Bancos testam ChatGPT para antecipar resultado de reuniões de BCs sobre juros no mundo inteiro


Instituições avaliam anos de ata de reuniões e comunicados feitos pelos bancos centrais no Brasil e no mundo para tentar entender da política monetária

Por Aline Bronzati, Thaís Barcellos e Matheus Piovesana

NOVA YORK E SÃO PAULO - Foi ‘hawkish’ ou ‘dovish’? A resposta à principal pergunta sobre a qual o mercado financeiro se debruça toda vez que os banqueiros centrais emitem declarações ou comunicados sobre os rumos da política monetária ganhou um aliado de peso e um tanto polêmico: o ChatGPT. De Wall Street à Faria Lima, grandes bancos começam a testá-lo para analisar os sinais das autoridades, e tentam entender se pode também prever os passos futuros da política monetária.

Às vésperas da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o JPMorgan revelou que começou a atualizar o modelo de análise com o apoio do ChatGPT para avaliar o caráter ‘hawkish’ ou ‘dovish’ dos bancos centrais dos EUA, da Europa e da Inglaterra. Ou seja, a disposição em subir ou não os juros. Nesta semana, o Bradesco anunciou que também se valerá da ferramenta que usa como base a inteligência artificial para interpretar as comunicações emitidas pelo Banco Central brasileiro.

Enquanto no mundo o ChatGPT gera fascínio e também temores de que seja uma ameaça a empregos e funções, na análise da política monetária ele agrega à árdua tarefa de decifrar os sinais emitidos pelos BCs. “Nas últimas décadas, as comunicações de bancos centrais tornaram-se tão importantes quanto as próprias ações de política. Isso aumentou o escrutínio de comunicados e discursos de política monetária”, diz o JPMorgan, em relatório intitulado ‘Bem-vindo à máquina’.

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Nos últimos anos, economistas e operadores de mercado começaram a se valer mais do Processamento de Linguagem Natural (NLP, na sigla em inglês), modelo criado com base em algoritmos, para interpretar os comunicados. “Com o ChatGPT, a capacidade dessa interpretação é ainda maior”, afirma o Bradesco, adicionando que o objetivo é tornar a análise do direcionamento das atas do Copom o mais “agnóstica” possível, ou seja, menos enviesada.

ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs Foto: Richard Drew/AP

Os dois bancos avaliaram anos de atas e comunicados e desenvolveram indicadores capazes de analisar a postura dos BCs. O JPMorgan rodou nada menos que 25 anos das comunicações do Fed, do Banco Central Europeu (BCE) e da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês). O Bradesco incluiu 55 atas e 55 comunicados do BC brasileiro emitidos desde julho de 2016.

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Complementariedade

“As aplicações preliminares são encorajadoras”, escreveram os economistas do JPMorgan, Joseph Lupton, David M. Atlas e Dan Weitzenfeld, em relatório recente. Eles afirmaram que o banco trabalha para atualizar o modelo de análise para o ambiente ChatGPT, em busca de uma métrica diária para avaliar o passo a passo dos banqueiros centrais monitorados. Isso não significa, porém, que o gigante de Wall Street se apoie na ferramenta para traçar seu cenário de política monetária, conforme um porta-voz explica ao Estadão/Broadcast.

O Bradesco também não define projeções à luz do ChatGPT, mas considera que a ferramenta é complementar à análise tradicional. Configurado pela equipe de análise econômica do banco, o ChatGPT entendeu que a última ata do Copom teve tendência levemente mais contracionista, o que deu mais confiança à visão dos economistas de que a precificação na curva de juros futuros de primeiro corte da Selic em agosto está um pouco exagerada.

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Segundo o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, a análise da ferramenta deu suporte à discussão da equipe sobre a própria projeção de primeira queda dos juros em setembro. A decisão foi pela manutenção do cenário à espera da definição sobre a meta de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, e também graças a uma expectativa mais positiva para o câmbio.

Até o final do ano, o Bradesco projeta três cortes de juros de 0,5 ponto porcentual cada, levando a Selic a 12,25% ao ano. “O Chat nos ajuda a debater. O Chat é agnóstico, o nosso julgamento é: vamos esperar um pouco para mudar o cenário”, diz Honorato ao Estadão/Broadcast.

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Ele adianta que o banco tem feito testes para tentar antecipar a reação do mercado à comunicação do Copom a partir do ChatGPT. “Mesmo que todo mundo ache que a ata foi hawk (mais contracionista), o indicador pode dizer que foi muito hawk ao olhar o histórico. Isso dá mais confiança para tomar decisões de curto prazo.”

Há ainda a possibilidade de replicar o modelo para as comunicações de outros BCs, como o Fed, ou de indicadores. “No limite, podemos colocar para ler todos os bancos centrais do mundo, criar um indicador de avançados, de emergentes. Abre muitas possibilidades”, explica Myriã Bast, economista do Bradesco.

Definição humana

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Para o gestor e sócio da Galapagos Capital, Sergio Zanini, o ChatGPT é mais uma ferramenta que ganha corpo no mercado financeiro. “Não vamos esquecer que a política monetária continua sendo determinada e definida por seres humanos. Independentemente de dados matemáticos e estatísticos, ainda tem uma representatividade humana discricionária muito grande na definição de política monetária e que muda muito de acordo com quem está sentado naqueles comitês”, diz o gestor, baseado em Miami.

Em relatório, o Bradesco acrescenta que a leitura “agnóstica” do ChatGPT não substitui completamente a dos analistas, “até porque não tem poder preditivo da evolução do cenário, que é parte fundamental para expectativas de juros futuros”. Já o JPMorgan faz duas ressalvas: o modelo pode gerar avaliações questionáveis; e como a tecnologia se transforma rapidamente, a ferramenta do banco também vai evoluir.

Do outro lado

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O ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs. O presidente do BC da Alemanha (Bundesbank), Joachim Nagel, leu trechos de um discurso elaborado pela ferramenta sobre desafios do universo tecnológico em evento recente. Ele apontou, contudo, que a fala preparada por ferramenta baseada em inteligência artificial “pode disseminar informação falsa” e que estava “longe de ser um bom discurso”.

Para Zanini, da Galapagos, embora algumas palavras sejam usadas propositalmente pelos BCs para dar sinais, cada vez mais há influência política nas decisões de juros. Ou seja, o contexto não só pesa como exige que a análise vá além do campo econômico, e inclua análise política, comportamental e um bastidor do cenário. “É uma coisa um pouco mais complexa. A arte da política monetária depende do lado humano, que, por enquanto, os robôs ainda não conseguem capturar, mas no futuro vão conseguir fazer tudo”, projeta.

NOVA YORK E SÃO PAULO - Foi ‘hawkish’ ou ‘dovish’? A resposta à principal pergunta sobre a qual o mercado financeiro se debruça toda vez que os banqueiros centrais emitem declarações ou comunicados sobre os rumos da política monetária ganhou um aliado de peso e um tanto polêmico: o ChatGPT. De Wall Street à Faria Lima, grandes bancos começam a testá-lo para analisar os sinais das autoridades, e tentam entender se pode também prever os passos futuros da política monetária.

Às vésperas da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o JPMorgan revelou que começou a atualizar o modelo de análise com o apoio do ChatGPT para avaliar o caráter ‘hawkish’ ou ‘dovish’ dos bancos centrais dos EUA, da Europa e da Inglaterra. Ou seja, a disposição em subir ou não os juros. Nesta semana, o Bradesco anunciou que também se valerá da ferramenta que usa como base a inteligência artificial para interpretar as comunicações emitidas pelo Banco Central brasileiro.

Enquanto no mundo o ChatGPT gera fascínio e também temores de que seja uma ameaça a empregos e funções, na análise da política monetária ele agrega à árdua tarefa de decifrar os sinais emitidos pelos BCs. “Nas últimas décadas, as comunicações de bancos centrais tornaram-se tão importantes quanto as próprias ações de política. Isso aumentou o escrutínio de comunicados e discursos de política monetária”, diz o JPMorgan, em relatório intitulado ‘Bem-vindo à máquina’.

Nos últimos anos, economistas e operadores de mercado começaram a se valer mais do Processamento de Linguagem Natural (NLP, na sigla em inglês), modelo criado com base em algoritmos, para interpretar os comunicados. “Com o ChatGPT, a capacidade dessa interpretação é ainda maior”, afirma o Bradesco, adicionando que o objetivo é tornar a análise do direcionamento das atas do Copom o mais “agnóstica” possível, ou seja, menos enviesada.

ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs Foto: Richard Drew/AP

Os dois bancos avaliaram anos de atas e comunicados e desenvolveram indicadores capazes de analisar a postura dos BCs. O JPMorgan rodou nada menos que 25 anos das comunicações do Fed, do Banco Central Europeu (BCE) e da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês). O Bradesco incluiu 55 atas e 55 comunicados do BC brasileiro emitidos desde julho de 2016.

Complementariedade

“As aplicações preliminares são encorajadoras”, escreveram os economistas do JPMorgan, Joseph Lupton, David M. Atlas e Dan Weitzenfeld, em relatório recente. Eles afirmaram que o banco trabalha para atualizar o modelo de análise para o ambiente ChatGPT, em busca de uma métrica diária para avaliar o passo a passo dos banqueiros centrais monitorados. Isso não significa, porém, que o gigante de Wall Street se apoie na ferramenta para traçar seu cenário de política monetária, conforme um porta-voz explica ao Estadão/Broadcast.

O Bradesco também não define projeções à luz do ChatGPT, mas considera que a ferramenta é complementar à análise tradicional. Configurado pela equipe de análise econômica do banco, o ChatGPT entendeu que a última ata do Copom teve tendência levemente mais contracionista, o que deu mais confiança à visão dos economistas de que a precificação na curva de juros futuros de primeiro corte da Selic em agosto está um pouco exagerada.

Segundo o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, a análise da ferramenta deu suporte à discussão da equipe sobre a própria projeção de primeira queda dos juros em setembro. A decisão foi pela manutenção do cenário à espera da definição sobre a meta de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, e também graças a uma expectativa mais positiva para o câmbio.

Até o final do ano, o Bradesco projeta três cortes de juros de 0,5 ponto porcentual cada, levando a Selic a 12,25% ao ano. “O Chat nos ajuda a debater. O Chat é agnóstico, o nosso julgamento é: vamos esperar um pouco para mudar o cenário”, diz Honorato ao Estadão/Broadcast.

Ele adianta que o banco tem feito testes para tentar antecipar a reação do mercado à comunicação do Copom a partir do ChatGPT. “Mesmo que todo mundo ache que a ata foi hawk (mais contracionista), o indicador pode dizer que foi muito hawk ao olhar o histórico. Isso dá mais confiança para tomar decisões de curto prazo.”

Há ainda a possibilidade de replicar o modelo para as comunicações de outros BCs, como o Fed, ou de indicadores. “No limite, podemos colocar para ler todos os bancos centrais do mundo, criar um indicador de avançados, de emergentes. Abre muitas possibilidades”, explica Myriã Bast, economista do Bradesco.

Definição humana

Para o gestor e sócio da Galapagos Capital, Sergio Zanini, o ChatGPT é mais uma ferramenta que ganha corpo no mercado financeiro. “Não vamos esquecer que a política monetária continua sendo determinada e definida por seres humanos. Independentemente de dados matemáticos e estatísticos, ainda tem uma representatividade humana discricionária muito grande na definição de política monetária e que muda muito de acordo com quem está sentado naqueles comitês”, diz o gestor, baseado em Miami.

Em relatório, o Bradesco acrescenta que a leitura “agnóstica” do ChatGPT não substitui completamente a dos analistas, “até porque não tem poder preditivo da evolução do cenário, que é parte fundamental para expectativas de juros futuros”. Já o JPMorgan faz duas ressalvas: o modelo pode gerar avaliações questionáveis; e como a tecnologia se transforma rapidamente, a ferramenta do banco também vai evoluir.

Do outro lado

O ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs. O presidente do BC da Alemanha (Bundesbank), Joachim Nagel, leu trechos de um discurso elaborado pela ferramenta sobre desafios do universo tecnológico em evento recente. Ele apontou, contudo, que a fala preparada por ferramenta baseada em inteligência artificial “pode disseminar informação falsa” e que estava “longe de ser um bom discurso”.

Para Zanini, da Galapagos, embora algumas palavras sejam usadas propositalmente pelos BCs para dar sinais, cada vez mais há influência política nas decisões de juros. Ou seja, o contexto não só pesa como exige que a análise vá além do campo econômico, e inclua análise política, comportamental e um bastidor do cenário. “É uma coisa um pouco mais complexa. A arte da política monetária depende do lado humano, que, por enquanto, os robôs ainda não conseguem capturar, mas no futuro vão conseguir fazer tudo”, projeta.

NOVA YORK E SÃO PAULO - Foi ‘hawkish’ ou ‘dovish’? A resposta à principal pergunta sobre a qual o mercado financeiro se debruça toda vez que os banqueiros centrais emitem declarações ou comunicados sobre os rumos da política monetária ganhou um aliado de peso e um tanto polêmico: o ChatGPT. De Wall Street à Faria Lima, grandes bancos começam a testá-lo para analisar os sinais das autoridades, e tentam entender se pode também prever os passos futuros da política monetária.

Às vésperas da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o JPMorgan revelou que começou a atualizar o modelo de análise com o apoio do ChatGPT para avaliar o caráter ‘hawkish’ ou ‘dovish’ dos bancos centrais dos EUA, da Europa e da Inglaterra. Ou seja, a disposição em subir ou não os juros. Nesta semana, o Bradesco anunciou que também se valerá da ferramenta que usa como base a inteligência artificial para interpretar as comunicações emitidas pelo Banco Central brasileiro.

Enquanto no mundo o ChatGPT gera fascínio e também temores de que seja uma ameaça a empregos e funções, na análise da política monetária ele agrega à árdua tarefa de decifrar os sinais emitidos pelos BCs. “Nas últimas décadas, as comunicações de bancos centrais tornaram-se tão importantes quanto as próprias ações de política. Isso aumentou o escrutínio de comunicados e discursos de política monetária”, diz o JPMorgan, em relatório intitulado ‘Bem-vindo à máquina’.

Nos últimos anos, economistas e operadores de mercado começaram a se valer mais do Processamento de Linguagem Natural (NLP, na sigla em inglês), modelo criado com base em algoritmos, para interpretar os comunicados. “Com o ChatGPT, a capacidade dessa interpretação é ainda maior”, afirma o Bradesco, adicionando que o objetivo é tornar a análise do direcionamento das atas do Copom o mais “agnóstica” possível, ou seja, menos enviesada.

ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs Foto: Richard Drew/AP

Os dois bancos avaliaram anos de atas e comunicados e desenvolveram indicadores capazes de analisar a postura dos BCs. O JPMorgan rodou nada menos que 25 anos das comunicações do Fed, do Banco Central Europeu (BCE) e da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês). O Bradesco incluiu 55 atas e 55 comunicados do BC brasileiro emitidos desde julho de 2016.

Complementariedade

“As aplicações preliminares são encorajadoras”, escreveram os economistas do JPMorgan, Joseph Lupton, David M. Atlas e Dan Weitzenfeld, em relatório recente. Eles afirmaram que o banco trabalha para atualizar o modelo de análise para o ambiente ChatGPT, em busca de uma métrica diária para avaliar o passo a passo dos banqueiros centrais monitorados. Isso não significa, porém, que o gigante de Wall Street se apoie na ferramenta para traçar seu cenário de política monetária, conforme um porta-voz explica ao Estadão/Broadcast.

O Bradesco também não define projeções à luz do ChatGPT, mas considera que a ferramenta é complementar à análise tradicional. Configurado pela equipe de análise econômica do banco, o ChatGPT entendeu que a última ata do Copom teve tendência levemente mais contracionista, o que deu mais confiança à visão dos economistas de que a precificação na curva de juros futuros de primeiro corte da Selic em agosto está um pouco exagerada.

Segundo o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, a análise da ferramenta deu suporte à discussão da equipe sobre a própria projeção de primeira queda dos juros em setembro. A decisão foi pela manutenção do cenário à espera da definição sobre a meta de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, e também graças a uma expectativa mais positiva para o câmbio.

Até o final do ano, o Bradesco projeta três cortes de juros de 0,5 ponto porcentual cada, levando a Selic a 12,25% ao ano. “O Chat nos ajuda a debater. O Chat é agnóstico, o nosso julgamento é: vamos esperar um pouco para mudar o cenário”, diz Honorato ao Estadão/Broadcast.

Ele adianta que o banco tem feito testes para tentar antecipar a reação do mercado à comunicação do Copom a partir do ChatGPT. “Mesmo que todo mundo ache que a ata foi hawk (mais contracionista), o indicador pode dizer que foi muito hawk ao olhar o histórico. Isso dá mais confiança para tomar decisões de curto prazo.”

Há ainda a possibilidade de replicar o modelo para as comunicações de outros BCs, como o Fed, ou de indicadores. “No limite, podemos colocar para ler todos os bancos centrais do mundo, criar um indicador de avançados, de emergentes. Abre muitas possibilidades”, explica Myriã Bast, economista do Bradesco.

Definição humana

Para o gestor e sócio da Galapagos Capital, Sergio Zanini, o ChatGPT é mais uma ferramenta que ganha corpo no mercado financeiro. “Não vamos esquecer que a política monetária continua sendo determinada e definida por seres humanos. Independentemente de dados matemáticos e estatísticos, ainda tem uma representatividade humana discricionária muito grande na definição de política monetária e que muda muito de acordo com quem está sentado naqueles comitês”, diz o gestor, baseado em Miami.

Em relatório, o Bradesco acrescenta que a leitura “agnóstica” do ChatGPT não substitui completamente a dos analistas, “até porque não tem poder preditivo da evolução do cenário, que é parte fundamental para expectativas de juros futuros”. Já o JPMorgan faz duas ressalvas: o modelo pode gerar avaliações questionáveis; e como a tecnologia se transforma rapidamente, a ferramenta do banco também vai evoluir.

Do outro lado

O ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs. O presidente do BC da Alemanha (Bundesbank), Joachim Nagel, leu trechos de um discurso elaborado pela ferramenta sobre desafios do universo tecnológico em evento recente. Ele apontou, contudo, que a fala preparada por ferramenta baseada em inteligência artificial “pode disseminar informação falsa” e que estava “longe de ser um bom discurso”.

Para Zanini, da Galapagos, embora algumas palavras sejam usadas propositalmente pelos BCs para dar sinais, cada vez mais há influência política nas decisões de juros. Ou seja, o contexto não só pesa como exige que a análise vá além do campo econômico, e inclua análise política, comportamental e um bastidor do cenário. “É uma coisa um pouco mais complexa. A arte da política monetária depende do lado humano, que, por enquanto, os robôs ainda não conseguem capturar, mas no futuro vão conseguir fazer tudo”, projeta.

NOVA YORK E SÃO PAULO - Foi ‘hawkish’ ou ‘dovish’? A resposta à principal pergunta sobre a qual o mercado financeiro se debruça toda vez que os banqueiros centrais emitem declarações ou comunicados sobre os rumos da política monetária ganhou um aliado de peso e um tanto polêmico: o ChatGPT. De Wall Street à Faria Lima, grandes bancos começam a testá-lo para analisar os sinais das autoridades, e tentam entender se pode também prever os passos futuros da política monetária.

Às vésperas da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o JPMorgan revelou que começou a atualizar o modelo de análise com o apoio do ChatGPT para avaliar o caráter ‘hawkish’ ou ‘dovish’ dos bancos centrais dos EUA, da Europa e da Inglaterra. Ou seja, a disposição em subir ou não os juros. Nesta semana, o Bradesco anunciou que também se valerá da ferramenta que usa como base a inteligência artificial para interpretar as comunicações emitidas pelo Banco Central brasileiro.

Enquanto no mundo o ChatGPT gera fascínio e também temores de que seja uma ameaça a empregos e funções, na análise da política monetária ele agrega à árdua tarefa de decifrar os sinais emitidos pelos BCs. “Nas últimas décadas, as comunicações de bancos centrais tornaram-se tão importantes quanto as próprias ações de política. Isso aumentou o escrutínio de comunicados e discursos de política monetária”, diz o JPMorgan, em relatório intitulado ‘Bem-vindo à máquina’.

Nos últimos anos, economistas e operadores de mercado começaram a se valer mais do Processamento de Linguagem Natural (NLP, na sigla em inglês), modelo criado com base em algoritmos, para interpretar os comunicados. “Com o ChatGPT, a capacidade dessa interpretação é ainda maior”, afirma o Bradesco, adicionando que o objetivo é tornar a análise do direcionamento das atas do Copom o mais “agnóstica” possível, ou seja, menos enviesada.

ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs Foto: Richard Drew/AP

Os dois bancos avaliaram anos de atas e comunicados e desenvolveram indicadores capazes de analisar a postura dos BCs. O JPMorgan rodou nada menos que 25 anos das comunicações do Fed, do Banco Central Europeu (BCE) e da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês). O Bradesco incluiu 55 atas e 55 comunicados do BC brasileiro emitidos desde julho de 2016.

Complementariedade

“As aplicações preliminares são encorajadoras”, escreveram os economistas do JPMorgan, Joseph Lupton, David M. Atlas e Dan Weitzenfeld, em relatório recente. Eles afirmaram que o banco trabalha para atualizar o modelo de análise para o ambiente ChatGPT, em busca de uma métrica diária para avaliar o passo a passo dos banqueiros centrais monitorados. Isso não significa, porém, que o gigante de Wall Street se apoie na ferramenta para traçar seu cenário de política monetária, conforme um porta-voz explica ao Estadão/Broadcast.

O Bradesco também não define projeções à luz do ChatGPT, mas considera que a ferramenta é complementar à análise tradicional. Configurado pela equipe de análise econômica do banco, o ChatGPT entendeu que a última ata do Copom teve tendência levemente mais contracionista, o que deu mais confiança à visão dos economistas de que a precificação na curva de juros futuros de primeiro corte da Selic em agosto está um pouco exagerada.

Segundo o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, a análise da ferramenta deu suporte à discussão da equipe sobre a própria projeção de primeira queda dos juros em setembro. A decisão foi pela manutenção do cenário à espera da definição sobre a meta de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, e também graças a uma expectativa mais positiva para o câmbio.

Até o final do ano, o Bradesco projeta três cortes de juros de 0,5 ponto porcentual cada, levando a Selic a 12,25% ao ano. “O Chat nos ajuda a debater. O Chat é agnóstico, o nosso julgamento é: vamos esperar um pouco para mudar o cenário”, diz Honorato ao Estadão/Broadcast.

Ele adianta que o banco tem feito testes para tentar antecipar a reação do mercado à comunicação do Copom a partir do ChatGPT. “Mesmo que todo mundo ache que a ata foi hawk (mais contracionista), o indicador pode dizer que foi muito hawk ao olhar o histórico. Isso dá mais confiança para tomar decisões de curto prazo.”

Há ainda a possibilidade de replicar o modelo para as comunicações de outros BCs, como o Fed, ou de indicadores. “No limite, podemos colocar para ler todos os bancos centrais do mundo, criar um indicador de avançados, de emergentes. Abre muitas possibilidades”, explica Myriã Bast, economista do Bradesco.

Definição humana

Para o gestor e sócio da Galapagos Capital, Sergio Zanini, o ChatGPT é mais uma ferramenta que ganha corpo no mercado financeiro. “Não vamos esquecer que a política monetária continua sendo determinada e definida por seres humanos. Independentemente de dados matemáticos e estatísticos, ainda tem uma representatividade humana discricionária muito grande na definição de política monetária e que muda muito de acordo com quem está sentado naqueles comitês”, diz o gestor, baseado em Miami.

Em relatório, o Bradesco acrescenta que a leitura “agnóstica” do ChatGPT não substitui completamente a dos analistas, “até porque não tem poder preditivo da evolução do cenário, que é parte fundamental para expectativas de juros futuros”. Já o JPMorgan faz duas ressalvas: o modelo pode gerar avaliações questionáveis; e como a tecnologia se transforma rapidamente, a ferramenta do banco também vai evoluir.

Do outro lado

O ChatGPT também começa a ser testado pelos BCs. O presidente do BC da Alemanha (Bundesbank), Joachim Nagel, leu trechos de um discurso elaborado pela ferramenta sobre desafios do universo tecnológico em evento recente. Ele apontou, contudo, que a fala preparada por ferramenta baseada em inteligência artificial “pode disseminar informação falsa” e que estava “longe de ser um bom discurso”.

Para Zanini, da Galapagos, embora algumas palavras sejam usadas propositalmente pelos BCs para dar sinais, cada vez mais há influência política nas decisões de juros. Ou seja, o contexto não só pesa como exige que a análise vá além do campo econômico, e inclua análise política, comportamental e um bastidor do cenário. “É uma coisa um pouco mais complexa. A arte da política monetária depende do lado humano, que, por enquanto, os robôs ainda não conseguem capturar, mas no futuro vão conseguir fazer tudo”, projeta.

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