São Paulo - Os últimos dois balanços trimestrais do Bradesco levaram a percepções de que o retorno do banco aos patamares de rentabilidade acima dos 20% levaria um bom tempo. A instituição continua acreditando que o processo será gradual, mas afirma que os primeiros sinais de virada já aparecem. O principal deles são as provisões, que refletem a expectativa do segundo maior banco privado do País de maior controle da inadimplência nos próximos meses.
O banco teve lucro de R$ 4,280 bilhões, queda de 37,3% em um ano, mas alta de 168,3% em um trimestre sem o efeito da recuperação judicial da Americanas. O número ficou 17% acima da expectativa das casas consultadas pelo Estadão/Broadcast porque as provisões contra a inadimplência, de R$ 9,5 bilhões, foram menores que nos cálculos dos analistas.
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O presidente do banco, Octavio de Lazari Junior, disse que as provisões surpreenderam graças à maior cautela que o Bradesco adotou a partir do segundo semestre do ano passado, quando a inadimplência acelerou. “Os resultados das safras recentes mostram que estamos chegando a uma inflexão da curva (de inadimplência)”, comentou ele em coletiva de imprensa.
O Bradesco adota a metodologia de perda esperada para reforçar o colchão contra atrasos, a mesma utilizada no padrão contábil IFRS 9, que será obrigatório para os bancos brasileiros a partir de 2025. Ela difere dos conceitos presentes no padrão BR-Gaap, em vigor desde os anos 1990 e que prescreve determinados patamares de provisão à medida que o crédito dá sinais de estresse ou atraso.
Dessa forma, na visão da instituição, o comportamento mais positivo em empréstimos recentes prescreve um provisionamento estável. “Nos aproximamos do pico (de inadimplência), quando as provisões por perda esperada são consumidas”, disse Lazari aos jornalistas. O banco fez um novo aperto nas concessões de crédito entre janeiro e março, mas em menor magnitude que no segundo semestre de 2022.
Divisão
Os ajustes dentro de casa devem frear o crescimento da inadimplência mesmo com a taxa Selic estacionada em 13,75% ao ano, o que prejudica a renda da maior parte dos clientes do banco, mais exposto à baixa renda. Até então, a percepção do mercado era de que os números do Bradesco tendiam a caminhar junto com a Selic - apenas a partir da queda nas taxas, os resultados do banco subiriam.
Entre analistas, a recepção foi dividida, com viés negativo. “O lucro de R$ 4,3 bilhões do Bradesco no primeiro trimestre versus a expectativa de R$ 3,5 bilhões não é uma superação que o mercado deveria receber bem, em nossa visão”, escreveu Pedro Leduc, do Itaú BBA. “Provisões menores que o esperado de R$ 9,5 bilhões levaram à surpresa.”
O analista Domingos Falavina, do JPMorgan, considerou que o lucro teve composição ruim, mas que as tendências foram menos preocupantes que as vistas no quarto trimestre de 2022. Na visão dele, o balanço divulgado ontem trouxe argumentos tanto aos otimistas quanto aos pessimistas com o Bradesco.
“Diferentemente do Itaú e do BTG, em que vemos os investidores majoritariamente comprados, no Bradesco há opiniões fortes de ambos os lados. Este trimestre não é diferente”, escreveu. “Os pessimistas dirão que o aumento da entrada de créditos em atraso foi substancial (...). Os otimistas dirão que as tendências estão melhorando.”
Nesta sexta-feira, os últimos prevalecem: os papéis do banco sobem cerca de 1,6%, ante alta de 1,5% do Ibovespa.
Boa notícia
Outro reflexo dos ajustes ao cenário mais difícil foi na tesouraria: houve perda de R$ 312 milhões, menor que a observada no quarto trimestre do ano passado, de R$ 803 milhões, e também melhor que o esperado pelo mercado. O presidente do banco afirmou que essa melhoria é fruto da reprecificação da carteira de crédito, e que deve continuar mesmo que a Selic não caia este ano.
“A margem com mercado está um pouco melhor do que esperávamos”, disse o diretor de Relações com Investidores e Controladoria do banco, Carlos Firetti. O Bradesco tem equilibrado a margem mesmo com a pressão sobre os depósitos de poupança e à vista, que são mais baratos para o banco.
Mais importante, a previsão é que a tesouraria volte a dar dinheiro no quarto trimestre de 2023. É um cenário melhor que o desenhado pelo Santander Brasil, que também sofreu com a alta rápida da Selic no ano passado, mas que afirmou esperar uma volta da margem com mercado ao azul apenas no ano que vem.