Enquanto as carrocerias dos carros da BMW deslizavam por uma linha de montagem em Munique recentemente, banhadas por faíscas de soldadores robóticos, era difícil dizer quais veículos seriam movidos por baterias, motores a combustível ou ambos. Na opinião de muitos analistas, isso não é bom.
Os veículos elétricos da montadora alemã são fabricados na mesma linha de montagem dos carros a gasolina e têm aparência semelhante por fora. Essa abordagem, que usa a mesma carroceria básica para carros elétricos, híbridos, a gasolina e a diesel, tem sido vista como um compromisso incômodo e ineficiente que algumas montadoras estabelecidas implantaram enquanto lutam para competir com a Tesla e com as montadoras chinesas emergentes que produzem carros projetados exclusivamente para a energia da bateria.
Mas, para confundir os especialistas, a estratégia da BMW valeu a pena. A empresa vendeu 376 mil veículos elétricos no ano passado, incluindo alguns de sua marca Mini, um aumento de 75% em relação ao ano anterior. No segmento de luxo, a BMW ficou atrás apenas da Tesla, que permaneceu dominante com 1,8 milhão de carros. Os veículos elétricos foram responsáveis por 15% das vendas da BMW em 2023, em comparação com 9% no ano anterior.
O crescimento da empresa ocorre em um momento em que as vendas de veículos elétricos aumentaram em um ritmo mais lento em todo o mundo. O que é ainda mais surpreendente é que a BMW, ao contrário da General Motors ou da Ford Motor, obteve lucro com os veículos elétricos que vendeu.
A experiência da BMW sugere haver esperança para pelo menos algumas montadoras estabelecidas, já que as chinesas, como a BYD, começam a exportar carros para outros países asiáticos, Europa e América Latina. À medida que os veículos elétricos se tornam populares, a popularidade dos carros da BMW sugere que muitos compradores valorizam a familiaridade e o acabamento das montadoras de longa data e continuam desconfiados das marcas mais novas.
Se for esse o caso, a abordagem da BMW pode indicar um caminho para outras montadoras que fabricam automóveis há décadas, mas que fizeram pouco progresso na transição para veículos movidos a bateria.
A estratégia da BMW proporcionou à empresa tempo para desenvolver conhecimento especializado em tecnologia de baterias e projetar uma linha de carros especificamente para serem elétricos. Isso ajudou a empresa, com sede em Munique, a lidar com as flutuações da demanda, pois pode aumentar ou diminuir a produção de diferentes tipos de carros com mais facilidade.
A abordagem também ajudou a BMW a manter os clientes interessados na propulsão elétrica, mas que não estão prontos para uma ruptura radical com o passado. A empresa oferece versões híbridas de vários de seus modelos mais populares, dizendo que os compradores devem poder escolher a tecnologia de propulsão de um carro tão facilmente quanto escolher sua cor.
“Perderíamos nossos clientes tradicionais se disséssemos a eles: ‘Você faz parte do velho mundo’”, disse Oliver Zipse, executivo-chefe da BMW, em uma entrevista, referindo-se às pessoas que ainda preferem carros com motor a combustão. “Elas desertariam imediatamente.”
No próximo ano, a BMW começará a vender uma nova linha de carros projetados para funcionar apenas com baterias. No mês passado, em um local com vista para um trecho costeiro rochoso e cheio de ondas ao norte de Lisboa, em um evento da empresa, o Sr. Zipse mostrou protótipos de um sedã e de um veículo utilitário esportivo crossover que fazem parte do que a empresa chama de Neue Klasse, ou Nova Classe.
Esses carros oferecerão melhorias significativas em relação aos modelos existentes, incluindo baterias que armazenam 20% mais energia por quilo, e recursos não disponíveis na Tesla, como uma tela digital que percorre toda a borda inferior do para-brisa.
A tela, que pode ser personalizada, fornece aos motoristas informações sobre velocidade, alcance, clima e navegação sem que eles precisem tirar os olhos da estrada e elimina a necessidade de um painel de instrumentos na frente do volante. A maioria dos Teslas tem uma tela grande no centro do painel, exigindo que os motoristas olhem para os lados para ver mapas e outras informações. Essa tela também contém muitos dos controles do carro.
Além disso, os novos BMWs estarão disponíveis com tecnologia de direção autônoma que permite que os motoristas tirem as mãos do volante em rodovias e mudem de faixa apenas olhando para o espelho lateral. Esse recurso desafia diretamente a alardeada tecnologia de direção autônoma da Tesla.
Desde que a Tesla provou, na última década, que os veículos elétricos eram práticos e divertidos, ficou em aberto a questão de quais empresas automobilísticas dominariam o setor. A Tesla, com raízes no Vale do Silício, foi líder em software e tecnologia de baterias, mas teve dificuldades com a fabricação e o lançamento de novos modelos. As empresas de automóveis estabelecidas tinham décadas de experiência em fabricação, mas enfrentaram uma curva de aprendizado acentuada com baterias e software.
É provável que a BMW sobreviva a essa difícil transição para os veículos elétricos devido à sua experiência em engenharia, marca forte e margens de lucro que permitiram que a empresa investisse em novas tecnologias, disse Matthew Fine, gerente de portfólio da Third Avenue Management, uma empresa de investimentos que tem ações da BMW.
“Achamos que isso daria a eles uma boa chance de lutar”, disse Fine. “E isso parece ter sido verdade até agora.”
A montadora de carros de luxo iniciou a mudança para veículos elétricos com algumas vantagens. Recentemente, a marca ficou em primeiro lugar na classificação da Consumer Reports das marcas de automóveis que fabricam os melhores veículos pelo segundo ano consecutivo. A Tesla ficou em 18º lugar entre as 34 marcas da lista.
Mas a Tesla tem vantagens significativas. Um Tesla Model S, que custa a partir de US$ 75 mil (R$ 373 mil), pode percorrer mais de 400 milhas (643 km) com uma carga, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental, em comparação com cerca de 320 milhas (514 km) de um BMW i7, que custa a partir de US$ 100 mil (R$ 498 mil). A BMW disse que sua próxima geração de carros deve mais do que apagar esse déficit com baterias menores que proporcionam um alcance 30% maior.
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A Tesla pode estar vulnerável em várias áreas. As ações da empresa, que é liderada por Elon Musk, perderam mais da metade de seu valor desde seu pico em 2021. As ações da BMW ganharam cerca de 17% no mesmo período. Wall Street ainda avalia a Tesla em mais de oito vezes o valor do mercado de ações da BMW.
A linha de produtos da Tesla está ficando ultrapassada para os padrões automotivos. A empresa começou recentemente a vender uma versão atualizada de seu Modelo 3 nos Estados Unidos, mas não introduziu um sedã ou SUV completamente redesenhado desde 2020. A Tesla está produzindo seu mais novo modelo, o Cybertruck, que foi colocado à venda no ano passado, em números limitados.
“Os recém-chegados”, disse Zipse sem mencionar a Tesla, “se não tomarem cuidado, podem ficar velhos antes de crescer”.
Um passeio em um i7, uma encarnação elétrica do sedã top de linha da BMW, popular entre políticos e executivos de empresas, oferece uma lição sobre os confortos que são cruciais para o apelo da empresa. O carro, que por fora parece quase idêntico ao seu homólogo de combustão interna, é assustadoramente silencioso, mesmo em velocidades de rodovia. O carro vem com uma grande tela de vídeo que se dobra no teto.
Zipse argumenta que a BMW não é apenas uma montadora de automóveis. “A BMW, sim, é uma empresa de automóveis”, disse ele. Mas, acrescentou, “em essência, é uma empresa de tecnologia que tem a capacidade de integrar tecnologias muito diferentes em um único produto”.
Em Munique, a BMW está demolindo edifícios que eram usados para produzir motores de combustão interna para dar espaço às linhas de montagem que produzirão os carros da Neue Klasse. O último V-8 saiu da linha de montagem no ano passado.
A BMW compra a maior parte de suas baterias de fornecedores como a CATL da China, que também vende para a Tesla, mas desenvolve sua própria tecnologia. Em um prédio com paredes de metal ondulado azul e cinza no subúrbio de Parsdorf, em Munique, a BMW opera uma mini fábrica onde testa novos projetos de baterias e processos de fabricação. Uma das mudanças envolve permitir que uma pasta contendo lítio e outros ingredientes ativos seja misturada em um fluxo contínuo, em vez de em lotes, como é a prática convencional atualmente. O processo é mais rápido e mais barato.
A partir de 2027, a BMW produzirá apenas veículos elétricos em Munique, embora continue a fabricar modelos com motores de combustão interna em outras fábricas. A empresa tem grandes fábricas em Shenyang, China; Spartanburg, S.C.; e outros locais na Europa. A BMW disse que começará a fabricar veículos elétricos nos Estados Unidos até o final da década.
Ao contrário da Audi e de outros concorrentes, Zipse se recusou a colocar uma data de validade nos motores de combustão interna, atraindo críticas de grupos ambientalistas.
“A BMW poderia liderar o setor automotivo europeu na transição para veículos elétricos se assumisse um compromisso claro de encerrar a produção de motores de combustão interna que prejudicam o clima”, disse Benjamin Stephan, especialista em transportes do Greenpeace na Alemanha, em um e-mail.
Mas Zipse disse que o futuro do setor é claramente elétrico. As vendas de BMWs com motores atingiram um patamar, observou ele. “O segmento de crescimento mais rápido é o da eletromobilidade”, disse Zipse. Os veículos elétricos, acrescentou ele, “serão uma força de mercado dominante”.
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