Bancos e governo preparam ‘reforma’ para crédito imobiliário voltar a crescer


Participação do financiamento imobiliário no PIB passou de 2% no início dos anos 2000 para 10% em 2015; depois disso, parou de crescer

Por Circe Bonatelli
Atualização:

Agentes do mercado e do governo estão construindo uma agenda com diversas iniciativas para fazer o crédito imobiliário crescer nos próximos anos a partir de novas fontes de recursos. A movimentação ganhou força após ficar claro que a poupança - principal fonte para os financiamentos - não deve se recuperar após os saques de mais de R$ 200 bilhões nos últimos três anos. O entendimento é de que é preciso procurar alternativas, ou o crédito ficará escasso e caro.

A participação do crédito imobiliário na economia nacional no Produto Interno Bruto (PIB) passou de 2% no início dos anos 2000 para 10% em 2015. Desde então não cresceu mais.

Em parte, o avanço dos anos anteriores ocorreu graças à criação de ferramentas jurídicas - como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação - que deram mais segurança para os bancos emprestarem o dinheiro e tomarem as garantias em caso de calote.

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O avanço também se deu pelo surgimento do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que se vale de recursos subsidiados do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para financiar o sonho da casa própria das pessoas de renda baixa.

Depois disso, a participação do crédito imobiliário no PIB parou de avançar, prejudicada pelo ambiente de juros altos e pelo esgotamento da poupança. “O crédito teve um crescimento muito grande. Mas quando se olha os últimos dez anos, ficou estagnado, oscilando entre 9% e 10%”, disse Marina Gontijo, sócia da Oliver Wyman.

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Brasil está atrás de outras economias similares quando o assunto é a participação do crédito imobiliário no PIB Foto: Felipe Rau/Estadão

A consultoria fez um raio-x do setor encomendado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Uma das constatações do estudo é que o Brasil está atrás de outras economias similares quando o assunto é a participação do crédito imobiliário no PIB. O patamar nacional de 10% está atrás de México (11%), Índia (12%), África do Sul (18%), China (18%), Itália (23%), Chile (30%) e Cingapura (32%), por exemplo. “É importante olhar para esses países, com economias semelhantes à do Brasil, mas com crédito imobiliário muito mais desenvolvido”, observou Gontijo.

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A primeira explicação para esse distanciamento é óbvia: o juro alto por aqui torna o financiamento ao comprador de imóvel mais oneroso do que em outros países. E a razão para o banco cobrar um juro alto é que os recursos que alimentam esses empréstimos também têm um custo de captação alto. “Se tiver um custo de funding mais barato, é possível aos bancos oferecer uma taxa menor”, apontou a sócia da consultoria.

A taxa média de financiamento imobiliário no Brasil está em 11,7%. Desse total, 8% vem do custo do dinheiro captado (poupança e instrumentos de mercado). Há também 1,2% de custo do risco de inadimplência, 0,9% de tributos e encargos, 0,6% de despesas administrativas bancárias e 1,0% para margem de lucro operacional.

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Esse custo poderia ser ainda mais alto se não fosse a poupança, que tem remuneração menor devido à regulação. Entretanto, a caderneta vem perdendo participação no funding (como mostra a tabela abaixo) e não há expectativa de recuperação. “Não podemos contar mais com a poupança, temos de procurar outras fontes alternativas”, disse Gontijo. “Ao contrário de outros anos em que a poupança se recuperou dos saques, desta vez é diferente. Houve uma mudança na postura do investidor, que passou a ter acesso a outras aplicações financeiras”.

O levantamento da Oliver Wyman apontou algumas opções para destravar o setor. Uma delas seria aperfeiçoar os instrumentos alternativos já existentes, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs). “Precisamos garantir que sejam atraentes para quem investe e para quem emite”, frisou Marina Gontijo.

Outra opção é introduzir uma taxa para mutuários que façam o pagamento antecipado dos financiamentos - situação que ‘frustra’ a receita que os bancos teriam com juros ao longo do contrato. “O Brasil é um dos poucos países onde não se cobra taxa dos mutuários para fazer o pré-pagamento. Vários países (Chile, África do Sul, Turquia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, entre outros) atribuem uma penalidade para o pré-pagamento, na forma de tarifa. Isso é até regulamentado”, observou.

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O presidente da Abecip, Sandro Gamba, afirmou que o foco da associação nos próximos anos será construir um caminho na transição entre as fontes de funding tradicionais (poupança e FGTS) para os novos instrumentos, como LCIs, LIGs e CRIs. “Estamos em uma fase de transição e ficou muito claro que não teremos uma solução única. A agenda é de várias medidas de aprimoramento”, disse.

A principal batalha da Abecip atualmente é para que o prazo de vencimento das LCIs volte a ser de três meses. Neste ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ampliou esse prazo para 12 meses e depois ajustou para 9 meses. Desde então, porém, as captações caíram pela metade.

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Do lado da Abecip, a visão é que muitos investidores deixaram de aplicar neste instrumento porque o tempo para recuperar o dinheiro subiu muito. O novo quadro é ruim porque as LCIs tinha ganhado a preferência de muitos investidores de poupança. “Nossa posição é de que quanto maior a liquidez, melhor será para o funding. Qualquer coisa diferente do que era inicialmente afeta a liquidez”, explicou Gamba.

Caixa tem agenda de reformas do crédito

A Caixa Econômica Federal, líder no segmento imobiliário, também tem uma agenda com propostas de reformas. A vice-presidente de habitação, Inês Magalhães, defende que a liberação de parte do compulsório bancário para abastecer o crédito imobiliário seria a solução mais prática para dar um fôlego no curto prazo. “O mais fácil seria convencer o BC a liberar parte do compulsório”, disse. Essa proposta, entretanto, circula há mais de um ano e não teve aderência do Banco Central (BC).

Pelas regras do Banco Central, 65% dos recursos da caderneta vão para os financiamentos imobiliários, enquanto 20% são guardados como colchão de liquidez na forma de depósitos compulsórios, e os 15% restantes são de uso livre. A proposta da Caixa, com apoio da Abecip e das incorporadoras, é que haja uma redução de 5% no compulsório, o que representaria uma injeção na ordem de R$ 50 bilhões em recursos no mercado imobiliário.

Outra opção para fortalecer o funding, segundo Magalhães, é a criação de mecanismos para tornar o investimento em habitação atrativo aos fundos de pensão. “Somos um dos poucos países onde os fundos de pensão não investem em habitação”, ressaltou.

A Caixa está trabalhando com o Ministério da Fazenda em uma agenda de ajustes regulatórios para tornar instrumentos como LCIs, LIGs e CRIs mais vantajosos aos fundos. Uma proposta deve ficar pronta nos próximos meses.

Para Banco Central, concorrência ajuda a ampliar mercado de crédito

O diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, afirmou, em palestra durante evento da Abecip, que o crédito imobiliário no País tem condições de crescer, com base nos diversos instrumentos de captação de recursos já prontos, sujeitos apenas a aprimoramentos. “Eu acho que o instrumental está pronto, mesmo que a gente ainda precise fazer um ou outro ajuste para frente”, falou.

Ele também apontou uma tendência de entrada de novos concorrentes no setor em decorrência do aumento da participação do mercado de capitais e da diversificação de produtos bancários. “Há uma avenida que está se abrindo para novos entrantes”, citou.

Damaso lembrou que, alguns anos atrás, as únicas instituições financeiras que atuavam no crédito imobiliário eram aquelas com acesso aos recursos da poupança. Mas como as novas fontes de funding (LCIs, CRIs, fundos imobiliários, entre outros) são operadas por diversas instituições, há espaço para desconcentração do mercado. “Com isso, você abre uma avenida para novos players entrarem no setor imobiliário com modelos de negócios diferentes, novas formas de abordagem e de captação”, ressaltou.

Emgea foi escolhida para encabeçar novo mercado

Em paralelo a essa agenda de reformas, o governo estuda entrar em campo e desbravar um novo mercado. A Empresa Gestora de Ativos (Emgea), vinculada ao Ministério da Fazenda, foi escolhida pelo governo Lula para estimular a formação de um mercado secundário de financiamentos imobiliários no País.

A ideia é comprar os contratos de crédito de bancos ou até de incorporadoras, abrindo espaço para que essas instituições possam conceder novos financiamentos e movimentar a economia. “A Emgea é um novo ator que pode abrir o caminho e mostrar o potencial que o mercado de crédito imobiliário tem do ponto de vista da securitização.”

O secretário explicou que as operações devem trazer um mínimo de lucro para a estatal, mostrando aos agentes privados que é possível operar no ramo. Por ora, esse mercado ainda é limitado pelos juros altos. Entretanto, o governo pretende deixar a estrutura pronta para deslanchar quando os juros forem menores.

Agentes do mercado e do governo estão construindo uma agenda com diversas iniciativas para fazer o crédito imobiliário crescer nos próximos anos a partir de novas fontes de recursos. A movimentação ganhou força após ficar claro que a poupança - principal fonte para os financiamentos - não deve se recuperar após os saques de mais de R$ 200 bilhões nos últimos três anos. O entendimento é de que é preciso procurar alternativas, ou o crédito ficará escasso e caro.

A participação do crédito imobiliário na economia nacional no Produto Interno Bruto (PIB) passou de 2% no início dos anos 2000 para 10% em 2015. Desde então não cresceu mais.

Em parte, o avanço dos anos anteriores ocorreu graças à criação de ferramentas jurídicas - como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação - que deram mais segurança para os bancos emprestarem o dinheiro e tomarem as garantias em caso de calote.

O avanço também se deu pelo surgimento do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que se vale de recursos subsidiados do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para financiar o sonho da casa própria das pessoas de renda baixa.

Depois disso, a participação do crédito imobiliário no PIB parou de avançar, prejudicada pelo ambiente de juros altos e pelo esgotamento da poupança. “O crédito teve um crescimento muito grande. Mas quando se olha os últimos dez anos, ficou estagnado, oscilando entre 9% e 10%”, disse Marina Gontijo, sócia da Oliver Wyman.

Brasil está atrás de outras economias similares quando o assunto é a participação do crédito imobiliário no PIB Foto: Felipe Rau/Estadão

A consultoria fez um raio-x do setor encomendado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Uma das constatações do estudo é que o Brasil está atrás de outras economias similares quando o assunto é a participação do crédito imobiliário no PIB. O patamar nacional de 10% está atrás de México (11%), Índia (12%), África do Sul (18%), China (18%), Itália (23%), Chile (30%) e Cingapura (32%), por exemplo. “É importante olhar para esses países, com economias semelhantes à do Brasil, mas com crédito imobiliário muito mais desenvolvido”, observou Gontijo.

A primeira explicação para esse distanciamento é óbvia: o juro alto por aqui torna o financiamento ao comprador de imóvel mais oneroso do que em outros países. E a razão para o banco cobrar um juro alto é que os recursos que alimentam esses empréstimos também têm um custo de captação alto. “Se tiver um custo de funding mais barato, é possível aos bancos oferecer uma taxa menor”, apontou a sócia da consultoria.

A taxa média de financiamento imobiliário no Brasil está em 11,7%. Desse total, 8% vem do custo do dinheiro captado (poupança e instrumentos de mercado). Há também 1,2% de custo do risco de inadimplência, 0,9% de tributos e encargos, 0,6% de despesas administrativas bancárias e 1,0% para margem de lucro operacional.

Esse custo poderia ser ainda mais alto se não fosse a poupança, que tem remuneração menor devido à regulação. Entretanto, a caderneta vem perdendo participação no funding (como mostra a tabela abaixo) e não há expectativa de recuperação. “Não podemos contar mais com a poupança, temos de procurar outras fontes alternativas”, disse Gontijo. “Ao contrário de outros anos em que a poupança se recuperou dos saques, desta vez é diferente. Houve uma mudança na postura do investidor, que passou a ter acesso a outras aplicações financeiras”.

O levantamento da Oliver Wyman apontou algumas opções para destravar o setor. Uma delas seria aperfeiçoar os instrumentos alternativos já existentes, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs). “Precisamos garantir que sejam atraentes para quem investe e para quem emite”, frisou Marina Gontijo.

Outra opção é introduzir uma taxa para mutuários que façam o pagamento antecipado dos financiamentos - situação que ‘frustra’ a receita que os bancos teriam com juros ao longo do contrato. “O Brasil é um dos poucos países onde não se cobra taxa dos mutuários para fazer o pré-pagamento. Vários países (Chile, África do Sul, Turquia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, entre outros) atribuem uma penalidade para o pré-pagamento, na forma de tarifa. Isso é até regulamentado”, observou.

O presidente da Abecip, Sandro Gamba, afirmou que o foco da associação nos próximos anos será construir um caminho na transição entre as fontes de funding tradicionais (poupança e FGTS) para os novos instrumentos, como LCIs, LIGs e CRIs. “Estamos em uma fase de transição e ficou muito claro que não teremos uma solução única. A agenda é de várias medidas de aprimoramento”, disse.

A principal batalha da Abecip atualmente é para que o prazo de vencimento das LCIs volte a ser de três meses. Neste ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ampliou esse prazo para 12 meses e depois ajustou para 9 meses. Desde então, porém, as captações caíram pela metade.

Do lado da Abecip, a visão é que muitos investidores deixaram de aplicar neste instrumento porque o tempo para recuperar o dinheiro subiu muito. O novo quadro é ruim porque as LCIs tinha ganhado a preferência de muitos investidores de poupança. “Nossa posição é de que quanto maior a liquidez, melhor será para o funding. Qualquer coisa diferente do que era inicialmente afeta a liquidez”, explicou Gamba.

Caixa tem agenda de reformas do crédito

A Caixa Econômica Federal, líder no segmento imobiliário, também tem uma agenda com propostas de reformas. A vice-presidente de habitação, Inês Magalhães, defende que a liberação de parte do compulsório bancário para abastecer o crédito imobiliário seria a solução mais prática para dar um fôlego no curto prazo. “O mais fácil seria convencer o BC a liberar parte do compulsório”, disse. Essa proposta, entretanto, circula há mais de um ano e não teve aderência do Banco Central (BC).

Pelas regras do Banco Central, 65% dos recursos da caderneta vão para os financiamentos imobiliários, enquanto 20% são guardados como colchão de liquidez na forma de depósitos compulsórios, e os 15% restantes são de uso livre. A proposta da Caixa, com apoio da Abecip e das incorporadoras, é que haja uma redução de 5% no compulsório, o que representaria uma injeção na ordem de R$ 50 bilhões em recursos no mercado imobiliário.

Outra opção para fortalecer o funding, segundo Magalhães, é a criação de mecanismos para tornar o investimento em habitação atrativo aos fundos de pensão. “Somos um dos poucos países onde os fundos de pensão não investem em habitação”, ressaltou.

A Caixa está trabalhando com o Ministério da Fazenda em uma agenda de ajustes regulatórios para tornar instrumentos como LCIs, LIGs e CRIs mais vantajosos aos fundos. Uma proposta deve ficar pronta nos próximos meses.

Para Banco Central, concorrência ajuda a ampliar mercado de crédito

O diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, afirmou, em palestra durante evento da Abecip, que o crédito imobiliário no País tem condições de crescer, com base nos diversos instrumentos de captação de recursos já prontos, sujeitos apenas a aprimoramentos. “Eu acho que o instrumental está pronto, mesmo que a gente ainda precise fazer um ou outro ajuste para frente”, falou.

Ele também apontou uma tendência de entrada de novos concorrentes no setor em decorrência do aumento da participação do mercado de capitais e da diversificação de produtos bancários. “Há uma avenida que está se abrindo para novos entrantes”, citou.

Damaso lembrou que, alguns anos atrás, as únicas instituições financeiras que atuavam no crédito imobiliário eram aquelas com acesso aos recursos da poupança. Mas como as novas fontes de funding (LCIs, CRIs, fundos imobiliários, entre outros) são operadas por diversas instituições, há espaço para desconcentração do mercado. “Com isso, você abre uma avenida para novos players entrarem no setor imobiliário com modelos de negócios diferentes, novas formas de abordagem e de captação”, ressaltou.

Emgea foi escolhida para encabeçar novo mercado

Em paralelo a essa agenda de reformas, o governo estuda entrar em campo e desbravar um novo mercado. A Empresa Gestora de Ativos (Emgea), vinculada ao Ministério da Fazenda, foi escolhida pelo governo Lula para estimular a formação de um mercado secundário de financiamentos imobiliários no País.

A ideia é comprar os contratos de crédito de bancos ou até de incorporadoras, abrindo espaço para que essas instituições possam conceder novos financiamentos e movimentar a economia. “A Emgea é um novo ator que pode abrir o caminho e mostrar o potencial que o mercado de crédito imobiliário tem do ponto de vista da securitização.”

O secretário explicou que as operações devem trazer um mínimo de lucro para a estatal, mostrando aos agentes privados que é possível operar no ramo. Por ora, esse mercado ainda é limitado pelos juros altos. Entretanto, o governo pretende deixar a estrutura pronta para deslanchar quando os juros forem menores.

Agentes do mercado e do governo estão construindo uma agenda com diversas iniciativas para fazer o crédito imobiliário crescer nos próximos anos a partir de novas fontes de recursos. A movimentação ganhou força após ficar claro que a poupança - principal fonte para os financiamentos - não deve se recuperar após os saques de mais de R$ 200 bilhões nos últimos três anos. O entendimento é de que é preciso procurar alternativas, ou o crédito ficará escasso e caro.

A participação do crédito imobiliário na economia nacional no Produto Interno Bruto (PIB) passou de 2% no início dos anos 2000 para 10% em 2015. Desde então não cresceu mais.

Em parte, o avanço dos anos anteriores ocorreu graças à criação de ferramentas jurídicas - como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação - que deram mais segurança para os bancos emprestarem o dinheiro e tomarem as garantias em caso de calote.

O avanço também se deu pelo surgimento do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que se vale de recursos subsidiados do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para financiar o sonho da casa própria das pessoas de renda baixa.

Depois disso, a participação do crédito imobiliário no PIB parou de avançar, prejudicada pelo ambiente de juros altos e pelo esgotamento da poupança. “O crédito teve um crescimento muito grande. Mas quando se olha os últimos dez anos, ficou estagnado, oscilando entre 9% e 10%”, disse Marina Gontijo, sócia da Oliver Wyman.

Brasil está atrás de outras economias similares quando o assunto é a participação do crédito imobiliário no PIB Foto: Felipe Rau/Estadão

A consultoria fez um raio-x do setor encomendado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Uma das constatações do estudo é que o Brasil está atrás de outras economias similares quando o assunto é a participação do crédito imobiliário no PIB. O patamar nacional de 10% está atrás de México (11%), Índia (12%), África do Sul (18%), China (18%), Itália (23%), Chile (30%) e Cingapura (32%), por exemplo. “É importante olhar para esses países, com economias semelhantes à do Brasil, mas com crédito imobiliário muito mais desenvolvido”, observou Gontijo.

A primeira explicação para esse distanciamento é óbvia: o juro alto por aqui torna o financiamento ao comprador de imóvel mais oneroso do que em outros países. E a razão para o banco cobrar um juro alto é que os recursos que alimentam esses empréstimos também têm um custo de captação alto. “Se tiver um custo de funding mais barato, é possível aos bancos oferecer uma taxa menor”, apontou a sócia da consultoria.

A taxa média de financiamento imobiliário no Brasil está em 11,7%. Desse total, 8% vem do custo do dinheiro captado (poupança e instrumentos de mercado). Há também 1,2% de custo do risco de inadimplência, 0,9% de tributos e encargos, 0,6% de despesas administrativas bancárias e 1,0% para margem de lucro operacional.

Esse custo poderia ser ainda mais alto se não fosse a poupança, que tem remuneração menor devido à regulação. Entretanto, a caderneta vem perdendo participação no funding (como mostra a tabela abaixo) e não há expectativa de recuperação. “Não podemos contar mais com a poupança, temos de procurar outras fontes alternativas”, disse Gontijo. “Ao contrário de outros anos em que a poupança se recuperou dos saques, desta vez é diferente. Houve uma mudança na postura do investidor, que passou a ter acesso a outras aplicações financeiras”.

O levantamento da Oliver Wyman apontou algumas opções para destravar o setor. Uma delas seria aperfeiçoar os instrumentos alternativos já existentes, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs). “Precisamos garantir que sejam atraentes para quem investe e para quem emite”, frisou Marina Gontijo.

Outra opção é introduzir uma taxa para mutuários que façam o pagamento antecipado dos financiamentos - situação que ‘frustra’ a receita que os bancos teriam com juros ao longo do contrato. “O Brasil é um dos poucos países onde não se cobra taxa dos mutuários para fazer o pré-pagamento. Vários países (Chile, África do Sul, Turquia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, entre outros) atribuem uma penalidade para o pré-pagamento, na forma de tarifa. Isso é até regulamentado”, observou.

O presidente da Abecip, Sandro Gamba, afirmou que o foco da associação nos próximos anos será construir um caminho na transição entre as fontes de funding tradicionais (poupança e FGTS) para os novos instrumentos, como LCIs, LIGs e CRIs. “Estamos em uma fase de transição e ficou muito claro que não teremos uma solução única. A agenda é de várias medidas de aprimoramento”, disse.

A principal batalha da Abecip atualmente é para que o prazo de vencimento das LCIs volte a ser de três meses. Neste ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ampliou esse prazo para 12 meses e depois ajustou para 9 meses. Desde então, porém, as captações caíram pela metade.

Do lado da Abecip, a visão é que muitos investidores deixaram de aplicar neste instrumento porque o tempo para recuperar o dinheiro subiu muito. O novo quadro é ruim porque as LCIs tinha ganhado a preferência de muitos investidores de poupança. “Nossa posição é de que quanto maior a liquidez, melhor será para o funding. Qualquer coisa diferente do que era inicialmente afeta a liquidez”, explicou Gamba.

Caixa tem agenda de reformas do crédito

A Caixa Econômica Federal, líder no segmento imobiliário, também tem uma agenda com propostas de reformas. A vice-presidente de habitação, Inês Magalhães, defende que a liberação de parte do compulsório bancário para abastecer o crédito imobiliário seria a solução mais prática para dar um fôlego no curto prazo. “O mais fácil seria convencer o BC a liberar parte do compulsório”, disse. Essa proposta, entretanto, circula há mais de um ano e não teve aderência do Banco Central (BC).

Pelas regras do Banco Central, 65% dos recursos da caderneta vão para os financiamentos imobiliários, enquanto 20% são guardados como colchão de liquidez na forma de depósitos compulsórios, e os 15% restantes são de uso livre. A proposta da Caixa, com apoio da Abecip e das incorporadoras, é que haja uma redução de 5% no compulsório, o que representaria uma injeção na ordem de R$ 50 bilhões em recursos no mercado imobiliário.

Outra opção para fortalecer o funding, segundo Magalhães, é a criação de mecanismos para tornar o investimento em habitação atrativo aos fundos de pensão. “Somos um dos poucos países onde os fundos de pensão não investem em habitação”, ressaltou.

A Caixa está trabalhando com o Ministério da Fazenda em uma agenda de ajustes regulatórios para tornar instrumentos como LCIs, LIGs e CRIs mais vantajosos aos fundos. Uma proposta deve ficar pronta nos próximos meses.

Para Banco Central, concorrência ajuda a ampliar mercado de crédito

O diretor de Regulação do Banco Central, Otávio Damaso, afirmou, em palestra durante evento da Abecip, que o crédito imobiliário no País tem condições de crescer, com base nos diversos instrumentos de captação de recursos já prontos, sujeitos apenas a aprimoramentos. “Eu acho que o instrumental está pronto, mesmo que a gente ainda precise fazer um ou outro ajuste para frente”, falou.

Ele também apontou uma tendência de entrada de novos concorrentes no setor em decorrência do aumento da participação do mercado de capitais e da diversificação de produtos bancários. “Há uma avenida que está se abrindo para novos entrantes”, citou.

Damaso lembrou que, alguns anos atrás, as únicas instituições financeiras que atuavam no crédito imobiliário eram aquelas com acesso aos recursos da poupança. Mas como as novas fontes de funding (LCIs, CRIs, fundos imobiliários, entre outros) são operadas por diversas instituições, há espaço para desconcentração do mercado. “Com isso, você abre uma avenida para novos players entrarem no setor imobiliário com modelos de negócios diferentes, novas formas de abordagem e de captação”, ressaltou.

Emgea foi escolhida para encabeçar novo mercado

Em paralelo a essa agenda de reformas, o governo estuda entrar em campo e desbravar um novo mercado. A Empresa Gestora de Ativos (Emgea), vinculada ao Ministério da Fazenda, foi escolhida pelo governo Lula para estimular a formação de um mercado secundário de financiamentos imobiliários no País.

A ideia é comprar os contratos de crédito de bancos ou até de incorporadoras, abrindo espaço para que essas instituições possam conceder novos financiamentos e movimentar a economia. “A Emgea é um novo ator que pode abrir o caminho e mostrar o potencial que o mercado de crédito imobiliário tem do ponto de vista da securitização.”

O secretário explicou que as operações devem trazer um mínimo de lucro para a estatal, mostrando aos agentes privados que é possível operar no ramo. Por ora, esse mercado ainda é limitado pelos juros altos. Entretanto, o governo pretende deixar a estrutura pronta para deslanchar quando os juros forem menores.

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