BRASÍLIA - Os R$ 19,4 bilhões reservados no Orçamento de 2023 para o pagamento das emendas de relator do orçamento secreto são o alvo principal da tesourada recomendada pelo economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, e pela economista sênior da Tendências, Juliana Damasceno, para bancar um Auxílio Brasil de R$ 600 sem furar o teto de gastos.
Um dia após a apresentação do projeto prevendo um benefício de R$ 405, o Estadão perguntou aos dois economistas se seria possível encontrar espaço fiscal para manter o valor de R$ 600. Sob forte polêmica, o Orçamento proposto em plena campanha eleitoral antecipa a necessidade de debate sobre o futuro do teto, de forma a acomodar os novos gastos já contratados pelos presidenciáveis.
Megale faz as contas e prevê nova rodada de mudanças na Constituição para acomodar os R$ 164,6 bilhões em novas despesas já contratadas, entre elas, o aumento do Auxílio Brasil, o reajuste de servidores, o pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União) e a compensação a Estados e municípios com a perda de receita com o ICMS. Para ele, seriam possíveis cortes nas emendas de relator e nos gastos tributários (incentivos fiscais e subsídios), além de tornar programas mais eficientes, inclusive o Auxílio Brasil.
Mas diante do curto espaço de tempo e dos “contornos políticos”, não é isso que ele prevê que acontecerá. “Devem aumentar o espaço no teto (o limite para gastar mais) e a dívida pública”, diz.
A partir desse nível mais elevado, a tendência seria determinada por uma nova regra de correção do teto, que poderia ser a atual pelo IPCA ou que permitisse algum crescimento real (acima da inflação). Num cenário de correção do teto mais 1%, Megale estima que a dívida pública bruta chegaria em 2030 a 86,9% do PIB – patamar considerado elevado para o padrão de países emergentes como o Brasil. Com um teto sendo corrigido pela inflação mais 2%, a dívida iria a 91,7%. E, mantido o padrão histórico de 2014 a 2022, a dívida pública ultrapassaria os 120% até 2030. O resultado das simulações da XP mostram um novo período de déficits nas contas do governo.
‘Sem transparência’
Na avaliação de Juliana Damasceno, da Tendências, os cortes para remanejamento do Orçamento sem a necessidade de burlar o teto de gastos também poderiam sair do chamado orçamento secreto. “As emendas de relator estão previstas em mais de R$ 19 bilhões no ano que vem e passaram a desempenhar um papel significativo no Congresso. Esse dispositivo está sendo cada vez mais engessado, mesmo sendo muito questionável no quesito de transparência”, afirma ela.
Outro ponto que ela destaca é uma possível revisão do abono salarial, benefício de até um salário mínimo para trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois pisos. “Esse benefício é visto como uma das medidas sociais menos eficientes, pois é pago para quem já está no mercado de trabalho, e estamos falando de R$ 25 bilhões. Ele não precisa ser extinto, mas pode ser revisto, para ficar mais eficiente”, diz.
Ela avalia, no entanto, que, em vez de remanejar as despesas, o governo deve optar pelo “caminho mais fácil”, de criar uma nova PEC para furar o teto de gastos. “Esse é um esforço que precisava ter sido feito lá atrás. Em vez de criar uma iniciativa de reajuste interno no Orçamento, a equipe econômica achou que a saída mais fácil era criar uma PEC para parcelar os precatórios. Assumiu-se que o Orçamento era rígido. A gente não pode repetir esse erro, embora eu não acredite nisso.”