Bancos alertaram sobre vendas de ações por ex-diretores da Americanas antes de divulgação de fraude


Documentos da Polícia Federal mostram que a CVM recebeu comunicados do Itaú, do Credit Suisse e da XP com indícios de uso de informações privilegiadas em operações suspeitas; instituições não comentam, e ex-diretores negam irregularidades

Por Marcelo Godoy e Carlos Eduardo Valim
Atualização:

Bancos e corretoras alertaram a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre operações suspeitas de vendas de ações da Americanas por ex-diretores da varejista ocorridas antes da divulgação do rombo bilionário nas contas da empresa, em janeiro de 2023. O Itaú, o Credit Suisse e a XP Investimentos apresentaram indícios de uso de informações privilegiadas (insider trading) nas negociações, segundo consta nos relatórios de investigação.

Procurados, Itaú, XP e UBS BB, que adquiriu as operações do Credit Suisse, informaram que não comentariam o caso. Os ex-diretores negam irregularidades.

O inquérito da Polícia Federal (PF) da Operação Disclosure, que apura o esquema de fraude na empresa, registra que a BSM Supervisão de Mercados, uma entidade autorreguladora do mercado de capitais, comunicou à CVM uma “extensa lista de pessoas que teriam realizado operações de tal natureza”.

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Na lista, aparecem pessoas jurídicas e diretores da empresa, segundo o delegado André Augusto Veras de Oliveira, que preside o inquérito policial sobre o caso na Superintendência Regional da Polícia Federal, no Rio. A mais importante das delações à CVM foi feita em 16 de janeiro de 2023 pela Itaú Corretora de Valores S.A., na qual pela primeira vez um banco envolvia diretores da varejista no caso.

Ex-diretores da Americanas venderam ações da empresa após agosto de 2022, antes de divulgação de rombo bilionário Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ao todo, o delegado escreveu em seu inquérito que 11 ex-diretores da Americanas venderam R$ 258.929.584,19 em ações da empresa após agosto de 2022, quando foi anunciada a substituição de Miguel Gutierrez, então CEO da empresa, por Sergio Rial, então CEO do Santander.

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Documento da PRF mostra como Itaú informou sobre as operações de venda das ações da Lojas Americanas Foto: Reprodução / Estadão

O caminho que o levou às provas contra a cúpula da empresa começou a se desenhar cinco dias depois do comunicado divulgado ao mercado em 11 de janeiro de 2023, quando Rial revelou ter encontrado inconsistências de R$ 20 bilhões em lançamentos contábeis da varejista.

Era 16 de janeiro de 2023 quando a corretora do Itaú protocolou na CVM um documento com 15 linhas. “Em observância ao art. 33, incisos I e IV, da Resolução CVM nº 35, informar que foram identificados indícios do uso de informações privilegiadas em operações com ações da Americanas S.A (AMER1 e AMER3), realizadas ao longo do ano de 2022 por clientes da Itaú Corretora que são diretores ou ex-diretores da empresa.”

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Segundo o inquérito da PF, o documento do Itaú nomeava os ex-diretores. Ele indicava que havia flagrado operações suspeitas feitas por nove diretores. Seis deles (Miguel Gutierrez, Anna Christina Saicali, José Timotheo de Barros, Marcio Cruz Meirelles, Fabio Abrate e Carlos Eduardo Padilha) foram indiciados pela PF por uso de informação privilegiada, um crime que prevê pena de 1 a 5 anos de prisão e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita. A CVM é a autarquia responsável por fiscalizar o mercado de capitais e pode instaurar procedimento administrativo para investigar casos de insider trading.

Planilha da CVM enviada à PF com operações de venda de ações de ex-diretores da Americanas Foto: Reprodução / Estadão

Além da denúncia encaminhada pelo Itaú, a CVM informou ao delegado ter “recebido um comunicado da XP Investimentos relativo à identificação de operações atípicas, por parte de um de seus clientes, com opções do ativo AMER3 antes da divulgação do fato relevante que impactou significativamente o preço do ativo”. Segundo a apuração da PF, o Credit Suisse, por provocação da XP, foi quem entregou à CVM o histórico de operações atípicas realizadas pela Clave Gestora de Recursos Ltda.

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Segundo o delegado no inquérito, as operações realizadas pela “Clave foram objeto de questionamento por parte do setor de compliance da XP, conforme reportado em e-mail enviado à CVM”. De acordo com o relato da XP, as explicações da Clave foram “consideradas insuficientes”. A corretora, fundada por um ex-CEO da Itaú Asset, Rubens Henriques, teria feito uma “alegação genérica de revisão do cenário de mercado”, o que “não foi considerada razoável pela XP”.

A Clave alegou na época que sua decisão de apostar na queda do valor das ações da Americanas era “fruto da revisão do cenário macroeconômico, que passou a ser de manutenção de juros altos e queda da atividade”, e que era um investimento como muitos outros feitos e comuns a uma gestora de ativos.

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“Discutimos potencial queda no preço das ações de algumas empresas em situação financeira mais desafiadora. Dentro do setor de varejo, selecionamos algumas candidatas para eventuais posições short (dentre elas a Americanas), e outras também para posições long (por exemplo, a Magalu, que nos parecia estar em situação financeira um pouco mais confortável).”

A operação short consiste na venda de uma ação que o operador não tem, mas é alugada de terceiro. “Diante da perspectiva de que a ação irá cair – essa é a informação relevante no contexto –, o agente aluga as ações e as vende na alta para, posteriormente, ao final do contrato de aluguel, devolver as ações que agora serão adquiridas no mercado após a queda. Em síntese, vende na alta diante da informação que tem e recompra na baixa para devolução ao titular das ações”, descreveu o delegado no pedido de buscas da Operação Diclosure.

Trecho do documento da PF que analisa a atuação de Miguel Gutierrez no caso da venda de ações da Americanas Foto: Reprodução / Estadão
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A operação long, que pode vir combinada com short, consiste na aquisição de um papel com tendência de alta. “Como se vê na operação atípica realizada, o cerne da justificativa consiste em pretensa perspectiva diferente entre Americanas S/A e outra empresa do varejo, mas sem que haja um lastro concreto a justificar tal distinção de tratamento. Esse fato fica mais claro quando se constata que apenas em janeiro chegou ao conhecimento do mercado o rombo contábil”, escreveu o delegado. Ele concluiu: “Há nessas operações comunicadas indícios de possível Insider Trading (uso de informação privilegiada)”.

Embora citada pelo delegado, a Clave não constou do pedido de buscas da operação, nem foi procurada para esclarecimentos por parte da CVM. Este pedido se limitou a descrever a atuação de 14 ex-diretores da varejista e a pedir buscas em 15 endereços de ex-diretores relacionados ao rombo na rede de varejo. Foi somente depois do Credit Suisse e do Itaú que, no dia 20 de janeiro, a BSM Supervisão de Mercados enviou à CVM um relatório de análise preliminar sobre as pessoas físicas anteriormente informadas.

Após a abertura do Inquérito Policial n° 2023.0078689 para apurar o possível crime de insider trading, a PF pediu à CVM que informasse o valor líquido de vendas de valores mobiliários de 11 ex-diretores das Americanas no período de 1º de janeiro de 2022 até a divulgação do fato relevante, em 11 de janeiro de 2023. Também pediu movimentações posteriores que pudessem ter relação com o caso. Os policiais federais queriam os nomes e as datas das operações.

A CVM apresentou então ao delegado uma planilha com as vendas de ações das Americanas feitas pelos investigados. Os números mostram que Miguel Gutierrez negociou R$ 171.762.614,52 em ações durante todo o ano de 2022. A maior parte, no entanto, ocorreu a partir de julho daquele ano. “Ao ter ciência de que seria trocado no posto de CEO e a descoberta da fraude era iminente, Miguel Gutierrez vendeu R$ 158.552.404,40, em uma movimentação totalmente atípica”. “As vendas foram extremamente intensas entre julho e outubro de 2022, tendo atingido o seu auge em setembro de 2022 (R$ 78.638.958,18)”, escreveu o delegado.

Houve casos de diretores que se desfizeram de todas as suas ações da empresa. Esse foi o caso, por exemplo, do ex-diretor estatutário de Tecnologia de Informação João Guerra, que teria vendido R$ 3.804.267,00. “Guerra vendeu todas as ações nos meses de setembro e outubro de 2022, após perceber a iminente descoberta da fraude na companhia”, disse o delegado.

“Ora, o padrão acima exibido demonstra que, justamente ao perceberem que a assunção de Sergio Rial levaria ao desbaratamento da fraude bilionária nas finanças das companhias, os investigados iniciaram um forte processo de venda de ações, a fim de vendê-las por preço acima do que seria avaliado pelo mercado após a divulgação da fraude”, escreveu o delegado.

De acordo com ele, houve uma “grande concentração de vendas dos principais artífices das fraudes justamente nos meses de agosto a outubro de 2022, demonstrando que, valeram-se de informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, capaz de propiciar, para eles, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio, de valores mobiliários”. Para confirmar essa prova, o delegado pediu as buscas e apreensões nas casas dos envolvidos. Estava aberto o caminho para a Operação Disclosure.

Em nota, a Americanas afirmou que “reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes”. A empresa diz ainda acreditar na Justiça e “aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

A defesa de Miguel Gutierrez afirma, também em nota, que o ex-CEO “jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”.

Os advogados de Anna Saicali afirmaram que “desde o início das investigações, Anna atendeu a todas as convocações das autoridades (Polícia Federal, Comissão de Valores Mobiliários e da Comissão Parlamentar de Inquérito)”. “Sempre esteve e continuará à disposição da Justiça, confiando que a verdade prevalecerá, comprovando-se que jamais participou de qualquer ilegalidade”, diz a defesa.

A reportagem do Estadão busca contato com a defesa dos ex-diretores da Americanas José Timotheo de Barros, Marcio Cruz Meirelles, Fabio Abrate, Carlos Eduardo Padilha e João Guerra. O espaço está aberto para manifestação dos investigados.

Bancos e corretoras alertaram a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre operações suspeitas de vendas de ações da Americanas por ex-diretores da varejista ocorridas antes da divulgação do rombo bilionário nas contas da empresa, em janeiro de 2023. O Itaú, o Credit Suisse e a XP Investimentos apresentaram indícios de uso de informações privilegiadas (insider trading) nas negociações, segundo consta nos relatórios de investigação.

Procurados, Itaú, XP e UBS BB, que adquiriu as operações do Credit Suisse, informaram que não comentariam o caso. Os ex-diretores negam irregularidades.

O inquérito da Polícia Federal (PF) da Operação Disclosure, que apura o esquema de fraude na empresa, registra que a BSM Supervisão de Mercados, uma entidade autorreguladora do mercado de capitais, comunicou à CVM uma “extensa lista de pessoas que teriam realizado operações de tal natureza”.

Na lista, aparecem pessoas jurídicas e diretores da empresa, segundo o delegado André Augusto Veras de Oliveira, que preside o inquérito policial sobre o caso na Superintendência Regional da Polícia Federal, no Rio. A mais importante das delações à CVM foi feita em 16 de janeiro de 2023 pela Itaú Corretora de Valores S.A., na qual pela primeira vez um banco envolvia diretores da varejista no caso.

Ex-diretores da Americanas venderam ações da empresa após agosto de 2022, antes de divulgação de rombo bilionário Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ao todo, o delegado escreveu em seu inquérito que 11 ex-diretores da Americanas venderam R$ 258.929.584,19 em ações da empresa após agosto de 2022, quando foi anunciada a substituição de Miguel Gutierrez, então CEO da empresa, por Sergio Rial, então CEO do Santander.

Documento da PRF mostra como Itaú informou sobre as operações de venda das ações da Lojas Americanas Foto: Reprodução / Estadão

O caminho que o levou às provas contra a cúpula da empresa começou a se desenhar cinco dias depois do comunicado divulgado ao mercado em 11 de janeiro de 2023, quando Rial revelou ter encontrado inconsistências de R$ 20 bilhões em lançamentos contábeis da varejista.

Era 16 de janeiro de 2023 quando a corretora do Itaú protocolou na CVM um documento com 15 linhas. “Em observância ao art. 33, incisos I e IV, da Resolução CVM nº 35, informar que foram identificados indícios do uso de informações privilegiadas em operações com ações da Americanas S.A (AMER1 e AMER3), realizadas ao longo do ano de 2022 por clientes da Itaú Corretora que são diretores ou ex-diretores da empresa.”

Segundo o inquérito da PF, o documento do Itaú nomeava os ex-diretores. Ele indicava que havia flagrado operações suspeitas feitas por nove diretores. Seis deles (Miguel Gutierrez, Anna Christina Saicali, José Timotheo de Barros, Marcio Cruz Meirelles, Fabio Abrate e Carlos Eduardo Padilha) foram indiciados pela PF por uso de informação privilegiada, um crime que prevê pena de 1 a 5 anos de prisão e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita. A CVM é a autarquia responsável por fiscalizar o mercado de capitais e pode instaurar procedimento administrativo para investigar casos de insider trading.

Planilha da CVM enviada à PF com operações de venda de ações de ex-diretores da Americanas Foto: Reprodução / Estadão

Além da denúncia encaminhada pelo Itaú, a CVM informou ao delegado ter “recebido um comunicado da XP Investimentos relativo à identificação de operações atípicas, por parte de um de seus clientes, com opções do ativo AMER3 antes da divulgação do fato relevante que impactou significativamente o preço do ativo”. Segundo a apuração da PF, o Credit Suisse, por provocação da XP, foi quem entregou à CVM o histórico de operações atípicas realizadas pela Clave Gestora de Recursos Ltda.

Segundo o delegado no inquérito, as operações realizadas pela “Clave foram objeto de questionamento por parte do setor de compliance da XP, conforme reportado em e-mail enviado à CVM”. De acordo com o relato da XP, as explicações da Clave foram “consideradas insuficientes”. A corretora, fundada por um ex-CEO da Itaú Asset, Rubens Henriques, teria feito uma “alegação genérica de revisão do cenário de mercado”, o que “não foi considerada razoável pela XP”.

A Clave alegou na época que sua decisão de apostar na queda do valor das ações da Americanas era “fruto da revisão do cenário macroeconômico, que passou a ser de manutenção de juros altos e queda da atividade”, e que era um investimento como muitos outros feitos e comuns a uma gestora de ativos.

“Discutimos potencial queda no preço das ações de algumas empresas em situação financeira mais desafiadora. Dentro do setor de varejo, selecionamos algumas candidatas para eventuais posições short (dentre elas a Americanas), e outras também para posições long (por exemplo, a Magalu, que nos parecia estar em situação financeira um pouco mais confortável).”

A operação short consiste na venda de uma ação que o operador não tem, mas é alugada de terceiro. “Diante da perspectiva de que a ação irá cair – essa é a informação relevante no contexto –, o agente aluga as ações e as vende na alta para, posteriormente, ao final do contrato de aluguel, devolver as ações que agora serão adquiridas no mercado após a queda. Em síntese, vende na alta diante da informação que tem e recompra na baixa para devolução ao titular das ações”, descreveu o delegado no pedido de buscas da Operação Diclosure.

Trecho do documento da PF que analisa a atuação de Miguel Gutierrez no caso da venda de ações da Americanas Foto: Reprodução / Estadão

A operação long, que pode vir combinada com short, consiste na aquisição de um papel com tendência de alta. “Como se vê na operação atípica realizada, o cerne da justificativa consiste em pretensa perspectiva diferente entre Americanas S/A e outra empresa do varejo, mas sem que haja um lastro concreto a justificar tal distinção de tratamento. Esse fato fica mais claro quando se constata que apenas em janeiro chegou ao conhecimento do mercado o rombo contábil”, escreveu o delegado. Ele concluiu: “Há nessas operações comunicadas indícios de possível Insider Trading (uso de informação privilegiada)”.

Embora citada pelo delegado, a Clave não constou do pedido de buscas da operação, nem foi procurada para esclarecimentos por parte da CVM. Este pedido se limitou a descrever a atuação de 14 ex-diretores da varejista e a pedir buscas em 15 endereços de ex-diretores relacionados ao rombo na rede de varejo. Foi somente depois do Credit Suisse e do Itaú que, no dia 20 de janeiro, a BSM Supervisão de Mercados enviou à CVM um relatório de análise preliminar sobre as pessoas físicas anteriormente informadas.

Após a abertura do Inquérito Policial n° 2023.0078689 para apurar o possível crime de insider trading, a PF pediu à CVM que informasse o valor líquido de vendas de valores mobiliários de 11 ex-diretores das Americanas no período de 1º de janeiro de 2022 até a divulgação do fato relevante, em 11 de janeiro de 2023. Também pediu movimentações posteriores que pudessem ter relação com o caso. Os policiais federais queriam os nomes e as datas das operações.

A CVM apresentou então ao delegado uma planilha com as vendas de ações das Americanas feitas pelos investigados. Os números mostram que Miguel Gutierrez negociou R$ 171.762.614,52 em ações durante todo o ano de 2022. A maior parte, no entanto, ocorreu a partir de julho daquele ano. “Ao ter ciência de que seria trocado no posto de CEO e a descoberta da fraude era iminente, Miguel Gutierrez vendeu R$ 158.552.404,40, em uma movimentação totalmente atípica”. “As vendas foram extremamente intensas entre julho e outubro de 2022, tendo atingido o seu auge em setembro de 2022 (R$ 78.638.958,18)”, escreveu o delegado.

Houve casos de diretores que se desfizeram de todas as suas ações da empresa. Esse foi o caso, por exemplo, do ex-diretor estatutário de Tecnologia de Informação João Guerra, que teria vendido R$ 3.804.267,00. “Guerra vendeu todas as ações nos meses de setembro e outubro de 2022, após perceber a iminente descoberta da fraude na companhia”, disse o delegado.

“Ora, o padrão acima exibido demonstra que, justamente ao perceberem que a assunção de Sergio Rial levaria ao desbaratamento da fraude bilionária nas finanças das companhias, os investigados iniciaram um forte processo de venda de ações, a fim de vendê-las por preço acima do que seria avaliado pelo mercado após a divulgação da fraude”, escreveu o delegado.

De acordo com ele, houve uma “grande concentração de vendas dos principais artífices das fraudes justamente nos meses de agosto a outubro de 2022, demonstrando que, valeram-se de informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, capaz de propiciar, para eles, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio, de valores mobiliários”. Para confirmar essa prova, o delegado pediu as buscas e apreensões nas casas dos envolvidos. Estava aberto o caminho para a Operação Disclosure.

Em nota, a Americanas afirmou que “reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes”. A empresa diz ainda acreditar na Justiça e “aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

A defesa de Miguel Gutierrez afirma, também em nota, que o ex-CEO “jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”.

Os advogados de Anna Saicali afirmaram que “desde o início das investigações, Anna atendeu a todas as convocações das autoridades (Polícia Federal, Comissão de Valores Mobiliários e da Comissão Parlamentar de Inquérito)”. “Sempre esteve e continuará à disposição da Justiça, confiando que a verdade prevalecerá, comprovando-se que jamais participou de qualquer ilegalidade”, diz a defesa.

A reportagem do Estadão busca contato com a defesa dos ex-diretores da Americanas José Timotheo de Barros, Marcio Cruz Meirelles, Fabio Abrate, Carlos Eduardo Padilha e João Guerra. O espaço está aberto para manifestação dos investigados.

Bancos e corretoras alertaram a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre operações suspeitas de vendas de ações da Americanas por ex-diretores da varejista ocorridas antes da divulgação do rombo bilionário nas contas da empresa, em janeiro de 2023. O Itaú, o Credit Suisse e a XP Investimentos apresentaram indícios de uso de informações privilegiadas (insider trading) nas negociações, segundo consta nos relatórios de investigação.

Procurados, Itaú, XP e UBS BB, que adquiriu as operações do Credit Suisse, informaram que não comentariam o caso. Os ex-diretores negam irregularidades.

O inquérito da Polícia Federal (PF) da Operação Disclosure, que apura o esquema de fraude na empresa, registra que a BSM Supervisão de Mercados, uma entidade autorreguladora do mercado de capitais, comunicou à CVM uma “extensa lista de pessoas que teriam realizado operações de tal natureza”.

Na lista, aparecem pessoas jurídicas e diretores da empresa, segundo o delegado André Augusto Veras de Oliveira, que preside o inquérito policial sobre o caso na Superintendência Regional da Polícia Federal, no Rio. A mais importante das delações à CVM foi feita em 16 de janeiro de 2023 pela Itaú Corretora de Valores S.A., na qual pela primeira vez um banco envolvia diretores da varejista no caso.

Ex-diretores da Americanas venderam ações da empresa após agosto de 2022, antes de divulgação de rombo bilionário Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ao todo, o delegado escreveu em seu inquérito que 11 ex-diretores da Americanas venderam R$ 258.929.584,19 em ações da empresa após agosto de 2022, quando foi anunciada a substituição de Miguel Gutierrez, então CEO da empresa, por Sergio Rial, então CEO do Santander.

Documento da PRF mostra como Itaú informou sobre as operações de venda das ações da Lojas Americanas Foto: Reprodução / Estadão

O caminho que o levou às provas contra a cúpula da empresa começou a se desenhar cinco dias depois do comunicado divulgado ao mercado em 11 de janeiro de 2023, quando Rial revelou ter encontrado inconsistências de R$ 20 bilhões em lançamentos contábeis da varejista.

Era 16 de janeiro de 2023 quando a corretora do Itaú protocolou na CVM um documento com 15 linhas. “Em observância ao art. 33, incisos I e IV, da Resolução CVM nº 35, informar que foram identificados indícios do uso de informações privilegiadas em operações com ações da Americanas S.A (AMER1 e AMER3), realizadas ao longo do ano de 2022 por clientes da Itaú Corretora que são diretores ou ex-diretores da empresa.”

Segundo o inquérito da PF, o documento do Itaú nomeava os ex-diretores. Ele indicava que havia flagrado operações suspeitas feitas por nove diretores. Seis deles (Miguel Gutierrez, Anna Christina Saicali, José Timotheo de Barros, Marcio Cruz Meirelles, Fabio Abrate e Carlos Eduardo Padilha) foram indiciados pela PF por uso de informação privilegiada, um crime que prevê pena de 1 a 5 anos de prisão e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita. A CVM é a autarquia responsável por fiscalizar o mercado de capitais e pode instaurar procedimento administrativo para investigar casos de insider trading.

Planilha da CVM enviada à PF com operações de venda de ações de ex-diretores da Americanas Foto: Reprodução / Estadão

Além da denúncia encaminhada pelo Itaú, a CVM informou ao delegado ter “recebido um comunicado da XP Investimentos relativo à identificação de operações atípicas, por parte de um de seus clientes, com opções do ativo AMER3 antes da divulgação do fato relevante que impactou significativamente o preço do ativo”. Segundo a apuração da PF, o Credit Suisse, por provocação da XP, foi quem entregou à CVM o histórico de operações atípicas realizadas pela Clave Gestora de Recursos Ltda.

Segundo o delegado no inquérito, as operações realizadas pela “Clave foram objeto de questionamento por parte do setor de compliance da XP, conforme reportado em e-mail enviado à CVM”. De acordo com o relato da XP, as explicações da Clave foram “consideradas insuficientes”. A corretora, fundada por um ex-CEO da Itaú Asset, Rubens Henriques, teria feito uma “alegação genérica de revisão do cenário de mercado”, o que “não foi considerada razoável pela XP”.

A Clave alegou na época que sua decisão de apostar na queda do valor das ações da Americanas era “fruto da revisão do cenário macroeconômico, que passou a ser de manutenção de juros altos e queda da atividade”, e que era um investimento como muitos outros feitos e comuns a uma gestora de ativos.

“Discutimos potencial queda no preço das ações de algumas empresas em situação financeira mais desafiadora. Dentro do setor de varejo, selecionamos algumas candidatas para eventuais posições short (dentre elas a Americanas), e outras também para posições long (por exemplo, a Magalu, que nos parecia estar em situação financeira um pouco mais confortável).”

A operação short consiste na venda de uma ação que o operador não tem, mas é alugada de terceiro. “Diante da perspectiva de que a ação irá cair – essa é a informação relevante no contexto –, o agente aluga as ações e as vende na alta para, posteriormente, ao final do contrato de aluguel, devolver as ações que agora serão adquiridas no mercado após a queda. Em síntese, vende na alta diante da informação que tem e recompra na baixa para devolução ao titular das ações”, descreveu o delegado no pedido de buscas da Operação Diclosure.

Trecho do documento da PF que analisa a atuação de Miguel Gutierrez no caso da venda de ações da Americanas Foto: Reprodução / Estadão

A operação long, que pode vir combinada com short, consiste na aquisição de um papel com tendência de alta. “Como se vê na operação atípica realizada, o cerne da justificativa consiste em pretensa perspectiva diferente entre Americanas S/A e outra empresa do varejo, mas sem que haja um lastro concreto a justificar tal distinção de tratamento. Esse fato fica mais claro quando se constata que apenas em janeiro chegou ao conhecimento do mercado o rombo contábil”, escreveu o delegado. Ele concluiu: “Há nessas operações comunicadas indícios de possível Insider Trading (uso de informação privilegiada)”.

Embora citada pelo delegado, a Clave não constou do pedido de buscas da operação, nem foi procurada para esclarecimentos por parte da CVM. Este pedido se limitou a descrever a atuação de 14 ex-diretores da varejista e a pedir buscas em 15 endereços de ex-diretores relacionados ao rombo na rede de varejo. Foi somente depois do Credit Suisse e do Itaú que, no dia 20 de janeiro, a BSM Supervisão de Mercados enviou à CVM um relatório de análise preliminar sobre as pessoas físicas anteriormente informadas.

Após a abertura do Inquérito Policial n° 2023.0078689 para apurar o possível crime de insider trading, a PF pediu à CVM que informasse o valor líquido de vendas de valores mobiliários de 11 ex-diretores das Americanas no período de 1º de janeiro de 2022 até a divulgação do fato relevante, em 11 de janeiro de 2023. Também pediu movimentações posteriores que pudessem ter relação com o caso. Os policiais federais queriam os nomes e as datas das operações.

A CVM apresentou então ao delegado uma planilha com as vendas de ações das Americanas feitas pelos investigados. Os números mostram que Miguel Gutierrez negociou R$ 171.762.614,52 em ações durante todo o ano de 2022. A maior parte, no entanto, ocorreu a partir de julho daquele ano. “Ao ter ciência de que seria trocado no posto de CEO e a descoberta da fraude era iminente, Miguel Gutierrez vendeu R$ 158.552.404,40, em uma movimentação totalmente atípica”. “As vendas foram extremamente intensas entre julho e outubro de 2022, tendo atingido o seu auge em setembro de 2022 (R$ 78.638.958,18)”, escreveu o delegado.

Houve casos de diretores que se desfizeram de todas as suas ações da empresa. Esse foi o caso, por exemplo, do ex-diretor estatutário de Tecnologia de Informação João Guerra, que teria vendido R$ 3.804.267,00. “Guerra vendeu todas as ações nos meses de setembro e outubro de 2022, após perceber a iminente descoberta da fraude na companhia”, disse o delegado.

“Ora, o padrão acima exibido demonstra que, justamente ao perceberem que a assunção de Sergio Rial levaria ao desbaratamento da fraude bilionária nas finanças das companhias, os investigados iniciaram um forte processo de venda de ações, a fim de vendê-las por preço acima do que seria avaliado pelo mercado após a divulgação da fraude”, escreveu o delegado.

De acordo com ele, houve uma “grande concentração de vendas dos principais artífices das fraudes justamente nos meses de agosto a outubro de 2022, demonstrando que, valeram-se de informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, capaz de propiciar, para eles, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio, de valores mobiliários”. Para confirmar essa prova, o delegado pediu as buscas e apreensões nas casas dos envolvidos. Estava aberto o caminho para a Operação Disclosure.

Em nota, a Americanas afirmou que “reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes”. A empresa diz ainda acreditar na Justiça e “aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos”.

A defesa de Miguel Gutierrez afirma, também em nota, que o ex-CEO “jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”.

Os advogados de Anna Saicali afirmaram que “desde o início das investigações, Anna atendeu a todas as convocações das autoridades (Polícia Federal, Comissão de Valores Mobiliários e da Comissão Parlamentar de Inquérito)”. “Sempre esteve e continuará à disposição da Justiça, confiando que a verdade prevalecerá, comprovando-se que jamais participou de qualquer ilegalidade”, diz a defesa.

A reportagem do Estadão busca contato com a defesa dos ex-diretores da Americanas José Timotheo de Barros, Marcio Cruz Meirelles, Fabio Abrate, Carlos Eduardo Padilha e João Guerra. O espaço está aberto para manifestação dos investigados.

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