Bancos Centrais estão em um trilema enquanto tentam calibrar a política monetária; leia o artigo


Missão dos BCs não é trivial, e eles não serão capazes de mirar três objetivos municiados só com a taxa de juros

Por Benito Salomão *
Atualização:

No dia 4 de maio, houve elevações nos juros nos EUA e no Brasil. Os Bancos Centrais (BCs) no mundo estão pondo fim à década do zero lower bound, quando estímulos monetários via quantitative easing e juros nominais próximos a 0% afastaram o risco da deflação.

No último ano, graças aos efeitos da covid sobre atividades produtivas, a inflação acelerou antes de o Produto Interno Bruto (PIB) convergir às suas taxas naturais. Em modelos tradicionais, os BCs perseguem o duplo mandato mirando a inflação e o hiato do produto. Porém, influenciar o PIB nem sempre é possível e isso depende do formato da curva de Phillips (CPh).

Em modelos tradicionais, os BCs perseguem o duplo mandato mirando a inflação e o hiato do produto  Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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Sob expectativas adaptativas, a CPh é inclinada e os preços partem da inflação passada. Ganhos no PIB são possíveis a curto prazo, mas não no longo. Já sob expectativas racionais a CPh torna-se vertical após estímulos monetários-surpresa. Os BCs perdem reputação, e a partir daí a emissão de moeda causa inflação.

A longo prazo, a política monetária é eficaz como âncora inflacionária, mas é inócua no que tange ao PIB. Se as expectativas definem a inflação, os BCs têm de lidar com a inconsistência dinâmica da política monetária. Sua reputação depende do histórico de desvios da inflação em relação à meta. Em jogos sequenciais, quanto mais rodadas o BC cumpre a meta, mais crível e eficaz é a política monetária. Se o BC é crível, a contração monetária para arrefecer a inflação é menor e os BCs tomam medidas não contracionistas como forward guidance. No jargão militar, BCs usam seu poder de dissuasão para frear os preços.

Após 2008, os BCs passaram a monitorar também os preços de ativos nos mercados de capitais. Isso sobrecarregou a política monetária, que passou a perseguir um triplo mandato. Eis o motivo pelo qual os BCs têm andado tanto tempo atrás da curva. Há a preocupação com a depreciação de ativos e o mergulho noutra recessão. Até aqui, os BCs foram eficientes em afastar tais riscos.

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A missão dos BCs não é trivial, e eles não serão capazes de mirar três objetivos municiados só com a taxa de juros. De imediato, eles têm abdicado da meta de inflação. Por quanto tempo esta estratégia vai funcionar? Como dito, influenciar o PIB depende da CPh. Quanto aos preços dos ativos, eles dependem, ceteris paribus, de informações que influenciam a psicologia social e podem flutuar independentes dos juros.

Os BCs estão expostos a um trilema enquanto tentam calibrar a política monetária minorando custos. Está claro, no entanto, que enfrentar tal trilema, munidos exclusivamente da taxa de juros, será uma missão inglória.

* ECONOMISTA-CHEFE DA GLADIUS RESEARCH. É DOUTOR EM ECONOMIA PELO PPGE-UFU

No dia 4 de maio, houve elevações nos juros nos EUA e no Brasil. Os Bancos Centrais (BCs) no mundo estão pondo fim à década do zero lower bound, quando estímulos monetários via quantitative easing e juros nominais próximos a 0% afastaram o risco da deflação.

No último ano, graças aos efeitos da covid sobre atividades produtivas, a inflação acelerou antes de o Produto Interno Bruto (PIB) convergir às suas taxas naturais. Em modelos tradicionais, os BCs perseguem o duplo mandato mirando a inflação e o hiato do produto. Porém, influenciar o PIB nem sempre é possível e isso depende do formato da curva de Phillips (CPh).

Em modelos tradicionais, os BCs perseguem o duplo mandato mirando a inflação e o hiato do produto  Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Sob expectativas adaptativas, a CPh é inclinada e os preços partem da inflação passada. Ganhos no PIB são possíveis a curto prazo, mas não no longo. Já sob expectativas racionais a CPh torna-se vertical após estímulos monetários-surpresa. Os BCs perdem reputação, e a partir daí a emissão de moeda causa inflação.

A longo prazo, a política monetária é eficaz como âncora inflacionária, mas é inócua no que tange ao PIB. Se as expectativas definem a inflação, os BCs têm de lidar com a inconsistência dinâmica da política monetária. Sua reputação depende do histórico de desvios da inflação em relação à meta. Em jogos sequenciais, quanto mais rodadas o BC cumpre a meta, mais crível e eficaz é a política monetária. Se o BC é crível, a contração monetária para arrefecer a inflação é menor e os BCs tomam medidas não contracionistas como forward guidance. No jargão militar, BCs usam seu poder de dissuasão para frear os preços.

Após 2008, os BCs passaram a monitorar também os preços de ativos nos mercados de capitais. Isso sobrecarregou a política monetária, que passou a perseguir um triplo mandato. Eis o motivo pelo qual os BCs têm andado tanto tempo atrás da curva. Há a preocupação com a depreciação de ativos e o mergulho noutra recessão. Até aqui, os BCs foram eficientes em afastar tais riscos.

A missão dos BCs não é trivial, e eles não serão capazes de mirar três objetivos municiados só com a taxa de juros. De imediato, eles têm abdicado da meta de inflação. Por quanto tempo esta estratégia vai funcionar? Como dito, influenciar o PIB depende da CPh. Quanto aos preços dos ativos, eles dependem, ceteris paribus, de informações que influenciam a psicologia social e podem flutuar independentes dos juros.

Os BCs estão expostos a um trilema enquanto tentam calibrar a política monetária minorando custos. Está claro, no entanto, que enfrentar tal trilema, munidos exclusivamente da taxa de juros, será uma missão inglória.

* ECONOMISTA-CHEFE DA GLADIUS RESEARCH. É DOUTOR EM ECONOMIA PELO PPGE-UFU

No dia 4 de maio, houve elevações nos juros nos EUA e no Brasil. Os Bancos Centrais (BCs) no mundo estão pondo fim à década do zero lower bound, quando estímulos monetários via quantitative easing e juros nominais próximos a 0% afastaram o risco da deflação.

No último ano, graças aos efeitos da covid sobre atividades produtivas, a inflação acelerou antes de o Produto Interno Bruto (PIB) convergir às suas taxas naturais. Em modelos tradicionais, os BCs perseguem o duplo mandato mirando a inflação e o hiato do produto. Porém, influenciar o PIB nem sempre é possível e isso depende do formato da curva de Phillips (CPh).

Em modelos tradicionais, os BCs perseguem o duplo mandato mirando a inflação e o hiato do produto  Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Sob expectativas adaptativas, a CPh é inclinada e os preços partem da inflação passada. Ganhos no PIB são possíveis a curto prazo, mas não no longo. Já sob expectativas racionais a CPh torna-se vertical após estímulos monetários-surpresa. Os BCs perdem reputação, e a partir daí a emissão de moeda causa inflação.

A longo prazo, a política monetária é eficaz como âncora inflacionária, mas é inócua no que tange ao PIB. Se as expectativas definem a inflação, os BCs têm de lidar com a inconsistência dinâmica da política monetária. Sua reputação depende do histórico de desvios da inflação em relação à meta. Em jogos sequenciais, quanto mais rodadas o BC cumpre a meta, mais crível e eficaz é a política monetária. Se o BC é crível, a contração monetária para arrefecer a inflação é menor e os BCs tomam medidas não contracionistas como forward guidance. No jargão militar, BCs usam seu poder de dissuasão para frear os preços.

Após 2008, os BCs passaram a monitorar também os preços de ativos nos mercados de capitais. Isso sobrecarregou a política monetária, que passou a perseguir um triplo mandato. Eis o motivo pelo qual os BCs têm andado tanto tempo atrás da curva. Há a preocupação com a depreciação de ativos e o mergulho noutra recessão. Até aqui, os BCs foram eficientes em afastar tais riscos.

A missão dos BCs não é trivial, e eles não serão capazes de mirar três objetivos municiados só com a taxa de juros. De imediato, eles têm abdicado da meta de inflação. Por quanto tempo esta estratégia vai funcionar? Como dito, influenciar o PIB depende da CPh. Quanto aos preços dos ativos, eles dependem, ceteris paribus, de informações que influenciam a psicologia social e podem flutuar independentes dos juros.

Os BCs estão expostos a um trilema enquanto tentam calibrar a política monetária minorando custos. Está claro, no entanto, que enfrentar tal trilema, munidos exclusivamente da taxa de juros, será uma missão inglória.

* ECONOMISTA-CHEFE DA GLADIUS RESEARCH. É DOUTOR EM ECONOMIA PELO PPGE-UFU

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