Descarbonizar a matriz energética é um dos principais desafios mundiais no enfrentamento das mudanças climáticas em meio à necessidade da redução nas emissões de gases ligados ao efeito estufa (GEEs). As fontes de energia limpa, as renováveis, devem substituir parcela das fontes fósseis até 2030, conforme previsto no Acordo de Paris, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). No Brasil, essa tarefa tem nos biocombustíveis o seu principal aliado.
O País, potência agrícola reconhecida mundialmente e um dos pioneiros no tema, com a Política Nacional dos Biocombustíveis (RenovaBio, criado em 2003), vem conquistando cada vez mais espaço na temática a partir da energia produzida no campo (biomassa) com menor pegada de carbono. É o caso do etanol à base de cana-de-açúcar, do etanol de milho, do biodiesel feito a partir de óleo de soja e do óleo de palma.
No Brasil, a agenda verde capitaneada por governo e Congresso traz a transição energética como uma das principais prioridades. Estudos apontam que, com as fontes renováveis, será possível suprir a demanda energética da população mundial com menor impacto ao meio ambiente. As fontes renováveis representaram 47,4% da energia ofertada no País no ano passado, segundo o balanço energético da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Desta fatia, a biomassa da cana abarcou 15,4% em 2022, enquanto o biodiesel representou 5,3%, outras biomassas (casca de arroz, capim-elefante e óleos vegetais) totalizaram 4% da energia ofertada no País e o biogás, 0,4%.
Outros 52,6% da energia ofertada no Brasil ainda é proveniente de fontes não renováveis. O Brasil produz 7,2% de toda a energia renovável mundial e tem uma matriz energética mais limpa, renovável e diversa quando comparada à média mundial, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Neste sentido, avança a passos largos a transição energética da matriz de transportes brasileira. O Brasil tem um grande potencial para a produção dos conhecidos “combustíveis verdes” a fim de avançar na descarbonização da mobilidade. O País já substituiu 27,5% da gasolina por etanol e 12% do diesel de petróleo por biodiesel. Além disso, desenvolve a utilização do biogás e do biometano (produzidos por meio da biodigestão de resíduos vegetais e animais) para produção de energia elétrica e para uso em automóveis e do combustível sustentável de aviação (SAF) a partir de biomassa. “O Brasil deverá liderar as matrizes de biocombustíveis no mundo e nossa vocação são os biocombustíveis, os etanóis e o biodiesel. Não vamos abrir mão da vocação e os biocombustíveis farão parte da matriz de limpar o meio ambiente. O biocombustível é o combustível do futuro”, disse o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em evento recente.
Atualmente, segundo o Ministério de Minas e Energia, 20% do consumo do setor de transporte é de combustíveis renováveis e o Brasil tem caminhado para ampliar o consumo, com o apoio da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). De acordo com o MME, o Brasil possui uma das maiores indústrias de biocombustíveis do mundo, com produção consolidada de etanol derivado da cana-de-açúcar e de biodiesel a partir de óleo de soja e gorduras animais. As metas de descarbonização estabelecidas pelo RenovaBio preveem a redução da intensidade de carbono na matriz de transporte brasileira em 10% até 2030, evitando a emissão de 620 milhões de toneladas de carbono na atmosfera. De 2020 a 2023, o RenovaBio evitou a emissão de 102,8 milhões de toneladas de CO² equivalente.
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2032 estabelece metas para uma mobilidade sustentável de baixo carbono. Dentre o plano, o governo apresentou ao Congresso o Projeto de Lei do Combustível do Futuro, que tramita na Câmara dos Deputados e prevê uma integração entre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), o Rota 2030 (programa de incentivos fiscais ao setor automobilístico) e o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular. O objetivo é adotar metas de emissão de gases do efeito estufa “do poço à roda”, ou seja, pegando toda a cadeia e reduzir as emissões pelo setor de transporte, que é responsável por um quarto das emissões globais. O texto foca em três áreas principais: automóveis individuais, transporte de carga e aviação. Segundo o secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes, a iniciativa é essencial para a descarbonização da matriz de transporte, ao integrar políticas públicas, tecnologia veicular nacional, eficiência e transição energética. “Não existe uma política pública única que vá fazer frente a todo o esforço que precisa ser feito para atração de novos investimentos. Precisamos aumentar a oferta de energia renovável, de biocombustível e dar competitividade em relação aos combustíveis fósseis”, disse Mendes na apresentação do projeto em Recife (PE).
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O projeto prevê a redução de 130 toneladas de CO² equivalente por quilômetro do poço à roda de 2018 para 40 toneladas de CO² equivalente em 2032. Entre as fontes, a pasta vê 90% de redução de emissões de gases do efeito estufa com o uso de biometano em veículos pesados. “O Brasil possui condições favoráveis para a produção de bioenergia devido à disponibilidade de terras agriculturáveis, clima propício para o cultivo de matérias-primas como a cana-de-açúcar, óleo de palma e soja, que consolidaram a nossa expertise no setor de biocombustíveis”, afirmou Mendes em evento recente.
Os biocombustíveis são centrais no projeto. O PL aumenta os limites para a proporção de etanol na gasolina - uma demanda do setor sucroenergético. Hoje, a mistura tem um piso de 17% e um teto de 27,5%. O PL aumenta para 22% e 30%, respectivamente. “O governo internaliza o papel dos biocombustíveis na transição energética e mostra com ações concretas que o tema é relevante para o mundo e para o Brasil”, avalia o presidente e CEO da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Evandro Gussi. Segundo Gussi, a adição de maior teor de etanol gera uma gasolina com melhor performance e mais sustentável. “Aumentar etanol aumenta a octanagem na gasolina e diminui as emissões de CO² na gasolina. O setor tem mostrado historicamente o compromisso com abastecimento na mistura e tem capacidade de incrementar essa mistura do etanol na gasolina”, observou o presidente da Única.
Em paralelo, o País busca aumentar a participação do biodiesel no diesel. Hoje, a mistura mínima obrigatória é de 12% e deve alcançar 15% gradualmente em março de 2026. “O biodiesel é a essência do combustível do futuro. Ele representa imediatamente e para um futuro próximo a substituição do combustível de petróleo, o diesel, por um combustível renovável”, observou o diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Donizete Tokarski.
Para a Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), o PL do Combustível do Futuro servirá como um guarda-chuva para a matriz energética renovável. “O projeto mantém as políticas públicas vigentes de biocombustíveis e cria oportunidade de introduzirmos na matriz energética novos biocombustíveis, como o SAF, e captura de carbono, o que efetivamente vai transformar o Brasil em uma potência de produção de bioenergia”, disse o diretor do Conselho de Administração da Aprobio, Erasmo Carlos Battistella.
Na pauta do setor privado, para atender à demanda de descarbonização da mobilidade, há o desafio do aumento da oferta dos biocombustíveis. Na avaliação de Battistella, que também é CEO da Be8, a lei do combustível do futuro contribuirá para a atração de investimentos e, consequentemente, para expansão do parque fabril brasileiro de energia renovável. No caso do etanol, de acordo com Gussi, a indústria possui capacidade para responder ao aumento do etanol anidro na gasolina por meio da alteração no mix entre anidro e álcool hidratado. “Com toda essa visão e demanda por descarbonização, o Brasil tendo um arcabouço regulatório, que entende o papel dos biocombustíveis e valoriza esse papel, há possibilidade de responder o incremento de oferta com investimentos e entrega de descarbonização”, completou Gussi.
O Brasil produziu 6,3 bilhões de litros de biodiesel em 2022, 28,91 bilhões de litros de etanol de cana-de-açúcar e 4,43 bilhões de litros de etanol de milho na última safra, sendo o segundo maior produtor de etanol do mundo. A Ubrabio estima que a indústria de biodiesel tenha capacidade para atender a um porcentual mínimo obrigatório de até 19% do óleo vegetal no diesel. Com o aumento gradual da mistura, a expectativa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é a de que a produção nacional de biodiesel supere os 10 bilhões de litros atuais entre 2023 e 2026 A União Nacional do Etanol de Milho (Unem) estima que o Brasil vai produzir 10 bilhões de litros de etanol do cereal em 2030.
Entretanto, a produção ainda é limitada para atender ao acordo global de redução das emissões de carbono. O Brasil se comprometeu na COP-26, realizada em 2021, em mitigar 50% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e de alcançar 45% de participação de energias renováveis até 2030 na matriz energética do País. Um estudo da Embrapa Territorial, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, revela que o País precisaria praticamente dobrar a fabricação de etanol até 2030 para dar conta da demanda prevista, já que as usinas operam próximas à capacidade total de fabricação.
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O estudo prevê que, para cumprir as metas estabelecidas, o Brasil precisaria aumentar em cerca de 20 bilhões de litros a produção de etanol hidratado e anidro nos próximos sete anos. Em 2022, o Brasil produziu em torno de 29 bilhões de litros desses biocombustíveis. A análise estima que, no cenário de crescimento baixo, a oferta do biocombustível estaria em 36 bilhões de litros em 2030 e a necessidade para descarbonização seria superior a 50 bilhões de litros.
Summit Agro 2023
O avanço dos biocombustíveis e da bioenergia no País e no mundo será discutido no Summit Agro 2023, organizado pelo Estadão e que terá como tema “A nova revolução verde - do alimento à energia, o potencial do Brasil para ser superpotência”. O evento ocorre no dia 8 de novembro, no Auditório do Masp, em São Paulo, e contará com a participação de renomados nomes do agronegócio.
As palestras também poderão ser acompanhadas pelas redes do Estadão e pela página oficial. Veja como se inscrever: https://summitagro.estadao.com.br/sobre-o-evento/