A Bolsa brasileira tem recebido volumes recordes de recursos de investidores estrangeiros, e janeiro caminha para novo nível histórico. Mas o Brasil ainda não é o destino preferido dos investidores globais de ações. A Ásia é, desde novembro, a região para onde a maior parte dos aportes aos emergentes está indo, e esta tendência deve prosseguir em 2021, na medida em que a região terá crescimento econômico mais forte que outras. O Brasil tem apenas surfado na onda do interesse geral por emergentes desde as eleições americanas e a chegada das vacinas, sem receber um capital mais de longo prazo, avaliam estrategistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast.
Mesmo com aportes recentes, o Brasil encerrou 2020 respondendo por apenas 0,25% das carteiras globais de ações, segundo o BTG Pactual. Ao final de 2019, respondia por 0,45%.
Dados do Instituto Internacional de Finanças (IIF), formado pelos 500 maiores bancos do mundo, com sede em Washington, mostram volumes recordes de recursos desde novembro para os emergentes. Só para aportes nas bolsas, foram US$ 70 bilhões nos dois meses finais de 2020, dos quais só a China ficou com US$ 20 bilhões. Em dezembro, a Ásia recebeu US$ 22 bilhões, enquanto a América Latina, US$ 12 bilhões.
Em janeiro, a Bolsa brasileira acumula entrada de R$ 23,641 bilhões em dinheiro estrangeiro, o que já torna o melhor janeiro, em termos nominais, no levantamento mensal que a B3 disponibiliza desde 1994.
Para o sócio e diretor de investimentos da gestora Kairós Capital, Luiz Fabiano Godoi, o investidor internacional está diminuindo a parcela que tem em caixa para buscar ativos de risco, e os emergentes estão nesta classe. O Brasil, por enquanto, entrou no jogo. Ou seja, se o investidor olha os grandes índices de mercado de ações, como o MSCI Emerging Markets, do qual o País faz parte, e quer aumentar sua aposta em emergentes, precisa elevar também a fatia brasileira. O Brasil responde por cerca de 6% do índice. "Se o investidor coloca dinheiro no MSCI Emerging Markets, naturalmente 6% de todo dinheiro que é colocado vem para o Brasil", afirma Godoi.
Outra razão apontada pelo gestor da Kairós em relação ao fluxo é que a Bolsa brasileira tem muitas ações cíclicas, ou seja, ligadas a recuperação da economia, como commodities. Com a previsão de recuperação da economia mundial este ano, o investidor busca este tipo de exposição. Ao mesmo tempo, a "bagunça fiscal" que o Brasil está não ajuda. "Não aprovamos nem o Orçamento para 2021", disse Godoi, ressaltando que a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, termômetro da solvência de um país, é a pior dos emergentes. Com isso, o risco é o Brasil ficar atrás nesta busca por alocação de estrangeiros nos emergentes. Não que os preços dos ativos brasileiros estejam caros, mas a questão é o desafio fiscal enorme e os juros ainda muito abaixo dos pares, destaca ele.
Ásia em alta
A estrategista global do JPMorgan Asset Management, Gabriela Santos, ressalta que existe uma diferença importante entre um investidor global olhando uma oportunidade de maneira tática versus o investidor olhando uma oportunidade de maneira estrutural. "Acho que o investidor olha para o Brasil mais como uma oportunidade tática. Ou seja: algo para os próximos 12 meses, surfando essa aceleração da economia global", disse.
Já para a Ásia, o olhar é mais estrutural, onde estão as oportunidades maiores de crescimento das economias e temas como o avanço da classe média na Índia e na China e novas tecnologias, observa a estrategista da JP Morgan Asset. Para o Brasil virar estrutural, é preciso entregar, além das reformas, um nível consistente de crescimento do PIB muito superior ao que tem entregado, destaca ela.
Em 2021, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o Brasil deve crescer 3,6%, enquanto na Ásia, o ritmo será bem mais alto, com Índia avançando 11,5%, China com 8% e Malásia com 7%. Em média, a Ásia deve crescer 8,3%, o dobro do esperado para a América Latina, de 4,1% este ano.
Na avaliação do sócio e presidente da Verde Asset Management, Luis Stuhlberger, os fluxos de capital internacional devem seguir aportando no Brasil, mas isso no curto prazo. Para o médio e longo prazo, o cenário é mais "desafiador", em meio a uma situação fiscal deteriorada e um crescimento do PIB estruturalmente baixo, na casa dos 1,5% a 2%, disse em evento do Credit Suisse.
Para o Brasil ter participação mais ativa nas carteiras dos investidores internacionais, o sócio da Gávea Investimentos, Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, afirma que é preciso avanço na agenda de estabilidade fiscal, na agenda de produtividade, que inclui a reforma tributária e do Estado, e ainda um terceiro ponto, que é a agenda de redução da desigualdade social. "As coisas aqui em geral vão de mal para mais ou menos", disse em evento da Fitch Rating ao ser questionado sobre o renovado interesse dos investidores estrangeiros por emergentes.