BRASÍLIA – A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) protocolou nesta quarta-feira, 6, duas representações junto ao Banco Central (BC) para instauração de processo punitivo contra três credenciadoras de cartão de crédito – as chamadas maquininhas independentes, que não são ligadas a grandes instituições financeiras – e uma plataforma que atua como carteira digital.
Nos documentos, obtidos pelo Estadão, a Febraban aponta a existência de um esquema fraudulento nas vendas a prazo, que foi batizado pela federação de parcelado sem juros “pirata”. Diante disso, a entidade pede ao BC a instauração de procedimento investigatório e, de forma cautelar, a suspensão imediata das atividades classificadas como ilícitas.
A ofensiva ocorre em meio ao impasse em torno do juro cobrado no rotativo do cartão, a linha de crédito mais cara do País, cujas taxas foram limitadas pelo Congresso Nacional. As travas entrarão em vigor em janeiro, caso o setor não se autorregule. Um acordo, porém, ainda está distante de ser alcançado.
Nas representações, os bancos pedem, ainda, que o Ministério Público seja oficiado pela autoridade monetária para apuração dos fatos “sob a ótica consumerista e criminal”. As denúncias atingem as credenciadoras independentes PagSeguro, Mercado Pago e Stone, bem como a plataforma PicPay.
Procurada, a PicPay disse que não teve acesso ao documento, mas reforçou que a empresa “atua dentro das regras estabelecidas e que todas as operações são amplamente conhecidas pelos órgãos reguladores e estão adequadas às normas vigentes”.
Para a empresa, trata-se de mais uma tentativa dos grandes bancos “de limitar e prejudicar a concorrência, barrar inovações e alternativas de acesso a produtos melhores para o consumidor”. Mercado Pago, Stone e PagSeguro não se manifestaram.
Cobrança ‘dissimulada’ de juros
Uma das representações diz respeito apenas às maquininhas e aponta uma cobrança “dissimulada” de juros no cartão de crédito, travestida de parcelado sem juros.
Segundo o documento, as maquininhas, no momento da venda a prazo, já informam ao lojista qual será o custo para a antecipação daquele montante – ou seja, para o comerciante receber em apenas uma vez, e de forma mais rápida, o valor que foi parcelado em 12 meses, por exemplo. O juro dessa antecipação já seria, então, embutido no valor da compra, sendo repassado ao consumidor.
Só que essa transação, afirma a Febraban, é registrada no sistema do banco emissor do cartão como sendo um parcelamento sem juros. Isso significa que as maquininhas estariam se apropriando dos juros sem correr o risco da inadimplência, que continuaria restrito à instituição financeira.
“As maquininhas independentes criaram uma forma nefasta de repassar aos consumidores custos com a antecipação de recebíveis, subvertendo e distorcendo completamente o fluxo normal de pagamentos do cartão de crédito”, afirma a federação no documento assinado pelo presidente da entidade, Isaac Sidney.
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A Febraban calcula que, sem a receita da antecipação, as adquirentes independentes – no caso, foram analisados apenas os números da Stone e da PagSeguro – teriam registrado prejuízo de R$ 1 bilhão em 2022. “Os dados revelam que a antecipação de recebíveis representa até 65% do total de suas receitas de pagamento, ultrapassando os 50% das credenciadoras vinculadas aos bancos”, diz a representação.
Para os bancos, as maquininhas fazem um “jogo artificioso”, já que se apresentam como defensoras do consumidor e das compras sem juros, mas não revelam que possuem o seu próprio parcelado com juros, o qual, nas faturas, é travestido de sem taxas.
“Sob a máscara da preocupação com o bem-estar dos clientes, sua verdadeira agenda é manter inabalável um modelo nocivo, gerador de lucros bilionários exclusivamente para elas”, afirma o documento.
Com base nessas denúncias, os bancos alegam que as maquininhas independentes violam leis do sistema financeiro, já que não têm autorização do BC para fazer operações de crédito cobrando juros dos consumidores, atividade que é regulada; bem como regulamentos das bandeiras de cartões; normas de defesa do consumidor; a Lei de Usura; e a legislação tributária, uma vez que operações de financiamento precisam recolher IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Empréstimo travestido de compra
Já a segunda representação atinge a PicPay e o Mercado Pago, que também é alvo da primeira denúncia. Nesse caso, a Febraban aponta uma engenharia financeira ainda mais complexa: as empresas, que atuam como carteiras digitais, estariam concedendo empréstimos aos consumidores por meio da “simulação” de vendas parceladas sem juros.
Ou seja, as plataformas lançariam compras fictícias no cartão de crédito dos clientes, como se fosse um pagamento parcelado sem juros, mas não haveria um bem ou serviço sendo adquirido – seria, na realidade, a concessão de um financiamento usando o limite do cartão. E a transação teria, sim, juros embutidos, mas isso não seria informado ao banco emissor, o qual arca com o risco da inadimplência.
“Portanto, há uma afronta direta às regras das bandeiras, às normas do BACEN e do Conselho Monetário Nacional e à lei, dado que as Carteiras Digitais, ao que se sabe, não podem realizar operações de empréstimos e, ainda, o fazem simulando uma transação de ‘parcelado sem juros’, lembrando que, nessas transações, não há qualquer compra de produto ou pagamento de um serviço pelo consumidor”, afirma o documento.
Para a Febraban, a prática configura um “incentivo perverso ao superendividamento do consumidor, o qual ‘pedala’ as suas dívidas” e pode configurar “fraude contra o Sistema Financeiro Nacional e ‘crime’ contra os consumidores”.