NOVA YORK - O Bradesco acaba de criar uma gestora para atender exclusivamente às famílias afortunadas no Brasil, e que vai cuidar até dos gastos com os jatinhos dos ultrarricos. Conhecido no jargão de mercado como family office, o segmento era a última lacuna que o banco precisava preencher na reestruturação que conduziu nos últimos anos para se reposicionar no segmento de alta renda. A meta do Bradesco é que a participação de mercado do private banking - a área que cuida dos clientes mais endinheirados, na qual o family office está incluído - cresça dos atuais 22% para 30% até 2026 e que a área avance no exterior.
Estruturada no primeiro semestre deste ano, a área de family office do Bradesco já obteve dez mandatos até o momento. Diferentemente do seu banco popular, o foco, aqui, não é quantidade, dado o perfil dos investidores, mas entregar um atendimento premium e uma visão universal da gestão financeira de famílias endinheiradas e que já têm bom relacionamento com o conglomerado. O alvo são clãs da elite brasileira com ao menos R$ 500 milhões investidos. No private banking, a régua começa em R$ 10 milhões.
Além disso, ao contrário dos rivais Itaú Unibanco, Santander e Credit Suisse, o Bradesco apostou em uma gestora, e não em uma consultoria. De acordo com o diretor global de Private do Bradesco, Augusto Miranda, o objetivo é ter um “olhar holístico” para a gestão financeira das famílias, com um time especializado neste tipo de serviço. Com a gestora, diz, o banco tem mais liberdade para gerir os recursos e também consegue ofertar produtos mais sofisticados, que apenas investidores institucionais teriam acesso e que não chegam à pessoa física.
“A ideia aqui não é só a gestão do dinheiro, mas toda a parte de fluxo, de sucessão, imóvel, a gente vai fazer a gestão de tudo para a família”, afirma o diretor-executivo do Bradesco, Guilherme Muller Leal, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, durante evento do banco, em Nova York. “Vamos cuidar dos recebimentos de aluguel, dos gastos do avião”, acrescenta Miranda.
Segundo Leal, o family office era a última “perna” que faltava no âmbito do reposicionamento que o Bradesco, até então focado mais no banco de varejo, fez para ganhar espaço também no segmento de alta renda, que abarca as áreas de private e gestão de grandes fortunas, chamada de “wealth management”, no jargão do mercado. Agora, diz, o conglomerado está preparado para atender todo esse universo, do afluente até a grande fortuna dos brasileiros ricos.
O reforço no cliente ultrarrico ajuda a dar mais equilíbrio ao balanço do banco em um segmento mais resiliente a crises, resume o vice-presidente responsável pelas áreas de atacado do Bradesco, Eurico Fabri. “Somos muito sólidos no banco popular, de baixa renda, e ampliar a participação na alta e altíssima renda é muito importante para consolidar e dar estabilidade à estratégia, com um segmento que capta mais para outro que empresta mais, então, cria um equilíbrio entre ativos e passivos”, explica.
O investimento que vem sendo feito para ganhar espaço entre os ricaços tem se reverberado em atração de recursos. Em ativos, o Bradesco já quebrou a marca dos R$ 420 bilhões na área de gestão de grandes fortunas, um salto de mais de 60% em dois anos, atrás apenas do Itaú.
Neste ano, o banco teve captação líquida de R$ 18 bilhões em sua área de private no Brasil. O conglomerado não abre o volume levantado no exterior nem taxas de crescimento. Conforme Leal, a expansão está robusta e “em dois dígitos”. O ano foi especialmente forte para os bancos brasileiros para captação de recursos no exterior, com o dólar caindo abaixo dos US$ 5 e o ambiente político na América Latina, diante da guinada à esquerda na maioria dos países, a despeito da vitória de Javier Milei na Argentina.
Aquisições e reforço no time
Em paralelo ao crescimento orgânico, o Bradesco tem feito uma série de aquisições e parcerias, aproveitando a saída de estrangeiros do negócio de alta renda no Brasil - e segue com mais apetite. O banco fez acordos com o americano JPMorgan e o francês BNP Paribas e também montou uma joint venture com o BV, a gestora Tivio. Antes, já havia comprado a operação do HSBC no Brasil e o BAC, que virou o Bradesco Bank, em Miami, nos Estados Unidos.
Para 2024, a expectativa é de que o mercado de investimentos continue em um processo de consolidação e o banco sinaliza que vai seguir na ponta compradora. “A gente segue olhando as oportunidades de crescimento inorgânico no mercado, que está em transformação contínua”, diz Leal, sem dar detalhes. “Hoje, a gente está com 22% de participação desse mercado (private) no Brasil e com capacidade grande de crescer muito fora, e é o que a gente vai fazer”, afirma. A meta é chegar a 30% até 2026, segundo Fabri.
Para chegar lá, o Bradesco vai reforçar o time de captação de recursos private local e externo. O banco estima contratar entre 10 e 20 pessoas que, tratando-se do segmento de alta renda, é uma “boa” equipe, afirma Miranda. “No private, menos é mais”, diz.
Junto aos clientes afluentes da alta renda, o Bradesco lançou recentemente uma conta global, a ‘My Account’. Em apenas três meses, o banco atraiu mais de 100 mil usuários. A expectativa era menor, de 60 mil, diz Leal. O potencial, afirma, é multiplicar a base por cinco.
“O meu ‘cheiro’ aqui no tempo é a gente ter uma base de 500 mil em dois anos”, prevê. Segundo ele, a internacionalização dos investidores brasileiros é um processo sem volta e crescente. Hoje, a área, chamada de “offshore” no jargão do mercado, representa 10%, mas há espaço para mais que dobrar e chegar a 30%, prevê o diretor do banco. O ambiente do Brasil e no exterior serão determinantes neste processo, admite Leal.