RIO - Ao chegar a cerca de US$ 100 bilhões emprestados para financiar as exportações de bens e serviços de empresas brasileiras, em 30 anos de atuação como agência nacional de crédito à exportação, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) agora trabalha na reformulação de políticas e condições para essa finalidade. A ideia é deixar para a futura gestão do banco, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), novas regras de crédito, com o objetivo de assumir mais riscos.
Com isso, sem mexer no arcabouço de políticas que dependam do governo federal, como a garantia soberana oferecida pela União, por meio do Fundo Garantidor das Exportações (FGE), o BNDES quer emprestar mais ao comércio exterior, explica o diretor de Crédito Produtivo e Socioambiental, Bruno Aranha. O executivo fará uma apresentação sobre os planos de mudança no BNDES Day, evento organizado pela instituição de fomento, na quarta, 7, e na quinta-feira, 8, como parte das comemorações dos 70 anos do banco.
Recentemente, os desembolsos do BNDES Exim, linha para financiar as exportações, vêm em trajetória descendente. Somaram R$ 2,567 bilhões em 2021, queda nominal (sem descontar a inflação), de 56,7% ante 2020. Os R$ 2,115 bilhões liberados de janeiro a setembro estão 22% acima do valor do mesmo período de 2021, mas as aprovações estão em queda. Uma série estatística mais longa, recortada apenas com a modalidade Pós-Embarque do BNDES Exim, mostra que, em 2021, os desembolsos somaram US$ 423,7 milhões, queda nominal de 45,9% ante 2020. Entre 2011 e 2014, os valores anuais oscilaram entre US$ 2 bilhões e US$ 2,7 bilhões.
A atuação do BNDES como agência nacional de financiamento às exportações entrou na berlinda por causa dos empréstimos bilionários para obras públicas em países da América Latina e da África, tocadas por grandes empreiteiras brasileiras envolvidas em casos de corrupção. Objeto de críticas de economistas e alvo de ataques em campanhas eleitorais, essas operações ganharam destaque acima do seu peso. A maior parte do crédito financia exportações de manufaturados para os vizinhos da América Latina e para os Estados Unidos, mercados onde a indústria brasileira tem mais competitividade.
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Embraer é estrela nas operações de exportação
Dos US$ 100 bilhões emprestados no acumulado de décadas, os financiamentos para obras no exterior respondem por US$ 10,5 bilhões. Em torno de US$ 1 bilhão está registrado como calote de Venezuela, Cuba e Moçambique. Angola foi o país que mais tomou empréstimos, sem atrasos de pagamento. O BNDES ainda tem US$ 946 milhões a receber. Em torno de um quarto dos valores emprestados para financiar exportações, cerca de US$ 25 bilhões, foram para a fabricante de aviões Embraer.
Por isso, a empresa – criada como estatal, privatizada nos anos 1990, na qual o BNDES possui uma participação acionária minoritária – é a segunda maior cliente histórica do banco de fomento, atrás apenas da Petrobras. A maior parte das operações com a Embraer financia a compra das aeronaves pelos clientes da empresa. Assim como ocorre atualmente nas concessionárias de automóveis, faz parte do jogo global do setor aeronáutico e da estratégia das empresas oferecer o financiamento ao vender os aviões e, quando a venda é para o exterior, com apoio da agência de financiamento dos governos.
Na prática, sem o BNDES, a Embraer não teria despontado como competidora relevante na aviação regional. O banco de fomento já financiou a venda de 1.275 aeronaves fabricadas pela empresa, disse Aranha. O acesso ao empréstimo pode ser decisivo para uma companhia aérea decidir entre comprar o jato fabricado pela brasileira ou pela canadense Bombardier, sua principal concorrente, que combinou parte de seus negócios com a AirBus.
“É comum as agências de financiamento às exportações apoiarem suas empresas correlacionadas. É natural, e fazemos a mesma coisa. Não precisamos nem dizer da importância da Embraer, em termos de nível de empregos qualificados e exportação de alto valor agregado”, disse Aranha.
No Brasil, historicamente, o papel de agente de financiamento das exportações começou com o Banco do Brasil (BB). Nos anos 1990, o BNDES passou a atuar também. Atualmente, os dois bancos públicos dividem os trabalhos. O BB é agente financeiro do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), que tem recursos do Tesouro Nacional e acaba atendendo empresas de menor porte. O BNDES, com recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fica com as empresas de maior porte e com as operações mais complexas, como aviões.
Alta tecnologia
Segundo Aranha, equipamentos de alta de tecnologia estão entre os focos das mudanças nas quais trabalham sua equipe. Na semana passada, o BNDES aprovou um empréstimo de R$ 62 milhões para a Romi, que investirá na produção de maquinário de usinagem de alto desempenho destinados à exportação.
A modalidade da linha BNDES Exim usada pela Romi está com condições especiais, disse Aranha. O “spread” básico do banco de fomento nesses empréstimos é 0,8% – a ser acrescido do custo de captação, normalmente a TLP, taxa básica do BNDES, que segue as taxas de títulos públicos de cinco anos, e da taxa de risco –, mas ficará rebaixado para 0,5% até 31 de dezembro. Desde que anunciou a redução para os clientes, o banco já aprovou R$ 400 milhões em operações semelhantes à da Romi, e novos empréstimos deverão sair até o prazo final, informou Aranha.
Para o financiamento de aeronaves, as mudanças nas quais o BNDES trabalha incluem flexibilizar as análises de risco – dentro das regras de prudência bancária, para ampliar os limites financeiros dos clientes da Embraer, de bancos e seguradoras envolvidos – e buscar seguros privados de crédito. Experimentos foram feitos em empréstimos à companhia aérea americana Skywest. Em janeiro de 2021, o banco de fomento aprovou R$ 450 milhões para a exportação de quatro jatos. Em outubro passado, foram mais R$ 650 milhões, para seis aeronaves. Nos dois casos, o seguro de crédito foi concedido pelo AFIC, consórcio americano de seguradoras privadas.
Aranha afirma que essa diversificação é importante para que a atuação do BNDES no financiamento às exportações possa crescer independentemente da disponibilidade de gastos públicos do governo federal. Isso porque o Seguro de Crédito à Exportação (SCE) público é custeado com recursos do FGE, que dependem do Orçamento e da aprovação do Congresso Nacional.
Os sistemas de cada país para o financiamento das exportações costumam ter instrumentos de seguro de crédito custeados com recursos públicos. Eles são necessários, principalmente, quando o cliente da exportação é um governo – é o caso das obras públicas de infraestrutura e dos investimentos em defesa. Para vendas comerciais de jatos da Embraer para companhias aéreas privadas americanas, é possível recorrer a seguros privados de crédito, mas é difícil escapar do SCE do FGE quando a fabricante brasileira vende Super Tucanos para as forças aéreas de outros países.
Nos próximos passos das mudanças que Aranha quer deixar para a próxima diretoria, que ainda precisarão passar por operações experimentais, está ainda o desenvolvimento de um seguro de crédito do próprio BNDES. Nesse caso, a ideia é que o banco de fomento entre apenas com a garantia do empréstimo, que pode ser tomado com outra instituição financeira. Outra novidade que o BNDES quer oferecer, conforme o diretor, são os diferentes tipos de seguros associados aos contratos de exportação, como os contra atrasos na entrega.