NOVA YORK e SÃO PAULO - Epicentro da turbulência bancária das últimas semanas, bancos regionais e de médio porte nos Estados Unidos passaram a ter a saúde financeira questionada após dois deles fecharem as portas no país em questão de dias. Diferentemente do Brasil, onde as instituições financeiras menores são mais de nicho e costumam ter atuação limitada a pequenas e médias empresas, nos EUA esse segmento dá suporte aos pequenos negócios, garante a maior parte do dinheiro para a compra da casa própria e têm em mãos metade dos depósitos dos americanos, dividindo o palco com pesos-pesados de Wall Street como JPMorgan Chase e Citigroup.
Embora sejam chamados de “pequenos”, esses bancos têm escala nacional e, por isso, há preocupação com um efeito dominó no setor e seus impactos para a maior economia do mundo. Nos EUA, esses bancos detêm metade dos depósitos, boa parte não segurada, e presença marcante no crédito, respondendo até por mais de 50% em algumas modalidades de empréstimos. Como comparação, no Brasil os oito maiores conglomerados financeiros têm 80% dos ativos e a maioria dos correntistas pessoas físicas.
Em termos de quantidade, também há diferenças. Dentre os mais de 2 mil bancos atuantes nos EUA, três dezenas de instituições possuem ativos entre US$ 50 bilhões e US$ 250 bilhões - limite para serem regulados com mais rigor -, ou cerca de R$ 1,3 trilhão, o que lhes dá um tamanho superior ao do próprio Santander no Brasil, terceiro maior banco privado brasileiro. E, embora esses bancos não integrem o time dos 30 globais ‘too big to fail’, ou grande demais para quebrar, o soluço recente em um deles, seguido da quebra de outro, acendeu o alerta para o risco sistêmico que representam quando avaliados seus efeitos em cascata.
“Essa grande classe de bancos é muito valiosa para pequenas e médias empresas. Eles são financiados em grande parte por depósitos não segurados, e que foram revelados um risco muito maior do que qualquer um imaginava nas últimas semanas”, afirmou o vice-presidente e diretor associado para bancos da FactSet, Sean Ryan, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
Na sequência de três bancos fecharem as portas nos EUA, outros passaram a sofrer saques de depósitos não segurados, dentre eles, o First Republic Bank, com sede em São Francisco e o 14º maior banco dos EUA. “Hoje, existe dúvida se ainda há outros bancos em condições semelhantes, o que levou a uma corrida irracional tanto por parte dos acionistas como dos depositantes”, diz o sócio do escritório de advocacia americano Hughes Hubbard & Reed LLP, Carlos Lobo.
US$ 100 bilhões
Desde a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), os bancos de pequeno porte nos EUA sofreram uma queda recorde no volume de depósitos, mostram dados recentes do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O volume recuou mais de US$ 100 bilhões, para US$ 5,46 trilhões na semana encerrada em 15 de março – a maior redução desde março de 2007. Poucos dias depois da falência do SVB, o Signature também teve de fechar as portas ao enfrentar uma corrida de saques.
“Hoje, existe dúvida se ainda há outros bancos em condições semelhantes, o que levou a uma corrida irracional tanto por parte dos acionistas como dos depositantes”, diz Carlos Lobo, sócio do escritório de advocacia americano Hughes Hubbard & Reed LLP.
Para a britânica Capital Economics, a preocupação com a fuga de depósitos deveria ser maior do que com a perda de valor de títulos públicos que os bancos possuem em meio à subida de juros nos EUA. Ambos os fatores combinados levaram o SVB, então 16.º maior banco do país, à bancarrota. Depois de algumas tentativas de venda, o banco foi adquirido pelo First Citizens Bank, com mais de US$ 100 bilhões em ativos e uma história de aquisições.
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Reguladores americanos têm adotado medidas de emergência para conter a hemorragia de depósitos e garantir liquidez aos bancos. Também foi iniciado um processo de revisão da supervisão e regulamentação do setor, cujos resultados serão divulgados até 1.º de maio. Novas ações estão em estudo, como a extensão da garantia de depósitos, após cobranças do setor e de megainvestidores como Bill Ackman.
O principal pedido é uma garantia, ao menos temporária, para depósitos acima de US$ 250 mil caso a turbulência bancária nos EUA se alastre. A FDIC, uma espécie de Fundo Garantidor de Crédito (FGC) dos EUA, prometeu novidades até 1.º de maio.
Além de proteger os depositantes, os reguladores também estão preocupados com o aumento da concentração e a importância que bancos médios têm para a economia americana. Esse será um dos pontos abordados pelo vice-presidente de supervisão do Fed, Michael Barr, em depoimento hoje, dia 28, no Senado americano.
Cenário brasileiro
No Brasil, a turbulência observada nos EUA e na Europa não afetou até agora os bancos locais. A agência de classificação de risco Fitch, que avalia cerca de 100 bancos brasileiros - responsáveis por mais de 90% dos ativos do setor financeiro do Brasil - além de fintechs e outras empresas financeiras, fez uma recente rodada de reuniões com as instituições que monitora, incluindo os de médio porte e de nicho.
“Os bancos estão com capitalização adequada”, conta o analista responsável pelo setor na Fitch do Brasil, Cláudio Gallina, ressaltando que os bancos já vinham pisando no freio no crédito, fizeram reforços de provisões e programas do governo ajudaram empresas menores a refinanciar e pagar dívidas.
Não há exposição material direta dos bancos brasileiros aos que quebraram lá fora, comenta Galina. “Se tiver exposição, é algo muito residual.” No caso da liquidez, que se reduziu de forma importante no mercado internacional, o analista da Fitch Pedro Carvalho conta que os bancos médios brasileiros têm um diferencial, que é o amplo uso do canal de vendas das corretoras para oferecer produtos como CDBs e assim conseguir captar.
Já os bancos digitais conseguiram desenvolver um canal próprio para oferecer estes mesmos papéis. Nas últimas semanas, os custos de captação do setor subiram, mas em nível menor que no passado e seguindo uma tendência de toda América Latina, e não tem faltado demanda dos investidores por papéis de bancos, em busca de retorno maior.