BRASÍLIA - O projeto de lei que libera a entrada de mais agrotóxicos no País volta à pauta de votação do Senado, na última semana de trabalho legislativo de 2022. O projeto defendido pela bancada ruralista se transformou, neste fim de ano, em tema central junto ao novo governo que assume em 2023, o qual já sinalizou resistência à liberação de mais pesticidas.
Há preocupação dos ruralistas, porém, de não conseguirem avançar com a pauta durante o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O projeto entrou na pauta desta segunda-feira, 19, da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, depois de ter sido aprovado com aval do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Pelo calendário oficial, o último dia de trabalho é 22 de dezembro, a próxima quinta-feira. Depois disso, teria de haver uma convocação extraordinária, porque fecha a “sessão legislativa ordinária”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já havia se comprometido a fazer com que o tema passe por diversas comissões na Casa antes de seguir ao plenário.
O senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que compôs o grupo da agricultura no governo de transição, chegou a afirmar, há duas semanas, que o projeto já está “pronto” para ser levado ao plenário do Senado. “Acho que dá para votar (ainda neste ano) o projeto dos pesticidas, terminaram as audiências de debate”, disse Fávaro.
Há, no entanto, uma forte resistência da bancada ambientalista e da deputada eleita Marina Silva (Rede-SP), que fez parte do grupo de transição e é frontalmente contra a liberação de mais agrotóxicos.
A especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, que já presidiu o Ibama, disse que a pressão da bancada ruralista para a votação do projeto vai continuar até o último dia da atual sessão legislativa, que termina na sexta-feira, 23, e que se trata de um retrocesso histórico, um crime contra a saúde pública e o meio ambiente.
“O principal objetivo dos fabricantes de agrotóxicos e seus aliados é acabar com a vedação expressa, constante na lei atual, de registro de produtos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que causem distúrbios hormonais. É isso que fundamenta essa pressão tão forte”, disse Araújo.
Segundo a especialista, o enfraquecimento de órgãos como a Anvisa e Ibama e a liberação de registro temporário sem a devida análise à luz da realidade brasileira vêm como complemento, além de outros problemas. “Não há emendas que consigam salvar ou atenuar essa proposta assustadora, especialmente com as limitações regimentais inerentes à fase final do trâmite legislativo” afirmou.
Kenzo Jucá, assessor político do Instituto Socioambiental (ISA), disse que a eventual aprovação do projeto representaria “uma grave ameaça à saúde pública no País e colocaria sob suspeita de contaminação praticamente toda a produção agropecuária brasileira, ameaçando inclusive as exportações, principalmente em decorrência da nova legislação europeia”.
Esse projeto, diz Kenzo, é defendido pelos setores mais radicais do agronegócio. “Eles já quebraram os ritos procedimentais e regimentais do Senado para tentar aprovar essa boiada. Publicaram pauta no fim da noite para votar na primeira hora do dia seguinte, marcaram sessão no dia da estreia do Brasil na Copa, simulam a pauta escondendo o projeto para votar extra-pauta e agora marcam uma sessão na última semana do ano, quando a legislatura já deveria inclusive ter encerrado”, declarou.
Na tentativa de reduzir a rejeição ao assunto, a bancada do agronegócio passou a chamar os produtos de “pesticidas”. Depois de forte oposição de organizações civis, que batizaram a proposta de “PL do Veneno”, o texto que abre as portas do País para a entrada de novas substâncias foi aprovado por maioria no plenário da Câmara e, agora, aguarda aval no Senado.
A rejeição ao projeto dos agrotóxicos sempre esteve na base dos parlamentares que apoiaram a eleição de Lula, assim como de organizações socioambientais e entidades civis. Na avaliação do Observatório do Clima, o projeto dos agrotóxicos inclui mudanças que passam para as mãos do Ministério da Agricultura a missão de registrar novos pesticidas, reduzindo o papel do Ibama e da Anvisa a órgãos homologatórios.
A organização afirma ainda que as medidas viabilizam o registro de agrotóxicos com características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que causam distúrbios hormonais, ao excluir vedação nesse sentido que consta na legislação atualmente em vigor.