Auxílio Gás turbinado: economistas veem possível drible do governo para gasto fora do Orçamento


Projeto de Lei cria engenharia financeira para que novo desenho do programa seja operado pela Caixa sem impacto no teto de gastos; objetivo é quadruplicar o valor do benefício até 2026, ano de eleição

Por Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA - A engenharia financeira criada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula do Silva (PT) para financiar o novo Auxílio Gás turbinado foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas. A avaliação é de que se trata de um potencial drible do governo para a realização de gastos fora do Orçamento público e, portanto, fora do limite de despesas do arcabouço fiscal.

O projeto de lei é assinado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda) e aguarda análise do Congresso. O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial. Com isso, o desembolso saltaria dos atuais R$ 3,4 bilhões para cerca de R$ 5 bilhões em 2025 e alcançaria R$ 13,6 bilhões em 2026, de acordo com as projeções de Silveira. Já o público-alvo seria expandido para 20,8 milhões de famílias.

O texto prevê que o programa – rebatizado de Gás para Todos – será operado pela Caixa Econômica Federal, que poderá receber dinheiro diretamente de empresas de petróleo. “Parece uma repetição de governos anteriores, que buscaram métodos criativos de gastar sem que a despesa aparecesse na peça orçamentária”, afirma o pesquisador do Insper Marcos Mendes.

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O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial Foto: Márcio Fernandes/Estadão

“Dado que temos uma regra de limite de despesa, esse procedimento dribla a regra. Despesa pública tem que estar no Orçamento, não pode ser feita em paralelo”, diz o economista.

Mendes também destaca que a medida representa uma renúncia de receita e, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, precisaria ser compensada. “Só que nada foi apresentado”, diz. A “manobra fiscal”, segundo o pesquisador, se dá em quatro etapas:

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  1. O beneficiário do programa terá um desconto na compra do botijão ou receberá o dinheiro para comprar o produto.
  2. Nos dois casos, a Caixa fará o pagamento: seja ao fornecedor do botijão, seja ao beneficiário.
  3. Uma forma de o dinheiro chegar à Caixa, segundo o projeto, será mediante pagamento de empresas de petróleo. Essas companhias, em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, darão o dinheiro ao banco estatal e descontarão da contribuição que fariam ao fundo.
  4. Isso diminuirá a receita primária do governo, já que haverá um depósito menor no Fundo Social, o que afetará negativamente o resultado primário. Não haverá, porém, impacto no teto de gastos, pois a despesa não será contabilizada no Orçamento.

O crescimento das despesas é um dos principais desafios fiscais da atual gestão. Como mostrou reportagem do Estadão, os gastos obrigatórios crescem em ritmo superior ao teto do arcabouço e, com isso, consomem fatia cada vez maior do bolo do Orçamento, “espremendo” os outros desembolsos. No limite, avaliam especialistas, haverá o rompimento do teto ou a paralisação da máquina pública.

Nesta quarta-feira, 28, a equipe econômica detalhou uma revisão de R$ 25,9 bilhões em despesas previstas para 2025. Praticamente todas as medidas, porém, estão relacionadas a revisões cadastrais e combate a fraudes, sem mudanças estruturais mais profundas.

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“É muito importante que o governo esclareça como esta possibilidade dos recursos da comercialização de petróleo, que iriam para o Fundo Social, vão diretamente para a Caixa sem ferir o princípio da universalidade do Orçamento (que exige que todas as receitas e despesas constem da lei orçamentária)”, afirma Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia do ASA.

“Se este princípio não for respeitado, é difícil dar credibilidade ao limite de gastos”, complementa Bittencourt. Atualmente, o arcabouço impõe duas travas ao crescimento da despesa: não pode ultrapassar 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores, nem superar 2,5% de avanço real, ou seja, acima da inflação.

Ao ser questionado sobre o tema durante coletiva de imprensa na quarta-feira, 28, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o tamanho da renúncia fiscal do novo programa dependerá do seu desenho final. Ele também frisou que o projeto partiu do Ministério de Minas e Energia (MME). “Nossa avaliação foi feita sobre a compatibilidade com o arcabouço e o Orçamento”, afirmou.

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Já o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, disse que se o custo for embutido na via orçamentária (o texto permite que sejam usadas verbas do MME, por exemplo), o governo terá de revisar outros gastos para acomodar a ampliação.

Já se for pela via do subsídio, Guimarães reconheceu que o governo estará abrindo mão de receita. “Vai ter que ter ajuste, natural isso acontecer dentro do processo das regras fiscais”, afirmou. Questionado, o MME não respondeu até a publicação da reportagem.

Em nota enviada à reportagem nesta quinta-feira, 29, a Fazenda afirmou que a proposta “não possui impacto fiscal” e que a possibilidade de repasse de petroleiras à Caixa é uma “previsão genérica que demandará atos infralegais posteriores”.

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A pasta diz que não está prevista, neste momento, a utilização de todas as modalidades de financiamento do programa e que, caso a transferência das empresas de petróleo ao banco estatal venha a ocorrer, isso será refletido no Orçamento.

Como mostrou o Estadão em abril, recentes movimentos do governo Lula e do Congresso mostram que o arcabouço fiscal repete dribles feitos durante a vigência do antigo teto de gastos, mas de forma mais rápida – colocando em risco a credibilidade da regra para controle das contas públicas.

À época, os “furos” nos limites de gastos somavam R$ 28 bilhões. Nessa conta estavam contabilizados R$ 17,7 bilhões de repasses a Estados e municípios para compensar perdas de arrecadação (que devem chegar a R$ 27 bilhões até 2025); R$ 6 bilhões do programa Pé-de-Meia (poupança para estudantes do ensino médio) e R$ 4,3 bilhões do Ministério da Saúde negociados no fim do ano passado em troca da aprovação da agenda econômica.

BRASÍLIA - A engenharia financeira criada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula do Silva (PT) para financiar o novo Auxílio Gás turbinado foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas. A avaliação é de que se trata de um potencial drible do governo para a realização de gastos fora do Orçamento público e, portanto, fora do limite de despesas do arcabouço fiscal.

O projeto de lei é assinado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda) e aguarda análise do Congresso. O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial. Com isso, o desembolso saltaria dos atuais R$ 3,4 bilhões para cerca de R$ 5 bilhões em 2025 e alcançaria R$ 13,6 bilhões em 2026, de acordo com as projeções de Silveira. Já o público-alvo seria expandido para 20,8 milhões de famílias.

O texto prevê que o programa – rebatizado de Gás para Todos – será operado pela Caixa Econômica Federal, que poderá receber dinheiro diretamente de empresas de petróleo. “Parece uma repetição de governos anteriores, que buscaram métodos criativos de gastar sem que a despesa aparecesse na peça orçamentária”, afirma o pesquisador do Insper Marcos Mendes.

O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial Foto: Márcio Fernandes/Estadão

“Dado que temos uma regra de limite de despesa, esse procedimento dribla a regra. Despesa pública tem que estar no Orçamento, não pode ser feita em paralelo”, diz o economista.

Mendes também destaca que a medida representa uma renúncia de receita e, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, precisaria ser compensada. “Só que nada foi apresentado”, diz. A “manobra fiscal”, segundo o pesquisador, se dá em quatro etapas:

  1. O beneficiário do programa terá um desconto na compra do botijão ou receberá o dinheiro para comprar o produto.
  2. Nos dois casos, a Caixa fará o pagamento: seja ao fornecedor do botijão, seja ao beneficiário.
  3. Uma forma de o dinheiro chegar à Caixa, segundo o projeto, será mediante pagamento de empresas de petróleo. Essas companhias, em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, darão o dinheiro ao banco estatal e descontarão da contribuição que fariam ao fundo.
  4. Isso diminuirá a receita primária do governo, já que haverá um depósito menor no Fundo Social, o que afetará negativamente o resultado primário. Não haverá, porém, impacto no teto de gastos, pois a despesa não será contabilizada no Orçamento.

O crescimento das despesas é um dos principais desafios fiscais da atual gestão. Como mostrou reportagem do Estadão, os gastos obrigatórios crescem em ritmo superior ao teto do arcabouço e, com isso, consomem fatia cada vez maior do bolo do Orçamento, “espremendo” os outros desembolsos. No limite, avaliam especialistas, haverá o rompimento do teto ou a paralisação da máquina pública.

Nesta quarta-feira, 28, a equipe econômica detalhou uma revisão de R$ 25,9 bilhões em despesas previstas para 2025. Praticamente todas as medidas, porém, estão relacionadas a revisões cadastrais e combate a fraudes, sem mudanças estruturais mais profundas.

“É muito importante que o governo esclareça como esta possibilidade dos recursos da comercialização de petróleo, que iriam para o Fundo Social, vão diretamente para a Caixa sem ferir o princípio da universalidade do Orçamento (que exige que todas as receitas e despesas constem da lei orçamentária)”, afirma Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia do ASA.

“Se este princípio não for respeitado, é difícil dar credibilidade ao limite de gastos”, complementa Bittencourt. Atualmente, o arcabouço impõe duas travas ao crescimento da despesa: não pode ultrapassar 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores, nem superar 2,5% de avanço real, ou seja, acima da inflação.

Ao ser questionado sobre o tema durante coletiva de imprensa na quarta-feira, 28, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o tamanho da renúncia fiscal do novo programa dependerá do seu desenho final. Ele também frisou que o projeto partiu do Ministério de Minas e Energia (MME). “Nossa avaliação foi feita sobre a compatibilidade com o arcabouço e o Orçamento”, afirmou.

Já o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, disse que se o custo for embutido na via orçamentária (o texto permite que sejam usadas verbas do MME, por exemplo), o governo terá de revisar outros gastos para acomodar a ampliação.

Já se for pela via do subsídio, Guimarães reconheceu que o governo estará abrindo mão de receita. “Vai ter que ter ajuste, natural isso acontecer dentro do processo das regras fiscais”, afirmou. Questionado, o MME não respondeu até a publicação da reportagem.

Em nota enviada à reportagem nesta quinta-feira, 29, a Fazenda afirmou que a proposta “não possui impacto fiscal” e que a possibilidade de repasse de petroleiras à Caixa é uma “previsão genérica que demandará atos infralegais posteriores”.

A pasta diz que não está prevista, neste momento, a utilização de todas as modalidades de financiamento do programa e que, caso a transferência das empresas de petróleo ao banco estatal venha a ocorrer, isso será refletido no Orçamento.

Como mostrou o Estadão em abril, recentes movimentos do governo Lula e do Congresso mostram que o arcabouço fiscal repete dribles feitos durante a vigência do antigo teto de gastos, mas de forma mais rápida – colocando em risco a credibilidade da regra para controle das contas públicas.

À época, os “furos” nos limites de gastos somavam R$ 28 bilhões. Nessa conta estavam contabilizados R$ 17,7 bilhões de repasses a Estados e municípios para compensar perdas de arrecadação (que devem chegar a R$ 27 bilhões até 2025); R$ 6 bilhões do programa Pé-de-Meia (poupança para estudantes do ensino médio) e R$ 4,3 bilhões do Ministério da Saúde negociados no fim do ano passado em troca da aprovação da agenda econômica.

BRASÍLIA - A engenharia financeira criada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula do Silva (PT) para financiar o novo Auxílio Gás turbinado foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas. A avaliação é de que se trata de um potencial drible do governo para a realização de gastos fora do Orçamento público e, portanto, fora do limite de despesas do arcabouço fiscal.

O projeto de lei é assinado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda) e aguarda análise do Congresso. O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial. Com isso, o desembolso saltaria dos atuais R$ 3,4 bilhões para cerca de R$ 5 bilhões em 2025 e alcançaria R$ 13,6 bilhões em 2026, de acordo com as projeções de Silveira. Já o público-alvo seria expandido para 20,8 milhões de famílias.

O texto prevê que o programa – rebatizado de Gás para Todos – será operado pela Caixa Econômica Federal, que poderá receber dinheiro diretamente de empresas de petróleo. “Parece uma repetição de governos anteriores, que buscaram métodos criativos de gastar sem que a despesa aparecesse na peça orçamentária”, afirma o pesquisador do Insper Marcos Mendes.

O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial Foto: Márcio Fernandes/Estadão

“Dado que temos uma regra de limite de despesa, esse procedimento dribla a regra. Despesa pública tem que estar no Orçamento, não pode ser feita em paralelo”, diz o economista.

Mendes também destaca que a medida representa uma renúncia de receita e, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, precisaria ser compensada. “Só que nada foi apresentado”, diz. A “manobra fiscal”, segundo o pesquisador, se dá em quatro etapas:

  1. O beneficiário do programa terá um desconto na compra do botijão ou receberá o dinheiro para comprar o produto.
  2. Nos dois casos, a Caixa fará o pagamento: seja ao fornecedor do botijão, seja ao beneficiário.
  3. Uma forma de o dinheiro chegar à Caixa, segundo o projeto, será mediante pagamento de empresas de petróleo. Essas companhias, em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, darão o dinheiro ao banco estatal e descontarão da contribuição que fariam ao fundo.
  4. Isso diminuirá a receita primária do governo, já que haverá um depósito menor no Fundo Social, o que afetará negativamente o resultado primário. Não haverá, porém, impacto no teto de gastos, pois a despesa não será contabilizada no Orçamento.

O crescimento das despesas é um dos principais desafios fiscais da atual gestão. Como mostrou reportagem do Estadão, os gastos obrigatórios crescem em ritmo superior ao teto do arcabouço e, com isso, consomem fatia cada vez maior do bolo do Orçamento, “espremendo” os outros desembolsos. No limite, avaliam especialistas, haverá o rompimento do teto ou a paralisação da máquina pública.

Nesta quarta-feira, 28, a equipe econômica detalhou uma revisão de R$ 25,9 bilhões em despesas previstas para 2025. Praticamente todas as medidas, porém, estão relacionadas a revisões cadastrais e combate a fraudes, sem mudanças estruturais mais profundas.

“É muito importante que o governo esclareça como esta possibilidade dos recursos da comercialização de petróleo, que iriam para o Fundo Social, vão diretamente para a Caixa sem ferir o princípio da universalidade do Orçamento (que exige que todas as receitas e despesas constem da lei orçamentária)”, afirma Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia do ASA.

“Se este princípio não for respeitado, é difícil dar credibilidade ao limite de gastos”, complementa Bittencourt. Atualmente, o arcabouço impõe duas travas ao crescimento da despesa: não pode ultrapassar 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores, nem superar 2,5% de avanço real, ou seja, acima da inflação.

Ao ser questionado sobre o tema durante coletiva de imprensa na quarta-feira, 28, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o tamanho da renúncia fiscal do novo programa dependerá do seu desenho final. Ele também frisou que o projeto partiu do Ministério de Minas e Energia (MME). “Nossa avaliação foi feita sobre a compatibilidade com o arcabouço e o Orçamento”, afirmou.

Já o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, disse que se o custo for embutido na via orçamentária (o texto permite que sejam usadas verbas do MME, por exemplo), o governo terá de revisar outros gastos para acomodar a ampliação.

Já se for pela via do subsídio, Guimarães reconheceu que o governo estará abrindo mão de receita. “Vai ter que ter ajuste, natural isso acontecer dentro do processo das regras fiscais”, afirmou. Questionado, o MME não respondeu até a publicação da reportagem.

Em nota enviada à reportagem nesta quinta-feira, 29, a Fazenda afirmou que a proposta “não possui impacto fiscal” e que a possibilidade de repasse de petroleiras à Caixa é uma “previsão genérica que demandará atos infralegais posteriores”.

A pasta diz que não está prevista, neste momento, a utilização de todas as modalidades de financiamento do programa e que, caso a transferência das empresas de petróleo ao banco estatal venha a ocorrer, isso será refletido no Orçamento.

Como mostrou o Estadão em abril, recentes movimentos do governo Lula e do Congresso mostram que o arcabouço fiscal repete dribles feitos durante a vigência do antigo teto de gastos, mas de forma mais rápida – colocando em risco a credibilidade da regra para controle das contas públicas.

À época, os “furos” nos limites de gastos somavam R$ 28 bilhões. Nessa conta estavam contabilizados R$ 17,7 bilhões de repasses a Estados e municípios para compensar perdas de arrecadação (que devem chegar a R$ 27 bilhões até 2025); R$ 6 bilhões do programa Pé-de-Meia (poupança para estudantes do ensino médio) e R$ 4,3 bilhões do Ministério da Saúde negociados no fim do ano passado em troca da aprovação da agenda econômica.

BRASÍLIA - A engenharia financeira criada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula do Silva (PT) para financiar o novo Auxílio Gás turbinado foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas. A avaliação é de que se trata de um potencial drible do governo para a realização de gastos fora do Orçamento público e, portanto, fora do limite de despesas do arcabouço fiscal.

O projeto de lei é assinado pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda) e aguarda análise do Congresso. O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial. Com isso, o desembolso saltaria dos atuais R$ 3,4 bilhões para cerca de R$ 5 bilhões em 2025 e alcançaria R$ 13,6 bilhões em 2026, de acordo com as projeções de Silveira. Já o público-alvo seria expandido para 20,8 milhões de famílias.

O texto prevê que o programa – rebatizado de Gás para Todos – será operado pela Caixa Econômica Federal, que poderá receber dinheiro diretamente de empresas de petróleo. “Parece uma repetição de governos anteriores, que buscaram métodos criativos de gastar sem que a despesa aparecesse na peça orçamentária”, afirma o pesquisador do Insper Marcos Mendes.

O objetivo do governo é quadruplicar o valor do programa até 2026, ano de eleição presidencial Foto: Márcio Fernandes/Estadão

“Dado que temos uma regra de limite de despesa, esse procedimento dribla a regra. Despesa pública tem que estar no Orçamento, não pode ser feita em paralelo”, diz o economista.

Mendes também destaca que a medida representa uma renúncia de receita e, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, precisaria ser compensada. “Só que nada foi apresentado”, diz. A “manobra fiscal”, segundo o pesquisador, se dá em quatro etapas:

  1. O beneficiário do programa terá um desconto na compra do botijão ou receberá o dinheiro para comprar o produto.
  2. Nos dois casos, a Caixa fará o pagamento: seja ao fornecedor do botijão, seja ao beneficiário.
  3. Uma forma de o dinheiro chegar à Caixa, segundo o projeto, será mediante pagamento de empresas de petróleo. Essas companhias, em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, darão o dinheiro ao banco estatal e descontarão da contribuição que fariam ao fundo.
  4. Isso diminuirá a receita primária do governo, já que haverá um depósito menor no Fundo Social, o que afetará negativamente o resultado primário. Não haverá, porém, impacto no teto de gastos, pois a despesa não será contabilizada no Orçamento.

O crescimento das despesas é um dos principais desafios fiscais da atual gestão. Como mostrou reportagem do Estadão, os gastos obrigatórios crescem em ritmo superior ao teto do arcabouço e, com isso, consomem fatia cada vez maior do bolo do Orçamento, “espremendo” os outros desembolsos. No limite, avaliam especialistas, haverá o rompimento do teto ou a paralisação da máquina pública.

Nesta quarta-feira, 28, a equipe econômica detalhou uma revisão de R$ 25,9 bilhões em despesas previstas para 2025. Praticamente todas as medidas, porém, estão relacionadas a revisões cadastrais e combate a fraudes, sem mudanças estruturais mais profundas.

“É muito importante que o governo esclareça como esta possibilidade dos recursos da comercialização de petróleo, que iriam para o Fundo Social, vão diretamente para a Caixa sem ferir o princípio da universalidade do Orçamento (que exige que todas as receitas e despesas constem da lei orçamentária)”, afirma Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia do ASA.

“Se este princípio não for respeitado, é difícil dar credibilidade ao limite de gastos”, complementa Bittencourt. Atualmente, o arcabouço impõe duas travas ao crescimento da despesa: não pode ultrapassar 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores, nem superar 2,5% de avanço real, ou seja, acima da inflação.

Ao ser questionado sobre o tema durante coletiva de imprensa na quarta-feira, 28, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o tamanho da renúncia fiscal do novo programa dependerá do seu desenho final. Ele também frisou que o projeto partiu do Ministério de Minas e Energia (MME). “Nossa avaliação foi feita sobre a compatibilidade com o arcabouço e o Orçamento”, afirmou.

Já o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, disse que se o custo for embutido na via orçamentária (o texto permite que sejam usadas verbas do MME, por exemplo), o governo terá de revisar outros gastos para acomodar a ampliação.

Já se for pela via do subsídio, Guimarães reconheceu que o governo estará abrindo mão de receita. “Vai ter que ter ajuste, natural isso acontecer dentro do processo das regras fiscais”, afirmou. Questionado, o MME não respondeu até a publicação da reportagem.

Em nota enviada à reportagem nesta quinta-feira, 29, a Fazenda afirmou que a proposta “não possui impacto fiscal” e que a possibilidade de repasse de petroleiras à Caixa é uma “previsão genérica que demandará atos infralegais posteriores”.

A pasta diz que não está prevista, neste momento, a utilização de todas as modalidades de financiamento do programa e que, caso a transferência das empresas de petróleo ao banco estatal venha a ocorrer, isso será refletido no Orçamento.

Como mostrou o Estadão em abril, recentes movimentos do governo Lula e do Congresso mostram que o arcabouço fiscal repete dribles feitos durante a vigência do antigo teto de gastos, mas de forma mais rápida – colocando em risco a credibilidade da regra para controle das contas públicas.

À época, os “furos” nos limites de gastos somavam R$ 28 bilhões. Nessa conta estavam contabilizados R$ 17,7 bilhões de repasses a Estados e municípios para compensar perdas de arrecadação (que devem chegar a R$ 27 bilhões até 2025); R$ 6 bilhões do programa Pé-de-Meia (poupança para estudantes do ensino médio) e R$ 4,3 bilhões do Ministério da Saúde negociados no fim do ano passado em troca da aprovação da agenda econômica.

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