The New York Times - Uma batalha entre as montadoras de Detroit e o sindicato United Auto Workers (UAW), que se intensificou na sexta-feira com greves em três Estados, está acontecendo em meio a uma revolução tecnológica rara que apresenta riscos enormes tanto para as empresas como para o sindicato.
A greve ocorre num momento em que as montadoras tradicionais investem bilhões no desenvolvimento de veículos elétricos, enquanto ainda ganham a maior parte de seu dinheiro com carros movidos a gasolina. As negociações determinarão o equilíbrio de poder entre os trabalhadores e a gestão provavelmente pelos próximos anos. Isso faz com que a greve seja tanto um embate pelo futuro da indústria como por seus salários, benefícios e condições de trabalho.
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As montadoras consagradas – General Motors, Ford Motor e Stellantis, donas da Chrysler, Jeep e Ram – estão tentando defender seus lucros e seu lugar no mercado diante da concorrência feroz com a Tesla e com fabricantes de automóveis estrangeiros. Alguns executivos e analistas descreveram o que está acontecendo no setor como a maior transformação tecnológica desde que a linha de montagem móvel de Henry Ford surgiu no início do século 20.
Aproximadamente 13 mil trabalhadores sindicalizados pelo UAW abandonaram seus postos de trabalho em três fábricas em Ohio, Michigan e Missouri na sexta-feira, depois que as negociações entre os sindicatos e as empresas, em três tentativas distintas, não resultaram em acordos antes do prazo de quinta-feira. O salário é um dos maiores pontos de discórdia: o sindicato exige um aumento salarial de 40% ao longo de quatro anos; as montadoras ofereceram cerca de metade disso.
Mas as conversas não se limitam às remunerações. Os trabalhadores estão tentando defender postos de trabalho conforme a indústria faz a transição dos motores de combustão interna para as baterias. Por terem menos peças, os carros elétricos podem ser fabricados com menos trabalhadores do que os veículos movidos a gasolina. Um resultado favorável para o UAW também daria ao sindicato um forte cartão de visita se, como alguns preveem, ele tentar sindicalizar os funcionários da Tesla e de outras montadoras sem representação hoje, como a Hyundai, que está planejando fabricar veículos elétricos em uma nova fábrica enorme na Geórgia.
“A transição para os veículos elétricos está dominando todos os aspectos dessa discussão”, disse John Casesa, diretor-gerente sênior da empresa de investimentos Guggenheim Partners, que já esteve à frente da estratégia da Ford Motor.
“Está implícito”, acrescentou Casesa. “Mas, na verdade, tudo gira em torno de posicionar o sindicato para ter um papel central na nova indústria de veículos elétricos.”
Sob pressão de funcionários do governo e das mudanças na demanda do consumidor, a Ford, a GM e a Stellantis estão investindo bilhões para reequipar suas operações em expansão para produzir veículos elétricos, que são fundamentais no combate às mudanças climáticas. Mas elas estão lucrando pouco ou nada com esses veículos, enquanto a Tesla, que domina as vendas de carros elétricos, é rentável e cresce rapidamente.
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A Ford disse em julho que seu departamento de veículos elétricos teria um prejuízo de US$ 4,5 bilhões este ano. Segundo a empresa, se o sindicato conseguir todos os aumentos de salários, aposentadorias e outros benefícios que está correndo atrás, a remuneração total de seus funcionários seria o dobro da dos trabalhadores da Tesla.
As exigências sindicais obrigariam a Ford a abandonar seus investimentos em veículos elétricos, disse Jim Farley, CEO da empresa, em entrevista na sexta-feira. “Queremos ter de verdade uma conversa a respeito de um futuro sustentável”, disse ele, “não um que nos obrigue a escolher entre sair do ramo e recompensar nossos funcionários”.
Para os trabalhadores, a maior preocupação é o fato de os veículos elétricos terem bem menos peças do que os modelos a gasolina, o que tornará muitos empregos obsoletos. As fábricas que produzem silenciadores, catalisadores, injetores de combustível e outras peças que os carros elétricos não precisam terão de ser renovadas ou fechadas.
Muitas novas fábricas de baterias e veículos elétricos estão surgindo e poderiam empregar os trabalhadores das fábricas que fechassem. Mas as montadoras estão construindo a maior parte de suas instalações no sul dos Estados Unidos, onde as leis trabalhistas tendem a ser contrárias aos sindicatos, e não no centro-oeste do país, onde o UAW tem mais influência.
Uma das exigências do sindicato é que os trabalhadores das novas fábricas sejam protegidos por contratos nacionais de trabalho – uma demanda que as montadoras disseram que não podem atender porque essas fábricas são de de joint ventures. O sindicato também quer recuperar o direito de realizar greves para impedir que as fábricas fechem.
“Estamos no início de outra revolução industrial e a maneira como estamos passando por isso é a mesma da última revolução industrial – muito lucro para alguns e miséria e empregos ruins para muitos”, disse Madeline Janis, diretora-executiva da Jobs to Move America, grupo de defesa que trabalha em estreita colaboração com o UAW e outros sindicatos.
“O UAW está realmente se posicionando pelas comunidades em todo o país para garantir que essa transição beneficie a todos”, acrescentou Madeline.
As montadoras vêm acumulando lucros recordes durante a última década, mas não podem se dar ao luxo de perder tempo com paralisações nas atividades em sua corrida para competir com a Tesla e com as concorrentes estrangeiras.
As três empresas já estão tendo dificuldades para operar no ramo dos veículos elétricos. Uma nova fábrica de baterias da GM em Ohio tem demorado para produzir baterias, atrasando as versões elétricas da picape Chevrolet Silverado e de outros veículos. A Ford teve de suspender a produção de sua F-150 Lightning elétrica em fevereiro depois que a bateria de uma das picapes estacionadas perto da fábrica para passar pelo controle de qualidade pegou fogo. E a Stellantis só começará a vender veículos totalmente elétricos nos EUA no próximo ano.
Esses problemas e as vendas cada vez maiores da Tesla poderiam deixar o sindicato numa posição de vantagem para conseguir um bom acordo.
Na quinta-feira passada, em um sinal de que as montadoras estão dispostas a ir muito mais longe do que antes, a GM ofereceu um aumento salarial de 20% ao longo de quatro anos. Isso é metade do que o sindicato está reivindicando, porém bem mais do que os trabalhadores receberam em contratações recentes. Na sexta-feira, o presidente Joe Biden apoiou fortemente o sindicato em suas declarações na Casa Branca. O governo tem investido bilhões em programas de incentivo aos veículos elétricos e não quer que uma greve atrase um elemento central de sua política climática.
Reação lenta
Os executivos das montadoras e a maioria dos analistas do setor subestimaram a rapidez com que os veículos elétricos conquistariam os consumidores e não conseguem prever com segurança como as vendas, que têm sido irregulares ultimamente, crescerão no futuro. “Não acho que alguém possa prever perfeitamente qual será a adesão”, disse Mary Barra, CEO da GM, em entrevista para o New York Times no mês passado.
Em sua participação no programa de TV “CBS Mornings” na sexta-feira, ela disse que um aumento salarial excessivo prejudicaria a capacidade da GM de continuar produzindo veículos com motores de combustão interna ao mesmo tempo em que fabrica veículos elétricos. “Esta é uma conjuntura crítica em que o investimento é muito importante”, disse ela.
Contudo, é improvável que os sindicatos e seus apoiadores demonstrem muita simpatia pelos executivos das montadoras. Mary, Farley, da Ford, e o CEO da Stellantis, Carlos Tavares, receberam dezenas de milhões de dólares em pacotes de remuneração nos últimos anos. Os acionistas das empresas foram recompensados com dividendos e recompras de ações.
Os sindicatos “não terão muita paciência para histórias tristes”, disse Karl Brauer, analista executivo do iSeeCars.com, site voltado para pesquisa e comparação de veículos.
Ajustados pela inflação, os salários dos trabalhadores do setor nos EUA caíram 19% desde 2008, de acordo com o Economic Policy Institute, grupo de pesquisa de esquerda.
Ao mesmo tempo, os funcionários do sindicato estão cientes das mudanças na indústria e disseram que não querem prejudicar a GM, a Ford e a Stellantis enquanto as empresas tentam recuperar o terreno que perderam para a Tesla, que tem resistido de forma agressiva às tentativas de sindicalizar suas fábricas.
As montadoras de Detroit também enfrentam concorrência com a Rivian, uma startup que fabrica picapes elétricas e utilitários esportivos em Illinois, assim como com as rivais estrangeiras, como a Mercedes-Benz e a Toyota, cujas fábricas nos EUA, principalmente no sul, não são sindicalizadas.
“Esse é o maior desafio aqui”, disse Brauer, “tentar se comprometer com um contrato de longo prazo em uma indústria que parece muito incerta e imprevisível nos próximos cinco anos”.