‘BCs estão certos em manter política monetária firme para conter inflação’, diz diretor do BIS


Para executivo, é essencial colocar a inflação na meta para garantir a estabilidade financeira; isso ajudará a criar condições para um novo ciclo de crescimento econômico

Por Ricardo Leopoldo
Atualização:
Foto: AGENCIA PIXEL
Entrevista comLuiz Awazu Pereira da Silvavice-diretor-executivo do Banco de Compensações Internacionais (BIS)

Em meio a um processo de desinflação no mundo que poderá ser longo, os bancos centrais de economias avançadas e países emergentes estão corretos em manter a firme política monetária para continuar a baixar os índices de preços, especialmente quando seu núcleo ainda permanece elevado. A inflação é um dano para a sociedade, um imposto regressivo, atingindo sobretudo as famílias mais pobres, comentou em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e ex-diretor do BC brasileiro.

“É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira. Isso possibilitará melhores condições para a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará ser sustentável para preservar o meio ambiente e com novas tecnologias para a transição energética”, afirmou.

Para Awazu Pereira, devido à necessidade de muitos países de combaterem a inflação com vigor, a política fiscal precisa contribuir para moderar a demanda agregada, mas deve atuar também para proteger os grupos sociais mais vulneráveis. Ele defende também que medidas macro e microprudenciais sejam adotadas para preservar a estabilidade financeira.

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Na avaliação do executivo, apesar do avanço do friendshoring (estabelecimento de relações econômicas entre parceiros comerciais confiáveis), muitos países da América Latina ainda podem se beneficiar na mudança na alocação de portfólios de investimentos. A maioria das nações na região tem um arcabouço monetário fortalecido pelo combate à inflação iniciado antes das economias avançadas e estão bem posicionadas na proteção ambiental. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Bank for International Settlements (BIS) Foto: Agência Pixel

Por que o BIS considera que o processo de desinflação no mundo será longo?

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O mundo passa por um ciclo de aperto monetário mais complexo do que os registrados no passado. Taxas de juros muito baixas com ampla liquidez por vários anos permitiram a elevação expressiva do endividamento, depois surgiu a covid-19 e ocorreram os efeitos recentes da guerra na Ucrânia sobre preços de energia e alimentos. Combater a inflação alta é essencial, pois ela atinge mais as famílias pobres e aumenta a desigualdade social. Se não for enfrentada de forma determinada e tempestiva vai aumentar os riscos, com maiores custos de longo prazo para investimentos e crescimento. É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira para possibilitar a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará preservar o meio ambiente com novas tecnologias para a transição energética. O processo de desinflação é longo e já apresenta resultados com as ações firmes de política monetária adotadas pelos bancos centrais. Mas não vamos declarar vitória antes da hora, o que a comunicação dos BCs deixa claro.

Como o senhor avalia o combate à inflação adotado pelas economias avançadas e emergentes?

Nas economias avançadas, os núcleos de inflação continuam altos, então o combate continua. Os bancos centrais desses países têm uma estratégia clara, mesmo que diferenciada entre eles: implementam uma política monetária firme, inclusive para não permitir a desancoragem das expectativas de inflação. Há um excesso de demanda concentrado em setores sensíveis à alta das taxas de juros, o que permite moderar a demanda agregada sem necessariamente prejudicar outros segmentos da economia. Os níveis de emprego estão historicamente elevados e podem diminuir sem provocar um aumento excessivo na taxa de desemprego. O enfraquecimento da atividade econômica é por definição necessário. Mas a calibragem da política monetária deve ser feita para minimizar os danos à economia. Os países emergentes, especialmente na América Latina, estão fazendo um bom trabalho na condução da política monetária, com algumas exceções. Eles anteciparam o ciclo de aperto para conter a inflação antes das economias avançadas e agora estão começando a colher os primeiros frutos dessa ação rápida. Esta postura determinada aumenta as chances de viabilizar o controle da inflação com um pouso suave da economia.

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As autoridades em economias avançadas conseguiram manter a estabilidade financeira em um bom nível, apesar dos problemas registrados em alguns bancos nos EUA e Europa em março?

Ocorreram recentes episódios de estresse no setor bancário e algumas vulnerabilidades foram expostas. Mas esses riscos à estabilidade financeira foram bem enfrentados pelas economias avançadas ao mesmo tempo que continuaram a combater a inflação. É difícil prever essas turbulências. Mas quando acontecem, precisam ser enfrentadas, o que foi feito de forma enérgica pelos bancos centrais recentemente, com fornecimento de liquidez adequada às circunstâncias. Esses eventos podem acontecer por muitos fatores. Um deles é por quanto tempo haverá condições financeiras mais restritivas que podem afetar vários setores, por exemplo o mercado imobiliário. Outros são ligados a resiliência dos modelos de negócios no setor financeiro com um novo patamar de juros. Por outro lado, a redução da inflação nos próximos anos permitirá a retomada do crescimento e a rolagem da dívida de agentes econômicos. O sucesso tempestivo na luta contra a inflação diminui a probabilidade desses eventos e será importante também para a manutenção da estabilidade financeira.

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O BIS defende a combinação da política fiscal com a monetária para reduzir a inflação. Mas não há o risco de uma política fiscal restritiva demais, junto com a alta dos juros pelos bancos centrais, provocar uma forte recessão?

Quando se tem a política monetária agindo para desacelerar a demanda e combater a inflação, não é adequado ter um impulso fiscal ao mesmo tempo, pois retardaria a convergência da inflação à meta. Uma postura fiscal mais firme ajuda os bancos centrais a enfrentar a inflação. O ideal seria que as duas políticas atuassem na mesma direção. Com isso a necessidade de maior aperto nas condições monetárias para fazer a inflação convergir diminuiria. No futuro, poderia se pensar em haver um colchão de recursos para ser utilizado em momentos de crise de forma contracíclica - ou seja, economizar em momentos de atividade alta para poder gastar em momentos de desaceleração. Na maioria dos países, algumas políticas fiscais estão ficando mais duras com o fim dos programas de ajuda lançados durante a pandemia e depois com a guerra na Ucrânia. Contudo, atualmente os déficits públicos estão maiores do que antes do surgimento do coronavírus. Mas mesmo com uma política fiscal neutra ou contracionista é possível ter uma melhor alocação de recursos públicos, especialmente para proteger os mais pobres e favorecer o aumento da produtividade e do crescimento. Pode ser através de uma reforma do sistema tributário, tornando-o mais progressivo, e também aumentando a eficiência dos gastos públicos. Há uma série de maneiras de conduzir a política fiscal para ajudar a política monetária a moderar a demanda agregada, protegendo ao mesmo tempo os grupos sociais mais vulneráveis.

Como países emergentes devem conciliar a geração de superávits primários para estabilizar ou reduzir a dívida pública como proporção do PIB, ao mesmo tempo que têm dificuldades fiscais para fazer frente a investimentos em Educação e Saúde?

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A matemática da dinâmica da dívida pública é absolutamente clara, impiedosa e é um desafio inclusive para países avançados. A sustentabilidade da dívida pública é complexa e depende de vários elementos, como a confiança na capacidade de pagamento, medida pelas taxas de juros dos títulos públicos de longo prazo. Ela depende de fatores macroeconômicos, mas também de vontade política, de formular e executar planos de consolidação fiscal. É preciso ter uma trajetória crível para a dívida pública, sobretudo para o médio e longo prazos. E ela pode ser combinada com reforma tributária, aumentando a progressividade dos impostos. Também é possível reavaliar o tamanho da base de arrecadação de impostos, ajustá-la e melhorar a qualidade das despesas públicas. Além disso, pode-se incluir com a política fiscal parcerias com o setor privado, pois não é necessário que todos os projetos de investimentos sejam conduzidos pelo Estado, mas podem também ser realizados através de parcerias público-privadas para alavancar o crescimento econômico.

Quais são as principais medidas macroprudenciais que países avançados e emergentes poderiam adotar para reduzir os riscos à estabilidade financeira?

Basicamente continuar a implementar as reformas que surgiram depois da grande crise financeira global de 2008 propostas pelo Acordo de Basileia 3. Elas aumentaram a resiliência dos bancos em termos mundiais, pois diminuíram a alavancagem e elevaram a liquidez do sistema. Mas a adoção das regras de Basileia 3 não quer dizer que não haverá mais risco de falências bancárias. É preciso também ter uma boa governança da gestão dos bancos, e com a devida supervisão das autoridades regulatórias. O Comitê de Basiléia está realizando uma reavaliação de suas propostas. Não quero me adiantar sobre o que ele vai decidir. Certamente focalizará o tratamento de risco de taxa de juros, com a contabilização das variações de marcação a mercado no capital regulatório dos bancos. Outros temas seriam a capacidade de absorção de perdas de certos tipos de capital bancário e os modelos de fuga de depósitos cuja dinâmica mudou com as recentes inovações tecnológicas, pois recursos significativos podem ser movimentados em um clique apenas por um aplicativo no smartphone.

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Quais seriam as medidas microprudenciais mais relevantes que esses países poderiam implementar?

Depois dos eventos recentes envolvendo alguns bancos, há uma reflexão por parte das autoridades para que a supervisão seja mais intrusiva, que não fique apenas restrita à identificação de vulnerabilidades das instituições, mas que também tenha maior capacidade para aplicar ações corretivas. O grau de cobertura dos depósitos não garantidos precisa ser repensado. Também é necessário reavaliar o índice de cobertura de liquidez dos bancos e refletir sobre a robustez de alguns modelos do financiamento bancário. A evolução tecnológica demanda mais agilidade das autoridades, mas também é preciso avaliar a qualidade dos requerimentos de capital e mecanismos de segurança em relação à estabilidade dos depósitos.

Como deve avançar a regulação sobre o shadow banking?

As chamadas instituições financeiras não bancárias não têm o mesmo grau de regulação dos bancos e é absolutamente necessário ter muito mais atenção com esse setor, especialmente em dois temas. Um deles é o descasamento de ativos e passivos de fundos de investimento. Isso pode exacerbar fragilidades no setor imobiliário e no mercado de títulos corporativos. Uma outra questão importante é monitorar os fundos de private equity pois eles têm contribuído para o endividamento de empresas. O monitoramento, regulação e supervisão dessas instituições é tão importante quanto a regulação do setor bancário tradicional. Infelizmente o progresso nessa área tem sido lento.

Com o avanço do friendshoring a fragmentação comercial pode ser evitada?

A guerra da Ucrânia reforçou tendências protecionistas que já existiam. O protecionismo não é uma boa solução, pois reduz o benefício de ganhos de escala e limita fatores importantes para a expansão de empresas no mercado global, como intercâmbio tecnológico e a mobilidade do capital humano. A existência de mercados abertos e competitivos teve um papel relevante nos ganhos de produtividade ocorridos nas últimas décadas. A integração comercial não resolve todos os problemas sociais, e ela inclusive causou alguns, como o desemprego industrial em vários países avançados, que precisam ser tratados. Porém, há um balanço positivo entre benefícios e custos. Mas é preciso também, de maneira mais ampla, uma renovação do espírito multilateral. O friendshoring pode representar oportunidades aos países emergentes, sobretudo alguns na América Latina, com exceções claro, que se adiantaram no combate à inflação. Como há riscos geopolíticos em muitos continentes, a América Latina pode atrair novos investimentos e se beneficiar das necessidades de diversificação de portfólios de investidores, pois inclusive está muito bem posicionada na questão ambiental, que é muito importante para investidores de países avançados preocupados com o crescimento sustentável e com novas tecnologias.

Em meio a um processo de desinflação no mundo que poderá ser longo, os bancos centrais de economias avançadas e países emergentes estão corretos em manter a firme política monetária para continuar a baixar os índices de preços, especialmente quando seu núcleo ainda permanece elevado. A inflação é um dano para a sociedade, um imposto regressivo, atingindo sobretudo as famílias mais pobres, comentou em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e ex-diretor do BC brasileiro.

“É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira. Isso possibilitará melhores condições para a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará ser sustentável para preservar o meio ambiente e com novas tecnologias para a transição energética”, afirmou.

Para Awazu Pereira, devido à necessidade de muitos países de combaterem a inflação com vigor, a política fiscal precisa contribuir para moderar a demanda agregada, mas deve atuar também para proteger os grupos sociais mais vulneráveis. Ele defende também que medidas macro e microprudenciais sejam adotadas para preservar a estabilidade financeira.

Na avaliação do executivo, apesar do avanço do friendshoring (estabelecimento de relações econômicas entre parceiros comerciais confiáveis), muitos países da América Latina ainda podem se beneficiar na mudança na alocação de portfólios de investimentos. A maioria das nações na região tem um arcabouço monetário fortalecido pelo combate à inflação iniciado antes das economias avançadas e estão bem posicionadas na proteção ambiental. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Bank for International Settlements (BIS) Foto: Agência Pixel

Por que o BIS considera que o processo de desinflação no mundo será longo?

O mundo passa por um ciclo de aperto monetário mais complexo do que os registrados no passado. Taxas de juros muito baixas com ampla liquidez por vários anos permitiram a elevação expressiva do endividamento, depois surgiu a covid-19 e ocorreram os efeitos recentes da guerra na Ucrânia sobre preços de energia e alimentos. Combater a inflação alta é essencial, pois ela atinge mais as famílias pobres e aumenta a desigualdade social. Se não for enfrentada de forma determinada e tempestiva vai aumentar os riscos, com maiores custos de longo prazo para investimentos e crescimento. É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira para possibilitar a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará preservar o meio ambiente com novas tecnologias para a transição energética. O processo de desinflação é longo e já apresenta resultados com as ações firmes de política monetária adotadas pelos bancos centrais. Mas não vamos declarar vitória antes da hora, o que a comunicação dos BCs deixa claro.

Como o senhor avalia o combate à inflação adotado pelas economias avançadas e emergentes?

Nas economias avançadas, os núcleos de inflação continuam altos, então o combate continua. Os bancos centrais desses países têm uma estratégia clara, mesmo que diferenciada entre eles: implementam uma política monetária firme, inclusive para não permitir a desancoragem das expectativas de inflação. Há um excesso de demanda concentrado em setores sensíveis à alta das taxas de juros, o que permite moderar a demanda agregada sem necessariamente prejudicar outros segmentos da economia. Os níveis de emprego estão historicamente elevados e podem diminuir sem provocar um aumento excessivo na taxa de desemprego. O enfraquecimento da atividade econômica é por definição necessário. Mas a calibragem da política monetária deve ser feita para minimizar os danos à economia. Os países emergentes, especialmente na América Latina, estão fazendo um bom trabalho na condução da política monetária, com algumas exceções. Eles anteciparam o ciclo de aperto para conter a inflação antes das economias avançadas e agora estão começando a colher os primeiros frutos dessa ação rápida. Esta postura determinada aumenta as chances de viabilizar o controle da inflação com um pouso suave da economia.

As autoridades em economias avançadas conseguiram manter a estabilidade financeira em um bom nível, apesar dos problemas registrados em alguns bancos nos EUA e Europa em março?

Ocorreram recentes episódios de estresse no setor bancário e algumas vulnerabilidades foram expostas. Mas esses riscos à estabilidade financeira foram bem enfrentados pelas economias avançadas ao mesmo tempo que continuaram a combater a inflação. É difícil prever essas turbulências. Mas quando acontecem, precisam ser enfrentadas, o que foi feito de forma enérgica pelos bancos centrais recentemente, com fornecimento de liquidez adequada às circunstâncias. Esses eventos podem acontecer por muitos fatores. Um deles é por quanto tempo haverá condições financeiras mais restritivas que podem afetar vários setores, por exemplo o mercado imobiliário. Outros são ligados a resiliência dos modelos de negócios no setor financeiro com um novo patamar de juros. Por outro lado, a redução da inflação nos próximos anos permitirá a retomada do crescimento e a rolagem da dívida de agentes econômicos. O sucesso tempestivo na luta contra a inflação diminui a probabilidade desses eventos e será importante também para a manutenção da estabilidade financeira.

O BIS defende a combinação da política fiscal com a monetária para reduzir a inflação. Mas não há o risco de uma política fiscal restritiva demais, junto com a alta dos juros pelos bancos centrais, provocar uma forte recessão?

Quando se tem a política monetária agindo para desacelerar a demanda e combater a inflação, não é adequado ter um impulso fiscal ao mesmo tempo, pois retardaria a convergência da inflação à meta. Uma postura fiscal mais firme ajuda os bancos centrais a enfrentar a inflação. O ideal seria que as duas políticas atuassem na mesma direção. Com isso a necessidade de maior aperto nas condições monetárias para fazer a inflação convergir diminuiria. No futuro, poderia se pensar em haver um colchão de recursos para ser utilizado em momentos de crise de forma contracíclica - ou seja, economizar em momentos de atividade alta para poder gastar em momentos de desaceleração. Na maioria dos países, algumas políticas fiscais estão ficando mais duras com o fim dos programas de ajuda lançados durante a pandemia e depois com a guerra na Ucrânia. Contudo, atualmente os déficits públicos estão maiores do que antes do surgimento do coronavírus. Mas mesmo com uma política fiscal neutra ou contracionista é possível ter uma melhor alocação de recursos públicos, especialmente para proteger os mais pobres e favorecer o aumento da produtividade e do crescimento. Pode ser através de uma reforma do sistema tributário, tornando-o mais progressivo, e também aumentando a eficiência dos gastos públicos. Há uma série de maneiras de conduzir a política fiscal para ajudar a política monetária a moderar a demanda agregada, protegendo ao mesmo tempo os grupos sociais mais vulneráveis.

Como países emergentes devem conciliar a geração de superávits primários para estabilizar ou reduzir a dívida pública como proporção do PIB, ao mesmo tempo que têm dificuldades fiscais para fazer frente a investimentos em Educação e Saúde?

A matemática da dinâmica da dívida pública é absolutamente clara, impiedosa e é um desafio inclusive para países avançados. A sustentabilidade da dívida pública é complexa e depende de vários elementos, como a confiança na capacidade de pagamento, medida pelas taxas de juros dos títulos públicos de longo prazo. Ela depende de fatores macroeconômicos, mas também de vontade política, de formular e executar planos de consolidação fiscal. É preciso ter uma trajetória crível para a dívida pública, sobretudo para o médio e longo prazos. E ela pode ser combinada com reforma tributária, aumentando a progressividade dos impostos. Também é possível reavaliar o tamanho da base de arrecadação de impostos, ajustá-la e melhorar a qualidade das despesas públicas. Além disso, pode-se incluir com a política fiscal parcerias com o setor privado, pois não é necessário que todos os projetos de investimentos sejam conduzidos pelo Estado, mas podem também ser realizados através de parcerias público-privadas para alavancar o crescimento econômico.

Quais são as principais medidas macroprudenciais que países avançados e emergentes poderiam adotar para reduzir os riscos à estabilidade financeira?

Basicamente continuar a implementar as reformas que surgiram depois da grande crise financeira global de 2008 propostas pelo Acordo de Basileia 3. Elas aumentaram a resiliência dos bancos em termos mundiais, pois diminuíram a alavancagem e elevaram a liquidez do sistema. Mas a adoção das regras de Basileia 3 não quer dizer que não haverá mais risco de falências bancárias. É preciso também ter uma boa governança da gestão dos bancos, e com a devida supervisão das autoridades regulatórias. O Comitê de Basiléia está realizando uma reavaliação de suas propostas. Não quero me adiantar sobre o que ele vai decidir. Certamente focalizará o tratamento de risco de taxa de juros, com a contabilização das variações de marcação a mercado no capital regulatório dos bancos. Outros temas seriam a capacidade de absorção de perdas de certos tipos de capital bancário e os modelos de fuga de depósitos cuja dinâmica mudou com as recentes inovações tecnológicas, pois recursos significativos podem ser movimentados em um clique apenas por um aplicativo no smartphone.

Quais seriam as medidas microprudenciais mais relevantes que esses países poderiam implementar?

Depois dos eventos recentes envolvendo alguns bancos, há uma reflexão por parte das autoridades para que a supervisão seja mais intrusiva, que não fique apenas restrita à identificação de vulnerabilidades das instituições, mas que também tenha maior capacidade para aplicar ações corretivas. O grau de cobertura dos depósitos não garantidos precisa ser repensado. Também é necessário reavaliar o índice de cobertura de liquidez dos bancos e refletir sobre a robustez de alguns modelos do financiamento bancário. A evolução tecnológica demanda mais agilidade das autoridades, mas também é preciso avaliar a qualidade dos requerimentos de capital e mecanismos de segurança em relação à estabilidade dos depósitos.

Como deve avançar a regulação sobre o shadow banking?

As chamadas instituições financeiras não bancárias não têm o mesmo grau de regulação dos bancos e é absolutamente necessário ter muito mais atenção com esse setor, especialmente em dois temas. Um deles é o descasamento de ativos e passivos de fundos de investimento. Isso pode exacerbar fragilidades no setor imobiliário e no mercado de títulos corporativos. Uma outra questão importante é monitorar os fundos de private equity pois eles têm contribuído para o endividamento de empresas. O monitoramento, regulação e supervisão dessas instituições é tão importante quanto a regulação do setor bancário tradicional. Infelizmente o progresso nessa área tem sido lento.

Com o avanço do friendshoring a fragmentação comercial pode ser evitada?

A guerra da Ucrânia reforçou tendências protecionistas que já existiam. O protecionismo não é uma boa solução, pois reduz o benefício de ganhos de escala e limita fatores importantes para a expansão de empresas no mercado global, como intercâmbio tecnológico e a mobilidade do capital humano. A existência de mercados abertos e competitivos teve um papel relevante nos ganhos de produtividade ocorridos nas últimas décadas. A integração comercial não resolve todos os problemas sociais, e ela inclusive causou alguns, como o desemprego industrial em vários países avançados, que precisam ser tratados. Porém, há um balanço positivo entre benefícios e custos. Mas é preciso também, de maneira mais ampla, uma renovação do espírito multilateral. O friendshoring pode representar oportunidades aos países emergentes, sobretudo alguns na América Latina, com exceções claro, que se adiantaram no combate à inflação. Como há riscos geopolíticos em muitos continentes, a América Latina pode atrair novos investimentos e se beneficiar das necessidades de diversificação de portfólios de investidores, pois inclusive está muito bem posicionada na questão ambiental, que é muito importante para investidores de países avançados preocupados com o crescimento sustentável e com novas tecnologias.

Em meio a um processo de desinflação no mundo que poderá ser longo, os bancos centrais de economias avançadas e países emergentes estão corretos em manter a firme política monetária para continuar a baixar os índices de preços, especialmente quando seu núcleo ainda permanece elevado. A inflação é um dano para a sociedade, um imposto regressivo, atingindo sobretudo as famílias mais pobres, comentou em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e ex-diretor do BC brasileiro.

“É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira. Isso possibilitará melhores condições para a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará ser sustentável para preservar o meio ambiente e com novas tecnologias para a transição energética”, afirmou.

Para Awazu Pereira, devido à necessidade de muitos países de combaterem a inflação com vigor, a política fiscal precisa contribuir para moderar a demanda agregada, mas deve atuar também para proteger os grupos sociais mais vulneráveis. Ele defende também que medidas macro e microprudenciais sejam adotadas para preservar a estabilidade financeira.

Na avaliação do executivo, apesar do avanço do friendshoring (estabelecimento de relações econômicas entre parceiros comerciais confiáveis), muitos países da América Latina ainda podem se beneficiar na mudança na alocação de portfólios de investimentos. A maioria das nações na região tem um arcabouço monetário fortalecido pelo combate à inflação iniciado antes das economias avançadas e estão bem posicionadas na proteção ambiental. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Bank for International Settlements (BIS) Foto: Agência Pixel

Por que o BIS considera que o processo de desinflação no mundo será longo?

O mundo passa por um ciclo de aperto monetário mais complexo do que os registrados no passado. Taxas de juros muito baixas com ampla liquidez por vários anos permitiram a elevação expressiva do endividamento, depois surgiu a covid-19 e ocorreram os efeitos recentes da guerra na Ucrânia sobre preços de energia e alimentos. Combater a inflação alta é essencial, pois ela atinge mais as famílias pobres e aumenta a desigualdade social. Se não for enfrentada de forma determinada e tempestiva vai aumentar os riscos, com maiores custos de longo prazo para investimentos e crescimento. É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira para possibilitar a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará preservar o meio ambiente com novas tecnologias para a transição energética. O processo de desinflação é longo e já apresenta resultados com as ações firmes de política monetária adotadas pelos bancos centrais. Mas não vamos declarar vitória antes da hora, o que a comunicação dos BCs deixa claro.

Como o senhor avalia o combate à inflação adotado pelas economias avançadas e emergentes?

Nas economias avançadas, os núcleos de inflação continuam altos, então o combate continua. Os bancos centrais desses países têm uma estratégia clara, mesmo que diferenciada entre eles: implementam uma política monetária firme, inclusive para não permitir a desancoragem das expectativas de inflação. Há um excesso de demanda concentrado em setores sensíveis à alta das taxas de juros, o que permite moderar a demanda agregada sem necessariamente prejudicar outros segmentos da economia. Os níveis de emprego estão historicamente elevados e podem diminuir sem provocar um aumento excessivo na taxa de desemprego. O enfraquecimento da atividade econômica é por definição necessário. Mas a calibragem da política monetária deve ser feita para minimizar os danos à economia. Os países emergentes, especialmente na América Latina, estão fazendo um bom trabalho na condução da política monetária, com algumas exceções. Eles anteciparam o ciclo de aperto para conter a inflação antes das economias avançadas e agora estão começando a colher os primeiros frutos dessa ação rápida. Esta postura determinada aumenta as chances de viabilizar o controle da inflação com um pouso suave da economia.

As autoridades em economias avançadas conseguiram manter a estabilidade financeira em um bom nível, apesar dos problemas registrados em alguns bancos nos EUA e Europa em março?

Ocorreram recentes episódios de estresse no setor bancário e algumas vulnerabilidades foram expostas. Mas esses riscos à estabilidade financeira foram bem enfrentados pelas economias avançadas ao mesmo tempo que continuaram a combater a inflação. É difícil prever essas turbulências. Mas quando acontecem, precisam ser enfrentadas, o que foi feito de forma enérgica pelos bancos centrais recentemente, com fornecimento de liquidez adequada às circunstâncias. Esses eventos podem acontecer por muitos fatores. Um deles é por quanto tempo haverá condições financeiras mais restritivas que podem afetar vários setores, por exemplo o mercado imobiliário. Outros são ligados a resiliência dos modelos de negócios no setor financeiro com um novo patamar de juros. Por outro lado, a redução da inflação nos próximos anos permitirá a retomada do crescimento e a rolagem da dívida de agentes econômicos. O sucesso tempestivo na luta contra a inflação diminui a probabilidade desses eventos e será importante também para a manutenção da estabilidade financeira.

O BIS defende a combinação da política fiscal com a monetária para reduzir a inflação. Mas não há o risco de uma política fiscal restritiva demais, junto com a alta dos juros pelos bancos centrais, provocar uma forte recessão?

Quando se tem a política monetária agindo para desacelerar a demanda e combater a inflação, não é adequado ter um impulso fiscal ao mesmo tempo, pois retardaria a convergência da inflação à meta. Uma postura fiscal mais firme ajuda os bancos centrais a enfrentar a inflação. O ideal seria que as duas políticas atuassem na mesma direção. Com isso a necessidade de maior aperto nas condições monetárias para fazer a inflação convergir diminuiria. No futuro, poderia se pensar em haver um colchão de recursos para ser utilizado em momentos de crise de forma contracíclica - ou seja, economizar em momentos de atividade alta para poder gastar em momentos de desaceleração. Na maioria dos países, algumas políticas fiscais estão ficando mais duras com o fim dos programas de ajuda lançados durante a pandemia e depois com a guerra na Ucrânia. Contudo, atualmente os déficits públicos estão maiores do que antes do surgimento do coronavírus. Mas mesmo com uma política fiscal neutra ou contracionista é possível ter uma melhor alocação de recursos públicos, especialmente para proteger os mais pobres e favorecer o aumento da produtividade e do crescimento. Pode ser através de uma reforma do sistema tributário, tornando-o mais progressivo, e também aumentando a eficiência dos gastos públicos. Há uma série de maneiras de conduzir a política fiscal para ajudar a política monetária a moderar a demanda agregada, protegendo ao mesmo tempo os grupos sociais mais vulneráveis.

Como países emergentes devem conciliar a geração de superávits primários para estabilizar ou reduzir a dívida pública como proporção do PIB, ao mesmo tempo que têm dificuldades fiscais para fazer frente a investimentos em Educação e Saúde?

A matemática da dinâmica da dívida pública é absolutamente clara, impiedosa e é um desafio inclusive para países avançados. A sustentabilidade da dívida pública é complexa e depende de vários elementos, como a confiança na capacidade de pagamento, medida pelas taxas de juros dos títulos públicos de longo prazo. Ela depende de fatores macroeconômicos, mas também de vontade política, de formular e executar planos de consolidação fiscal. É preciso ter uma trajetória crível para a dívida pública, sobretudo para o médio e longo prazos. E ela pode ser combinada com reforma tributária, aumentando a progressividade dos impostos. Também é possível reavaliar o tamanho da base de arrecadação de impostos, ajustá-la e melhorar a qualidade das despesas públicas. Além disso, pode-se incluir com a política fiscal parcerias com o setor privado, pois não é necessário que todos os projetos de investimentos sejam conduzidos pelo Estado, mas podem também ser realizados através de parcerias público-privadas para alavancar o crescimento econômico.

Quais são as principais medidas macroprudenciais que países avançados e emergentes poderiam adotar para reduzir os riscos à estabilidade financeira?

Basicamente continuar a implementar as reformas que surgiram depois da grande crise financeira global de 2008 propostas pelo Acordo de Basileia 3. Elas aumentaram a resiliência dos bancos em termos mundiais, pois diminuíram a alavancagem e elevaram a liquidez do sistema. Mas a adoção das regras de Basileia 3 não quer dizer que não haverá mais risco de falências bancárias. É preciso também ter uma boa governança da gestão dos bancos, e com a devida supervisão das autoridades regulatórias. O Comitê de Basiléia está realizando uma reavaliação de suas propostas. Não quero me adiantar sobre o que ele vai decidir. Certamente focalizará o tratamento de risco de taxa de juros, com a contabilização das variações de marcação a mercado no capital regulatório dos bancos. Outros temas seriam a capacidade de absorção de perdas de certos tipos de capital bancário e os modelos de fuga de depósitos cuja dinâmica mudou com as recentes inovações tecnológicas, pois recursos significativos podem ser movimentados em um clique apenas por um aplicativo no smartphone.

Quais seriam as medidas microprudenciais mais relevantes que esses países poderiam implementar?

Depois dos eventos recentes envolvendo alguns bancos, há uma reflexão por parte das autoridades para que a supervisão seja mais intrusiva, que não fique apenas restrita à identificação de vulnerabilidades das instituições, mas que também tenha maior capacidade para aplicar ações corretivas. O grau de cobertura dos depósitos não garantidos precisa ser repensado. Também é necessário reavaliar o índice de cobertura de liquidez dos bancos e refletir sobre a robustez de alguns modelos do financiamento bancário. A evolução tecnológica demanda mais agilidade das autoridades, mas também é preciso avaliar a qualidade dos requerimentos de capital e mecanismos de segurança em relação à estabilidade dos depósitos.

Como deve avançar a regulação sobre o shadow banking?

As chamadas instituições financeiras não bancárias não têm o mesmo grau de regulação dos bancos e é absolutamente necessário ter muito mais atenção com esse setor, especialmente em dois temas. Um deles é o descasamento de ativos e passivos de fundos de investimento. Isso pode exacerbar fragilidades no setor imobiliário e no mercado de títulos corporativos. Uma outra questão importante é monitorar os fundos de private equity pois eles têm contribuído para o endividamento de empresas. O monitoramento, regulação e supervisão dessas instituições é tão importante quanto a regulação do setor bancário tradicional. Infelizmente o progresso nessa área tem sido lento.

Com o avanço do friendshoring a fragmentação comercial pode ser evitada?

A guerra da Ucrânia reforçou tendências protecionistas que já existiam. O protecionismo não é uma boa solução, pois reduz o benefício de ganhos de escala e limita fatores importantes para a expansão de empresas no mercado global, como intercâmbio tecnológico e a mobilidade do capital humano. A existência de mercados abertos e competitivos teve um papel relevante nos ganhos de produtividade ocorridos nas últimas décadas. A integração comercial não resolve todos os problemas sociais, e ela inclusive causou alguns, como o desemprego industrial em vários países avançados, que precisam ser tratados. Porém, há um balanço positivo entre benefícios e custos. Mas é preciso também, de maneira mais ampla, uma renovação do espírito multilateral. O friendshoring pode representar oportunidades aos países emergentes, sobretudo alguns na América Latina, com exceções claro, que se adiantaram no combate à inflação. Como há riscos geopolíticos em muitos continentes, a América Latina pode atrair novos investimentos e se beneficiar das necessidades de diversificação de portfólios de investidores, pois inclusive está muito bem posicionada na questão ambiental, que é muito importante para investidores de países avançados preocupados com o crescimento sustentável e com novas tecnologias.

Em meio a um processo de desinflação no mundo que poderá ser longo, os bancos centrais de economias avançadas e países emergentes estão corretos em manter a firme política monetária para continuar a baixar os índices de preços, especialmente quando seu núcleo ainda permanece elevado. A inflação é um dano para a sociedade, um imposto regressivo, atingindo sobretudo as famílias mais pobres, comentou em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e ex-diretor do BC brasileiro.

“É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira. Isso possibilitará melhores condições para a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará ser sustentável para preservar o meio ambiente e com novas tecnologias para a transição energética”, afirmou.

Para Awazu Pereira, devido à necessidade de muitos países de combaterem a inflação com vigor, a política fiscal precisa contribuir para moderar a demanda agregada, mas deve atuar também para proteger os grupos sociais mais vulneráveis. Ele defende também que medidas macro e microprudenciais sejam adotadas para preservar a estabilidade financeira.

Na avaliação do executivo, apesar do avanço do friendshoring (estabelecimento de relações econômicas entre parceiros comerciais confiáveis), muitos países da América Latina ainda podem se beneficiar na mudança na alocação de portfólios de investimentos. A maioria das nações na região tem um arcabouço monetário fortalecido pelo combate à inflação iniciado antes das economias avançadas e estão bem posicionadas na proteção ambiental. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Bank for International Settlements (BIS) Foto: Agência Pixel

Por que o BIS considera que o processo de desinflação no mundo será longo?

O mundo passa por um ciclo de aperto monetário mais complexo do que os registrados no passado. Taxas de juros muito baixas com ampla liquidez por vários anos permitiram a elevação expressiva do endividamento, depois surgiu a covid-19 e ocorreram os efeitos recentes da guerra na Ucrânia sobre preços de energia e alimentos. Combater a inflação alta é essencial, pois ela atinge mais as famílias pobres e aumenta a desigualdade social. Se não for enfrentada de forma determinada e tempestiva vai aumentar os riscos, com maiores custos de longo prazo para investimentos e crescimento. É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira para possibilitar a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará preservar o meio ambiente com novas tecnologias para a transição energética. O processo de desinflação é longo e já apresenta resultados com as ações firmes de política monetária adotadas pelos bancos centrais. Mas não vamos declarar vitória antes da hora, o que a comunicação dos BCs deixa claro.

Como o senhor avalia o combate à inflação adotado pelas economias avançadas e emergentes?

Nas economias avançadas, os núcleos de inflação continuam altos, então o combate continua. Os bancos centrais desses países têm uma estratégia clara, mesmo que diferenciada entre eles: implementam uma política monetária firme, inclusive para não permitir a desancoragem das expectativas de inflação. Há um excesso de demanda concentrado em setores sensíveis à alta das taxas de juros, o que permite moderar a demanda agregada sem necessariamente prejudicar outros segmentos da economia. Os níveis de emprego estão historicamente elevados e podem diminuir sem provocar um aumento excessivo na taxa de desemprego. O enfraquecimento da atividade econômica é por definição necessário. Mas a calibragem da política monetária deve ser feita para minimizar os danos à economia. Os países emergentes, especialmente na América Latina, estão fazendo um bom trabalho na condução da política monetária, com algumas exceções. Eles anteciparam o ciclo de aperto para conter a inflação antes das economias avançadas e agora estão começando a colher os primeiros frutos dessa ação rápida. Esta postura determinada aumenta as chances de viabilizar o controle da inflação com um pouso suave da economia.

As autoridades em economias avançadas conseguiram manter a estabilidade financeira em um bom nível, apesar dos problemas registrados em alguns bancos nos EUA e Europa em março?

Ocorreram recentes episódios de estresse no setor bancário e algumas vulnerabilidades foram expostas. Mas esses riscos à estabilidade financeira foram bem enfrentados pelas economias avançadas ao mesmo tempo que continuaram a combater a inflação. É difícil prever essas turbulências. Mas quando acontecem, precisam ser enfrentadas, o que foi feito de forma enérgica pelos bancos centrais recentemente, com fornecimento de liquidez adequada às circunstâncias. Esses eventos podem acontecer por muitos fatores. Um deles é por quanto tempo haverá condições financeiras mais restritivas que podem afetar vários setores, por exemplo o mercado imobiliário. Outros são ligados a resiliência dos modelos de negócios no setor financeiro com um novo patamar de juros. Por outro lado, a redução da inflação nos próximos anos permitirá a retomada do crescimento e a rolagem da dívida de agentes econômicos. O sucesso tempestivo na luta contra a inflação diminui a probabilidade desses eventos e será importante também para a manutenção da estabilidade financeira.

O BIS defende a combinação da política fiscal com a monetária para reduzir a inflação. Mas não há o risco de uma política fiscal restritiva demais, junto com a alta dos juros pelos bancos centrais, provocar uma forte recessão?

Quando se tem a política monetária agindo para desacelerar a demanda e combater a inflação, não é adequado ter um impulso fiscal ao mesmo tempo, pois retardaria a convergência da inflação à meta. Uma postura fiscal mais firme ajuda os bancos centrais a enfrentar a inflação. O ideal seria que as duas políticas atuassem na mesma direção. Com isso a necessidade de maior aperto nas condições monetárias para fazer a inflação convergir diminuiria. No futuro, poderia se pensar em haver um colchão de recursos para ser utilizado em momentos de crise de forma contracíclica - ou seja, economizar em momentos de atividade alta para poder gastar em momentos de desaceleração. Na maioria dos países, algumas políticas fiscais estão ficando mais duras com o fim dos programas de ajuda lançados durante a pandemia e depois com a guerra na Ucrânia. Contudo, atualmente os déficits públicos estão maiores do que antes do surgimento do coronavírus. Mas mesmo com uma política fiscal neutra ou contracionista é possível ter uma melhor alocação de recursos públicos, especialmente para proteger os mais pobres e favorecer o aumento da produtividade e do crescimento. Pode ser através de uma reforma do sistema tributário, tornando-o mais progressivo, e também aumentando a eficiência dos gastos públicos. Há uma série de maneiras de conduzir a política fiscal para ajudar a política monetária a moderar a demanda agregada, protegendo ao mesmo tempo os grupos sociais mais vulneráveis.

Como países emergentes devem conciliar a geração de superávits primários para estabilizar ou reduzir a dívida pública como proporção do PIB, ao mesmo tempo que têm dificuldades fiscais para fazer frente a investimentos em Educação e Saúde?

A matemática da dinâmica da dívida pública é absolutamente clara, impiedosa e é um desafio inclusive para países avançados. A sustentabilidade da dívida pública é complexa e depende de vários elementos, como a confiança na capacidade de pagamento, medida pelas taxas de juros dos títulos públicos de longo prazo. Ela depende de fatores macroeconômicos, mas também de vontade política, de formular e executar planos de consolidação fiscal. É preciso ter uma trajetória crível para a dívida pública, sobretudo para o médio e longo prazos. E ela pode ser combinada com reforma tributária, aumentando a progressividade dos impostos. Também é possível reavaliar o tamanho da base de arrecadação de impostos, ajustá-la e melhorar a qualidade das despesas públicas. Além disso, pode-se incluir com a política fiscal parcerias com o setor privado, pois não é necessário que todos os projetos de investimentos sejam conduzidos pelo Estado, mas podem também ser realizados através de parcerias público-privadas para alavancar o crescimento econômico.

Quais são as principais medidas macroprudenciais que países avançados e emergentes poderiam adotar para reduzir os riscos à estabilidade financeira?

Basicamente continuar a implementar as reformas que surgiram depois da grande crise financeira global de 2008 propostas pelo Acordo de Basileia 3. Elas aumentaram a resiliência dos bancos em termos mundiais, pois diminuíram a alavancagem e elevaram a liquidez do sistema. Mas a adoção das regras de Basileia 3 não quer dizer que não haverá mais risco de falências bancárias. É preciso também ter uma boa governança da gestão dos bancos, e com a devida supervisão das autoridades regulatórias. O Comitê de Basiléia está realizando uma reavaliação de suas propostas. Não quero me adiantar sobre o que ele vai decidir. Certamente focalizará o tratamento de risco de taxa de juros, com a contabilização das variações de marcação a mercado no capital regulatório dos bancos. Outros temas seriam a capacidade de absorção de perdas de certos tipos de capital bancário e os modelos de fuga de depósitos cuja dinâmica mudou com as recentes inovações tecnológicas, pois recursos significativos podem ser movimentados em um clique apenas por um aplicativo no smartphone.

Quais seriam as medidas microprudenciais mais relevantes que esses países poderiam implementar?

Depois dos eventos recentes envolvendo alguns bancos, há uma reflexão por parte das autoridades para que a supervisão seja mais intrusiva, que não fique apenas restrita à identificação de vulnerabilidades das instituições, mas que também tenha maior capacidade para aplicar ações corretivas. O grau de cobertura dos depósitos não garantidos precisa ser repensado. Também é necessário reavaliar o índice de cobertura de liquidez dos bancos e refletir sobre a robustez de alguns modelos do financiamento bancário. A evolução tecnológica demanda mais agilidade das autoridades, mas também é preciso avaliar a qualidade dos requerimentos de capital e mecanismos de segurança em relação à estabilidade dos depósitos.

Como deve avançar a regulação sobre o shadow banking?

As chamadas instituições financeiras não bancárias não têm o mesmo grau de regulação dos bancos e é absolutamente necessário ter muito mais atenção com esse setor, especialmente em dois temas. Um deles é o descasamento de ativos e passivos de fundos de investimento. Isso pode exacerbar fragilidades no setor imobiliário e no mercado de títulos corporativos. Uma outra questão importante é monitorar os fundos de private equity pois eles têm contribuído para o endividamento de empresas. O monitoramento, regulação e supervisão dessas instituições é tão importante quanto a regulação do setor bancário tradicional. Infelizmente o progresso nessa área tem sido lento.

Com o avanço do friendshoring a fragmentação comercial pode ser evitada?

A guerra da Ucrânia reforçou tendências protecionistas que já existiam. O protecionismo não é uma boa solução, pois reduz o benefício de ganhos de escala e limita fatores importantes para a expansão de empresas no mercado global, como intercâmbio tecnológico e a mobilidade do capital humano. A existência de mercados abertos e competitivos teve um papel relevante nos ganhos de produtividade ocorridos nas últimas décadas. A integração comercial não resolve todos os problemas sociais, e ela inclusive causou alguns, como o desemprego industrial em vários países avançados, que precisam ser tratados. Porém, há um balanço positivo entre benefícios e custos. Mas é preciso também, de maneira mais ampla, uma renovação do espírito multilateral. O friendshoring pode representar oportunidades aos países emergentes, sobretudo alguns na América Latina, com exceções claro, que se adiantaram no combate à inflação. Como há riscos geopolíticos em muitos continentes, a América Latina pode atrair novos investimentos e se beneficiar das necessidades de diversificação de portfólios de investidores, pois inclusive está muito bem posicionada na questão ambiental, que é muito importante para investidores de países avançados preocupados com o crescimento sustentável e com novas tecnologias.

Em meio a um processo de desinflação no mundo que poderá ser longo, os bancos centrais de economias avançadas e países emergentes estão corretos em manter a firme política monetária para continuar a baixar os índices de preços, especialmente quando seu núcleo ainda permanece elevado. A inflação é um dano para a sociedade, um imposto regressivo, atingindo sobretudo as famílias mais pobres, comentou em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e ex-diretor do BC brasileiro.

“É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira. Isso possibilitará melhores condições para a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará ser sustentável para preservar o meio ambiente e com novas tecnologias para a transição energética”, afirmou.

Para Awazu Pereira, devido à necessidade de muitos países de combaterem a inflação com vigor, a política fiscal precisa contribuir para moderar a demanda agregada, mas deve atuar também para proteger os grupos sociais mais vulneráveis. Ele defende também que medidas macro e microprudenciais sejam adotadas para preservar a estabilidade financeira.

Na avaliação do executivo, apesar do avanço do friendshoring (estabelecimento de relações econômicas entre parceiros comerciais confiáveis), muitos países da América Latina ainda podem se beneficiar na mudança na alocação de portfólios de investimentos. A maioria das nações na região tem um arcabouço monetário fortalecido pelo combate à inflação iniciado antes das economias avançadas e estão bem posicionadas na proteção ambiental. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Luiz Awazu Pereira da Silva, vice-diretor-executivo do Bank for International Settlements (BIS) Foto: Agência Pixel

Por que o BIS considera que o processo de desinflação no mundo será longo?

O mundo passa por um ciclo de aperto monetário mais complexo do que os registrados no passado. Taxas de juros muito baixas com ampla liquidez por vários anos permitiram a elevação expressiva do endividamento, depois surgiu a covid-19 e ocorreram os efeitos recentes da guerra na Ucrânia sobre preços de energia e alimentos. Combater a inflação alta é essencial, pois ela atinge mais as famílias pobres e aumenta a desigualdade social. Se não for enfrentada de forma determinada e tempestiva vai aumentar os riscos, com maiores custos de longo prazo para investimentos e crescimento. É fundamental colocar a inflação na meta o mais rápido possível assegurando a estabilidade financeira para possibilitar a retomada de um novo ciclo de crescimento econômico, que precisará preservar o meio ambiente com novas tecnologias para a transição energética. O processo de desinflação é longo e já apresenta resultados com as ações firmes de política monetária adotadas pelos bancos centrais. Mas não vamos declarar vitória antes da hora, o que a comunicação dos BCs deixa claro.

Como o senhor avalia o combate à inflação adotado pelas economias avançadas e emergentes?

Nas economias avançadas, os núcleos de inflação continuam altos, então o combate continua. Os bancos centrais desses países têm uma estratégia clara, mesmo que diferenciada entre eles: implementam uma política monetária firme, inclusive para não permitir a desancoragem das expectativas de inflação. Há um excesso de demanda concentrado em setores sensíveis à alta das taxas de juros, o que permite moderar a demanda agregada sem necessariamente prejudicar outros segmentos da economia. Os níveis de emprego estão historicamente elevados e podem diminuir sem provocar um aumento excessivo na taxa de desemprego. O enfraquecimento da atividade econômica é por definição necessário. Mas a calibragem da política monetária deve ser feita para minimizar os danos à economia. Os países emergentes, especialmente na América Latina, estão fazendo um bom trabalho na condução da política monetária, com algumas exceções. Eles anteciparam o ciclo de aperto para conter a inflação antes das economias avançadas e agora estão começando a colher os primeiros frutos dessa ação rápida. Esta postura determinada aumenta as chances de viabilizar o controle da inflação com um pouso suave da economia.

As autoridades em economias avançadas conseguiram manter a estabilidade financeira em um bom nível, apesar dos problemas registrados em alguns bancos nos EUA e Europa em março?

Ocorreram recentes episódios de estresse no setor bancário e algumas vulnerabilidades foram expostas. Mas esses riscos à estabilidade financeira foram bem enfrentados pelas economias avançadas ao mesmo tempo que continuaram a combater a inflação. É difícil prever essas turbulências. Mas quando acontecem, precisam ser enfrentadas, o que foi feito de forma enérgica pelos bancos centrais recentemente, com fornecimento de liquidez adequada às circunstâncias. Esses eventos podem acontecer por muitos fatores. Um deles é por quanto tempo haverá condições financeiras mais restritivas que podem afetar vários setores, por exemplo o mercado imobiliário. Outros são ligados a resiliência dos modelos de negócios no setor financeiro com um novo patamar de juros. Por outro lado, a redução da inflação nos próximos anos permitirá a retomada do crescimento e a rolagem da dívida de agentes econômicos. O sucesso tempestivo na luta contra a inflação diminui a probabilidade desses eventos e será importante também para a manutenção da estabilidade financeira.

O BIS defende a combinação da política fiscal com a monetária para reduzir a inflação. Mas não há o risco de uma política fiscal restritiva demais, junto com a alta dos juros pelos bancos centrais, provocar uma forte recessão?

Quando se tem a política monetária agindo para desacelerar a demanda e combater a inflação, não é adequado ter um impulso fiscal ao mesmo tempo, pois retardaria a convergência da inflação à meta. Uma postura fiscal mais firme ajuda os bancos centrais a enfrentar a inflação. O ideal seria que as duas políticas atuassem na mesma direção. Com isso a necessidade de maior aperto nas condições monetárias para fazer a inflação convergir diminuiria. No futuro, poderia se pensar em haver um colchão de recursos para ser utilizado em momentos de crise de forma contracíclica - ou seja, economizar em momentos de atividade alta para poder gastar em momentos de desaceleração. Na maioria dos países, algumas políticas fiscais estão ficando mais duras com o fim dos programas de ajuda lançados durante a pandemia e depois com a guerra na Ucrânia. Contudo, atualmente os déficits públicos estão maiores do que antes do surgimento do coronavírus. Mas mesmo com uma política fiscal neutra ou contracionista é possível ter uma melhor alocação de recursos públicos, especialmente para proteger os mais pobres e favorecer o aumento da produtividade e do crescimento. Pode ser através de uma reforma do sistema tributário, tornando-o mais progressivo, e também aumentando a eficiência dos gastos públicos. Há uma série de maneiras de conduzir a política fiscal para ajudar a política monetária a moderar a demanda agregada, protegendo ao mesmo tempo os grupos sociais mais vulneráveis.

Como países emergentes devem conciliar a geração de superávits primários para estabilizar ou reduzir a dívida pública como proporção do PIB, ao mesmo tempo que têm dificuldades fiscais para fazer frente a investimentos em Educação e Saúde?

A matemática da dinâmica da dívida pública é absolutamente clara, impiedosa e é um desafio inclusive para países avançados. A sustentabilidade da dívida pública é complexa e depende de vários elementos, como a confiança na capacidade de pagamento, medida pelas taxas de juros dos títulos públicos de longo prazo. Ela depende de fatores macroeconômicos, mas também de vontade política, de formular e executar planos de consolidação fiscal. É preciso ter uma trajetória crível para a dívida pública, sobretudo para o médio e longo prazos. E ela pode ser combinada com reforma tributária, aumentando a progressividade dos impostos. Também é possível reavaliar o tamanho da base de arrecadação de impostos, ajustá-la e melhorar a qualidade das despesas públicas. Além disso, pode-se incluir com a política fiscal parcerias com o setor privado, pois não é necessário que todos os projetos de investimentos sejam conduzidos pelo Estado, mas podem também ser realizados através de parcerias público-privadas para alavancar o crescimento econômico.

Quais são as principais medidas macroprudenciais que países avançados e emergentes poderiam adotar para reduzir os riscos à estabilidade financeira?

Basicamente continuar a implementar as reformas que surgiram depois da grande crise financeira global de 2008 propostas pelo Acordo de Basileia 3. Elas aumentaram a resiliência dos bancos em termos mundiais, pois diminuíram a alavancagem e elevaram a liquidez do sistema. Mas a adoção das regras de Basileia 3 não quer dizer que não haverá mais risco de falências bancárias. É preciso também ter uma boa governança da gestão dos bancos, e com a devida supervisão das autoridades regulatórias. O Comitê de Basiléia está realizando uma reavaliação de suas propostas. Não quero me adiantar sobre o que ele vai decidir. Certamente focalizará o tratamento de risco de taxa de juros, com a contabilização das variações de marcação a mercado no capital regulatório dos bancos. Outros temas seriam a capacidade de absorção de perdas de certos tipos de capital bancário e os modelos de fuga de depósitos cuja dinâmica mudou com as recentes inovações tecnológicas, pois recursos significativos podem ser movimentados em um clique apenas por um aplicativo no smartphone.

Quais seriam as medidas microprudenciais mais relevantes que esses países poderiam implementar?

Depois dos eventos recentes envolvendo alguns bancos, há uma reflexão por parte das autoridades para que a supervisão seja mais intrusiva, que não fique apenas restrita à identificação de vulnerabilidades das instituições, mas que também tenha maior capacidade para aplicar ações corretivas. O grau de cobertura dos depósitos não garantidos precisa ser repensado. Também é necessário reavaliar o índice de cobertura de liquidez dos bancos e refletir sobre a robustez de alguns modelos do financiamento bancário. A evolução tecnológica demanda mais agilidade das autoridades, mas também é preciso avaliar a qualidade dos requerimentos de capital e mecanismos de segurança em relação à estabilidade dos depósitos.

Como deve avançar a regulação sobre o shadow banking?

As chamadas instituições financeiras não bancárias não têm o mesmo grau de regulação dos bancos e é absolutamente necessário ter muito mais atenção com esse setor, especialmente em dois temas. Um deles é o descasamento de ativos e passivos de fundos de investimento. Isso pode exacerbar fragilidades no setor imobiliário e no mercado de títulos corporativos. Uma outra questão importante é monitorar os fundos de private equity pois eles têm contribuído para o endividamento de empresas. O monitoramento, regulação e supervisão dessas instituições é tão importante quanto a regulação do setor bancário tradicional. Infelizmente o progresso nessa área tem sido lento.

Com o avanço do friendshoring a fragmentação comercial pode ser evitada?

A guerra da Ucrânia reforçou tendências protecionistas que já existiam. O protecionismo não é uma boa solução, pois reduz o benefício de ganhos de escala e limita fatores importantes para a expansão de empresas no mercado global, como intercâmbio tecnológico e a mobilidade do capital humano. A existência de mercados abertos e competitivos teve um papel relevante nos ganhos de produtividade ocorridos nas últimas décadas. A integração comercial não resolve todos os problemas sociais, e ela inclusive causou alguns, como o desemprego industrial em vários países avançados, que precisam ser tratados. Porém, há um balanço positivo entre benefícios e custos. Mas é preciso também, de maneira mais ampla, uma renovação do espírito multilateral. O friendshoring pode representar oportunidades aos países emergentes, sobretudo alguns na América Latina, com exceções claro, que se adiantaram no combate à inflação. Como há riscos geopolíticos em muitos continentes, a América Latina pode atrair novos investimentos e se beneficiar das necessidades de diversificação de portfólios de investidores, pois inclusive está muito bem posicionada na questão ambiental, que é muito importante para investidores de países avançados preocupados com o crescimento sustentável e com novas tecnologias.

Entrevista por Ricardo Leopoldo

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