BRASÍLIA - Ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Felipe Salto, avalia que o Banco Central é a solução e não o problema ao avaliar a pressão do presidente Luiz Inácio Lula e do governo sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contra os juros altos. Nesta segunda, no Rio de Janeiro, Lula voltou a criticar o BC ao dizer que os juros altos no Brasil são uma “vergonha”.
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“O BC não coloca os juros num determinado patamar por voluntarismo”, diz ele, que retornou para o setor privado no posto de economista-chefe e sócio da Warren Renascença, onde pretende dar foco no seu trabalho às questões fiscais. “Declarações como esta afetam as expectativas, aumentam o custo de financiamento dos títulos do governo e acabam gerando o efeito contrário, isto é, os juros sobem”.
Na primeira entrevista na nova casa, o economista, que também é colunista do Estadão, diz que o momento agora é de segurar todas as pressões. “O espaço fiscal é zero. Não tem espaço para nenhum gasto e nenhuma renúncia fiscal adicional”, diz ele, que prevê um déficit de R$ 120 bilhões, mesmo com as medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Ele alerta que é urgente o governo apresentar um plano de médio prazo, que vai além de reequilibrar o Orçamento. Na sua avaliação, o anúncio de uma nova regra fiscal é “para ontem.” “Este ano será de déficit e de crescimento da dívida pública. Já está contratado”, afirma.
Veja a entrevista:
O presidente Lula tem pressa para acelerar o crescimento. Esse ponto tem levado à pressão que o governo faz ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, a quem Lula chamou de “esse cidadão”?
É importante a preocupação do governo com o crescimento. O Brasil é um País ainda muito desigual. Agora, o problema é que o crescimento econômico não vem na canetada. Ele deriva de uma série de decisões estratégicas. O presidente Lula sabe disso. Uma das coisas de que depende o crescimento é uma política monetária adequada e autônoma, como vem sendo feita desde 1999, salvo raros momentos de exceção. O BC hoje não é o problema. É a solução.
De que forma?
O BC é que está garantindo, por meio do controle da inflação, que o Brasil tenha uma imagem de respeito lá fora. O resto do mundo enxerga um BC que respeita o regime de metas de inflação, o que tem dado credibilidade. Isso ajuda no crescimento, porque permite juros, ao longo do tempo, menores, o que motiva o investimento. Isso é importante entender. O BC não coloca o juros num determinado patamar por voluntarismo, mas porque tem uma meta de inflação a cumprir. “Ah essa meta de inflação não pode mudar?”. Pode, mas existe o Conselho Monetário Nacional, que é o fórum para isso. Agora, mexer em meta nesse contexto de falas contrárias ao BC seria um grande tiro no pé. O BC tem agido de uma maneira correta, autônoma e transparente. É preciso proteger o BC e reestruturar a política fiscal, começando pelas regras fiscais.
Qual é o problema, então?
O problema é a política fiscal. Não é uma questão nova, propriamente. O fato é que, em 2022, apesar de ter conseguido fazer superávit, o governo contou com uma enorme ajuda da inflação. Ela colaborou muito para esse resultado. O problema estrutural fiscal continua. E qual é ele, na verdade? A despesa cresce muito, a composição dos gastos é ruim e não se avalia política pública. Há anos, desde que estava na IFI (Salto foi diretor-executivo de 2016 a 2022), venho falando da importância de se instituir um plano fiscal de médio prazo, a partir da ideia do PPA (plano plurianual), que até hoje não funcionou. O governo precisa tender para esse lado da política fiscal e deixar o BC fazer o trabalho dele.
O presidente Lula seguiu nesta segunda-feira com as críticas ao BC na posse de Aloizio Mercadante no BNDES. Ele disse que é uma vergonha o tamanho dos juros.
As declarações do presidente Lula preocupam, não há como negar. A maior autoridade do país tem todo o direito de opinar sobre a economia e sobre os juros, mas, é preciso ter claro: declarações como esta afetam as expectativas, aumentam o custo de financiamento dos títulos do governo e acabam gerando o efeito contrário, isto é, os juros sobem. Todos queremos juros baixos, mas não existe almoço grátis. É preciso ter uma regra fiscal crível e compromisso com contas em ordem, como, aliás, aconteceu no primeiro governo Lula.
O que está por trás dos ataques do presidente Lula a Roberto Campos Neto?
Não vejo como ataque. Como representante de um governo de à esquerda e pelo histórico do presidente Lula, o tema dos juros sempre foi muito caro. Evidentemente, os juros afetam o crescimento. Seria melhor ter juros mais baixos? Claro que seria. A pergunta que se coloca é por que não temos juros menores? Eu leio as declarações do presidente Lula da mesma forma que o presidente Campos Neto interpretou, de que ele (Lula) tem essa preocupação com o crescimento econômico. Para mudar, contudo, resta fazer a lição de casa no lado fiscal. Quem tem poupança só financia quem é deficitário (o governo) quando acredita que ele vai ter renda, receita, PIB, para falar o português claro, para saldar seus débitos.
Não me parece que o presidente Campos Neto esteja vendo isso com naturalidade?
Essas fricções na política são naturais, acontecem. Na ciência política isso é chamado de ‘Sistema de Freios e Contrapesos’ (check and balances). Uma declaração aqui e acolá em tom mais alto. Os economistas que estão no entorno do presidente Lula entendem que não precisa de independência do BC. Mas o Congresso decidiu pela autonomia.
Mas qual a medida que pode ajudar a desatar esse nó?
Um conjunto de ações na área fiscal a começar pelo desenho das regras fiscais. O teto (regra que atrela o crescimento das despesas à inflação) foi muito desfigurado. O teto não vai servir para nada em 2023. Precisa ter um ajuste fiscal e uma regra civilizada.
Como avalia o cenário fiscal para 2023, após o anúncio do plano de ajuste fiscal do ministro Haddad?
Das medidas anunciadas, a minha conta é que ele tenha cerca de R$ 100 bilhões para ajudar no resultado deste ano. O problema é que o buraco fiscal para 2023 é muito grande. As contas preliminares que estamos fazendo aqui na Warren mostram que o déficit do governo central deve fechar esse ano em torno de R$ 120 bilhões. Pode ser mais, porque há uma série de riscos, como por exemplo, as compensações para os Estados das perdas do ICMS e o piso da enfermagem.
O que está a favor do governo?
A projeção de receita no Orçamento de R$ 2,257 trilhões está muito subestimada. O ministro Haddad tem razão nisso. Se projetarmos um PIB crescendo em torno de 0,8% do PIB e uma inflação de 5,5%, a arrecadação pode ficar próxima de R$ 2,390 trilhões. Isso é importante. Não é uma grande folga, mas é uma receita melhor do que está na lei orçamentária. Mas este ano será de déficit e de crescimento da dívida pública. Isso já está contratado.
Qual a razão?
Por causa da taxa de juros. O juro real do Brasil hoje é muito maior do que era ao final de 2020. Esse juro mais alto leva a praticamente 100% de certeza de que a dívida vai aumentar em 2023 e muito provavelmente em 2024. Se vai ter déficit e dívida crescendo, é urgente que se apresente um plano de médio prazo. Precisamos saber qual é o conjunto de medidas para voltar a equilibrar a relação entre a dívida pública e PIB. Veja bem, não é equilibrar o orçamento, mas essa relação. Torna-se muito relevante, portanto, a magnitude do crescimento, que dependerá do maior ou menor esforço fiscal.
As medidas anunciadas são pontuais e o Congresso fala em mudanças. Quais os riscos no curto prazo?
São de diversas naturezas. Do lado da arrecadação, tem o risco mais estrutural ligado à atividade econômica. Tem a ver com questões políticas e a própria dinâmica dos juros dada pelo BC. Dependendo de como as sinalizações políticas forem acontecendo, haverá maior dificuldade para reduzir a taxa de juros e isso pode afetar o crescimento e a arrecadação. Hoje, esse risco está sob controle. A dupla Haddad-Tebet tem conseguido dar sinalizações que acabam neutralizando as outras declarações da área política. Mas há risco.
Quais os riscos do lado das despesas?
O impacto previsto dos precatórios (dívidas que o governo é obrigado a pagar depois de condenações judiciais). Está tendo uma despesa com o pagamento de precatórios artificialmente reduzida. Isso é um problema porque se contrata dívida. Outro risco são despesas não contempladas no Orçamento, como o reajuste do salário mínimo. Pela minha conta um aumento de R$ 18, de R$ 1.302 par R$ 1320, impacta R$ 7,2 bilhões a despesa no ano. Tem outros tópicos como o piso da enfermagem.
E o impacto da correção da tabela do IRPF, que o presidente Lula quer iniciar ainda neste ano?
Se fizer a correção da forma como está sendo prometido (da faixa de isenção para R$ 5 mil), pode ter um custo de R$ 110 bilhões.
Lula quer corrigir para dois salários mínimos.
Tem custo também. Em 2023, o espaço fiscal é zero. É negativo. Vai ter um déficit projetado de R$ 120 bilhões, já considerando tudo que o ministro Haddad anunciou. O momento agora é de segurar todas as pressões. Não tem espaço para nenhum gasto e nenhuma renúncia fiscal adicional.
Como ex-secretário de Fazenda, acha que a reforma tributária passa?
É a mais difícil de ser aprovada. São várias trincheiras. É muito importante. Mas qual a reforma? Precisamos avaliar a probabilidade de avaliação e entender melhor qual vai ser a reforma do governo. É claro que todo mundo sabe a importância do Bernard Appy (secretário extraordinário de reforma tributária), o que ele representa para reforma do IVA. Mas tem uma série de propostas. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, verbalizou o interesse em defender uma proposta, que é a minha proposta, na verdade, quando estava no governo Rodrigo Garcia, que é a migração da cobrança do ICMS da origem para o destino. Sem necessariamente avançar para um IVA nacional. A proposta do Appy é mais abrangente, funde diversos impostos. Só o Congresso tem meia dúzia de propostas diferentes. A probabilidade de passar ou não só dá para saber depois que o governo apresentar a sua proposta.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que a proposta vai direto para o plenário. O que acha?
Uma excelente declaração. Não porque eu acho que deva ir direto para o plenário, mas porque mostra que o tema vai ter prioridade e estará no topo da agenda.
Lideranças no Congresso deixam claro que querem aprovar primeiro a reforma e deixar o arcabouço fiscal para depois. Qual o risco?
A reforma do arcabouço fiscal não depende e não afeta a tributária. Não pode misturar os assuntos. A regra fiscal é para ontem. O governo deveria apresentar logo para acalmar o ânimo dos mercados. A gente sabe o que deu certo e o que não deu. Não tem mágica. Precisa ter controle de gastos e clareza de como vai tratar o lado das receitas. É preciso ter combinação de limitação da receita que seja exequível, limite tendencial da dívida pública e meta de resultado primário.
Você agora assumiu um novo posto, como economista-chefe e sócio da Warren Renascença. Como será o trabalho e quais os desafios?
Estou há bastante tempo no setor público, depois de uma experiência, até 2014, na Tendências Consultoria. O conhecimento que adquiri na IFI, na Secretaria da Fazenda e no Senado me ajudarão a exercer uma atividade, agora, do lado do mercado financeiro. Há uma apreensão grande quanto ao futuro da política fiscal e da condução da economia. A proposta da Warren Renascença me atraiu muito, por ser um modelo diferente das outras casas que estão aí. O modelo da empresa é focado no cliente, sem incentivos para cobranças de comissões em produtos e que tais. Isso mostra uma disposição de inovar que me atraiu bastante.