sinalização de que o governo Lula de fato quer alterar a lei sancionada em 2020 — como sugeriu o GT de Cidades na Transição, em notícia antecipada pelo Estadão/Broadcast no mês passado.
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Outras sobreposições de normas foram identificadas no setor. Por exemplo, apesar de a MP ter repassado a ANA ao Ministério do Meio Ambiente, tanto o decreto de estrutura do MMA quanto o de Integração e Desenvolvimento Regional preveem a vinculação do órgão — inclusive com o termo “saneamento” em seu nome. No governo Bolsonaro, a ANA estava ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que foi desmembrado agora por Lula em uma pasta de Cidades e outra de Integração e Desenvolvimento Regional.
Há ainda outro conflito apontado. Apesar de a MP ter previsto que a Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Recursos Hídricos será exercida por órgão do Ministério do Meio Ambiente, o decreto da pasta de Integração e do Desenvolvimento Regional prevê o mesmo conselho na estrutura do ministério.