‘O Brasil perderá mercados se não cuidar dos biomas’, alerta ambientalista


Zerar desmate e defender a biodiversidade ‘são tarefas urgentes’, avisa Carlos Nobre, copresidente do Future Carbon Group

Por Sonia Racy
Atualização:
Foto: Pedro Ivo Prates/
Entrevista comCalos NobreAmbientalista e copresidente do Future Carbon Group

Uma palavra-chave na grande luta mundial pelo meio ambiente – descarbonização – está presente, há muitos anos, na vida de Carlos Afonso Nobre. Trata-se, simplesmente, de eliminar o excesso de carbono produzido no planeta, para garantir um futuro saudável aos seus habitantes – e Nobre, engenheiro eletrônico, atua nessa cruzada persistentemente.

Nesse caminho, acaba de aceitar ser copresidente do Comitê de Alta Integridade do Future Carbon Group – um instrumento financeiro recém-criado para negociar créditos de carbono. Sua especialidade é o aquecimento global. Pesquisador da USP, participou da feitura do Relatório de Avaliação do IPCC, que foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007.

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Na sua luta contra desmatamentos – sabe-se, segundo publicou o Estadão ontem, que 50% do desmate em 2022 ocorreu em unidades de conservação pertencentes ao governo federal –, Nobre se diz decepcionado com o enfraquecimento que vem ocorrendo no Ministério do Meio Ambiente. “Grande parte da população quer proteger a Amazônia, restaurar a Mata Atlântica,o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, os Pampas. Esse enfraquecimento mostra que somos um País pobremente democrático. A população quer a preservação e os políticos não.”

O foco do Future Carbon, empresa brasileira com atuação global, é buscar soluções de descarbonização unindo “visão de negócio e tecnologia, capital intensivo e excelência técnica”.

Consciência de que a floresta em pé é necessária para o agronegócio ainda não está disseminada, diz Carlos Nobre Foto: Herton Escobar / Estadão
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Falando ao Estadão, Nobre diz que o Brasil pode tornar-se “um dos líderes mundiais no combate à emergência climática”. Mas, por outro lado, advertiu: ele “perderá mercados internacionais se não cuidar dos seus biomas”.

Vamos ao centro do problema: como vai a luta para regular o mercado brasileiro de carbono?

Já começou a aparecer no Congresso um marco legal, que ainda vai ser muito debatido. Temos de ser otimistas para que seja adotado, e logo. É importante porque, quando for regulado globalmente, será um mercado de centenas de bilhões de dólares.

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Quando isso vai ocorrer?

Demora, porque nos países em desenvolvimento persiste a ideia de que somente os países ricos devem criar o mercado de carbono. Isso não faz sentido. O Brasil é o quarto maior emissor historicamente. Desde meados do século 19, 86% das nossas emissões de gases de efeito estufa foram de desmatamentos e agricultura.

China e EUA juntos produzem mais de 50% desses gases. E o Brasil, quanto?

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O Brasil é responsável por quase 4%. Mas, eticamente, não podemos falar só do total: o cálculo deve ser per capita. Pegar as emissões e dividir pela população. Nesse cálculo, o Brasil em 2022 passou a China: chegou a 11,2 toneladas de CO<MD->2</MD> equivalente por habitante. A China está em 10,5; os EUA em 16,5; Alemanha, entre 10,5 e 11 toneladas. Então, o Brasil tem emissões per capita muito altas.

Qual a perspectiva para a regulação mundial do mercado de carbono?

Acredito que até a COP 29 chegaremos a um acordo sobre o Artigo 6, sobre o mercado de carbono global. Os países tropicais têm um enorme potencial porque suas florestas crescem rapidamente e removem muito gás carbônico da atmosfera pela fotossíntese. Com a Amazônia, cerrado e restauração da Mata Atlântica, o Brasil tem um gigantesco potencial: US$ 15 bilhões a U$ 25 bilhões por ano durante muitas décadas.

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O sr. presidirá o Comitê de Alta Integridade de um fundo para o mercado de carbono. Como ele atuará?

Sim, o fundo é o Future Carbon. Ele vai assegurar que todos os créditos de carbono negociados sejam verdadeiros. Que representem, de fato, redução das emissões de gases com recrescimento de floresta, que beneficiem a população que mantém a floresta em pé. Quem sabe até a COP 30, que será em Belém do Pará, em 2025, o Brasil já possa ser beneficiado por esses recursos.

O que falta para conscientizar as pessoas a manter a floresta no Brasil?

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Falta entender que as florestas em pé tornam a agricultura mais resiliente aos extremos climáticos. Mas o nosso agronegócio, historicamente, é expansionista, visa a posse da terra. E isso faz com que se mantenha uma enorme pressão para desmatamento dos nossos biomas. Mas eu não estou pessimista, acho que conseguiremos inverter, porque a pressão internacional vai crescer demais. O Brasil pode perder muitos mercados internacionais se mantiver essa trajetória de não valorizar os biomas, não zerar os desmatamentos.

Poderia ser diferente?

Com uma pecuária superprodutiva, usaríamos menos de 50% de todo o território hoje utilizado. Quando você faz uma agricultura regenerativa, você diminui a alta temperatura e mantém mais água no solo. E essa agricultura absorve mais carbono. Precisamos criar escala, porque seria, inclusive, muito mais lucrativa.

Acha que podemos chegar lá e usufruir de tudo isso?

Infelizmente, essa cultura de agricultura de expansão inclui um mercado de terras griladas na Amazônia, propriedades até privadas, que desmatam porque acham que o mercado de terras se valoriza. Combater esse crime ambiental é um enorme desafio de todos.

Uma palavra-chave na grande luta mundial pelo meio ambiente – descarbonização – está presente, há muitos anos, na vida de Carlos Afonso Nobre. Trata-se, simplesmente, de eliminar o excesso de carbono produzido no planeta, para garantir um futuro saudável aos seus habitantes – e Nobre, engenheiro eletrônico, atua nessa cruzada persistentemente.

Nesse caminho, acaba de aceitar ser copresidente do Comitê de Alta Integridade do Future Carbon Group – um instrumento financeiro recém-criado para negociar créditos de carbono. Sua especialidade é o aquecimento global. Pesquisador da USP, participou da feitura do Relatório de Avaliação do IPCC, que foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007.

Na sua luta contra desmatamentos – sabe-se, segundo publicou o Estadão ontem, que 50% do desmate em 2022 ocorreu em unidades de conservação pertencentes ao governo federal –, Nobre se diz decepcionado com o enfraquecimento que vem ocorrendo no Ministério do Meio Ambiente. “Grande parte da população quer proteger a Amazônia, restaurar a Mata Atlântica,o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, os Pampas. Esse enfraquecimento mostra que somos um País pobremente democrático. A população quer a preservação e os políticos não.”

O foco do Future Carbon, empresa brasileira com atuação global, é buscar soluções de descarbonização unindo “visão de negócio e tecnologia, capital intensivo e excelência técnica”.

Consciência de que a floresta em pé é necessária para o agronegócio ainda não está disseminada, diz Carlos Nobre Foto: Herton Escobar / Estadão

Falando ao Estadão, Nobre diz que o Brasil pode tornar-se “um dos líderes mundiais no combate à emergência climática”. Mas, por outro lado, advertiu: ele “perderá mercados internacionais se não cuidar dos seus biomas”.

Vamos ao centro do problema: como vai a luta para regular o mercado brasileiro de carbono?

Já começou a aparecer no Congresso um marco legal, que ainda vai ser muito debatido. Temos de ser otimistas para que seja adotado, e logo. É importante porque, quando for regulado globalmente, será um mercado de centenas de bilhões de dólares.

Quando isso vai ocorrer?

Demora, porque nos países em desenvolvimento persiste a ideia de que somente os países ricos devem criar o mercado de carbono. Isso não faz sentido. O Brasil é o quarto maior emissor historicamente. Desde meados do século 19, 86% das nossas emissões de gases de efeito estufa foram de desmatamentos e agricultura.

China e EUA juntos produzem mais de 50% desses gases. E o Brasil, quanto?

O Brasil é responsável por quase 4%. Mas, eticamente, não podemos falar só do total: o cálculo deve ser per capita. Pegar as emissões e dividir pela população. Nesse cálculo, o Brasil em 2022 passou a China: chegou a 11,2 toneladas de CO<MD->2</MD> equivalente por habitante. A China está em 10,5; os EUA em 16,5; Alemanha, entre 10,5 e 11 toneladas. Então, o Brasil tem emissões per capita muito altas.

Qual a perspectiva para a regulação mundial do mercado de carbono?

Acredito que até a COP 29 chegaremos a um acordo sobre o Artigo 6, sobre o mercado de carbono global. Os países tropicais têm um enorme potencial porque suas florestas crescem rapidamente e removem muito gás carbônico da atmosfera pela fotossíntese. Com a Amazônia, cerrado e restauração da Mata Atlântica, o Brasil tem um gigantesco potencial: US$ 15 bilhões a U$ 25 bilhões por ano durante muitas décadas.

O sr. presidirá o Comitê de Alta Integridade de um fundo para o mercado de carbono. Como ele atuará?

Sim, o fundo é o Future Carbon. Ele vai assegurar que todos os créditos de carbono negociados sejam verdadeiros. Que representem, de fato, redução das emissões de gases com recrescimento de floresta, que beneficiem a população que mantém a floresta em pé. Quem sabe até a COP 30, que será em Belém do Pará, em 2025, o Brasil já possa ser beneficiado por esses recursos.

O que falta para conscientizar as pessoas a manter a floresta no Brasil?

Falta entender que as florestas em pé tornam a agricultura mais resiliente aos extremos climáticos. Mas o nosso agronegócio, historicamente, é expansionista, visa a posse da terra. E isso faz com que se mantenha uma enorme pressão para desmatamento dos nossos biomas. Mas eu não estou pessimista, acho que conseguiremos inverter, porque a pressão internacional vai crescer demais. O Brasil pode perder muitos mercados internacionais se mantiver essa trajetória de não valorizar os biomas, não zerar os desmatamentos.

Poderia ser diferente?

Com uma pecuária superprodutiva, usaríamos menos de 50% de todo o território hoje utilizado. Quando você faz uma agricultura regenerativa, você diminui a alta temperatura e mantém mais água no solo. E essa agricultura absorve mais carbono. Precisamos criar escala, porque seria, inclusive, muito mais lucrativa.

Acha que podemos chegar lá e usufruir de tudo isso?

Infelizmente, essa cultura de agricultura de expansão inclui um mercado de terras griladas na Amazônia, propriedades até privadas, que desmatam porque acham que o mercado de terras se valoriza. Combater esse crime ambiental é um enorme desafio de todos.

Uma palavra-chave na grande luta mundial pelo meio ambiente – descarbonização – está presente, há muitos anos, na vida de Carlos Afonso Nobre. Trata-se, simplesmente, de eliminar o excesso de carbono produzido no planeta, para garantir um futuro saudável aos seus habitantes – e Nobre, engenheiro eletrônico, atua nessa cruzada persistentemente.

Nesse caminho, acaba de aceitar ser copresidente do Comitê de Alta Integridade do Future Carbon Group – um instrumento financeiro recém-criado para negociar créditos de carbono. Sua especialidade é o aquecimento global. Pesquisador da USP, participou da feitura do Relatório de Avaliação do IPCC, que foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007.

Na sua luta contra desmatamentos – sabe-se, segundo publicou o Estadão ontem, que 50% do desmate em 2022 ocorreu em unidades de conservação pertencentes ao governo federal –, Nobre se diz decepcionado com o enfraquecimento que vem ocorrendo no Ministério do Meio Ambiente. “Grande parte da população quer proteger a Amazônia, restaurar a Mata Atlântica,o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal, os Pampas. Esse enfraquecimento mostra que somos um País pobremente democrático. A população quer a preservação e os políticos não.”

O foco do Future Carbon, empresa brasileira com atuação global, é buscar soluções de descarbonização unindo “visão de negócio e tecnologia, capital intensivo e excelência técnica”.

Consciência de que a floresta em pé é necessária para o agronegócio ainda não está disseminada, diz Carlos Nobre Foto: Herton Escobar / Estadão

Falando ao Estadão, Nobre diz que o Brasil pode tornar-se “um dos líderes mundiais no combate à emergência climática”. Mas, por outro lado, advertiu: ele “perderá mercados internacionais se não cuidar dos seus biomas”.

Vamos ao centro do problema: como vai a luta para regular o mercado brasileiro de carbono?

Já começou a aparecer no Congresso um marco legal, que ainda vai ser muito debatido. Temos de ser otimistas para que seja adotado, e logo. É importante porque, quando for regulado globalmente, será um mercado de centenas de bilhões de dólares.

Quando isso vai ocorrer?

Demora, porque nos países em desenvolvimento persiste a ideia de que somente os países ricos devem criar o mercado de carbono. Isso não faz sentido. O Brasil é o quarto maior emissor historicamente. Desde meados do século 19, 86% das nossas emissões de gases de efeito estufa foram de desmatamentos e agricultura.

China e EUA juntos produzem mais de 50% desses gases. E o Brasil, quanto?

O Brasil é responsável por quase 4%. Mas, eticamente, não podemos falar só do total: o cálculo deve ser per capita. Pegar as emissões e dividir pela população. Nesse cálculo, o Brasil em 2022 passou a China: chegou a 11,2 toneladas de CO<MD->2</MD> equivalente por habitante. A China está em 10,5; os EUA em 16,5; Alemanha, entre 10,5 e 11 toneladas. Então, o Brasil tem emissões per capita muito altas.

Qual a perspectiva para a regulação mundial do mercado de carbono?

Acredito que até a COP 29 chegaremos a um acordo sobre o Artigo 6, sobre o mercado de carbono global. Os países tropicais têm um enorme potencial porque suas florestas crescem rapidamente e removem muito gás carbônico da atmosfera pela fotossíntese. Com a Amazônia, cerrado e restauração da Mata Atlântica, o Brasil tem um gigantesco potencial: US$ 15 bilhões a U$ 25 bilhões por ano durante muitas décadas.

O sr. presidirá o Comitê de Alta Integridade de um fundo para o mercado de carbono. Como ele atuará?

Sim, o fundo é o Future Carbon. Ele vai assegurar que todos os créditos de carbono negociados sejam verdadeiros. Que representem, de fato, redução das emissões de gases com recrescimento de floresta, que beneficiem a população que mantém a floresta em pé. Quem sabe até a COP 30, que será em Belém do Pará, em 2025, o Brasil já possa ser beneficiado por esses recursos.

O que falta para conscientizar as pessoas a manter a floresta no Brasil?

Falta entender que as florestas em pé tornam a agricultura mais resiliente aos extremos climáticos. Mas o nosso agronegócio, historicamente, é expansionista, visa a posse da terra. E isso faz com que se mantenha uma enorme pressão para desmatamento dos nossos biomas. Mas eu não estou pessimista, acho que conseguiremos inverter, porque a pressão internacional vai crescer demais. O Brasil pode perder muitos mercados internacionais se mantiver essa trajetória de não valorizar os biomas, não zerar os desmatamentos.

Poderia ser diferente?

Com uma pecuária superprodutiva, usaríamos menos de 50% de todo o território hoje utilizado. Quando você faz uma agricultura regenerativa, você diminui a alta temperatura e mantém mais água no solo. E essa agricultura absorve mais carbono. Precisamos criar escala, porque seria, inclusive, muito mais lucrativa.

Acha que podemos chegar lá e usufruir de tudo isso?

Infelizmente, essa cultura de agricultura de expansão inclui um mercado de terras griladas na Amazônia, propriedades até privadas, que desmatam porque acham que o mercado de terras se valoriza. Combater esse crime ambiental é um enorme desafio de todos.

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