‘O Brasil pode liderar a agenda verde global, o mundo anseia por isso’, diz ex-presidente da Irlanda


Mary Robinson, que faz parte de grupo de líderes globais que inclui Fernando Henrique Cardoso, diz ser contra a exploração de novos poços de petróleo

Por Luciana Dyniewicz e Paula Ferreira
Atualização:
Foto: Irish Foreign Ministry/Divulgação
Entrevista comMary RobinsonEx-presidente da Irlanda

OXFORD - Na presidência do G-20 e prestes a sediar a COP-30, no ano que vem, o Brasil é alvo das expectativas “do mundo” para que assuma a liderança global em matéria de clima. Para isso, terá de lidar com o dilema de abrir ou não novas frentes de exploração de petróleo. A opinião é da ex-presidente da Irlanda Mary Robinson, que está à frente do “The Elders”, grupo fundado por Nelson Mandela que reúne líderes globais que atuam em temas relacionados às mudanças climáticas e aos direitos humanos. Também fazem parte do grupo o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente colombiano e prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, e o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, entre outros.

Robinson estará no fim do mês no Brasil, onde acontecerá a reunião de conselho do “The Elders” e deve se encontrar com representantes do governo brasileiro. Em entrevista ao Estadão, em Oxford, durante o Fórum Skoll, a ex-presidente disse ser contra a exploração de novos poços de petróleo, como é cogitado, por exemplo, pelo governo brasileiro na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas.

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“(É preciso) parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa”, disse, em referência aos incentivos dados por diferentes governos em todo o mundo para a exploração de petróleo.

Ao Estadão, Robinson aproveitou para criticar os países ricos no que diz respeito às ações para conter as mudanças climáticas. “Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade.”

Confira trechos da entrevista:

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O que é preciso fazer para autoridades e empresas entenderem a gravidade da crise climática?

Precisamos que empresas e governos levem mais a sério o fato de que estamos à beira de um mundo de energia limpa, mais seguro e mais justo, e estamos nos movendo nessa direção, mas não estamos nos movendo rapidamente o suficiente de acordo com a ciência. Precisamos que os governos assumam sua responsabilidade. Por que estamos indo para o Brasil? Porque há uma oportunidade de liderança, com a chegada ao País da reunião do G-20 e da COP. Mas também precisamos encontrar maneiras de persuadir empresas e governos para que realmente façamos o que prometemos na COP-28: a transição das fontes fósseis para as limpas. Isso significa que precisamos mover o dinheiro que está subsidiando os combustíveis fósseis. O mundo gasta US$ 1,8 trilhão por ano em subsídios para o que está nos prejudicando, principalmente os combustíveis fósseis. Isso é ultrajante e bloqueia o progresso que precisamos.

Os países ricos estão fazendo a parte deles?

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Não. Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade de avançar. A União Europeia tem uma boa política climática, mas os países da União Europeia não a estão implementando totalmente. Pegue meu país, a Irlanda. Temos leis climáticas sérias, política climática, mas não estamos implementando. Não estaremos onde queremos estar até 2030. Talvez estejamos em cerca de 30% do caminho. Isso não é suficiente. Somos países ricos, e não estamos fazendo o suficiente. E isso não está ajudando a gerar confiança no mundo neste momento. E o Sul Global, ou a Maioria Global, como podemos chamar, está certamente vendo os subsídios do G-20 para países mais pobres em combustíveis fósseis.

Como mudar isso?

Precisamos mostrar o que está acontecendo no mundo e temos tido alguma ajuda da tecnologia para isso. Por exemplo, há novos satélites que estão monitorando o metano nos aterros sanitários. Agora sabemos quanto os aterros nos Estados Unidos estão contribuindo com o aquecimento global. Outro ponto é que estamos rastreando as empresas de forma mais eficaz. Assim, acho que podemos nos livrar do greenwashing, nos livrar de promessas e retóricas que não são verdadeiras. As empresas de petróleo e gás investem muito pouco em energia renovável. Elas falam que investem, mas o montante é menor do que seus orçamentos de publicidade. Precisamos levar muito a sério o que fazemos. E é por isso que o Brasil tem não apenas uma grande responsabilidade, mas acredito que muitas pessoas querem apoiar o Brasil para que o País ofereça um certo tipo de liderança para enfrentar essas questões.

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Como a sra. avalia o trabalho do governo brasileiro nessa área?

Estamos ansiosos para nos reunir com representantes do governo quando estivermos lá no fim de maio. Na reunião em que estive presente com representantes do governo brasileiro e da sociedade civil brasileira (durante o Fórum Skoll, em Oxford), houve um senso de que o Brasil está construindo uma grande coalizão internacional de apoio. Mas nenhum país é perfeito, e o Brasil não será perfeito. Ainda assim, há uma possibilidade real de o País assumir uma liderança através dessa combinação de G-20 e COP.

Na última COP, a sra. afirmou que qualquer compromisso global para eliminar os combustíveis fósseis precisa ser realizado de forma justa e equitativa para os trabalhadores. O governo brasileiro pretende explorar petróleo na foz do rio Amazonas, e o petróleo é uma fonte importante de receita para o Brasil, podendo ajudar na implementação de políticas que reduzem desigualdades. Como avalia a situação e como resolver essas diferentes questões?

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Estou ciente de que existem tensões entre avançar em uma direção ou em outra. Isso é um dilema interno para o Brasil. O que eu afirmei é que precisamos de dois tipos de transição justa em cada país. Precisamos da transição justa para sair dos combustíveis fósseis. Isso significa direcionar recursos significativos para quem trabalha hoje com carvão, petróleo ou gás. Precisamos que essas pessoas passem pela transição de forma justa. E precisamos de uma transição justa para que a energia renovável seja acessível. Isso, novamente, requer recursos, e é por isso que é tão importante mudar o destino do dinheiro. Parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa. Ou incentivar fazendeiros a atuarem de forma correta. Se os países gastarem dinheiro com isso, as próximas gerações terão um futuro melhor. Se eles gastarem esse dinheiro da maneira correta e de uma maneira muito inclusiva, combatendo a pobreza, terão um futuro melhor.

Acha que o Brasil não deve explorar petróleo nessa região, ainda que o petróleo lhe garanta recursos que podem ajudar o desenvolvimento do País?

Sou contra novas explorações de petróleo e gás e estou muito satisfeita com a liderança da Agência Internacional de Energia e sua posição firme de que não podemos nos dar ao luxo de iniciar novas explorações. Entendo as limitações do governo brasileiro e respeito essas restrições, mas vou falar isso quando estiver no Brasil.

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Acha que o Brasil pode liderar essa discussão de eliminação dos combustíveis fósseis na COP-30 mesmo explorando petróleo na foz do Rio Amazonas?

Sim, acredito que o Brasil pode liderar, porque, pelo menos, tem boas intenções. Teremos a próxima COP em Baku (no Azerbaijão). Acharia mais difícil dizer que o governo de lá tem alguma intenção (a economia do país depende de combustíveis fósseis). Com essa combinação de G-20 e COP-30, o Brasil tem o potencial para realmente assumir essa liderança. O mundo anseia por isso.

*As repórteres viajaram a convite da Associated Press e da Skoll Foundation

OXFORD - Na presidência do G-20 e prestes a sediar a COP-30, no ano que vem, o Brasil é alvo das expectativas “do mundo” para que assuma a liderança global em matéria de clima. Para isso, terá de lidar com o dilema de abrir ou não novas frentes de exploração de petróleo. A opinião é da ex-presidente da Irlanda Mary Robinson, que está à frente do “The Elders”, grupo fundado por Nelson Mandela que reúne líderes globais que atuam em temas relacionados às mudanças climáticas e aos direitos humanos. Também fazem parte do grupo o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente colombiano e prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, e o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, entre outros.

Robinson estará no fim do mês no Brasil, onde acontecerá a reunião de conselho do “The Elders” e deve se encontrar com representantes do governo brasileiro. Em entrevista ao Estadão, em Oxford, durante o Fórum Skoll, a ex-presidente disse ser contra a exploração de novos poços de petróleo, como é cogitado, por exemplo, pelo governo brasileiro na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas.

“(É preciso) parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa”, disse, em referência aos incentivos dados por diferentes governos em todo o mundo para a exploração de petróleo.

Ao Estadão, Robinson aproveitou para criticar os países ricos no que diz respeito às ações para conter as mudanças climáticas. “Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade.”

Confira trechos da entrevista:

O que é preciso fazer para autoridades e empresas entenderem a gravidade da crise climática?

Precisamos que empresas e governos levem mais a sério o fato de que estamos à beira de um mundo de energia limpa, mais seguro e mais justo, e estamos nos movendo nessa direção, mas não estamos nos movendo rapidamente o suficiente de acordo com a ciência. Precisamos que os governos assumam sua responsabilidade. Por que estamos indo para o Brasil? Porque há uma oportunidade de liderança, com a chegada ao País da reunião do G-20 e da COP. Mas também precisamos encontrar maneiras de persuadir empresas e governos para que realmente façamos o que prometemos na COP-28: a transição das fontes fósseis para as limpas. Isso significa que precisamos mover o dinheiro que está subsidiando os combustíveis fósseis. O mundo gasta US$ 1,8 trilhão por ano em subsídios para o que está nos prejudicando, principalmente os combustíveis fósseis. Isso é ultrajante e bloqueia o progresso que precisamos.

Os países ricos estão fazendo a parte deles?

Não. Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade de avançar. A União Europeia tem uma boa política climática, mas os países da União Europeia não a estão implementando totalmente. Pegue meu país, a Irlanda. Temos leis climáticas sérias, política climática, mas não estamos implementando. Não estaremos onde queremos estar até 2030. Talvez estejamos em cerca de 30% do caminho. Isso não é suficiente. Somos países ricos, e não estamos fazendo o suficiente. E isso não está ajudando a gerar confiança no mundo neste momento. E o Sul Global, ou a Maioria Global, como podemos chamar, está certamente vendo os subsídios do G-20 para países mais pobres em combustíveis fósseis.

Como mudar isso?

Precisamos mostrar o que está acontecendo no mundo e temos tido alguma ajuda da tecnologia para isso. Por exemplo, há novos satélites que estão monitorando o metano nos aterros sanitários. Agora sabemos quanto os aterros nos Estados Unidos estão contribuindo com o aquecimento global. Outro ponto é que estamos rastreando as empresas de forma mais eficaz. Assim, acho que podemos nos livrar do greenwashing, nos livrar de promessas e retóricas que não são verdadeiras. As empresas de petróleo e gás investem muito pouco em energia renovável. Elas falam que investem, mas o montante é menor do que seus orçamentos de publicidade. Precisamos levar muito a sério o que fazemos. E é por isso que o Brasil tem não apenas uma grande responsabilidade, mas acredito que muitas pessoas querem apoiar o Brasil para que o País ofereça um certo tipo de liderança para enfrentar essas questões.

Como a sra. avalia o trabalho do governo brasileiro nessa área?

Estamos ansiosos para nos reunir com representantes do governo quando estivermos lá no fim de maio. Na reunião em que estive presente com representantes do governo brasileiro e da sociedade civil brasileira (durante o Fórum Skoll, em Oxford), houve um senso de que o Brasil está construindo uma grande coalizão internacional de apoio. Mas nenhum país é perfeito, e o Brasil não será perfeito. Ainda assim, há uma possibilidade real de o País assumir uma liderança através dessa combinação de G-20 e COP.

Na última COP, a sra. afirmou que qualquer compromisso global para eliminar os combustíveis fósseis precisa ser realizado de forma justa e equitativa para os trabalhadores. O governo brasileiro pretende explorar petróleo na foz do rio Amazonas, e o petróleo é uma fonte importante de receita para o Brasil, podendo ajudar na implementação de políticas que reduzem desigualdades. Como avalia a situação e como resolver essas diferentes questões?

Estou ciente de que existem tensões entre avançar em uma direção ou em outra. Isso é um dilema interno para o Brasil. O que eu afirmei é que precisamos de dois tipos de transição justa em cada país. Precisamos da transição justa para sair dos combustíveis fósseis. Isso significa direcionar recursos significativos para quem trabalha hoje com carvão, petróleo ou gás. Precisamos que essas pessoas passem pela transição de forma justa. E precisamos de uma transição justa para que a energia renovável seja acessível. Isso, novamente, requer recursos, e é por isso que é tão importante mudar o destino do dinheiro. Parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa. Ou incentivar fazendeiros a atuarem de forma correta. Se os países gastarem dinheiro com isso, as próximas gerações terão um futuro melhor. Se eles gastarem esse dinheiro da maneira correta e de uma maneira muito inclusiva, combatendo a pobreza, terão um futuro melhor.

Acha que o Brasil não deve explorar petróleo nessa região, ainda que o petróleo lhe garanta recursos que podem ajudar o desenvolvimento do País?

Sou contra novas explorações de petróleo e gás e estou muito satisfeita com a liderança da Agência Internacional de Energia e sua posição firme de que não podemos nos dar ao luxo de iniciar novas explorações. Entendo as limitações do governo brasileiro e respeito essas restrições, mas vou falar isso quando estiver no Brasil.

Acha que o Brasil pode liderar essa discussão de eliminação dos combustíveis fósseis na COP-30 mesmo explorando petróleo na foz do Rio Amazonas?

Sim, acredito que o Brasil pode liderar, porque, pelo menos, tem boas intenções. Teremos a próxima COP em Baku (no Azerbaijão). Acharia mais difícil dizer que o governo de lá tem alguma intenção (a economia do país depende de combustíveis fósseis). Com essa combinação de G-20 e COP-30, o Brasil tem o potencial para realmente assumir essa liderança. O mundo anseia por isso.

*As repórteres viajaram a convite da Associated Press e da Skoll Foundation

OXFORD - Na presidência do G-20 e prestes a sediar a COP-30, no ano que vem, o Brasil é alvo das expectativas “do mundo” para que assuma a liderança global em matéria de clima. Para isso, terá de lidar com o dilema de abrir ou não novas frentes de exploração de petróleo. A opinião é da ex-presidente da Irlanda Mary Robinson, que está à frente do “The Elders”, grupo fundado por Nelson Mandela que reúne líderes globais que atuam em temas relacionados às mudanças climáticas e aos direitos humanos. Também fazem parte do grupo o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente colombiano e prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, e o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, entre outros.

Robinson estará no fim do mês no Brasil, onde acontecerá a reunião de conselho do “The Elders” e deve se encontrar com representantes do governo brasileiro. Em entrevista ao Estadão, em Oxford, durante o Fórum Skoll, a ex-presidente disse ser contra a exploração de novos poços de petróleo, como é cogitado, por exemplo, pelo governo brasileiro na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas.

“(É preciso) parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa”, disse, em referência aos incentivos dados por diferentes governos em todo o mundo para a exploração de petróleo.

Ao Estadão, Robinson aproveitou para criticar os países ricos no que diz respeito às ações para conter as mudanças climáticas. “Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade.”

Confira trechos da entrevista:

O que é preciso fazer para autoridades e empresas entenderem a gravidade da crise climática?

Precisamos que empresas e governos levem mais a sério o fato de que estamos à beira de um mundo de energia limpa, mais seguro e mais justo, e estamos nos movendo nessa direção, mas não estamos nos movendo rapidamente o suficiente de acordo com a ciência. Precisamos que os governos assumam sua responsabilidade. Por que estamos indo para o Brasil? Porque há uma oportunidade de liderança, com a chegada ao País da reunião do G-20 e da COP. Mas também precisamos encontrar maneiras de persuadir empresas e governos para que realmente façamos o que prometemos na COP-28: a transição das fontes fósseis para as limpas. Isso significa que precisamos mover o dinheiro que está subsidiando os combustíveis fósseis. O mundo gasta US$ 1,8 trilhão por ano em subsídios para o que está nos prejudicando, principalmente os combustíveis fósseis. Isso é ultrajante e bloqueia o progresso que precisamos.

Os países ricos estão fazendo a parte deles?

Não. Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade de avançar. A União Europeia tem uma boa política climática, mas os países da União Europeia não a estão implementando totalmente. Pegue meu país, a Irlanda. Temos leis climáticas sérias, política climática, mas não estamos implementando. Não estaremos onde queremos estar até 2030. Talvez estejamos em cerca de 30% do caminho. Isso não é suficiente. Somos países ricos, e não estamos fazendo o suficiente. E isso não está ajudando a gerar confiança no mundo neste momento. E o Sul Global, ou a Maioria Global, como podemos chamar, está certamente vendo os subsídios do G-20 para países mais pobres em combustíveis fósseis.

Como mudar isso?

Precisamos mostrar o que está acontecendo no mundo e temos tido alguma ajuda da tecnologia para isso. Por exemplo, há novos satélites que estão monitorando o metano nos aterros sanitários. Agora sabemos quanto os aterros nos Estados Unidos estão contribuindo com o aquecimento global. Outro ponto é que estamos rastreando as empresas de forma mais eficaz. Assim, acho que podemos nos livrar do greenwashing, nos livrar de promessas e retóricas que não são verdadeiras. As empresas de petróleo e gás investem muito pouco em energia renovável. Elas falam que investem, mas o montante é menor do que seus orçamentos de publicidade. Precisamos levar muito a sério o que fazemos. E é por isso que o Brasil tem não apenas uma grande responsabilidade, mas acredito que muitas pessoas querem apoiar o Brasil para que o País ofereça um certo tipo de liderança para enfrentar essas questões.

Como a sra. avalia o trabalho do governo brasileiro nessa área?

Estamos ansiosos para nos reunir com representantes do governo quando estivermos lá no fim de maio. Na reunião em que estive presente com representantes do governo brasileiro e da sociedade civil brasileira (durante o Fórum Skoll, em Oxford), houve um senso de que o Brasil está construindo uma grande coalizão internacional de apoio. Mas nenhum país é perfeito, e o Brasil não será perfeito. Ainda assim, há uma possibilidade real de o País assumir uma liderança através dessa combinação de G-20 e COP.

Na última COP, a sra. afirmou que qualquer compromisso global para eliminar os combustíveis fósseis precisa ser realizado de forma justa e equitativa para os trabalhadores. O governo brasileiro pretende explorar petróleo na foz do rio Amazonas, e o petróleo é uma fonte importante de receita para o Brasil, podendo ajudar na implementação de políticas que reduzem desigualdades. Como avalia a situação e como resolver essas diferentes questões?

Estou ciente de que existem tensões entre avançar em uma direção ou em outra. Isso é um dilema interno para o Brasil. O que eu afirmei é que precisamos de dois tipos de transição justa em cada país. Precisamos da transição justa para sair dos combustíveis fósseis. Isso significa direcionar recursos significativos para quem trabalha hoje com carvão, petróleo ou gás. Precisamos que essas pessoas passem pela transição de forma justa. E precisamos de uma transição justa para que a energia renovável seja acessível. Isso, novamente, requer recursos, e é por isso que é tão importante mudar o destino do dinheiro. Parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa. Ou incentivar fazendeiros a atuarem de forma correta. Se os países gastarem dinheiro com isso, as próximas gerações terão um futuro melhor. Se eles gastarem esse dinheiro da maneira correta e de uma maneira muito inclusiva, combatendo a pobreza, terão um futuro melhor.

Acha que o Brasil não deve explorar petróleo nessa região, ainda que o petróleo lhe garanta recursos que podem ajudar o desenvolvimento do País?

Sou contra novas explorações de petróleo e gás e estou muito satisfeita com a liderança da Agência Internacional de Energia e sua posição firme de que não podemos nos dar ao luxo de iniciar novas explorações. Entendo as limitações do governo brasileiro e respeito essas restrições, mas vou falar isso quando estiver no Brasil.

Acha que o Brasil pode liderar essa discussão de eliminação dos combustíveis fósseis na COP-30 mesmo explorando petróleo na foz do Rio Amazonas?

Sim, acredito que o Brasil pode liderar, porque, pelo menos, tem boas intenções. Teremos a próxima COP em Baku (no Azerbaijão). Acharia mais difícil dizer que o governo de lá tem alguma intenção (a economia do país depende de combustíveis fósseis). Com essa combinação de G-20 e COP-30, o Brasil tem o potencial para realmente assumir essa liderança. O mundo anseia por isso.

*As repórteres viajaram a convite da Associated Press e da Skoll Foundation

OXFORD - Na presidência do G-20 e prestes a sediar a COP-30, no ano que vem, o Brasil é alvo das expectativas “do mundo” para que assuma a liderança global em matéria de clima. Para isso, terá de lidar com o dilema de abrir ou não novas frentes de exploração de petróleo. A opinião é da ex-presidente da Irlanda Mary Robinson, que está à frente do “The Elders”, grupo fundado por Nelson Mandela que reúne líderes globais que atuam em temas relacionados às mudanças climáticas e aos direitos humanos. Também fazem parte do grupo o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente colombiano e prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, e o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, entre outros.

Robinson estará no fim do mês no Brasil, onde acontecerá a reunião de conselho do “The Elders” e deve se encontrar com representantes do governo brasileiro. Em entrevista ao Estadão, em Oxford, durante o Fórum Skoll, a ex-presidente disse ser contra a exploração de novos poços de petróleo, como é cogitado, por exemplo, pelo governo brasileiro na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas.

“(É preciso) parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa”, disse, em referência aos incentivos dados por diferentes governos em todo o mundo para a exploração de petróleo.

Ao Estadão, Robinson aproveitou para criticar os países ricos no que diz respeito às ações para conter as mudanças climáticas. “Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade.”

Confira trechos da entrevista:

O que é preciso fazer para autoridades e empresas entenderem a gravidade da crise climática?

Precisamos que empresas e governos levem mais a sério o fato de que estamos à beira de um mundo de energia limpa, mais seguro e mais justo, e estamos nos movendo nessa direção, mas não estamos nos movendo rapidamente o suficiente de acordo com a ciência. Precisamos que os governos assumam sua responsabilidade. Por que estamos indo para o Brasil? Porque há uma oportunidade de liderança, com a chegada ao País da reunião do G-20 e da COP. Mas também precisamos encontrar maneiras de persuadir empresas e governos para que realmente façamos o que prometemos na COP-28: a transição das fontes fósseis para as limpas. Isso significa que precisamos mover o dinheiro que está subsidiando os combustíveis fósseis. O mundo gasta US$ 1,8 trilhão por ano em subsídios para o que está nos prejudicando, principalmente os combustíveis fósseis. Isso é ultrajante e bloqueia o progresso que precisamos.

Os países ricos estão fazendo a parte deles?

Não. Ainda não estão levando suficientemente a sério a responsabilidade de avançar. A União Europeia tem uma boa política climática, mas os países da União Europeia não a estão implementando totalmente. Pegue meu país, a Irlanda. Temos leis climáticas sérias, política climática, mas não estamos implementando. Não estaremos onde queremos estar até 2030. Talvez estejamos em cerca de 30% do caminho. Isso não é suficiente. Somos países ricos, e não estamos fazendo o suficiente. E isso não está ajudando a gerar confiança no mundo neste momento. E o Sul Global, ou a Maioria Global, como podemos chamar, está certamente vendo os subsídios do G-20 para países mais pobres em combustíveis fósseis.

Como mudar isso?

Precisamos mostrar o que está acontecendo no mundo e temos tido alguma ajuda da tecnologia para isso. Por exemplo, há novos satélites que estão monitorando o metano nos aterros sanitários. Agora sabemos quanto os aterros nos Estados Unidos estão contribuindo com o aquecimento global. Outro ponto é que estamos rastreando as empresas de forma mais eficaz. Assim, acho que podemos nos livrar do greenwashing, nos livrar de promessas e retóricas que não são verdadeiras. As empresas de petróleo e gás investem muito pouco em energia renovável. Elas falam que investem, mas o montante é menor do que seus orçamentos de publicidade. Precisamos levar muito a sério o que fazemos. E é por isso que o Brasil tem não apenas uma grande responsabilidade, mas acredito que muitas pessoas querem apoiar o Brasil para que o País ofereça um certo tipo de liderança para enfrentar essas questões.

Como a sra. avalia o trabalho do governo brasileiro nessa área?

Estamos ansiosos para nos reunir com representantes do governo quando estivermos lá no fim de maio. Na reunião em que estive presente com representantes do governo brasileiro e da sociedade civil brasileira (durante o Fórum Skoll, em Oxford), houve um senso de que o Brasil está construindo uma grande coalizão internacional de apoio. Mas nenhum país é perfeito, e o Brasil não será perfeito. Ainda assim, há uma possibilidade real de o País assumir uma liderança através dessa combinação de G-20 e COP.

Na última COP, a sra. afirmou que qualquer compromisso global para eliminar os combustíveis fósseis precisa ser realizado de forma justa e equitativa para os trabalhadores. O governo brasileiro pretende explorar petróleo na foz do rio Amazonas, e o petróleo é uma fonte importante de receita para o Brasil, podendo ajudar na implementação de políticas que reduzem desigualdades. Como avalia a situação e como resolver essas diferentes questões?

Estou ciente de que existem tensões entre avançar em uma direção ou em outra. Isso é um dilema interno para o Brasil. O que eu afirmei é que precisamos de dois tipos de transição justa em cada país. Precisamos da transição justa para sair dos combustíveis fósseis. Isso significa direcionar recursos significativos para quem trabalha hoje com carvão, petróleo ou gás. Precisamos que essas pessoas passem pela transição de forma justa. E precisamos de uma transição justa para que a energia renovável seja acessível. Isso, novamente, requer recursos, e é por isso que é tão importante mudar o destino do dinheiro. Parar de subsidiar o que nos prejudica para ajudar os países a incentivar, por exemplo, as pessoas a terem acesso à energia limpa. Ou incentivar fazendeiros a atuarem de forma correta. Se os países gastarem dinheiro com isso, as próximas gerações terão um futuro melhor. Se eles gastarem esse dinheiro da maneira correta e de uma maneira muito inclusiva, combatendo a pobreza, terão um futuro melhor.

Acha que o Brasil não deve explorar petróleo nessa região, ainda que o petróleo lhe garanta recursos que podem ajudar o desenvolvimento do País?

Sou contra novas explorações de petróleo e gás e estou muito satisfeita com a liderança da Agência Internacional de Energia e sua posição firme de que não podemos nos dar ao luxo de iniciar novas explorações. Entendo as limitações do governo brasileiro e respeito essas restrições, mas vou falar isso quando estiver no Brasil.

Acha que o Brasil pode liderar essa discussão de eliminação dos combustíveis fósseis na COP-30 mesmo explorando petróleo na foz do Rio Amazonas?

Sim, acredito que o Brasil pode liderar, porque, pelo menos, tem boas intenções. Teremos a próxima COP em Baku (no Azerbaijão). Acharia mais difícil dizer que o governo de lá tem alguma intenção (a economia do país depende de combustíveis fósseis). Com essa combinação de G-20 e COP-30, o Brasil tem o potencial para realmente assumir essa liderança. O mundo anseia por isso.

*As repórteres viajaram a convite da Associated Press e da Skoll Foundation

Entrevista por Luciana Dyniewicz

Repórter de Economia & Negócios. Formada em jornalismo pela UFSC e em ciências econômicas pela PUC-SP. Vencedora dos prêmios Citi Journalistic Excellence, Boeing Abear de Jornalismo e CNT de Jornalismo na categoria meio ambiente. É fellow do World Press Institute (WPI).

Paula Ferreira

Repórter de políticas públicas em Brasília, atua na cobertura de temas relacionados a Educação, Meio Ambiente, Saúde e Segurança. Graduada em jornalismo e mestre em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi vencedora do Prêmio Esso 2015 na categoria "Educação". Trabalhou no jornal O Globo, SBT e Band.

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