Por que as projeções de inflação do BC e do mercado estão mais descoladas?


Enquanto o Banco Central estima uma inflação de 4% para 2023, economistas do mercado financeiro já preveem 5,2% e têm subido as estimativas; entenda as razões dessa diferença

Por Eduardo Rodrigues, Érika Motoda e Thaís Barcellos

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Nos últimos meses, as projeções do Banco Central e de economistas do mercado financeiro para a inflação em um horizonte de dois anos têm se distanciado, e a diferença entre elas está hoje no pior nível desde março de 2021, quando a autoridade monetária começou o ciclo de alta de juros.

Enquanto o BC ainda vê espaço para reduzir a inflação de 2023 e levar o IPCA para o nível ao “redor da meta” após dois anos de estouro, o caso já é dado como perdido pela maioria dos bancos e consultorias.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em junho, o BC estimou que o IPCA deve ficar em 4% em 2023 – ano que é o foco atual da autoridade monetária no combate à alta dos preços. Já o mercado financeiro agora projeta que o índice deve fechar o ano em 5,2%, segundo o mais recente Boletim Focus.

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O consenso do mercado para a inflação está acima da projeção do BC desde maio de 2021 e a diferença vem crescendo desde março, logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Até fevereiro, o desvio era da ordem de 0,3 ponto porcentual. Ela subiu e chegou a 0,7 ponto em junho, com a reunião do Copom, e hoje está em 1,2 ponto.

Também há diferença nas projeções para 2024, outro ano que está dentro do horizonte relevante da política monetária. Enquanto o mercado estima uma inflação de 3,3%, o BC prevê 2,7%.

Para a autoridade monetária, os profundos choques da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia deixam tudo mais incerto, até os modelos de previsão. Especialistas avaliam, contudo, que avaliações diferentes sobre a economia global e a brasileira explicam parte da divergência e podem determinar quem vai terminar com a razão.

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Explicações

Para André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Banco Central e o mercado financeiro enxergam os mesmos fatores que podem pressionar os preços, mas com magnitudes diferentes. Os lockdowns na China em razão da covid-19, a guerra na Ucrânia, o aumento de juros nos Estados Unidos, as eleições no Brasil com gastos fiscais e a PEC “Kamikaze” entraram no radar de todos. Mas Braz acredita que o mercado pode estar sendo mais preciso desta vez. Ele estima que a inflação termine em 7,5% neste ano e em até 5,7% no ano que vem.

“Há uma adversidade maior no cenário que vai além da nossa fronteira e que influencia a persistência inflacionária no mundo todo. O Federal Reserve (o banco central dos EUA) está lutando contra a inflação americana, que no mês passado veio acima da expectativa”, diz o economista. “Se está difícil para economias mais sólidas, imagina para a brasileira, que vive problemas domésticos e também é vítima de problemas internacionais.”

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A combinação de maior risco fiscal brasileiro e aumento de juros americanos tende a fazer com que investidores estrangeiros tirem recursos de países emergentes, como o Brasil, e busquem rendimento em economias mais sólidas. A saída de capital pressiona o câmbio e os preços de produtos influenciados pelas cotações internacionais em dólar, como alimentos e combustíveis.

Por aqui, a taxa básica de juros está a 13,25% ao ano, e algumas casas de investimento já veem a Selic a 14% ou mais, por mais que a expectativa seja a de recuo da inflação com o teto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em vigor.

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“O IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor - Semanal) da FGV referente à segunda semana de julho, por exemplo, saiu de uma variação de 0,72% para 0,24% em 15 dias exatamente por conta do ICMS. Mas se tirássemos a contribuição da gasolina e da energia, ele subiria de novo para 0,72%”, diz Braz. “O resultado mostra que a inflação continua alta e persistente para todo o restante. E mostra para o mercado que existe a necessidade de continuar combatendo a inflação.”

Premissas diferentes

O diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, argumentou na semana passada que o modelo usado pela autoridade monetária tem diferenças de premissas. A principal delas é a hipótese – adotada pelo BC desde março – de uma menor volatilidade do preço do petróleo até o fim do ano, que até agora não convenceu o mercado.

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O diretor admitiu discrepâncias também na análise da trajetória de preços de bens industriais e na definição da taxa de juros considerada neutra (aquela que nem restringe nem estimula a atividade econômica) – para o BC, agora em 4%. E também avaliou que as mudanças geradas pela pandemia na economia podem demandar ajustes nos modelos de previsão.

Para o analista da Tendências Consultoria Marcio Milan, houve uma mudança estrutural na economia após a pandemia de covid-19, o que significa que os pesos de cada item na cesta de inflação podem ter que ser revisados até que uma sintonia fina encontre a nova realidade.

“Os choques têm sido mais prolongados e os modelos têm tido dificuldade em captar essa mudança. Isso tem gerado uma maior volatilidade nas projeções, com uma variabilidade de estimativas muito maior do que era no passado”, avalia.

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Ainda assim, Milan considera que o BC parece estar “muito tranquilo” em relação à inflação de 2024, que já começou a desancorar aos olhos do mercado.

“Temos o IPCA acima do teto da meta já por dois anos seguidos, as projeções para 2023 já estão bem acima da meta e o ano nem começou. Vem aí uma mini-pauta bomba com a alta dos impostos federais sobre combustíveis, com uma porrada para cima nos preços. O cenário é cada vez mais preocupante”, afirma Milan.

À espera da recessão?

Para o economista da Tendências, o BC pode estar confiando em uma recessão nos Estados Unidos para esfriar a demanda global, empurrando preços internacionais para baixo com mais rapidez. “Mas é um risco contar com um fator externo que o modelo não captura. Não se sabe se isso vai acontecer ou não”, completa.

O Copom mantém há um ano a possível reversão, “ainda que parcial”, dos preços de commodities em reais, como um fator favorável à baixa de inflação no balanço de riscos – sem materialização até agora. Mas, com as chances crescentes de recessão global, houve redução das cotações em dólar do petróleo, do milho e do trigo no último mês.

Considerando o valor em real, contudo, Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos, observa que os preços estão “de lado” desde o início do ano e avalia que assim devem ficar até meados de 2023, mesmo se houver uma forte desaceleração da atividade econômica global, por problemas de oferta.

Posto de gasolina; economista Vitor Martello aponta efeito rebote das desonerações de combustíveis como o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023.  Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Para Martello, o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023 é o efeito rebote das desonerações de combustíveis (com impacto de 0,6 ponto na inflação do ano que vem) e um possível efeito de demanda de consumo mais aquecida por causa dos benefícios liberados pela PEC “Kamikaze” (0,3 ponto). Sua projeção atual para a inflação de 2023 é de 5,3%.

Já a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, reduziu sua projeção de IPCA em 2023, de 4,80% para 4,40%. Ela considera que deve haver uma menor pressão de reajustes de preços com base na inflação deste ano e a expectativa de queda dos preços de commodities devido à perda de fôlego da economia mundial.

“A incerteza está pendendo para uma demanda menor. O movimento de commodities reflete isso. O BC pode ir com mais cautela na política monetária e aguardar o impacto na economia”, diz ela, que espera que a Selic termine o ciclo em 13,75%.

O economista Alexandre Lohmann, da Constância Investimentos, avalia que o cenário mais provável é algo no meio do caminho entre o cenário do BC e as projeções mais recentes do mercado para a inflação de 2023, já na casa de 5,6%. “Pode ser factível ficar abaixo do teto da meta no ano que vem. Mas o BC está muito otimista. A inflação no Brasil é muito inercial. Não acredito que vai ter desinflação para baixo de 4% (em 2023)”, diz.

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Nos últimos meses, as projeções do Banco Central e de economistas do mercado financeiro para a inflação em um horizonte de dois anos têm se distanciado, e a diferença entre elas está hoje no pior nível desde março de 2021, quando a autoridade monetária começou o ciclo de alta de juros.

Enquanto o BC ainda vê espaço para reduzir a inflação de 2023 e levar o IPCA para o nível ao “redor da meta” após dois anos de estouro, o caso já é dado como perdido pela maioria dos bancos e consultorias.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em junho, o BC estimou que o IPCA deve ficar em 4% em 2023 – ano que é o foco atual da autoridade monetária no combate à alta dos preços. Já o mercado financeiro agora projeta que o índice deve fechar o ano em 5,2%, segundo o mais recente Boletim Focus.

O consenso do mercado para a inflação está acima da projeção do BC desde maio de 2021 e a diferença vem crescendo desde março, logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Até fevereiro, o desvio era da ordem de 0,3 ponto porcentual. Ela subiu e chegou a 0,7 ponto em junho, com a reunião do Copom, e hoje está em 1,2 ponto.

Também há diferença nas projeções para 2024, outro ano que está dentro do horizonte relevante da política monetária. Enquanto o mercado estima uma inflação de 3,3%, o BC prevê 2,7%.

Para a autoridade monetária, os profundos choques da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia deixam tudo mais incerto, até os modelos de previsão. Especialistas avaliam, contudo, que avaliações diferentes sobre a economia global e a brasileira explicam parte da divergência e podem determinar quem vai terminar com a razão.

Explicações

Para André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Banco Central e o mercado financeiro enxergam os mesmos fatores que podem pressionar os preços, mas com magnitudes diferentes. Os lockdowns na China em razão da covid-19, a guerra na Ucrânia, o aumento de juros nos Estados Unidos, as eleições no Brasil com gastos fiscais e a PEC “Kamikaze” entraram no radar de todos. Mas Braz acredita que o mercado pode estar sendo mais preciso desta vez. Ele estima que a inflação termine em 7,5% neste ano e em até 5,7% no ano que vem.

“Há uma adversidade maior no cenário que vai além da nossa fronteira e que influencia a persistência inflacionária no mundo todo. O Federal Reserve (o banco central dos EUA) está lutando contra a inflação americana, que no mês passado veio acima da expectativa”, diz o economista. “Se está difícil para economias mais sólidas, imagina para a brasileira, que vive problemas domésticos e também é vítima de problemas internacionais.”

A combinação de maior risco fiscal brasileiro e aumento de juros americanos tende a fazer com que investidores estrangeiros tirem recursos de países emergentes, como o Brasil, e busquem rendimento em economias mais sólidas. A saída de capital pressiona o câmbio e os preços de produtos influenciados pelas cotações internacionais em dólar, como alimentos e combustíveis.

Por aqui, a taxa básica de juros está a 13,25% ao ano, e algumas casas de investimento já veem a Selic a 14% ou mais, por mais que a expectativa seja a de recuo da inflação com o teto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em vigor.

“O IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor - Semanal) da FGV referente à segunda semana de julho, por exemplo, saiu de uma variação de 0,72% para 0,24% em 15 dias exatamente por conta do ICMS. Mas se tirássemos a contribuição da gasolina e da energia, ele subiria de novo para 0,72%”, diz Braz. “O resultado mostra que a inflação continua alta e persistente para todo o restante. E mostra para o mercado que existe a necessidade de continuar combatendo a inflação.”

Premissas diferentes

O diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, argumentou na semana passada que o modelo usado pela autoridade monetária tem diferenças de premissas. A principal delas é a hipótese – adotada pelo BC desde março – de uma menor volatilidade do preço do petróleo até o fim do ano, que até agora não convenceu o mercado.

O diretor admitiu discrepâncias também na análise da trajetória de preços de bens industriais e na definição da taxa de juros considerada neutra (aquela que nem restringe nem estimula a atividade econômica) – para o BC, agora em 4%. E também avaliou que as mudanças geradas pela pandemia na economia podem demandar ajustes nos modelos de previsão.

Para o analista da Tendências Consultoria Marcio Milan, houve uma mudança estrutural na economia após a pandemia de covid-19, o que significa que os pesos de cada item na cesta de inflação podem ter que ser revisados até que uma sintonia fina encontre a nova realidade.

“Os choques têm sido mais prolongados e os modelos têm tido dificuldade em captar essa mudança. Isso tem gerado uma maior volatilidade nas projeções, com uma variabilidade de estimativas muito maior do que era no passado”, avalia.

Ainda assim, Milan considera que o BC parece estar “muito tranquilo” em relação à inflação de 2024, que já começou a desancorar aos olhos do mercado.

“Temos o IPCA acima do teto da meta já por dois anos seguidos, as projeções para 2023 já estão bem acima da meta e o ano nem começou. Vem aí uma mini-pauta bomba com a alta dos impostos federais sobre combustíveis, com uma porrada para cima nos preços. O cenário é cada vez mais preocupante”, afirma Milan.

À espera da recessão?

Para o economista da Tendências, o BC pode estar confiando em uma recessão nos Estados Unidos para esfriar a demanda global, empurrando preços internacionais para baixo com mais rapidez. “Mas é um risco contar com um fator externo que o modelo não captura. Não se sabe se isso vai acontecer ou não”, completa.

O Copom mantém há um ano a possível reversão, “ainda que parcial”, dos preços de commodities em reais, como um fator favorável à baixa de inflação no balanço de riscos – sem materialização até agora. Mas, com as chances crescentes de recessão global, houve redução das cotações em dólar do petróleo, do milho e do trigo no último mês.

Considerando o valor em real, contudo, Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos, observa que os preços estão “de lado” desde o início do ano e avalia que assim devem ficar até meados de 2023, mesmo se houver uma forte desaceleração da atividade econômica global, por problemas de oferta.

Posto de gasolina; economista Vitor Martello aponta efeito rebote das desonerações de combustíveis como o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023.  Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Para Martello, o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023 é o efeito rebote das desonerações de combustíveis (com impacto de 0,6 ponto na inflação do ano que vem) e um possível efeito de demanda de consumo mais aquecida por causa dos benefícios liberados pela PEC “Kamikaze” (0,3 ponto). Sua projeção atual para a inflação de 2023 é de 5,3%.

Já a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, reduziu sua projeção de IPCA em 2023, de 4,80% para 4,40%. Ela considera que deve haver uma menor pressão de reajustes de preços com base na inflação deste ano e a expectativa de queda dos preços de commodities devido à perda de fôlego da economia mundial.

“A incerteza está pendendo para uma demanda menor. O movimento de commodities reflete isso. O BC pode ir com mais cautela na política monetária e aguardar o impacto na economia”, diz ela, que espera que a Selic termine o ciclo em 13,75%.

O economista Alexandre Lohmann, da Constância Investimentos, avalia que o cenário mais provável é algo no meio do caminho entre o cenário do BC e as projeções mais recentes do mercado para a inflação de 2023, já na casa de 5,6%. “Pode ser factível ficar abaixo do teto da meta no ano que vem. Mas o BC está muito otimista. A inflação no Brasil é muito inercial. Não acredito que vai ter desinflação para baixo de 4% (em 2023)”, diz.

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Nos últimos meses, as projeções do Banco Central e de economistas do mercado financeiro para a inflação em um horizonte de dois anos têm se distanciado, e a diferença entre elas está hoje no pior nível desde março de 2021, quando a autoridade monetária começou o ciclo de alta de juros.

Enquanto o BC ainda vê espaço para reduzir a inflação de 2023 e levar o IPCA para o nível ao “redor da meta” após dois anos de estouro, o caso já é dado como perdido pela maioria dos bancos e consultorias.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em junho, o BC estimou que o IPCA deve ficar em 4% em 2023 – ano que é o foco atual da autoridade monetária no combate à alta dos preços. Já o mercado financeiro agora projeta que o índice deve fechar o ano em 5,2%, segundo o mais recente Boletim Focus.

O consenso do mercado para a inflação está acima da projeção do BC desde maio de 2021 e a diferença vem crescendo desde março, logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Até fevereiro, o desvio era da ordem de 0,3 ponto porcentual. Ela subiu e chegou a 0,7 ponto em junho, com a reunião do Copom, e hoje está em 1,2 ponto.

Também há diferença nas projeções para 2024, outro ano que está dentro do horizonte relevante da política monetária. Enquanto o mercado estima uma inflação de 3,3%, o BC prevê 2,7%.

Para a autoridade monetária, os profundos choques da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia deixam tudo mais incerto, até os modelos de previsão. Especialistas avaliam, contudo, que avaliações diferentes sobre a economia global e a brasileira explicam parte da divergência e podem determinar quem vai terminar com a razão.

Explicações

Para André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Banco Central e o mercado financeiro enxergam os mesmos fatores que podem pressionar os preços, mas com magnitudes diferentes. Os lockdowns na China em razão da covid-19, a guerra na Ucrânia, o aumento de juros nos Estados Unidos, as eleições no Brasil com gastos fiscais e a PEC “Kamikaze” entraram no radar de todos. Mas Braz acredita que o mercado pode estar sendo mais preciso desta vez. Ele estima que a inflação termine em 7,5% neste ano e em até 5,7% no ano que vem.

“Há uma adversidade maior no cenário que vai além da nossa fronteira e que influencia a persistência inflacionária no mundo todo. O Federal Reserve (o banco central dos EUA) está lutando contra a inflação americana, que no mês passado veio acima da expectativa”, diz o economista. “Se está difícil para economias mais sólidas, imagina para a brasileira, que vive problemas domésticos e também é vítima de problemas internacionais.”

A combinação de maior risco fiscal brasileiro e aumento de juros americanos tende a fazer com que investidores estrangeiros tirem recursos de países emergentes, como o Brasil, e busquem rendimento em economias mais sólidas. A saída de capital pressiona o câmbio e os preços de produtos influenciados pelas cotações internacionais em dólar, como alimentos e combustíveis.

Por aqui, a taxa básica de juros está a 13,25% ao ano, e algumas casas de investimento já veem a Selic a 14% ou mais, por mais que a expectativa seja a de recuo da inflação com o teto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em vigor.

“O IPC-S (Índice de Preços ao Consumidor - Semanal) da FGV referente à segunda semana de julho, por exemplo, saiu de uma variação de 0,72% para 0,24% em 15 dias exatamente por conta do ICMS. Mas se tirássemos a contribuição da gasolina e da energia, ele subiria de novo para 0,72%”, diz Braz. “O resultado mostra que a inflação continua alta e persistente para todo o restante. E mostra para o mercado que existe a necessidade de continuar combatendo a inflação.”

Premissas diferentes

O diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, argumentou na semana passada que o modelo usado pela autoridade monetária tem diferenças de premissas. A principal delas é a hipótese – adotada pelo BC desde março – de uma menor volatilidade do preço do petróleo até o fim do ano, que até agora não convenceu o mercado.

O diretor admitiu discrepâncias também na análise da trajetória de preços de bens industriais e na definição da taxa de juros considerada neutra (aquela que nem restringe nem estimula a atividade econômica) – para o BC, agora em 4%. E também avaliou que as mudanças geradas pela pandemia na economia podem demandar ajustes nos modelos de previsão.

Para o analista da Tendências Consultoria Marcio Milan, houve uma mudança estrutural na economia após a pandemia de covid-19, o que significa que os pesos de cada item na cesta de inflação podem ter que ser revisados até que uma sintonia fina encontre a nova realidade.

“Os choques têm sido mais prolongados e os modelos têm tido dificuldade em captar essa mudança. Isso tem gerado uma maior volatilidade nas projeções, com uma variabilidade de estimativas muito maior do que era no passado”, avalia.

Ainda assim, Milan considera que o BC parece estar “muito tranquilo” em relação à inflação de 2024, que já começou a desancorar aos olhos do mercado.

“Temos o IPCA acima do teto da meta já por dois anos seguidos, as projeções para 2023 já estão bem acima da meta e o ano nem começou. Vem aí uma mini-pauta bomba com a alta dos impostos federais sobre combustíveis, com uma porrada para cima nos preços. O cenário é cada vez mais preocupante”, afirma Milan.

À espera da recessão?

Para o economista da Tendências, o BC pode estar confiando em uma recessão nos Estados Unidos para esfriar a demanda global, empurrando preços internacionais para baixo com mais rapidez. “Mas é um risco contar com um fator externo que o modelo não captura. Não se sabe se isso vai acontecer ou não”, completa.

O Copom mantém há um ano a possível reversão, “ainda que parcial”, dos preços de commodities em reais, como um fator favorável à baixa de inflação no balanço de riscos – sem materialização até agora. Mas, com as chances crescentes de recessão global, houve redução das cotações em dólar do petróleo, do milho e do trigo no último mês.

Considerando o valor em real, contudo, Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos, observa que os preços estão “de lado” desde o início do ano e avalia que assim devem ficar até meados de 2023, mesmo se houver uma forte desaceleração da atividade econômica global, por problemas de oferta.

Posto de gasolina; economista Vitor Martello aponta efeito rebote das desonerações de combustíveis como o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023.  Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Para Martello, o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023 é o efeito rebote das desonerações de combustíveis (com impacto de 0,6 ponto na inflação do ano que vem) e um possível efeito de demanda de consumo mais aquecida por causa dos benefícios liberados pela PEC “Kamikaze” (0,3 ponto). Sua projeção atual para a inflação de 2023 é de 5,3%.

Já a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, reduziu sua projeção de IPCA em 2023, de 4,80% para 4,40%. Ela considera que deve haver uma menor pressão de reajustes de preços com base na inflação deste ano e a expectativa de queda dos preços de commodities devido à perda de fôlego da economia mundial.

“A incerteza está pendendo para uma demanda menor. O movimento de commodities reflete isso. O BC pode ir com mais cautela na política monetária e aguardar o impacto na economia”, diz ela, que espera que a Selic termine o ciclo em 13,75%.

O economista Alexandre Lohmann, da Constância Investimentos, avalia que o cenário mais provável é algo no meio do caminho entre o cenário do BC e as projeções mais recentes do mercado para a inflação de 2023, já na casa de 5,6%. “Pode ser factível ficar abaixo do teto da meta no ano que vem. Mas o BC está muito otimista. A inflação no Brasil é muito inercial. Não acredito que vai ter desinflação para baixo de 4% (em 2023)”, diz.

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